CONSTRUINDO O CONCEITO DE SIMETRIA EM RELAÇÃO A UMA RETA: DO JARDIM DE INFÂNCIA AO 3º GRAU



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Transcrição:

41 BOLETIM GEPEM 35 CONSTRUINDO O CONCEITO DE SIMETRIA EM RELAÇÃO A UMA RETA: DO JARDIM DE INFÂNCIA AO 3º GRAU Ana Maria M. R. Kaleff Departamento de Geometria Universidade Federal Fluminense - RJ PUBLICAÇÃO GEPEM GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

42 CONSTRUINDO O CONCEITO DE SIMETRIA EM RELAÇÃO A UMA RETA: DO JARDIM DE INFÂNCIA AO ENSINO SUPERIOR Publicado em Boletim GEPEM, nº 35, 1999, p. 42-56 Ana Maria M. R. Kaleff Departamento de Geometria Universidade Federal Fluminense - RJ Um dos principais objetivos do ensino de Geometria, tanto no ensino fundamental quanto no médio, é o desenvolvimento da percepção visual, o qual pode ser incentivado por meio da exploração de efeitos visuais obtidos a partir de modelos concretos de representações de transformações geométricas. A partir destas observações e como produto de pesquisas em busca de novos caminhos para o ensino de Geometria, foram desenvolvidas atividades que fazem parte de uma coleção de módulos instrucionais, os quais têm sido aplicados a licenciandos em Matemática e a participantes de cursos de extensão para treinamento de professores de Matemática ministrados no Laboratório de Ensino de Geometria da UFF e no Espaço-UFF de Ciências, em Niterói-RJ. As atividades descritas e comentadas a seguir, fazem parte destes módulos instrucionais e também foram apresentadas, num curso de quatro horas de duração, ministrado na Universidade Santa Úrsula-RJ, durante a V Semana da Matemática, realizada em maio de 1993. Por meio das tarefas apresentadas, objetiva-se desenvolver o conceito de pontos simétricos e o da transformação geométrica denominada simetria axial plana. Para tanto, parte-se de aplicações que podem ser realizadas na pré-escola e segue-se, numa escalada crescente de dificuldades, até se atingir o nível de abstração dos conceitos e da linguagem pertencentes ao ensino médio e superior. Para o desenvolvimento das atividade iniciais, são admitidos dois tipos de estratégia de abordagem para a aplicação dos conceitos em questão: uma dinâmica e outra estática. A abordagem dinâmica se dá por meio de um jogo chamado Queimada com obstáculos, o qual envolve um movimento no espaço por meio de uma dobradura de uma folha de papel. Como este movimento pode causar uma falsa impressão de que o conceito geométrico de simetria axial plana, a ser desenvolvido pelo aluno, é do domínio espacial, são também apresentadas duas abordagens estáticas de representações planas deste conceito. A primeira consiste no reconhecimento visual dos pontos do jogo e de suas relações, por meio de um desenho resultante do mesmo, enquanto que a segunda faz uso de imagens refletidas num espelho plano. Queimada com obstáculos é jogado por uma dupla de jogadores, a qual se fornece uma folha retangular de papel em branco e duas canetas do tipo hidrocor com cores diferentes.

