Engenheiros, arquitetos e um único objeto: a edificação



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abr. mai. jun. 2008 O X V, º 53 119-125 TEG ÇÃO 119 Engenheiros, arquitetos e um único objeto: a edificação yopanan conrado pereira rebello* Resumo Pretende-se com este trabalho desmistificar a visão, até certo ponto preconceituosa, de que arquitetura é atribuição apenas de arquiteto e estrutura é atribuição apenas de engenheiros de estruturas. Por meio de duplas formadas por engenheiro e arquiteto, escolhidas por terem em seus componentes visões comuns sobre o que é arquitetura e estrutura, são mostradas obras em que a estrutura projetada pelo engenheiro é uma belíssima arquitetura e a arquitetura projetada pelo arquiteto é uma desafiadora estrutura. São apresentadas três duplas. Palavras-chave Interação engenheiro e arquiteto. Estrutura. Engenharia e arquitetura Title Engineers, Architects and a Single Goal: Building Abstract This paper tries to belie the view somewhat prejudiced that architecture is exclusively an architect s task, and that structures are exclusively a structure engineer s task. Through pairs made up by an engineer and an architect both with common views on architecture and structure -, buildings are presented in which the structure presented by the architect is an example of a beautiful architecture, and the architecture proposed by the architect is a challenging structure. Three of these pairs are presented. Keywords Engineer-architect interaction. Structure. Engineering and architecture. Dizem que a arquitetura é a segunda profissão mais antiga da humanidade; discordo, é a mais antiga, se não, quem teria projetado o prostíbulo onde as moças pudessem exercer sua profissão? Dúvidas históricas à parte, o que ocorria, na verdade, é que, no início, no caso das construções, só existia um único profissional: o arquiteto. Esse profissional projetava os espaços, definia a estrutura, as fundações, os materiais, processos construtivos e até a decoração. Quando mais tarde a loucura humana, em sua ânsia de conquistas, lançou mão da pólvora, não como forma de demonstrar beleza e alegria, como nos fogos de artifício, mas como objeto de destruição, a arquitetura feminina e cheia de encantos das catedrais teve que dar lugar à arquitetura masculina e sólida das fortificações. Nasce o engenheiro, o homem dos engenhos, treinado para construir paredes capazes de suportar grandes impactos. A engenharia, assim, não deixa de ser um ramo da arquitetura que se especializou em edificações de grande resistência aos bombardeios das balas de Data de recebimento: 16/04/2008. Data de aceitação: 30/05/2008. * Professor do curso de graduação e do Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. E-mail: prof.yopa@usjt.br. canhão. Mas, infelizmente, mãe e filha se estranham, e, como personagens que se percebem com objetivos diferentes, segue cada qual o seu caminho. A arquitetura, como que ressentida da separação, penetra de maneira quase suicida em uma visão parcial do objeto edificado, a forma pela forma, expressando arquitetura como pura arte, alheia, e até mesmo nauseada deles, aos benefícios que a evolução tecnológica poderia trazer. A engenharia, adolescente arrogante, motivada pela possibilidade de estar mais próxima dos novos engenhos, apropria-se da tecnologia e a torna hermética, difícil de ser entendida por quem não fosse um iniciado. Deslumbrada pelo brilho das possibilidades tecnológicas, penetra na estreita faixa da especialização. Uma especialização que a cega, impedindo-a de ver outras fronteiras. Mais tarde, com o advento do modernismo, a arquitetura, assustada pelo quase ostracismo a que foi relegada, percebe o quanto está afastada do mundo real e do conhecimento técnico vigente. Com certo exagero, inveja a engenharia e suas máquinas precisas. Motivada por uma nova estética, a do absolutamente necessário, propõe a máquina de morar, a edificação industrializada, e assim por diante. Um novo material, o concreto armado, por ser um resultado das novas tecnologias, encanta mais

