PSICÓLOGOS DE RUA Sílvia Helena Koller Claudio Simon Hutz Denise Ruschel Bandeira e Equipe do CEP-RUA/UFRGS Revista Utopia & Ação, número 2, 1995



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Transcrição:

PSICÓLOGOS DE RUA Sílvia Helena Koller Claudio Simon Hutz Denise Ruschel Bandeira e Equipe do CEP-RUA/UFRGS Revista Utopia & Ação, número 2, 1995 Vamos relatar a trajetória dos estudantes e professores - psicólogos de rua - do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (CEP-RUA), seus objetivos e atividades atuais. Nossa intenção, com este artigo, é inquietar um pouco as pessoas que acreditam que os muros das universidades são tão altos que não se pode olhar por sobre eles, nem de fora para dentro, quanto mais de dentro para fora. Desafiaremos, também, aqueles que acreditam que estes muros ficam ainda mais altos quanto mais titulados são os que estão no lado de dentro. Nossa história inicia-se há quase três anos... Eram seis horas da tarde do dia 23 de setembro de 1992, a temperatura era de 35 graus no meio do deserto do Arizona. A televisão ligada na CNN e o repórter anunciava notícias sobre o Brazil. Distante de casa, com saudades, corremos para junto da TV. Vergonha! As cenas mostravam corpos meninos atirados em valas de esgoto, cobertas de insetos, mergulhados em excrementos, nus e mais pobres ainda do que haviam sido quando vivos - pobres de justiça social e de humanidade. Cenas nunca mostradas na televisão brasileira! Seria este cenário doloroso, o cartão de visita de nosso país para a comunidade internacional? O pensamento vinha em turbilhão: Qual parte daquela cena era, também, nossa responsabilidade? Como anos de treinamento acadêmico poderiam ser usados para modificar esse cenário? O dia seguinte podia ser antecipado. De volta a Arizona State University: muitas perguntas de colegas e professores (de várias nacionalidades) a respeito daquelas cenas. Ninguém sequer duvidava da veracidade das mesmas. Queriam saber: o que é ser criança no Brasil, o que é ser cidadão, quem são afinal os cidadãos brasileiros? Que tipo de sociedade tolera uma situação dessas? O que psicólogos e outros cientistas sociais estão fazendo a respeito? Um dos aspectos teóricos que estudávamos era o desenvolvimento moral pró-social dos indivíduos, ou seja, um aspecto da moralidade, que os teóricos chamam de positiva e que trata das decisões entre o ajudar ou não a potenciais receptores de ajuda (Eisenberg, 1992). Esta preocupação 1

