Parte I Teoria Geral do Erro no direito penal



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Transcrição:

Parte I Teoria Geral do Erro no direito penal

Considerações iniciais Antigo provérbio latino diz que errare humanum est. O erro faz parte do cotidiano do humano e se a ciência jurídica, de modo especial a ciência penal, cuida, sobretudo, dos acontecimentos que lhe são inerentes, torna-se evidente que deve também se ocupar do erro. Historicamente, o direito penal sempre emprestou valoração jurídica ao erro: ora com maior e icácia escusante, ora com menor e icácia escusante, mas dele sempre cuidou. 1 A relevância do erro para a ciência do direito penal ica, assim, evidenciada pelo interesse histórico que desperta ao longo de distintas escolas penais, bem como pela evolução que ainda experimenta nos estudos contemporâneos sobre a culpabilidade. Erro é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de um objeto (é um estado positivo). Conceitualmente, ele difere da ignorância: esta é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (é um estado negativo). 2 Mas as teses diferenciadoras de tais conceitos não prosperaram na ciência jurídica, onde predomina a tese uni icadora. 3 Erro e ignorância se equivalem (no campo do direito penal). Consoante Munhoz Netto, não há, por isso mesmo, inconveniente em uni icar, no terreno jurídico, os dois conceitos, dada a identidade das consequências que produzem: incidem sobre o pro- 1. Cf. Francisco Toledo, O erro, p. 32-36; Jiménez de Asúa, El error, p. 26 e ss.; Munhoz Netto, A ignorância, p. 23 e ss. 2. Sobre os conceitos, cf. Jiménez de Asúa, El error, p. 15; Munhoz Netto, A ignorância, p. 1-3; Grosso, L errore, p. 82; Da Costa Junior, Comentários, p. 181-182; Frosali, L errore, p. 548-551; cf. ainda Jiménez de Asúa, Tratado, t. VI, p. 313 e ss. 3. Nesse sentido: Francisco Toledo, O erro, p. 4; Jiménez de Asúa, El error, p. 15-20; Aníbal Bruno, Direito penal, t. 2.º, p. 109-112; Basileu Garcia, Instituições, p. 304; Cury Urzúa, p. 262; Ferrer Sama, Error, p. 651-652; Albuquerque, Para uma distinção do erro, p. 11; Londoño Berrío, El error, p. 11; Jiménez de Asúa, t. VI, p. 315-318.

18 Luiz Flávio Gomes cesso formativo da vontade, viciando-lhe o elemento intelectivo, ao induzir o sujeito a querer coisa diversa da que teria querido, se houvesse conhecido a realidade. 4 No Código Penal, erro e ignorância se equivalem; assim, quando ele faz referência ao erro (por exemplo, nos arts. 20, caput, 21 etc.), está também abarcando a ignorância. O erro, em suma, resulta de uma ausência ou falha de raciocínio e, conforme Alberto Trabucchi, o ato que disso deriva deve ser valorado de modo diverso do ato levado a cabo com perfeita consciência e conhecimento. 5 O tema do erro está intimamente coligado com o problema do dolo, da culpa, da tipicidade, da consciência da ilicitude, da culpabilidade, da necessidade de pena e, todos juntos, coligam-se estreitamente com o grande tema da responsabilidade penal. 6 Quem atua erradamente (equivocadamente) deve icar isento de responsabilidade penal? Após a reforma da Parte Geral do Código Penal, pela Lei 7.209, de 11.07.1984, que abrigou, sobretudo quanto à matéria do erro, a moderna sistematização dogmática alemã, cinco foram as espécies de erro contempladas: 1) erro de tipo (art. 20, caput); 2) erro de proibição (art. 21); 3) erro nas descriminantes putativas (art. 20, 1º); 4) erro acidental (arts. 20, 3.º, 73, 74) e 5) erro determinado por terceiro (CP, art. 20, 2.º). Além dessas, a dogmática ainda cuida de outras modalidades de erro, destacando-se o (1) erro de subsunção (erro sobre conceitos 4. A ignorância, p. 3. 5. Conclusão e citação de Francisco Toledo, O erro, p. 1. 6. Cf. Nélson Hungria que, discursando sobre a legítima defesa putativa, a irmava: o problema é transportado para o campo das descriminantes, quando o seu verdadeiro posto é na teoria da culpabilidade (A legítima defesa putativa, p. 133). Para Teresa Serra (Problemática, p. 11 e 18), a problemática do erro pode perspectivar- -se como charneira de toda a teoria do fato punível.

