A música para banda de cena na ópera Bug Jargal (1890), de José Cândido da Gama Malcher (1853-1921) André da Silva Ferreira 1 MÚSICA ÓPERA SÉCULO XIX AMAZÔNIA Esta investigação se dá a partir da transcrição da versão pianística da ópera Bug Jargal (1890) 2 e trata-se do material escrito pelo compositor paraense José Cândido da Gama Malcher para Banda de Cena. A Banda de Cena foi um recurso utilizado no século XIX nas grands opéras. Grand Opéra é uma forma operística integralmente cantada. A expressão também designa a Ópera de Paris e as peças lá apresentadas. 3 Eram luxuosas montagens normalmente elaboradas em quatro ou cinco atos ao invés de três, preferidos na maioria dos trabalhos apresentados no século XVIII. 4 A grand opéra explorava situações fortemente melodramáticas e violentas como relacionamentos passionais, conflitos de povos, de classes ou religiosos. 5 Um dos mestres da grand opéra foi Giacomo Meyerbeer. Sua primeira ópera foi Robert le Diable (1831), de montagem cara e requintada, bem ao gosto da época que misturou lenda medieval, superstição e amor sobrenatural. 6 As forças exigidas para apresentar uma grand opéra eram enormes: nelas existiam muitos personagens principais e secundários; o coro freqüentemente representou grupos diferentes em conflito; o balé assumiu um papel mais extenso; a orquestra cresceu em tamanho e variedade. Essa variedade também se dava pela possível inserção de uma banda em cena, e isso aconteceu na marcha de Le Prophéte, na marcha de Aida e, como é o caso aqui, na marcha de Bug Jargal. A Grand opéra teve um significativo efeito na cultura da França do século XIX. Para a aristocracia e a alta burguesia a ópera era acima de tudo o lugar para ver trabalhos de arte visual, cênica e musical. Jornalistas, com suas resenhas sobre a grand opéra buscavam fazer declarações políticas e críticas sociais. 1 Universidade do Estado do Amazonas Escola Superior de Artes e Turismo Rua Leonardo Malcher, 1728, Pça. XIV de Janeiro Manaus Amazonas CEP: 69010-170 Tel. (92) 3627-2721 - www.uea.edu.br - E-mail: eliuzidre@gmail.com 2 PÁSCOA, Márcio - Ópera na Amazônia na época da borracha (1880-1907): Bug Jargal de José Cândido da Gama Malcher, Coimbra, 2003, 2v. Tese de Doutorado em Ciências Musicais Históricas (Faculdade de Letras). 3 SADIE, Stanley (ed.) Dicionário Grove de Música, Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. 1994. 4 SADIE, Stanley Grand Opéra. Grove Music Online, ed. L.Macy, «http.www.grovemusic.com» 5 Idem 6 Ibidem
2 Esse modelo francês também foi seguido por outros compositores como Gioacchino Rossini, com Guillaume Tell (1829), Richard Wagner com Tannhäuser (1861), Gaetano Donizetti com Lucia di Lammermoor e Giuseppe Verdi com Don Carlos (1867). 7 Outro que pode ser citado é o brasileiro Carlos Gomes com Il Guarany (1870). Em sua tese, Márcio Páscoa (2003) deduz que tanto Verdi quanto Gomes parecem ter sido fonte de inspiração direta para Bug Jargal de Gama Malcher. 8 Ele poderia ter usado qualquer outro tema em sua primeira ópera, contudo optou por um tema abolicionista, pois relacionava-se ao forte clamor nacional pela libertação dos escravos. 9 Sabe-se que José Cândido da Gama Malcher nasceu em Belém, a 2 de novembro de 1853 e faleceu em 1921. Começou a estudar música com o Compositor Henrique Eulálio Gurjão e antes mesmo de encaminhar-se como músico, seu pai, o médico José da Gama Malcher, o colocou na Universidade de La Haye, Pensilvânia, para estudar Engenharia. Voltou formado em 1877, sem, contudo abandonar a atividade musical, pois chegou a compor a marcha dos formandos daquele ano. 10 Cumprido o desejo paterno e recebendo apoio do seu mestre viajou para a Itália cujo intento era o de se aperfeiçoar na música, o que deve ter durado quatro anos. 11 Em um dos textos atinentes à ópera Bug Jargal, Páscoa (2003) diz que Gama Malcher deve ter usado alguns metais extra para executar a marcha de Bug Jargal. Na partitura não ficam totalmente evidentes os indícios de que nas montagens houve uma banda em cena, mas expressões como da lontano (de longe) associadas ao fato de que o autor abriu uma dupla pauta, com claves de sol e fá, para acomodar a linha melódica da Banda, independente do que executava o naipe dos metais, faz pensar que se tratava de um grupo extra que bem podia estar em outro lugar que não o fosso da orquestra. 12 No Ato IV, Cena V, a música encontrada na clave de sol da dupla pauta foi destinada às cornetas, enquanto que a clave de fá e seu material musical aos trombones, como é demonstrado no recorte. Marcia, Gran Sfilata [da lontano] 7 Ibidem 8 Páscoa, 2003, p. 143 9 Páscoa, 2003, p. 131 10 Salles, 1970, p.186 apud Páscoa, 2003, p. 97 11 Páscoa, 2003, p. 97 12 Páscoa, 2003, p. 295