2 teórica inquietava mais ainda: será que se poderia fazer uma pesquisa científica (se alguém se importa!) com crianças em situação de rua e mostrar que elas são seres humanos em desenvolvimento, capazes de apresentar sentimentos positivos e moralidade, apesar das suas condições de vida? Que, apesar de tudo, elas ainda manteriam alguns aspectos psicologicamente preservados e sadios? Que, se esses aspectos fossem valorizados e se oportunidades fossem criadas, elas poderiam executar os seus projetos de vida? Que ao serem ajudadas, poderiam ajudar a este país tão pouco cidadão a conquistar seus direitos? Quem sabe até ajudar outros brasileiros mais afortunados a não sentirem vergonha do que o Brasil faz com suas crianças e adolescentes? O passo inicial do projeto de doutorado (Koller, 1994) foi levantar bibliografia em várias áreas do conhecimento. Surpresa! Em países como o nosso, nos quais o problema era tão evidente, o conhecimento científico era escasso. A Psicologia quase nada sabia sobre o desenvolvimento psicológico de crianças brasileiras que viviam na rua, sobre como prevenir este fenômeno e intervir para melhorar a qualidade de vid De volta ao Brasil, em agosto de 1993, tínhamos muitos projetos de trabalho e até mesmo um modesto financiamento do PNUD/Ministério da Saúde. Reassumimos as lidas acadêmicas e comunicamos sobre os planos de trabalhar com meninos e meninas de rua. Algumas pessoas ficaram um tanto preocupadas e tentaram nos convencer que seria mais fácil, rápido e seguro, se entrássemos numa escola particular, coletássemos dados e terminássemos logo o doutorado (para obter progressão funcional e aumento de salário!). Outros acharam que estávamos em "surto de cidadania", síndrome tão comum a estudantes que moram no exterior e retornam ao Brasil. O consolo de todo era a esperança de que isto passaria, mas que deveríamos ter cuidado e não colocarmos em risco a carreira profissional (ver Keiger, 1995; Jornal da Extensão, 1996). Os alunos, ao ouvirem os planos de trabalho, aproximaram-se e revelaram que queriam aprender mais sobre crianças que vivem na rua. Reconheciam que a realidade estava aí e que precisavam aprender mais sobre ela. Começamos a trabalhar como um grupo: alunos de graduação (sem bolsa!) - Cláudia Bechara Frohlich, Pedro José Pacheco, Márcia Silveira da Silva, Rosane Palacci dos Santos, Adriana Loguercio; professores: Claudio Hutz e Denise Bandeira, e a psicóloga Letícia Forster. Após um treinamento intenso para nos preparamos para a Abordagem de Rua, que foi coordenado pela Psicóloga Letícia Forster, que vinha trabalhando na área desde 1990, este grupo

3 começou a sair para rua e para instituições, fazer contatos com pessoas e movimentos sociais. Assim, iniciamos nosso trabalho de pesquisa. A cada contato, verificávamos a satisfação e surpresa das pessoas pelo interesse da Universidade e a imensa demanda que havia no sentido de trocar experiências, de obter mais informações e a necessidade de sistematização do cotidiano de trabalho destas entidades e profissionais. Uma das primeiras solicitações foi de cursos para capacitá-los a entender melhor e atuar mais eficazmente com crianças marginalizadas e em situação de risco e para trocar experiências sobre o seu trabalho. A comunidade queria e necessitava mais do que um curso. Eram feitas solicitações de assessorias e consultorias, de orientação sobre a aplicação do conhecimento produzido na academia ao seu trabalho cotidiano e busca de respostas sobre casos específicos de manejo. Havia uma queixa constante de impotência e o reconhecimento da necessidade de melhor preparo para executar o trabalho. Pediam a ajuda da Universidade para sistematizar os conhecimentos que tinham. Estas solicitações eram um grande desafio. Nós não tínhamos uma receita de bolo, mas sabíamos que de alguma forma poderíamos proporcionar uma luz a estas questões. Entendemos que a comunidade e os meninos e meninas precisavam mais do que apenas pesquisa de nosso interesse acadêmico. Precisávamos responder a questões de interesse da comunidade em nossas pesquisas, capacitar nossos estudantes para serem Psicólogos aptos a lidar com a realidade brasileira e juntar nossos esforços aos da comunidade para prevenir e intervir na realidade dos meninos e meninas em situação de rua. Fundamos o Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua, ou CEP- RUA, em 1994, com o objetivo de integrar a pesquisa, com o ensino e a extensão. A primeira atividade proposta pelo CEP-RUA foi a realização de um seminário téorico-metodológico semanal (Curso de Extensão Psicologia Comunitária e Infância de Risco). Desde o início apostávamos que este seminário tornar-se-ia um encontro obrigatório da Universidade com a Comunidade. Hoje estamos convictos do sucesso desta atividade, não apenas em função das avaliações que fazemos ao final de cada semestre, mas pelo número crescente de participantes (mais de uma centena nas últimas edições do curso), pela participação de pessoas do interior e de outros estados, pela presença de estudantes de várias universidades da região, pelo número crescente de convites para palestras e assessorias em Porto alegre e em outras localidades, pela frequência de consultas ao Banco de Dados, pelas solicitações para a realização de pesquisas específicas e pelo estabelecimento de

