SALA/AMBIENTE DE LEITURA: DISCURSOS SOBRE A ATUAÇÃO DO PROFESSOR NO NOVO ESPAÇO *



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Transcrição:

1 SALA/AMBIENTE DE LEITURA: DISCURSOS SOBRE A ATUAÇÃO DO PROFESSOR NO NOVO ESPAÇO * Denise Franciane Manfré Cordeiro Garcia (UNESP/São José do Rio Preto) Fernanda Correa Silveira Galli (UNESP/São José do Rio Preto) Resumo: Nesta abordagem, a reflexão que propomos é a de compreender e refletir sobre o imaginário que atravessa os discursos sobre o sujeito-professor-responsável pelo Projeto Sala/Ambiente de Leitura, que vem sendo implantado desde 2009 nas escolas públicas da rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. Com base em pressupostos teóricometodológicos da Análise do Discurso de linha francesa, analisamos a Resolução SE 60, de 2013, que trata da atuação do professor responsável por esse novo espaço/ambiente. Palavras-chave: Leitura. Discursos. Atuação. Imaginário. 1. Introdução Recentemente, várias discussões a respeito do tema leitura vêm sendo abordadas no âmbito das escolas públicas. Desde 2009, com o Projeto Sala/Ambiente de Leitura 1, instituído pelo Centro de Referência Mário Covas, do Governo do Estado de São Paulo, uma nova forma de se trabalhar e desenvolver atividades relacionadas à leitura vem sendo proposta, a fim de levar essa prática ou hábito a todos os alunos da rede estadual de ensino. Tal projeto parece ter sido criado com a finalidade de universalizar uma prática que já estava, de algum modo e ao longo de décadas, em exercício nas bibliotecas escolares da rede estadual de ensino. Desse modo, o intuito deste artigo é refletir sobre a proposta do documento oficial no que diz respeito à atuação do professor responsável por esse novo espaço/ambiente. Para isso, nos atentaremos, em especial, por analisar apenas uma das resoluções que trata dos assuntos relacionados ao Projeto Sala/Ambiente de Leitura, a Resolução SE 60, de 2013 2, com base em pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso de linha francesa. Muitas inquietações surgem nesse novo contexto que se instaura nas escolas públicas estaduais do Estado de São Paulo. Contudo, nos propomos a refletir mais especificamente sobre questões que nos conduzem e nos inquietam a investigar em relação às formações imaginárias e os deslocamentos decorrentes desse novo olhar sobre esse novo indivíduo responsável pela Sala/Ambiente de Leitura. Para tanto, elegemos como corpus 3 de análise para este artigo uma das quinze atribuições designadas ao professor responsável pela Sala/Ambiente de Leitura, dado que ela aparenta apresentar um discurso autoritário e de poder que revela uma regularidade comum no/do documento e sugere um modelo ideal de professor * XII EVIDOSOL e IX CILTEC-Online - junho/2015 - http://evidosol.textolivre.org. Uma primeira versão deste artigo foi submetida à Revista Mosaico da UNESP/IBILCE São José do Rio Preto, com o título PRÁTICA DE LEITURA: discursos que legitimam saberes e fazeres. 1 http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ntc_l.php?t=saladeleitura O Centro de Referência em Educação Mario Covas - C R E é uma idealização da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo que tem como objetivo torna-lo um referencial pedagógico de excelência na disseminação da informação educacional. 2 Anterior a esta Resolução, outra muito parecida, a Resolução SE 69, de 27-6 de 2012 foi rechaçada de nossos estudos devido sua atualização e, portanto, substituída pela presente Resolução SE 60, de 2013. 3 Destacamos que o corpus analisado faz parte do conjunto do material de nossa pesquisa de TCC, requisito essencial para a conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - IBILCE/UNESP; São José do Rio Preto- São Paulo Brasil.