43 ATIVIDADE Preparação e apresentação do jogo a) Solicita-se à dupla de alunos que divida a folha de papel por meio de um segmento de reta. Cada parte da folha será o campo de jogo de cada jogador. b) Pede-se a cada jogador que desenhe, no seu campo de jogo, três obstáculos (por exemplo: uma pedra, uma árvore, um canteiro, etc) e seis bonecos, sendo que um deles deve ser desenhado dentro de um círculo. Este boneco será o chefe do campo. Regras do jogo 1ª) A bola do jogo é jogada de um campo para outro da seguinte maneira: a) marca-se um ponto com caneta hidrocor no campo do atirador; b) dobra-se o papel sobre o segmento de reta divisório dos campos; c) transporta-se o ponto, por meio de decalque, para o campo adversário. Quando o ponto transportado atinge um dos bonecos diz-se que este boneco foi queimado. 2ª) O objetivo do jogo é queimar todos os bonecos do adversário, devendo o chefe ser queimado em último lugar; 3ª) A pontuação de cada jogada é feita da seguinte maneira: a) um ponto ganho para cada boneco queimado; b) um ponto perdido para cada obstáculo do campo adversário atingido; c) três pontos perdidos quando o círculo do chefe for atingido sem que os demais bonecos do adversário estejam queimados. Esse jogo também tem sido aplicado pelos professores participantes dos nossos cursos de treinamento a seus alunos e tem sido observado que, tanto os adultos quanto as crianças dobram a folha retangular ao meio, segundo a sua maior dimensão. Em ambos os casos, os jogadores, ao serem perguntados, o quê os motivou a dobrarem a folha desta maneira, respondem que estão formando os campos de uma quadra de jogo, e portanto, estes devem ser iguais. Assim sendo, observa-se a influência de nosso meio cultural agindo significativamente tanto no comportamento do aluno quanto no do professor, que pressupõem uma situação que não foi explicitada nas regras do jogo, a qual, porém, é tomada como implícita pela maioria dos jogadores. Em um dos cursos ministrados, foi até mesmo observado o caso de uma dupla de professores que desenhou um campo de futebol, com todas as linhas divisórias demarcadas.

44 Outros professores alegam que a redação do texto induz o aluno a dividir a folha ao meio, pois nele ocorre a expressão por meio de um segmento de reta. Este fato tem sido aproveitado como disparador de amplas discussões sobre a necessidade de se levar o aluno a fazer uma leitura atenta e crítica do texto, permitindo que o professor seja lembrado de que seu papel como educador deve abranger a formação de alunos críticos e conscientes da realidade em que vivem. Após estas discussões iniciais, costuma-se solicitar aos professores que façam uma outra dobra da folha a qual também contemple a situação solicitada no texto e que analisem as novas situações que aparecem. Somente após efetuarem esta segunda dobra, é que alguns professores percebem a importância da maneira de se dobrar a folha a fim de se obter situações, por meio das quais, alguns, ou todos os pontos dos campos de jogo possam ser atingidos. Todavia, muitos participantes somente após diversas apresentações de diferentes maneiras de se dobrar o papel é que percebem as situações geométricas envolvidas e suas conseqüências. As formas de se dobrar o papel inicialmente apresentadas pelos professores estão desenhadas no quadro apresentado a seguir. Tem sido observado que a forma a) é a mais comum, cerca de 95% dos casos de dobras, enquanto que a forma b) raramente aparece, sendo que as formas c) e d) somente surgem em cursos cujos participantes têm um nível mais elevado de escolaridade: especialização ou mestrado. Como será comentado no final deste artigo, é fundamental que o professor perceba que estas dobraduras são modelos de situações que podem auxiliar o aluno a perceber, em séries mais avançadas, que a função simetria axial plana é uma função bijetora e portanto, inversível. Pois, enquanto, as situações a) e b) representariam modelos para o domínio de uma tal função, este não é o caso da situação c) pois, apesar dos campos terem o mesmo tamanho, e aparentemente a cada ponto de um campo se poder fazer corresponder um ponto do outro, isto não ocorre, devido à posição dos mesmos relativamente ao segmento de reta divisória. Por outro lado, na situação d), o campo maior não poderia corresponder ao domínio de uma função, pois não haveria para cada um dos seus pontos, um correspondente no campo menor, o que não é o caso deste campo, cujos pontos apesar de terem correspondentes no outro, poderiam deixar de atingir pontos deste, não