Erro de tipo, erro de proibição e descriminantes putativas 19 jurídicos) bem como o (2) erro de tipo que recai sobre requisito da ilicitude contido no tipo. Nas cinco primeiras espécies de erro há, ainda, que se veri icar se ele era vencível ou invencível, sendo que as consequências jurídico-penais diferem em cada uma das situações, assunto que será estudado logo abaixo. As espécies de erro de tipo examinadas podem, por sua vez, subdividir-se em outras categorias. Todas elas serão analisadas na presente obra. Comparando-se o atual binômio erro de tipo-erro de proibição (é o que consta do vigente Còdigo Penal) com o antigo erro de fato-erro de direito, veri ica-se o abandono da oposição que era feita entre o fático e o jurídico. Francisco Toledo acentua: no lugar dessa falsa oposição, coloca-se a distinção, já bem elaborada doutrinariamente, entre tipo e antijuridicidade (ou ilicitude). Feito isso, percebe-se, sem qualquer di iculdade, que o erro jurídico-penal relevante ora recai sobre (tem por objeto) elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal de crime (fáticos ou jurídico-normativos, pouco importa), ora recai sobre a antijuridicidade (ou ilicitude) da ação. Na primeira hipótese tem-se um erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo ou, abreviadamente, erro de tipo (Tatbestandsirrtum). Na segunda hipótese, tem-se um erro sobre a ilicitude do fato real ou, abreviadamente, erro de proibição (Verbotsirrtum). Conexiona-se, dessa forma, a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro de tipo e erro de proibição. Como ambas essas formas de erro são igualmente relevantes para o direito penal, a antiga antinomia que se criara entre elas cede lugar a uma distinção puramente conceituai, da qual não se podem extrair efeitos jurídicos opostos a escusabilidade de uma e a inescusabilidade de outra. O certo será dizer-se que ambas podem, ou não, ser escusáveis, dentro de certos critérios. 7 Como veremos, a evolução das teorias do erro segue muito proximamente ao desenvolvimento das escolas penais sobre o conceito de dolo e de culpabilidade, e sobre a consideração do dolo dentro do 7. Princípios, p. 255: v. ainda, Welzel, Derecho, p. 233. Munhoz Netto, A ignorância, p. 11; Teresa Serra, Problemática, p. 30; H. Costa Júnior, Aspectos, p. 462; Albquerque, Para uma distinção do erro, p. 26.

20 Luiz Flávio Gomes tipo penal, ou do tipo de injusto (que é a soma da tipicidade + antijuridicidade) e da culpabilidade. Descobrir a natureza, as características e as consequências jurídicas e práticas das hipóteses de erro no direito penal é o objetivo do nosso trabalho. De modo especial, visa-se a encontrar a melhor interpretação ao 1.º do art. 20 do nosso CP 8 que, sob o título descriminantes putativas, diz: E isento de pena quem, por erro plenamente justi icado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Parte-se do direito positivo em vigor (ius positum), que constitui o pressuposto básico para o desenvolvimento de qualquer trabalho exegético. Paralelamente ao direito positivo, baseia-se no trabalho dogmático-cientí ico e, em virtude da importância do assunto, não só para nossa cultura jurídica, como também para inúmeras outras estrangeiras, que aliás vêm dedicando ao erro nas descriminantes putativas ampla abordagem, o que cienti icamente é salutar porque acabam fornecendo extenso material teórico-cientí ico, tornou-se inevitável a evocação do ensinamento de autores estrangeiros para que pudéssemos alcançar, através de novas trilhas, um ponto de chegada que não fosse o mesmo daquele tantas vezes visitado e explorado por todos quanto percorreram a velha estrada aberta, há cerca de dois mil anos, pelos romanos. 9 É de grande importância para a correta e segura aplicação do direito penal o estudo do erro, principalmente no que tange às descriminantes putativas, tendo em vista a ainda não superada discussão acerca da sua natureza jurídica: constituiria ele um erro de tipo ou um erro de proibição, ou, en im, um erro sui generis? Ele afasta o dolo ou a consciência da ilicitude? Projeta seus re lexos sobre a tipicidade, sobre a ilicitude ou sobre a culpabilidade? 10 Dentro da esfera proces- 8. As conclusões que forem extraídas em relação ao art. 20, 1.º do CP, são válidas, segundo meu juízo, também para o art. 36, 2. a parte, e 1.º, do CPM. 9. Francisco Toledo, O erro, p. VI. 10. Predomina o entendimento da teoria tripartida de que esses seriam os requisitos do crime. Nesse sentido, Juarez Tavares, Teorias, p. 1; Jeschec, Tratado, p. 267-268; Teresa Serra, Problemática, p. 33; Da Costa Júnior, Comentários, p. 172. Para Damásio de Jesus, Direito penal, p. 137-138 o crime seria bipartido: tipicidade +