4 convênios. Desde o início, o CEP-RUA vem se desenvolvendo e procurando atender as demandas que nos são trazidas pela Comunidade. Um número maior de alunos de vários semestres da Graduação em Psicologia e de outros cursos da UFRGS vem se agrupando e participando do trabalho: Caroline Tozzi Reppold, Mateus Berger Kuschick, Clarisse Longo dos Santos, Lilian Weber, Aline Santos e Silva, Milena da Rosa Silva, Deise Dani, Luciano Lorenzatto, Raquel Panzini, Lirene Finkler, Sandra Palma, Fernanda Menna Barreto Krum, Cristina Ostermann, Caroline Passuelo, Mariana Raymundo, Tatiana Albuquerque, Cláudia Dorneles, Anna Maria Draeger de Andrade, Luciane de Rezende Bonamigo, Luciano Loguércio, Ana Carolina Svirski, Laíssa Eschiletti, Daves Renato Borba, Marlene Hunger (Matemática), Karina Frainer (Pedagogia); alunos de Pós-Graduação: Alessandra Lima Marques (Aperfeiçoamento) Lísia Mayer, Martha Hoppe e Paola Biasoli Alves (Mestrado) e Adriane Scomazzon Antoniazzi (Doutorado). Vários pesquisadores nacionais e internacionais são nossos colaboradores no CEP-RUA: Marcela Raffaelli (University of Nebraska), Forrest Tyler (University of Maryland), Lewis Aptekar (San Jose State University), Eros DeSouza (Illinois State University), Fred Bemak (Johns Hopkins University), Lisa Fontes (Purdue University), David Donald e Jill Swart-Kruger (University of South Africa), Jonathan Haidt (University of Virginia), Raul Aragão Martins (Unesp - São José do Rio Preto), Maria Angela Mattar Yunes (Fundação Universidade de Rio Grande), Neusa Recondo (Universidade Federal de Pelotas) e Nara Ramos (Universidade Federal de Santa Maria). Várias atividades vem sendo desenvolvidas pelo CEP-RUA, entre as quais destacam-se: - a organização de um Banco de Dados, com artigos, pesquisas, livros e reportagens jornalísticas para consultas de profissionais e estudantes relacionados à área; - o estabelecimento de convênios, termos de cooperação e projetos profissionalizantes com instituições e entidades públicas e privadas; - a organização, em 1995, do I Encontro Nacional de Psicologia Comunitária com a participação de mais de 200 profissionais e estudantes de vários estados e do exterior; em 1997 estaremos realizando o II Encontro; - o desenvolvimento de vários projetos de pesquisa, enfatizando os aspectos psicológicos sadios do desenvolvimento e a resiliência de crianças em situação de risco social e pessoal, alguns dos quais já