45 correspondendo ao modelo de função sobrejetora, a qual admita o campo menor como domínio e o maior como contra-domínio. Em nossa prática, tem sido observado que a maioria dos professores concorda que mesmo crianças pequenas, com cerca de cinco anos, são capazes de jogar Queimada com obstáculos, quando orientadas sobre as regras. Todavia, tem sido constatado que alguns docentes ainda não percebem a importância de se deixar a criança livre para fazer as suas próprias descobertas e avaliações, na determinação de como dobrar o papel para que todo campo do adversário possa ser atingido e na busca do lugar do campo no qual ela deve colocar a bola para que realmente queime um boneco do outro jogador, obtendo um ponto no jogo. Como decorrência, em nossa prática, tem sido enfatizado que estas estratégias auxiliam a formação da autoconfiança e do espírito de independência da criança e que devem ser desenvolvidas pelo aluno e não induzidas pelo adulto. Além disto, o estabelecimento destas estratégias de ação e as tentativas que a criança faz para atingir corretamente o alvo também são fundamentais para o desenvolvimento da visualização geométrica por meio da avaliação das distâncias entre os objetos desenhados e da sua apresentação no esquema plano do jogo. Pois, é vivenciando experiências ingênuas, porém concretas, como as aqui apresentadas, que a criança vai, aos poucos, desenvolvendo a sua própria maneira de ver o mundo à sua volta, criando estratégias de como lidar com problemas da vida real que envolvem situações mais elaboradas de avaliação de distâncias e de organização espacial. No quadro que se segue, está transcrita outra atividade, com a qual se objetiva levar a criança à análise e à caracterização das propriedades envolvidas com os conceitos desejados. O material utilizado é a folha de papel na qual está desenhado o esquema do jogo, uma régua, um esquadro e um transferidor, o qual pode ser opcional.

46 ATIVIDADE Nesta atividade, são chamados pontos simétricos em relação a uma reta (de separação dos campos) ao par de pontos, do campo do atirador e do campo do adversário, de cada jogada do Queimada com obstáculos. Procedimento a) Escolha um par de pontos simétricos e meça a distância entre eles. b) Meça a distância de cada ponto considerado no item anterior à reta divisória dos campos. c) Por meio de um segmento de reta una este mesmo par de pontos. Meça o ângulo formado pelo segmento traçado e a reta divisória dos campos. d) Repita os itens anteriores para alguns dos outros pontos simétricos. O que você observa? e) Você seria capaz de jogar Queimada com obstáculos utilizando apenas régua e esquadro, sem dobrar o papel? f) Discuta com seus colegas como jogar Queimada com obstáculos usando somente régua e esquadro de modo a não errar nenhuma jogada. Tem sido constatado que, a maioria dos professores que aplicaram estas atividades, relatam que o jogo têm sido dominado com segurança por crianças com cerca de 7 anos, e concordam que a introdução da régua, esquadro e transferidor só deva se dar após a criança ter conhecimento do que é ângulo, reta, perpendicular e ângulo reto (cerca de 8 anos). É interessante ser notado que, no início desta atividade, somente se nomeia o par de pontos pertencentes a uma jogada como pontos simétricos e que realmente não se está definindo o que seja este conceito. Todavia, esta introdução à atividade tem sido interpretada, pela maioria dos professores, como uma definição do conceito. No entanto, uma observação mais atenta do procedimento indicado na atividade, observa-se que, somente após realizá-lo e fazer uso de uma régua e de um transferidor, é que o estudante descobre os atributos e as características dos pontos simétricos. Assim sendo, este procedimento tem por objetivo levar o estudante a efetuar uma análise das propriedades que estão envolvidas no conceito em questão. O estudante observa a eqüidistância dos pontos ao segmento de reta de separação dos campos do jogo, os ângulos formados entre os segmentos desenhados, a perpendicularidade entre as retas que suportam esses segmentos, a inversão relativamente aos pontos simétricos, etc. Ainda nesta atividade, o aluno é levado a considerar as vantagens e desvantagens do uso da régua e do transferidor ao se jogar Queimada com obstáculos, sem recorrer ao movimento de dobrar