120 TEG ÇÃO rebello Engenheiros e arquitetos à engenharia que à arquitetura, que, de imediato, não vê nele suas potencialidades plásticas. A engenharia, a essa altura, começa perceber que o estritamente técnico não tem expressão. Esse material duro como a rocha, mas doce como a argila, conquista o pensamento dos engenheiros, que vêem nele a possibilidade de expressar aquilo de que o puramente técnico não era capaz. Ressurgem as curvas na engenharia. É tempo de Maillart, Heinz Isler, Nervi e Torroja, entre outros. Ao se debruçar sobre o que estava ocorrendo na engenharia, a arquitetura revê sua posição, até certo ponto ilusória, da arquitetura mecanicista, e volta, agora mais consciente do que é tecnicamente mais válido e coerente, a não ter vergonha das curvas. É tempo de Gaudí e Félix Candela, entre outros. Inicia-se um tempo de entendimento entre essas áreas, que no fundo têm as mesmas origens e pretendem o mesmo objetivo: uma boa solução para a edificação. Nesses novos tempos, destituídos de preconceitos, engenheiros fazem arquitetura e arquitetos fazem engenharia; o que importa é que a estética e a estática sejam preocupações de quem projeta, independentemente do profissional que propõe a edificação. É dentro desse espírito que este artigo pretende mostrar obras de duplas de engenheiros e arquitetos; engenheiros que propuseram estruturas de rara beleza e arquitetos imaginando formas que, além de belas, apresentam grandes desafios estruturais. primeira dupla: engenheiro robert maillart e arquiteto renzo piano O que une Maillart e Piano é a proposta da verdade estrutural, concebendo a forma estrutural com base nos esforços aos quais ela está submetida. O homem: O engenheiro Robert Maillart nasceu em Berna, na Suíça, em 1872. Tendo se graduado em Engenharia pelo Instituto Politécnico de Zurique em 1894, Maillart distingue-se pelas belas pontes que projetou. Suas idéias sobre as estruturas das pontes eram inovadoras, o que fez com que muitos de seus projetos fossem preteridos em concursos, em benefício de soluções mais convencionais, como os arcos. Robert Maillart usava como elemento estrutural principal arcos ou vigas de concreto armado na forma de caixão, tirando dessa proposta interessantes resultados estéticos. Além de pontes, Maillart inovou nas soluções de estruturas de piso, nas quais evitava vigas, usando a laje apoiada diretamente sobre os pilares, sendo o pioneiro no uso de lajes cogumelo. A obra: Ponte Saginatobel, na Suíça (1929) A incontestável leveza dessa ponte é o que mais chama a atenção nela. Convive, suave como um pássaro, com o bucólico entorno. A paisagem não é agredida. Essa preocupação nasce da mente de um profissional engenheiro, que, além do conhecimento de estática, quer saber como será a interação de sua obra com o meio ambiente. Essa ponte tem um comportamento estrutural singelo, compatível com sua forma. A estrutura principal é um arco triarticulado. O tabuleiro é apoiado no centro diretamente no arco e nas extremidades por meio de pilares. Por não ser um arco funicular (sua forma não é resultado do funicular das cargas ver Gaudí), já que isso não é possível para as cargas móveis, sua altura é aumentada nos quartos do vão, para absorver os momentos fletores que aparecem devidos aos carregamentos de veículos. A figura mostra o gráfico de momento fletor que ocorre no arco quando duas cargas concentradas são aplicadas. Observe a coerência entre a forma do gráfico de momento fletor e a forma do arco. Maillart soube aproveitar essa necessidade estrutural para dela extrair beleza. O homem: O arquiteto Renzo Piano nasceu em Gênova em 1937. Estudou Arquitetura na

abr. mai. jun. 2008 O X V, º 53 119-125 TEG ÇÃO 121 Politécnica de Milão, formando-se 1964. Piano trabalhou com vários arquitetos, como Franco Albini e Louis Kahn, entre outros, mas sua associação mais famosa aconteceu com o arquiteto inglês Richard Rogers, com quem ganhou o concurso internacional de projetos para a construção do Centro Cultural Georges Pompidou, em Paris. Piano sempre trabalhou com tecnologia de ponta, sendo a maioria de seus projetos inserida no movimento denominado High-Tech. Por outro lado, Piano esmera-se na questão dos detalhes, que chegam a ser de tal preciosidade, que mais parecem destinados a uma manufatura. É nessa dualidade, da alta tecnologia e dos manufaturados, que se expressa a beleza de suas soluções estruturais. A obra: Centro Cultural Georges Pompidou, em Paris (1971) no bairro do Marais. A opção arquitetônica por uma espécie de container flexível e uma máquina dinâmica foi a solução adotada pelo arquiteto Piano e seu colega Richard Rogers. Para ser