6 Considerações Finais

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6 Considerações Finais A animação brasileira, de um modo geral, vive um período fértil de produções. Os três filmes estudados nesta pesquisa, além de corroborarem o bom momento do cenário atual, foram além e obtiveram reconhecimento internacional, elevando a animação brasileira a patamares não alcançados anteriormente. Desta maneira, vale a pena voltarmos às questões norteadoras de nosso estudo, e verificar nossas hipóteses para tecermos considerações sobre nossa pesquisa e apontamentos futuros. Primeiramente, situamos a animação como meio de produção de movimento no interstício entre a primeira e a segunda técnica (BENJAMIN, 2014, p. 62). Da mesma forma, a aura de seus objetos está não no original (visto que é uma arte baseada na reprodutibilidade) mas no processo: nos desenhos preliminares, nos estudos de personagem e cenário etc. Observamos também que a mise-en-scène, como conjunto do que está no plano cinematográfico, também comporta o movimento (BORDWELL, 2008, p. 35; BORDWELL e THOMPSON, 2013, p. 279-280). Aprofundamos este conceito, mostrando que o movimento em animação é parte fundamental de como a visualidade do filme é construída (FURNISS, 2014, p. 62). Dessa forma, propomos que a temporização, como planejamento da construção do movimento, e, junto com o espaçamento, uma integrante da construção do movimento, seja parte da mise-en-scène. Assim, questionamos (no início desta pesquisa) se o uso de temporização japonesa está a serviço de uma estética ou de um sistema puramente produtivo. Nossa hipótese inicial era de que a temporização japonesa, por diminuir o número de poses intermediárias na construção do movimento, permitiria uma diminuição do esforço humano. Logo, seu fim primordial seria produtivo, antes de ser estético. A literatura de animação ocidental afirma que o movimento deve ser construído com exposição por um e por dois, que um número de desenhos abaixo de 12 por segundo, faria com que a percepção do movimento fosse menos fluida aos olhos do espectador. Porém, analisamos como a percepção visual humana tem na ilusão de ótica sua regra (GOMBRICH, 2007, p. 260) e que imagens que não

229 relacionadas postas lado a lado ou uma após a outra no tempo são interpretadas como sequenciais (GEORGE, 2009, p.17). Logo, a advertência de não criar movimentos com menos de 12 desenhos não procede 1. Observamos que a proposta de criar um tipo de movimento diferenciado é amadurecida na UPA, e logo é abraçada pela Zagreb Film e por produções destinadas à TV. Porém, a animação econômica, utilizada nesses filmes, não modificava ainda a exposição padronizada pela escola norte-americana. Quem o vai fazer primeiro, de maneira sistemática, serão alguns animadores experimentais japoneses (FURUHATA, 2014, p.185), de onde Tezuka vai se apropriar do movimento construído com menos desenhos por segundo e aliar a uma série de outras características para criar seus filmes. O emprego por Tezuka de tais recursos culmina na produção de Astroboy. No caso de Tezuka, o emprego de uma série de técnicas e o uso de banco de dados de movimentos tem a função de tornar seu produto mais barato. Dessa forma, a legitimação (LYOTARD, 2013, p. 82) da realização de Tezuka, e japonesa subsequente, baseia-se na produção em larga escala de séries para TV. Porém, vimos que não apenas a exposição integra o método japonês de construção de movimentos. Aliado a ela, há a possibilidade de mover poses, estáticas ou não, das personagens: os movimentos em camadas (moving drawings) (LAMARRE, 2002, p. 329), resultando num conjunto de recursos que decidimos chamar de temporização japonesa. Observamos também que não apenas estes, mas a sucessão de quadros desenhados é responsável pela criação de movimentos nos filmes de animação japoneses para TV: movimentos desenhados (drawing movements). Para completar, observamos que também os movimentos da composição da cena podem ser planares (animatismo) ou em direção ao horizonte (cinematismo) (LAMARRE, 2009, p. 5). Constatamos que cada um dos três autores brasileiros aplicou o método de animação japonês 2 com intenções bem diferentes. Luiz Bolognesi tinha consciência do tipo de movimentação que queria, e fez da aplicação do processo japonês uma escolha deliberada. Aliado a estas, conjugou movimentos com predominância em filmes ocidentais (cinematismo) 1 Se a intenção de animação fluida não for a intenção primordial do animador. 2 Mesmo que de maneira não-intencional e dirigida, como em O Menino e o Mundo.