47 o papel e, portanto a movimentá-lo no espaço. Estas considerações permitem ao aluno restringir as suas observações ao plano do próprio papel. Portanto, esta análise informal e, aparentemente sem muita importância para o aluno, é fundamental para que se possa levá-lo a perceber a função simetria axial como uma função do próprio plano, o que será apresentado mais adiante, na última atividade apresentada, a qual trata da organização formal destas observações sobre o conceito. Numa terceira atividade, os professores são levados a conjecturar quanto à utilidade do uso de uma rede de papel, quadriculado ou milimetrado, como ferramenta para realização das atividades anteriores. Na USU, enquanto os professores apresentaram unanimidade na aceitação de que este jogo pode ser aplicado em diferentes séries escolares como indicado anteriormente, a introdução do uso de papel quadriculado só foi admitida para crianças que tenham vivenciado as experiências anteriores. Da mesma forma, houve concordância em que o papel milimetrado, deveria ser o último a ser introduzido como ferramenta auxiliar do jogo, mas somente para alunos que já dominassem os números racionais. No mesmo curso, foram também levantadas conjecturas quanto a outros tipos de materiais concretos a serem utilizados como modelo para o reconhecimento de pontos simétricos, tais como: figuras obtidas a partir de borrões formados pela dobradura de uma folha de papel realizada exatamente sobre um pingo de tinta fresca e figuras simétricas obtidas por meio de recortes de papel, formando silhuetas, rendas de papel com formas de flocos de neve, etc. Além de terem sido apresentadas as atividades anteriores, também se discutiu sobre a necessidade de se desenvolver outras atividades que envolvam a determinação e o traçado de linhas de simetria de figuras. Também, foram discutidas algumas dificuldades apresentadas pelos alunos quando necessitam traçar uma parte simétrica de uma figura dada, pois se verificou que, o estabelecimento de eixos de simetria não é tarefa muito fácil, até mesmo para alguns professores. Estas discussões foram motivadoras para que se pudesse apresentar os conceitos por meio de uma outra abordagem estática, a qual reforça e completa as observações informais sobre as características dos pontos simétricos e da simetria axial plana. Para a realização desta atividade é necessário que o aluno tenha em mãos um espelho plano de aproximadamente 10cm x 15cm x 4mm e uma cartela onde estejam desenhadas várias figuras obtidas a partir de partes do desenho de uma figura dada, como o exemplo apresentado a seguir.

48 Tem sido observado que o espelho é uma ferramenta didática à qual, mesmo crianças com cerca de 7 anos, utilizam com prazer realizando com sucesso as duas tarefas iniciais da atividade a seguir, enquanto que as demais são facilmente realizadas pelos alunos que já jogaram Queimada com obstáculos, com o auxílio de régua e esquadro. ATIVIDADE

49 Observe a cartela que você tem em mãos, na qual estão desenhadas várias figuras, dentre as quais uma está designada como Figura Geradora. a) Colocando o espelho posicionado perpendicularmente à Figura Geradora tente formar figuras compostas por uma parte da Figura Geradora e pela imagem refletida desta parte (observe o esquema). b) Posicionando o espelho em várias posições, você seria capaz de formar todas as figuras desenhadas na cartela? c) Escolha uma das figuras desenhadas na cartela, na qual você possa desenhar um segmento de reta indicando a posição em que o espelho deveria estar posicionado para que uma parte desta figura e a sua imagem formassem esta mesma figura. d) Há outras figuras sobre as quais você possa desenhar um segmento de reta indicando a posição do espelho como você fez no item anterior? e) Escolha uma das figuras desenhadas na cartela sobre a qual você desenhou o segmento de reta. Relembrando o jogo anterior, marque um ponto sobre a figura e meça a distância deste ponto ao segmento traçado. Lembrando que parte desta figura foi obtida pelo reflexo no espelho, tente encontrar, no desenho da parte refletida, o ponto marcado e determine a sua distância ao segmento. O que você observou? Saiba que, em Geometria, diz-se que o segmento de reta que separa uma figura como as anteriores é um eixo de simetria da figura. Essas figuras também são chamadas de figuras simétricas em relação a esse eixo e os pontos como os desenhados, são ditos pontos simétricos ao eixo de simetria. A atividade apresentada a seguir, também foi apresentada durante o curso na USU e os professores concordaram que ela deve ser realizada com alunos que já vivenciaram as experiências anteriores e dominem os conceitos básicos relativos às funções. O objetivo desta atividade é o aluno definir o conceito de simetria em relação a uma reta, realizar exercícios teóricos e, quando possível, esquematizar uma prova envolvendo os conteúdos e suas relações. Nesta atividade observa-se, novamente, a importância das considerações e discussões anteriores sobre a forma de se dobrar o papel para o estabelecimento dos campos do jogo, pois a visualização e a análise das propriedades características da simetria axial como uma função bijetora plana devem ser conseqüência das atividades realizadas.