2 cuja atuação se amparará a partir das instruções de tal documento. Em vista disso, tal regularidade parece circular entre discursos autoritários, de força e poder. 2. Desenvolvimento 2.1. Fundamentação teórica O presente artigo se sustenta especialmente pela perspectiva da Análise do Discurso (AD) de linha francesa cujo idealizador foi Michel Pêcheux (1997, 2002) e cujas contribuições, no que diz respeito aos discursos e aos efeitos de sentidos, serão de grande contribuição para o desenvolvimento teórico-metodológico de nossa discussão. Os aspectos que destacamos como relevantes para a pesquisa são entender e refletir por meio dos discursos oficiais sugestionado na Resolução SE 60 os efeitos de sentidos produzidos a partir da relação entre a linguagem, sujeito, história e político, a partir do conceito sobre formações imaginárias. Nosso intuito é compreender, por meio da relação discursiva, as formações imaginárias que constituem o sujeito-professor-responsável pela Sala/Ambiente de Leitura, assim como os deslocamentos discursivos que, inclusive, funcionam para legitimá-lo e constitui-lo no que diz respeito à posição que assume frente a essa responsabilidade que lhe é atribuída. De acordo com Orlandi (2002, p. 41), na análise do discurso, não menosprezamos a força que a imagem tem na constituição do dizer. O imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ele é eficaz. Ele não brota do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder. A Análise do Discurso, por meio da observação dos modos de construção do imaginário, nos permitirá (re)pensar a produção dos sentidos dos discursos dos documentos oficiais do Projeto Sala/Ambiente de Leitura. Assim, compreender os efeitos de sentido com base na teoria discursiva é compreender a necessidade da ideologia em sua constituição e, também, na constituição dos sujeitos, já que o sentido não está em lugar nenhum, mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, o que se torna possível porque sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (ORLANDI, 2007, p.20). 2.2. Metodologia Com base nos pressupostos teórico-metodológicos da AD, analisaremos a Resolução SE 60, de 2013, que é um dos documentos oficiais que integram o Projeto Sala/Ambiente de Leitura destinado às escolas públicas estaduais do Estado de São Paulo. Esse documento dispõe sobre a instalação das Salas/Ambiente de Leitura em todas as escolas da rede pública estadual de ensino, bem como a necessidade de estabelecer normas e procedimentos para a atuação do responsável por esse ambiente. O tratamento conferido à análise é qualitativo, ou seja, adotamos a concepção de interpretação, no campo discursivo, o que nos permite compreender os discursos no âmbito sócio histórico, sob a ótica da Análise do Discurso (AD) de linha francesa. Sendo assim, buscamos, a partir do conceito de interpretação da teoria discursiva, compreender os discursos que permeiam esse documento, especialmente no que diz respeito à concepção sobre a atuação do sujeito-professor-responsável pela Sala/Ambiente de Leitura.

3 A partir do conceito de interpretação, pretendemos compreender o modo como os dizeres desse documento em particular significam, isto é, de que maneira podemos estabelecer evidências sobre o papel do sujeito idealizado para atuar e se responsabilizar pelo Projeto Sala/Ambiente de Leitura senão pelo lugar da interpretação. Posto isso, marcamos que interpretar faz parte do processo de análise, o que não é possível sem antes descrever a materialidade discursiva. 2.3. Análise do corpus Para efeito de análise, começamos pela apresentação da atribuição que elegemos para reflexão: o inciso XIV, parágrafo 2º, que declara os seguintes dizeres coordenar, executar e supervisionar o funcionamento regular da Sala/Ambiente de Leitura, cuidando da organização e do controle patrimonial do acervo e das instalações sobre a aptidão daquele que atuará no Projeto Sala/Ambiente de Leitura. Pensar sobre o contexto em que tal discurso surge auxilia-nos a inferir outras possibilidades para se pensar a respeito desse novo modelo de sujeito-professor: embora tal atribuição não mencione sequer alguma relação entre esse sujeito e as novas tecnologias, é possível imaginarmos essa relação. Por isso, cremos que, talvez, isso seja um motivo relevante e considerável que justifique a necessidade de medidas inovadoras para se pensar em um novo modelo de sujeito para atuar no Projeto Sala/Ambiente de Leitura; por isso, considerar o contexto atual nos parece justificar tal pretensão dos discursos oficiais desse documento. Olhar para esse novo sujeito discursivizado no documento oficial nos conduza analisá-lo de um modo singular e enxergá-lo atravessado por dizeres autoritários e de força. De acordo com Orlandi (2002, p.39-40), no que diz respeito à noção de força: podemos dizer que o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. Assim, se o sujeito fala a partir do lugar do professor, suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do lugar do aluno. (...) Como nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na comunicação. A fala do professor vale (significa) mais do que a do aluno. Portanto, (re)conhecê-lo, no momento atual, significa ver uma tentativa de uma nova proposta que tenta oportunizar para as escolas da rede pública estadual, do Estado de São Paulo, outros modos de aprendizagem. No entanto, a nova imagem que o presente documento tenta projetar sobre o novo modelo de sujeito aparenta ser afetada pelos discursos de austeridade, uma vez em que esse profissional se limitará a desempenhar seu papel devido às exigências mencionadas no documento e, muito provavelmente, esse profissional não poderá atuar mais livremente porque suas funções parecem extenuar-se. O cumprimento delas é imprescindível, inclusive para garantir-lhe sua permanência dentro do Projeto. Isto é, o sujeito-responsável pela Sala/Ambiente de Leitura insere-se em um novo espaço de trabalho, cujas atribuições estão subsidiadas por imposições, metas e objetivos que devem ser cumpridos. Desacatá-los ou descumpri-los implica submeterem-se a repreensões, julgamentos e avaliações. Por tudo isso, esse profissional tem de reconhecer-se autor-protagonista desse Projeto, cujos objetivos buscam resultados e, para que eles sejam alcançados, o professor deve estabelecer metas que os alicercem, bem como o seu rendimento. Dessa forma, observamos,