Erro de tipo, erro de proibição e descriminantes putativas 21 sual penal são também inúmeras as questões que surgem em torno do tema: arquivamento do inquérito policial ou denúncia, absolvição sumária ou impronúncia etc. 11 Na opinião de Teresa Serra, que compartilhamos, a teoria do erro e, em especial, a natureza e o tratamento do erro sobre a ilicitude e da descriminante putativa, constituem aspectos particularmente importantes dentro da sistemática do crime e onde mais necessária se torna uma perfeita articulação dos conceitos. 12 Adriano Marrey et alii a irmam que o erro sobre as causas de justi icação constitui um dos problemas mais controvertidos da atual dogmática penal. 13 Nas palavras de Silva Franco: é matéria extremamente controvertida, na atual dogmática penal, o enquadramento das descriminantes putativas. 14 Cuidando-se de tema de cuja complexidade não se duvida, 15 estamos convictos da utilidade do presente estudo, que pode trazer luz para a compreensão do tema. antijuridicidade. Em outro sentido posicionam-se aqueles que acolhem a teoria dos elementos negativos do tipo (v. infra, n. 1.1., do Capítulo IV), ou que admitem a punibilidade também como integrante do conceito de crime (como Basileu Garcia, Instituições, p. 214 e Battaglini, Direito penal, p. 339). Posicionam-se favoravelmente à concepção tripartida, ainda, Fiandaca-Musco, Diritto penale, p. 72, Bettiol, Sobre las ideas de culpabilidad, p. 641-642; Heleno Fragoso, Conduta punível, p. 6. Para nós, como veremos, o crime é composto de um fato formal e materialmente típico + antijuridicidade. 11. V. Munhoz Netto, A ignorância, p. 17. 12. Problemática, p. 16. 13. Júri, p. 33; v. também, Stratenwerth, Derecho penal, p. 159. 14. Código Penal, p. 52. 15. Andreucci, Culpabilidade e erro, p. 119.

Erro de tipo 1. CONCEITO Erro de tipo (também chamado de erro de tipo essencial ou incriminador, porque não se confunde com o erro de tipo acidental, que vamos ver mais adiante item 1.2.2.) é o erro do agente que recai sobre os requisitos objetivos constitutivos do tipo legal. Prevê o art. 20, caput, do CP: Erro sobre elementos do tipo: Art. 20 O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. No erro de tipo o agente não tem consciência (ou não tem plena consciência) da sua conduta (não sabe ou não sabe exatamente o que faz). Pratica uma conduta sem saber exatamente o que está fazendo. Não tem consciência ou não tem plena consciência dos requisitos objetivos descritos no tipo legal. Quando o art. 20 diz que erro de tipo é o que recai sobre elemento constitutivo do tipo devemos entender requisito constitutivo objetivo do tipo (porque jamais o erro de tipo alcança requisitos subjetivos). Na verdade, o erro de tipo é incompatível com o dolo (que constitui o eixo dos requisitos subjetivos). Considerando-se a patente di iculdade de se dissertar sobre esse tema, a igura-se oportuna, desde logo, a enumeração de alguns casos (jurisprudenciais ou doutrinários) de erro de tipo: 1) catador de papel que se apoderou de uma sucata na crença de que era coisa abandonada (res derelicta) RTJ105/27 (descobriu-se depois que não era coisa abandonada); 2) pessoa que tinha umas poucas plantas em seu quintal, para ins medicinais, sem saber que era maconha (JTACrSP 54/ 392);