50 ATIVIDADE Você já deve ter realizado as atividades anteriores. Considere agora uma reta que indicaremos por m; B e B um par de pontos simétricos em relação à reta m e BB o segmento que une B a B. I) Preencha as lacunas: a) o segmento B B é -------------------- a m; b) m corta B B no -----------------------------. II) Considere todos os pontos do plano. Seja F m uma função que associa a cada ponto B do plano o seu simétrico B' em relação à reta m. Saiba que, em Geometria, uma tal função é chamada de simetria em relação à reta m, ou reflexão em relação à reta m, ou ainda simplesmente, simetria axial plana. a) Você observou que F m é uma função bijetora? Então, preencha as lacunas abaixo: b) F m (F m (A)) = --------, para todo A; c) a função inversa de F m é a função ---------, por esta razão, diz-se que F m é uma involução; d) se F m (A) = A então A está em --------, por esta razão diz-se que A é um ponto --------; e) se A está em --------, então F m (A) = A; f) se A,B são pontos do plano, qual é a relação entre os comprimentos do segmento AB e do segmento F m (A) F m (B)? Da mesma forma que na USU, a linguagem empregada nesta última atividade também tem sido objeto de discussão durante os cursos de treinamento, e a maioria dos professores concorda que, mesmo alunos dos primeiros semestres dos cursos de licenciatura em Matemática, apresentam dificuldades na leitura, na interpretação e nas provas de tais situações teóricas, o que confirma as observações que têm sido verificadas na nossa prática. Além disto, a maioria dos professores nunca ouviu falar de funções ou transformações que são involuções, isto é, aquelas transformações geométricas cuja inversa é ela mesma. Por outro lado, muitos docentes se dão conta, pela primeira vez, da existência de pontos fixos de funções. Todavia, os professores ao vivenciarem esta seqüência de atividades, concordam que ao realizá-la, o aluno e, no caso, o próprio professor, vão construindo a concepção abstrata do conceito de simetria axial, partindo da observação visual, passando pelo reconhecimento informal das

51 propriedades, para chegar a estabelecer, finalmente, a sua definição, desenvolvendo de uma maneira gradual e prazerosa a organização formal das características do conceito geométrico. Com este registro de observações sobre a nossa prática, buscamos incentivar os interessados na melhoria do ensino a criarem novas estratégias didáticas para o desenvolvimento dos conceitos elementares, visando alunos mais criativos e motivados pelas aulas de Geometria. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, J.L.M. - Geometria Euclidiana Plana, Coleção Fundamentos da Matemática Elementar. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1985. LEDERGERBER-RUOFF, E.B. - Isometria e ornamentos no plano euclidiano. São Paulo: Atual Editora, 1982. VAN HIELE, P.M. - Structure and insight: a theory of mathematics education. New York: Academic Press, 1986. KALEFF, A.M.; HENRIQUES, A.; REI, D.M., FIGUEIREDO, L.G. - Desenvolvimento do pensamento geométrico: o Modelo de van Hiele, Bolema-UNESP, 10, 1994, pp. 21-30. Endereço para correspondência: LABORATÓRIO DE ENSINO DE GEOMETRIA INSTITUTO DE MATEMÁTICA - UFF Rua Mario Santos Braga, s/n - Centro. Tel: (021) 717 8269, r. 50 CEP: 24020-140 NITERÓI-RJ NOTA DO EDITOR - O presente artigo foi aceito pelo GEPEM para publicação em junho de 1993, e portanto, pretendia-se que fosse publicado no Boletim nº 31. Por esta razão, foi citado na bibliografia do relato de experiência: Uma aplicação do conceito de simetria axial plana visando a um ensino interdisciplinar, publicado na revista Zetetiké, Faculdade de Educação-UNICAMP, nº 2, de março de 1994, pp. 85-91, o qual dá continuidade ao tema aqui abordado.