5 se encontram publicados (Bandeira, Koller, Hutz, & Forster, 1995; 1996; DeSouza, Koller, Hutz, & Forster, 1995; Hutz & Forster, 1996; Hutz, Koller, & Bandeira, no prelo; Hutz, Koller, Bandeira, & Forster, 1995; Koller, Forster, Santos, Frohlich, & Silva, 1994). - a produção de um número especial da Revista Psicologia: Reflexão e Crítica (1996) sobre Psicologia Comunitária e crianças em situação de rua, com artigos de pesquisadores de vários países; - a capacitação de nossos estudantes para o trabalho com os meninos e meninas de rua, através da oferta de disciplinas e estágios curriculares, prática de pesquisa, treinamento de abordagem, dissertações e teses a nível de Pós-Graduação. Entre as principais preocupações da equipe do CEP-RUA estão aspectos éticos da pesquisa com populações marginalizadas e em situação de risco. A pesquisa nessa área frequentemente é utilizada para desenvolver (ou não) programas de intervenção que afetam profundamente a vida dos envolvidos. Em diversas oportunidades, temos salientado as implicações éticas decorrentes de problemas metodológicos da pesquisa nessa área (ver HUtz, Koller, Bandeira, & Forster, 1995; Hutz, Koller, & Bandeira, submetido). Resultados errôneos ou generalizações indevidas podem trazer graves prejuízos a essas populações. A pesquisa nessa área é difícil e não deve ser feita por quem não está devidamente qualificado. Outra questão na qual insistimos com frequência é na necessidade de que a pesquisa nessa área tenha relevância social. O pesquisador que se limita a coletar dados e publicá-los, está efetivamente explorando a miséria desta população para seu benefício pessoal. A pesquisa só pode ser considerada encerrada quando seus resultados, de alguma forma, revertem em benefício da população pesquisada. Atualmente, podemos afirmar, sem modéstia, que o CEP-RUA/UFRGS é um centro de referência sobre meninos e meninas de rua na nossa comunidade. Isto nos deixa orgulhosos, pois estamos preenchendo um espaço que estava carente da contribuição da Universidade nesta área. Nossa satisfação é ainda aumentada quando verificamos que nosso trabalho acadêmico recebe reconhecimento nacional e internacional, sob a forma de publicações, convites para conferências em universidades estrangeiras, convites para participação em simpósios em congressos internacionais, etc. Em grande parte, este reconhecimento não decorre simplesmente da produção de artigos que são metodológica e conceitualmente bem elaborados, mas especialmente da relevância social da pesquisa. Isso só foi conseguido porque tivemos sucesso em desenvolver estratégias para integrar

6 pesquisa e ensino, levar seus frutos à comunidade e permitir que ela, através de sua crítica e com seu conhecimento, aprimorasse e reorientasse nossas atividades. Nosso trabalho tem um enfoque em Psicologia Comunitária, com uma abordagem ecológica do desenvolvimento humano (Bronfrenbrenner, 1979), que segundo DeSouza (1996), permite entender as estruturas sociais interconectadas. Buscamos atender a vários aspectos que foram considerados relevantes para a investigação psicológica no final deste século (Society for Research in Child Development, 1995), tais como: investigação de processos sociais em desenvolvimento; análise dos níveis múltiplos de influência no desenvolvimento humano; estudos de grupos diversos de crianças e adultos e, principalmente, promoção do relacionamento entre o conhecimento básico a aplicações em problemas sociais. Consideramos que a Psicologia têm um papel vital dentro do contexto comunitário, propiciando o desenvolvimento de um senso de cidadania, pertinência e participação, que permitirá aos indivíduos, compartilhar e trocar atos de civilidade, que aumentam a qualidade de suas vidas e intensificam seus sentimentos de responsabilidade com relação aos outros. Somos Psicológos de rua. Não há nenhum estigma nesta denominação. Trabalhamos em hordas ou grupos pelas ruas e instituições, visando alcançar os nossos alvos, que são tanto as crianças e adolescentes, quanto as pessoas que trabalham com eles. Temos muito trabalho para fazer e o fazemos com muito afinco e satisfação. Somos Educadores sociais. Entendemos que este é um compromisso social que temos, especialmente, porque somos professores e estudantes de uma Universidade pública.