24 Luiz Flávio Gomes 3) sujeito que extrai lenha do imóvel adquirido sem saber que já tinha sido expropriado (RJDTACRIM 5/97); 4) venda de bebida alcoólica a menor supondo que fosse maior (JUTACrSP 80/325); 5) sujeito que portava um galho verde sem saber que era maconha (RT 606/327); 6) pessoa que, por engano, se apoderou de um veículo branco, que era idêntico e estava estacionado ao lado do seu (O Estado de S. Paulo de 08.11.1996, p. C8); 7) pessoa que, a pedido de um conhecido, transportava uma caixa contendo cocaína sem saber disso (imaginava que fosse remédio, tal como disse o conhecido). Em todas as hipóteses que acabam de ser elencadas houve erro de tipo porque o agente não sabia (exatamente) o que fazia, isto é, não tinha consciência exata do que estava fazendo. Em termos menos profanos, não tinha consciência de todos os requisitos típicos de cada uma das iguras mencionadas. Isso signi ica dizer que não agiu com dolo (isto é, com consciência dos requisitos descritivos do tipo). A pessoa que transportou droga sem saber disso, pensando que fosse remédio, incorreu em erro de tipo. Atuou sem dolo. Não tinha consciência de um requisito descrito no tipo (substância entorpecente). Quem atua equivocadamente (sem saber exatamente o que está fazendo) não age com intenção de cometer qualquer crime (não age com dolo). O efeito principal e primordial do erro de tipo é a exclusão do dolo. No dolo o agente sabe exatamente o que faz (e quer o que faz). No erro ele atua equivocadamente (faz algo sem saber exatamente o que está fazendo). No exemplo da pessoa que transportou, sem saber, drogas, ela tomou um choque quando soube que se tratava de droga (não de remédio). Ela não tinha nenhum motivo para descon iar do seu conhecido. Ela acreditava que era, realmente, remédio. Transportou a droga sem saber exatamente o que estava fazendo. Não tinha a intenção de praticar trá ico de entorpecente. Não agiu com dolo de trá ico, ao contrário, pela sua cabeça não passou que se tratava de droga. Isso é o que chamamos de erro de tipo (erro sobre o requisito típico substância entorpecente ).

Erro de tipo, erro de proibição e descriminantes putativas 25 2. ESPÉCIES DE ERRO DE TIPO O erro de tipo pode ser (a) essencial (erro de tipo propriamente dito) ou (b) acidental. O erro de tipo essencial recai sobre os dados constitutivos do tipo fundamental, dos tipos derivados (quali icado ou privilegiado) ou sobre circunstâncias agravadoras (agravantes ou causas de aumento de pena). O erro acidental incide sobre a pessoa contra a qual o crime é praticado, ocasião em que não serão consideradas as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime (CP, art. 20, 2º). Pode ademais recair sobre o objeto material do crime; nesse âmbito ainda temos que estudar a aberratio ictus (CP, art. 73), a aberratio criminis (CP, art. 74) e a aberratio causae. O erro ainda pode ser (c) determinado por terceiro, quando normalmente responderá pelo crime somente o terceiro que determina o erro (CP, art. 20, 2º). Erro de tipo essencial (ou simplesmente erro de tipo), erro acidental e erro determinado por terceiro: todas essas espécies de erro estão previstas no Código Penal. A doutrina criou ainda o (d) erro de subsunção (erro sobre conceitos jurídicos) e (e) o erro que recai sobre requisito da ilicitude contido no tipo. Em relação a cada um das espécies antes relacionadas, o erro do agente ser escusável (e terá como consequência a exclusão do dolo CP, art. 20, 1ª parte) ou inescusável (ocasião em que também haverá a exclusão do dolo, porém, o agente responderá pelo crime culposo, se previsto em lei CP, art. 20, 2ª parte). Cada uma dessas modalidades será analisada na sequência. 2.1. Erro de tipo essencial (CP, art. 20) O erro de tipo propriamente dito é o essencial, ou seja, é aquele que, conforme visto anteriormente, recai sobre os dados constitutivos do tipo fundamental, do tipo derivado (quali icado ou privilegiado) ou sobre circunstâncias agravadoras (agravantes ou causas de aumento de pena). Poderíamos traçar o seguinte quadro para o erro de tipo: 1º) quando o agente comete a infração penal com a consciência real e inequívoca de todos os elementos constitutivos do tipo incriminador não há nenhum erro (o agente responde normalmente pela infração cometida);