230 para criar uma estética diferenciada. Em seu caso, a escolha da temporização não teve a intenção de diminuir os esforços, mas de criar um filme cuja movimentação não fosse excessiva, como Bolognesi disse observar em filmes de animação ocidentais. Já Alê Abreu segue sua experiência como animador. Em seus filmes, o autor construiu grande parte dos movimento de suas personagens com exposição por dois. Porém, como ele mesmo afirma, não se limitou a este tipo de temporização na criação de seu filme O Menino e o Mundo. Alê Abreu também se utilizou de cinematismo e animetismo para criar o movimento das composições do filme, e isso aliado a um trabalho de arte que torna o conjunto da obra sem precedentes, em questões visuais, na história da animação brasileira. Também Pedro Eboli fez uma escolha estética ao designar elementos de construção de movimentos tipicamente nipônicos. Porém, como confirma o autor, essa escolha possibilitou que o filme pudesse ser feito em tempo hábil e com um custo baixo. Assim, a legitimação do uso da temporização japonesa nos filmes brasileiros deuse pela escolha estética dos autores, mas se encaixou aos baixo orçamento. Seguindo adiante, perguntamo-nos por que os autores brasileiros estudados nesta pesquisa optaram pelo uso da temporização japonesa em suas obras. Nossa hipótese inicial era de que, frente a orçamentos pouco expressivos no setor audiovisual, os autores brasileiros optariam por um sistema de produção de movimentos que economizasse recursos, e que atendesse a uma demanda estética de mercado. E, como vimos, constatamos que nossa hipótese estava errada. Não só a escolha pela temporização foi estética, como em alguns casos os autores sequer se preocuparam em utilizá-la porque havia uma demanda de mercado. A preocupação de Luiz Bolognesi, partindo de sua preocupação estética, era criar um filme cujos movimentos não fossem expansivos, como os norte-americanos. Bolognesi queria um tipo de movimento mais próximo do movimento de captação direta, e viu na temporização japonesa um meio de conseguir isso. E essa decisão não partiu de uma demanda de mercado. Como o diretor afirma, sua intenção não era criar um animê brasileiro, mas um filme brasileiro que referenciasse várias fontes para criar um produto nacional. Já Alê Abreu no processo de animação de seu filme, não estava preocupado em utilizar a temporização japonesa. Mas, como

231 não criou barreiras para utilizá-la, abriu mão da temporização anteriormente planejada para que a personagem pudesse permanecer mais tempo em determinadas poses, utilizando, assim, o recurso econômico da temporização japonesa. A escolha de Pedro Eboli pela temporização nipônica veio principalmente de sua escolha estética, antes do baixo orçamento de seu filme. Esta foi uma preocupação posterior, tanto que, como o autor afirma, sabia que não poderia criar movimentos que demandassem muito tempo para serem construídos porque não teria tempo de concluí-los. O gosto de Pedro pela animação econômica foi uma feliz escolha frente a falta de recursos do edital de que participava. Por fim, interpelamo-nos se nos filmes que utilizaram temporização japonesa, houve uma reinvenção estética a partir do modelo nipônico, ou uma cópia visual de tal padrão. Nossa hipótese era de que, a partir de um projeto visual próprio, os filmes de animação que utilizaram temporização japonesa conseguiriam criar uma estética particular para seus produtos visuais. E esta nossa hipótese não só foi confirmada, como também foi expandida. No caso de Luiz Bolognesi, a visualidade de seu filme, cuja fonte remete aos quadrinhos e novelas gráficas de que o diretor é fã, cria um ambiente que não é parecido com o de animações produzidas por estúdios ocidentais, como fizeram Disney, Don Bluth Productions etc. Também não se parece com animações voltadas para o mercado de TV, como a Warner Brothers Animation quando lança filmes com personagens vindos de quadrinhos. Como afirma o próprio Bolognesi, seu filme também não é um animê brasileiro. O uso da temporização japonesa em Uma História de Amor e Fúria, associado ao visual proposto por Bolognesi, e a construção de movimentos que misturam animetismo e cinematismo dá ao filme tonalidades que poderíamos chamar de brasileiras, dado o ineditismo de sua proposta. Alê Abreu traz sua proposta visual a partir de seu curta O Passo, e a retrabalha repetidamente para chegar ao resultado apresentado em O Menino e o Mundo. A história apresentada pelos olhos de uma criança tem seu visual como que construído também pelas mãos de uma criança, com desenhos estilizados, uso de materiais analógicos, como lápis, giz, tinta e colagens. Alê Abreu, mesmo que inconsciente, referencia