coerente com a concepção arquitetônica, a estrutura foi proposta em aço, composta por grandes peças pré-moldadas. Basicamente a estrutura é composta de vigas treliçadas que se apóiam em pilares tubulares. Para evitar que a excentricidade entre apoio das vigas e o eixo dos pilares pudesse provocar momentos fletores, o que obrigaria os pilares a terem maiores dimensões, foi proposta uma engenhosa solução, que transforma o momento fletor em forças de tração e compressão axiais, usando para isso um elemento denominado guerberete. A força de tração é absorvida por cabos externos ancorados na fundação, e a força de compressão é aplicada no eixo do pilar. A figura mostra esse engenho, só possível porque a arquitetura partiu dessa premissa e incorporou esses elementos na composição da estética da fachada. Nessa obra, a leitura da estrutura é totalmente facilitada, expondose de maneira aberta treliças, pilares, guerberetes e contraventamentos. Há um compromisso extremo com a verdade estrutural, de maneira que as dimensões das peças estruturais mudam conforme os esforços. Essa proposta é particularmente visível nas treliças, nas quais as barras comprimidas, devido ao efeito da flambagem, apresentam secções mais robustas que as tracionadas. segunda dupla: engenheiro richard buckminster fuller e arquiteto shigueru ban O que une Fuller e Ban é a força da inventividade, um criando estruturas inusitadas, outro utilizando materiais jamais pensados como estruturais. Um dos grandes desafios desse projeto foi inserir um edifício moderno no coração de uma região onde predominavam edifícios históricos, O homem: Fuller nasceu na cidade de Milton, nos EUA, em 1895. Estudou por dois anos em Har-vard, de onde saiu por não se adaptar às normas de disciplina da universidade. Completou seus estudos de Engenharia na Academia Naval, e aí se formou em 1917. Aliando seus conhecimentos teóricos com seu espírito inventivo, atuou em outras áreas além da área de engenharia civil. Projetou

122 TEG ÇÃO rebello Engenheiros e arquitetos barcos, automóveis e foi até o idealizador de um pequeno motor de propulsão a jato, desconhecido na época. Seus inventos eram tão avançados, que eram sempre fortemente rechaçados pelos conservadores. Na área da habitação desenvolveu uma moradia cuja principal foco é a economia de energia. Foi o inven-tor da estrutura geodésica, que foi muito usada no mundo inteiro. Percebeu a potencialidade estrutural do sistema Tensegrity, inventado pelo artista plástico Kenneth Snealson. O conceito de Tensegri-ty influenciou outras áreas do conhecimento huma-no, como a biologia e a filosofia. Desenvolveu, a pedido do presidente Getúlio Vargas, um plano plu-rianual para o Brasil, no qual, entre outras coisas, recomendou um programa para a produção de álcool combustível, adotado pelo governo, mais tarde, como Proálcool. A obra: cúpula geodésica de cobertura do Pavilhão dos Estados Unidos na Expo 67, em Montreal (1967) A primeira experiência de Füller no chão A cúpula geodésica, sistema estrutural criado por Fuller, pode ser considerada, entre as estruturas compostas por barras, como a que apresenta a menor relação peso/vão. O cenceito de estrutura geodésica parte do princípio de que o caminho mais curto entre dois pontos sobre a superfície esférica é a linha geodésica. Partindo-se também da idéia de estrutura como caminho das forças, fica fácil concluir que uma estrutura permitindo que a força percorra caminhos mais curtos é mais eficiente. Para criar a cúpula geodésica, Fuller partiu de sólidos regulares, usando principalmente o icosaedro (sólido de 20 faces iguais), o sólido regular que mais se aproxima da geodésica. Dividindo as faces triangulares em outros triângulos, pode-se obter uma geodésica mais próxima da esfera. Os vértices obtidos da divisão ou não da face do icosaedro são projetados na superfície da esfera que circunscreve o icosaedro. Unindo esses pontos sobre a esfera obtém-se a cúpula geodésica. A primeira experiência de cúpula geodésica foi feita com a participação de alunos do Black Mountain College, em 1949. Tinha 14,6 metros de diâmetro. As barras eram extremamente esbeltas, e a estrutura não resistiu. É interessante notar que esse fracasso não desestimulou Fuller na procura da solução. Logo depois, reforçando as barras onde necessário, Fuller construiu outras geodésicas que se