4 no documento analisado, que o governo, por meio do seu discurso de direito, espera desse profissional capacidade relevante, que otimize e ofereça uma aprendizagem aparentemente consolidada através de ações e metas. 3. Considerações Finais Neste artigo, buscamos refletir, com base em pressupostos da Análise do Discurso de linha francesa, as relações de sentidos provenientes da formação imaginária, bem como alguns possíveis deslocamentos que atravessam os discursos do documento oficial da Sala/Ambiente de Leitura sobre o sujeito-professor-responsável que atua(rá) nesse novo espaço. Em nossa breve análise, buscamos compreender as formações imaginárias que atravessam os discursos dos documentos oficiais e que, por sua vez, legitimam e constituem o sujeito-professor-responsável pelo Projeto Sala/Ambiente de Leitura. Buscamos, ainda, durante nossa discussão, apontar o tratamento dado ao desempenho do professor-responsável pela Sala/Ambiente de Leitura, por meio dos discursos presentes no documento oficial que elegemos para a presente análise a saber, a Resolução SE 60, de 2013. Buscamos fundamentar nossas reflexões amparadas nos conceitos de formação imaginária, relações de força e poder frequentes na Análise do Discurso. Isto é, pensamos sobre o ideal de novo modelo de sujeito imposto para a atuação responsavelmente, o que consolida o imaginário que tal documento instaura como legítimo. Outra inquietação concebida pelos discursos oficiais da Resolução SE 60, de 2013, é o modo como tais discursos autoritários legitimam esse sujeito e o autorizam a praticar e a executar suas funções também autoritariamente. Referências bibliográficas BRASIL. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Centro de Referência em Educação Mário Covas. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/top.php?t=004. Acesso em: 08 de mar. 2015.. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/downloads/sl/resolucao_se60_30_8_2013.pdf. 15 de jun. de 2014.. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ntc_l.php?t=saladeleitura_04. Acesso em: 15 de jun. de 2014. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Estágios Fundap. Disponível em: http://estagios.fundap.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=97&itemi d=129. Acesso em: 11 de ago. de 2014. ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6ª ed. Campinas, SP: Unicamp, 2007a.. Violência e processos de individualização dos Sujeitos na contemporaneidade. (Comunicação em CIAD) São Carlos: UFSCAR, 2007b. PÊCHEUX, M. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni P. Orlandi. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3ª ed. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1997. PROJETO sala de leitura. Produção de Univesp TV. 01 de mar. de 2013. Disponível em: Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=fwlhqbyvlo4. Acesso em: 09 de ago. de 2014.

RESOLUÇÃO 60. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/downloads/sl/resolucao_se60_30_8_2013.pdf. Acesso em: 08 de mar. de 2015. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Resolução SE, de 69-6- 2012. Educação. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ntc_l.php?t=saladeleitura_04. Acesso em: 14 de jun. 2014. 5