7 A Psicologia do Desenvolvimento Aplicada e a Educação Social com objetivos de busca de cidadania podem ser implementadas nos mais variados segmentos das relações humanas, como as instituições, a escola e a rua, e será a base de uma política de atenção integral a nossas crianças e adolescentes. Trabalhamos por uma Educação para a Cidadania, com a comunidade e com nossos alunos. Nosso trabalho visa integrar cidadãos em sua comunidade, como membros que compartilham responsabilidades pessoais e voluntárias. Como psicólogos, o primeiro ambiente que privilegiamos é o Eu, que permite ao indivíduo desenvolver uma consciência abrangente do social, desafiando as condições de injustiça e ignorância que afligem a Humanidade. A sociedade será mais justa e sábia quando as pessoas, nas suas comunidades, puderem decidir sobre sua vida, seu conhecimento, seu trabalho, sua ação política e seu espaço social. O Estado brasileiro não considera e não trata seus habitantes como cidadãos. Nós, acadêmicos, a "elite" intelectual deste país, sabemos que tipo de cidadãos nós somos e como somos tratados por quem deveria nos garantir direitos e deveres. O que restará como exercício de cidadania para uma criança de rua? Discutir cidadania é um triste "privilégio" de brasileiros, porque em países mais civilizados ser cidadão é condição implícita, indiscutível, não questionável. Tal condição inata faz muita diferença! Para nós, do CEP-RUA, o trabalho que a Universidade deve desenvolver na Comunidade não consiste apenas em um conjunto de tarefas ou prestação de serviços, mas em um compromisso que deve ser assumido por todos aqueles que querem transformar a sociedade e lutar pela cidadania. Como tão bem disse Mosquera (1990), "a universidade não pode manter-se distanciada do contexto social, político, econômico e ideológico no qual está inserida, devendo propiciar respostas qualitativas, para além do imediato e do banal, para uma sociedade que evolui rapidamente tanto em tecnologia quanto em problemas de difícil resolução. Assumindo esta postura de compromisso com a verdade, seja ela 'desafiadora' ou 'constrangedora', trazendo uma tentativa de busca de soluções" (p. 8). Aqui fica nossa história e o nosso "desafio" aos cidadãos desta Universidade. Referências Bandeira, D., Koller, S. H., Hutz, C., & Forster, L. (1995). O cotidiano dos meninos de rua de Porto Alegre. Trabalho completo publicado nos Anais do XVII International School Psychology 7

8 Colloquium, Tomo II, p. 133-134. Campinas, São Paulo. Bandeira, D., Koller, S. H., Hutz, C., & Forster, L. (1996). Desenvolvimento psicossocial e profissionalização: Uma experiência com adolescentes de risco. Psicologia: Reflexão & Crítica, 9, 185-208. Bronfrenbrenner, U. (1979). The ecology of human development: Experiments by nature and design. Cambridge, Mass: Harvard University Press. DeSouza, E. (1996). Psicologia Comunitária nos Estados Unidos e na América Latina: Implicações para o Brasil. Psicologia: Reflexão & Crítica, 9, 5-19. DeSouza, E., Koller, S. H., Hutz, C. S., & Forster, L. M. (1995). Preventing depression among Brazilian street children. Interamerican Journal of Psychology, 29, 261-265. Eisenberg, N. (1992). The caring child. Cambridge: Harvard University Press. Hutz, C., & Forster, L. (1996). Comportamentos e atitudes sexuais de crianças de rua. Psicologia: Reflexão e Crítica, 9, 209-229. Hutz, C., Koller, S., & Bandeira, D. (no prelo). Resiliência e vulnerabilidade em crianças em situação de risco social. Coletâneas do VI Simpósio da ANPEPP: Comunidade, Qualidade de Vida e Ecologia. Rio de Janeiro: ANPEPP. Hutz, C., Koller., S., & Bandeira, D. (submetido). Ethical issues in research with street children. Hutz, C., Koller, S., Bandeira, D., & Forster, L., (1995). Researching street children: methodological and ethical issues. ERIC Document, PS023280. Jornal da Extensão. (1996). Centro da universidade desenvolve projeto com meninos e meninas de rua. UFRGS, Ano 1, Número 1. Keiger, D. (1995). Suffer the children. Johns Hopkins Magazine, Novembro. Koller, S. H. (1994). Julgamento moral pró-social de meninos(as) de rua. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Koller, S. H., Forster, L. K., Santos, R., Frohlich, C. B., & Silva, M. S. (1994). Meninos e meninas de rua: família, educação e trabalho. Revista do Ensino, 180, 6-7. Mosquera, J. M. (1990). A universidade e a produção do conhecimento. Logos, 2, 6-10. Psicologia: Reflexão e Crítica (1996). CPG Psicologia/UFRGS. Society for Research in Child Development (1995). Encontro Bianual da SRCD. Indianápolis, EUA. 8