232 anos de produção artística de autores conhecidos como Miró, Paul Klee e Marc Chagall. Tal visualidade original aliada à construção de movimento baseada em animação ocidental e japonesa, tanto nas composições como na temporização, cria um filme que se torna inédito desde o momento de sua criação, e que dificilmente ficará obsoleto com o tempo. Pedro Eboli transforma suas experimentações visuais, que constantemente divulga em sua página na web, em personagens animadas. Pedro tem um estilo visual próprio, com leves influências dos desenhos animados norte-americanos dos anos 1970, principalmente aqueles produzidos pelo estúdio Hanna-Barbera. A partir disso, cria movimentos que tem na animação econômica seu ponto máximo de experimentação e criação. Isso aliado à estética que mistura de captação direta e animação torna seu filme, Menina, uma homenagem brasileira às séries japonesas e à animação norteamericana para TV dos anos 1970. Desta forma, conseguimos construir um panorama da utilização da temporização japonesa, que não utiliza apenas a sucessão de poses para confeccionar o movimento, mas movimento de planos e divisão da personagem em peças. E as obras brasileiras estudadas nesta pesquisa utilizaram não só o método japonês de animação, mas as conjugaram com o método ocidental de construção do movimento, a saber: movimentos em profundidade no plano, e redesenho de personagens para construir movimentos. A reunião desses elementos de forma diferenciada em cada uma das três animações, mais o projeto visual próprio de cada autor, deu origem a três filmes completamente diferentes entre si, e profundamente originais. A técnica influenciou diretamente a estética dos filmes, mesmo que a escolha pela temporização japonesa tenha sido consciente, involuntária ou fruto da vontade pessoal. Poderíamos acrescentar que a incansável jornada dos autores brasileiros, desde os primórdios da animação nacional, foi levada à frente por estes três autores, cujos filmes representam não só uma visão estética particular, mas também uma resposta a um sistema industrial impessoal de produção de filmes de animação visto atualmente em produções de grandes estúdios como Disney, Pixar, Dreamworks etc. Conseguimos colocar o movimento no centro da pesquisa, mostrando sua importância para o filme de

233 animação. E ao mostrar a evolução tecnológica presente no processo de produção do movimento, conseguimos enfatizar a importância da figura do animador para a construção do movimento. A interpolação automática de movimento, construídos através de cálculos matemáticos pelos softwares, não é capaz de criar movimento respeitando o arco entre as poses, ou mesmo o exagero do movimento para afastar as personagens do Vale da Estranheza (MORI, 2012, p. 98). Dessa forma, vimos que a aplicação de tecnologia digital para a construção do movimento tem como foco a performance do processo de produção da animação, seja na construção do movimento, com programa vetorial, seja na etapa de colorização quadro-a-quadro, composição e efeitos. Assim, tendo a figura do animador no centro da etapa de construção do movimento, a animação firma-se ainda mais como uma linguagem ainda em expansão. É importante ressaltar que a pecha que a temporização japonesa ainda encontra em alguns meios, sob a alcunha de animação desanimada ou "produto mal-feito pode ser desfeita em alguns anos. E isso porque autores como Pedro Eboli, tem preferência pelos movimentos construídos no estúdio Hanna-Barbera, este que na década de 1960 e 1970 era visto como animação desanimada e produto mal-feito. Pode ser que o tempo façam emergir artistas que exponham publicamente sua preferência pela temporização japonesa e esta não seja motivo de aversão de alguns espectadores ou profissionais de animação. Mas este estudo não pode se dar por terminado, sem apontar alguns caminhos para pesquisas futuras que possam surgir a partir desta nossa contribuição. Uma opção poderia ser o estudo das composições visuais nos filmes de animação. As animações japonesas para TV, por terem grande parte de suas cenas baseadas em mangás de sucesso, utilizam o arranjo visual dos elementos em quadro para criar dinamismo e dirigir o olhar do espectador para o foco da atenção da cena. Outro apontamento para futuros estudos seria a contribuição que a etapa de roteiro em quadros (storyboard) tem na construção e visualização do filme de animação. Luiz Bolognesi afirma que a etapa de roteiro em quadros é importante para vislumbrar falhas, excessos e problemas narrativos 3. De forma semelhante, 3 Afirmação contida na transcrição de sua entrevista, que se encontra no Apêndice deste estudo.

234 Alê Abreu também dá importância ao roteiro em quadros ao trabalhá-lo antes de um roteiro escrito prévio, e não a partir deste. Tal concepção torna diferenciada não só a abordagem da imagem para os filmes de animação, como impacta na visualidade final da obra. Este estudo concentrou seus esforços em três autores brasileiros que utilizaram a temporização japonesa em seus filmes de animação e tiveram seus filmes premiados entre os anos de 2013 e 2014. Compreende-se que trabalhos futuros que venham a estudar a animação brasileira sob seu aspecto técnico terão muito a contribuir com esta pesquisa, e atualizá-la em diversos pontos. Por fim, espera-se que este estudo tenha surtido o efeito de ajudar e estimular que estes novos trabalhos surjam cada vez mais e em maior quantidade em nosso país.