mostraram eficientes e tornaram-se depois verdadeira mania. Fuller havia aprendido de Ford esse processo de experimentar suas criações no limite, preferindo correr o risco de não darem certo, o que para ele era melhor, pois ficava mais claro onde reforçar era extremamente necessário, sem exagerar, criando estruturas ótimas. Buckminster Fuller era um experimentador por natureza. O homem: Shigueru Ban nasceu em Tóquiio em 1957. Iniciou seus estudos de Arquitetura no Instituto de Arquitetura da Califórnia do Sul, completando sua formação em 1982 na Cooper Union School of Architecture. Trabalhou com arquitetos renomados, como Arata Isozaki e Frei Otto, com quem projetou o pavilhão do Japão para a Expo 2000 em Hannover. Suas preocupações

abr. mai. jun. 2008 O X V, º 53 119-125 TEG ÇÃO 123 sociais, principalmente em situações de crise, fizeram com que fundasse a organização internacional, a Rede de Arquitetos Voluntários, voltada para soluções em situações de crises humanitárias. Inventou um sistema construtivo usando tubos de papelão, como resposta ao terremoto de 1995 no Japão. Com esse material, vem desenvolvendo diversas possibilidades estruturais, culminando com a abóbada de papel, com aproximadamente 40 metros de vão, junto ao Museu de Arte Moderna de Nova York em 2000. Buscando soluções econômicas, Ban também desenvolveu projetos utilizando bambu. Apesar de sua visão humanista, Ban não se furta a projetar para classes mais abastadas, sendo, neste segmento, famosas suas soluções para residências. A obra: Pavilhão do Japão na Hannover Expo, na Alemanha (2000) O tema principal da Hannover Expo desse ano seria o meio ambiente. Dentro desse espírito, Ban projetou um pavilhão que, após desmanchado, apresentasse a menor quantidade de lixo, de forma que todo o material utilizado pudesse ser reciclado. De acordo com esse princípio, o uso de madeira e papelão torna-se bastante coerente. A estrutura principal é composta de uma superfície de dupla curvatura formada por barras de papelão. Essa superfície é enrijecida por uma espécie de diafragma formada por arcos de madeira. Esses arcos, além da função de enrijecimento, sevem para a fixação da membrana de cobertura e como apoio ao processo de construção da estrutura de papelão. As extremidades apresentam duas paredes formadas por barras de madeira, que servem como tímpano de enrijecimento da forma estrutural. Os nós da estrutura de tubos de papelão são feitos com fitas de tecidos. A escolha do material da membrana de cobertura teve de levar em conta fatores ecológicos. Os materiais usuais, quando destruídos por queima, liberam gases tóxicos. A solução foi encontrada no material usado em sacolas de entrega em domicílio (delivery). A solução de fundação também é bastante interessante: são caixas metálicas preenchidas com areia, podendo ser facilmente removidas quando da desmontagem da estrutura. Nesse projeto Shigueru Ban teve a colaboração de Frei Otto. terceira dupla: engenheiro eduardo torroja y miret e arquiteto joão da gama filgueiras lima (lelé) O que une Torroja a Lelé é a consciência do verdadeiro papel do cálculo estrutural, uma ferramenta de verificação daquilo que foi fornecido pela imaginação. O homem: Eduardo Torroja nasceu em Madri em 1899, e formou-se em Engenharia Civil em 1923. Foi grande pesquisador da teoria do concreto armado. Inovou com este material, criando formas estruturais inusitadas e de grande beleza. Foi um dos primeiros a usar o concreto protendido, mais precisamente no ano seguinte à patente deste material. Era admirador da teoria, mas valorizava muito a intuição e sensibilidade de quem projeta, que achava serem o início de todo o processo de concepção de uma estrutura. Escreveu um livro que teve grande fama entre engenheiros e, principalmente, arquitetos, Razón y ser de los typos estructurales, no qual, sem usar de qualquer artifício matemático, expõe toda a teoria a respeito do comportamento das estruturas, sempre valorizando os aspectos formais. Pode-se dizer que esse livro teve grande influência sobre os arquitetos, que com base nele começaram a perceber que estrutura não é só cálculo estrutural, e que a concepção da estrutura pode ser feita tanto por arquitetos como engenheiros, bastando que eles tenham sensibilidade e conhecimento conceitual para criar formas que, além de belas, sejam estaticamente corretas.

124 TEG ÇÃO rebello Engenheiros e arquitetos A obra: muro de arrimo em Cantarranas (Madri, Espanha) Um dos grandes problemas a serem resolvido na contenção de solos é o de absorver os grandes momentos fletores provocados pelo empuxos do solo na base do muro de contenção. Esses momentos exigem fundações adequadamente dimensionadas para que não haja tombamento e escorregamento. Os momentos grandes, na base do muro, exigem, também, grandes espessuras de parede. Uma solução, para economizar material, é o uso de contrafortes gigantes. Contrafortes são uma espécie de pilares engastados na base e apoiados ou não na parte superior. Com o uso de contrafortes, a espessura da parede é bastante diminuída, economizando material. Todos esses critérios foram utilizados por Eduardo Torroja no projeto desse muro, mas o que chama a atenção é que, apesar de a obra ser apenas um muro de contenção, isso não fez com que o engenheiro desprezasse as questões formais. Neste muro, Torroja procura aliar a variação da forma com a variação dos esforços dando ao resultado final um aspecto mais elegante do que aqueles encontrados na maioria dos arrimos. É mais uma lição que nos apresenta Torroja: independentemente da função do elemento estrutural, a elegância de suas formas sempre será importante. Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1955. Logo depois de formado, em 1957, teve a oportunidade de trabalhar com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa na construção da nova capital do Brasil. Nessa época, por imposição de prazo de obra para a construção do Instituto de Ciências, optou pelo processo de pré-fabricação, tendo realizado a construção de alguns edifícios em 45 dias. Em função desse aprendizado, seu trabalho é hoje centrado na racionalização da construção. Trabalha de modo bastante desenvolto com materiais como aço, concreto e argamassa armada, o que lhe permite a possibilidade de usar o material mais adequado para cada situação, ou mesmo usá-los concomitantemente, quando assim for mais indicado. Foi em Salvador, trabalhando para a Prefeitura, que desenvolveu a primeira usina para fabricação de pré-moldados em argamassa armada. Lele é, especialmente, conhecido pelos seus projetos da rede de Hospitais Sarah. A obra: arrimo de terra armada no Hospital Sarah Kubitschek em Salvador O homem: O arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, também conhecido por Lelé, nasceu no Rio de Janeiro em 1932. Formou-se arquiteto pela

abr. mai. jun. 2008 O X V, º 53 119-125 TEG ÇÃO 125 Novamente a questão de contenção de solo. Neste caso a solução é bastante diferente da utilizada por Torroja, em cuja época este tipo de solução não era conhecido. Trata-se de conter o solo armando-o, é o sistema denominado arrimo de terra armada. O princípio consiste em evitar o rompimento do solo por cisalhamento, colocando entre suas camadas uma armação adequada. No caso do arrimo projetado por Lelé essas armações são fixadas em um dos extremos em placas, de argamassa armada, pré-moldadas. Cada placa é composta por dois losangos. As peças pré-moldadas são encaixadas umas nas outras, formando a parede. A criatividade de Lelé expressa-se não só na forma de dispor as armações nas placas pré-moldadas, como também em suas formas. Note-se que o desenho final é bastante agradável, longe dos visuais enfadonhos das paredes nuas dos arrimos convencionais.

126 TEG ÇÃO rebello Engenheiros e arquitetos