3 Os recortes não estão numerados, entretanto sempre há a indicação dos compassos de onde foram retirados facilitando assim a sua localização e cotejo. No Ato IV, Cena V, compasso 555 da versão digitalizada, a banda em sua primeira participação anuncia a chegada das hordas de Bug Jargal, que veio pedir a libertação de Leopoldo, que fora feito prisioneiro por Biassú, um dos principais líderes da revolta dos escravos. A marcha é tocada no tom de Mi bemol Maior. Surge Bug Jargal e seu séquito, pressupõe-se que um número considerável de súditos compunha o grande desfile a Marcia Gran Sfilata, termo encontrado na partitura. A movimentação, causada pelo grande desfile, justifica a entrada do coro, dos bailarinos e dos músicos em cena. Nessa época a movimentação no palco tinha por opção entreter o público, preencher visualmente a cena e valorizar o tempo do espetáculo. Gama Malcher com sua aptidão composicional criou condições favoráveis para a dramatização da chegada de Bug Jargal; nota-se que para facilitar a movimentação dos instrumentistas e a execução da música composta para o grande desfile, Malcher escreveu a marcha com elementos musicais de fácil assimilação, a célula temática escolhida para esse fim é tocada tanto pela banda quanto pela orquestra. Gama Malcher faz uso do conceito de leitmotiv para compor temas que se relacionem aos personagens. Um dos temas de Bug Jargal foi exposto no final do Ato III, o motivo musical da marcha da liberdade dos escravos, que o aclamam rei. O leitmotiv ou motivo condutor representa ou simboliza uma pessoa, que neste caso particular é Bug Jargal, ele pode
4 retornar na forma original ou em forma alterada, nos momentos adequados de uma obra dramática para lembrar o personagem, uma situação vivida por ele ou ambos. 13 Após dezesseis compassos em silêncio a banda se faz presente tocando dois compassos do seu próprio motivo melódico, concernente à entrada do séquito de Bug Jargal no Ato IV, desta feita no tom de lá bemol maior. 13 SADIE, Stanley (ed.) Dicionário Grove de Música, Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. 1994.
5 O autor fazendo uso de apenas dois instrumentos (um Cornetto e um Trombe como é a designação descrita na grade orquestral) os coloca numa posição destacada em relação aos demais. Há um solo do compasso 608 ao 613 em uníssono, entre estes instrumentos. Este mesmo solo se repete do compasso 616 até o compasso 620 com uma variação no final. No princípio o compositor opta por uma escrita de fácil execução, as cadências empregadas são diatônicas. A partir do compasso 631 ele decide por uma variação do tema mais elaborada, conseqüentemente mais apreço por parte dos músicos para que evitem equívocos com as notas alteradas. Durante boa parte desta estrutura na ópera o autor alterna entre uma tonalidade e outra. No compasso 640 Gama Malcher volta à tonalidade de Mi bemol Maior. Esse é o instante que antecede a petição de Bug Jargal a Biassú pela vida de Leopoldo.
6 Ao encontrar-se com Biassú, Bug Jargal diz: Da te una grazia chiedo graça peço), logo em seguido ouve-se o citado leitmotiv exposto no fim do Ato III. (De ti uma Sem ter idéia de qual seria o pedido, Biassú diz que é uma honra obedecer a Bug Jargal, quando ele externa sua vontade, que é a de libertar Leopoldo. Mas ao saber do teor do pedido, Biassú numa atitude contrária, diz que o prisioneiro a ele pertence e só a ele o seu destino depende. Tensos momentos ocorrem durante a conversa. Bug Jargal numa atitude nobre, troca a vida de Leopoldo pela pluma branca, símbolo do seu poder e Biassú aceita a proposta e solta o prisioneiro. Por ironia do destino Leopoldo militar do Forte Gallifet fora salvo por aquele que quase o matou em disputa pelo amor de Maria. Sua última ordem é para que haja festa. -«A alegria retornou, dancem, dancem!», pede Bug Jargal. E Bug Jargal parte com suas hordas. Neste instante a banda torna a tocar o seu tema particular, desta feita em Tempo Di Marcia e sai com o seu líder de cena.
7 Em sua análise Márcio Páscoa 14 diz que o autor paraense não desejou encerrar a cena apoteótica com Biassú, mesmo tendo ele obtido a pluma branca de Bug Jargal. Gama Malcher decidiu-se por concluir com a marcha da Banda de Cena, que significa a retirada do seu séquito. Com isto, diz Páscoa, parece ter intencionado dar relevo ao gesto de grandeza e despojamento de Bug Jargal, ao invés de evidenciar a alegria de Biassú, fazendo aí uma escolha moral. Mesmo tendo definido parâmetros, nada nos impede de fazer outras combinações. Com o intuito de incrementarmos a banda podemos adicionar instrumentos bem como suprimir outros, essa possível combinação possibilita uma variação sonora cujo intento é o de alcançar um melhor efeito na arte da instrumentação orquestral. AGRADECIMENTO Ao Prof. Doutor Márcio Leonel Farias Reis Páscoa por sua pela primorosa orientação. Comparo-o a uma bússola, ela que tem a função de orientar o navegador pelos caminhos mais tortuosos sem perder o rumo. 14 Páscoa, 2003, p. 266
8 BIBLIOGRAFIA ADLER, Samuel The study of orchestration, New York, Norton, 2001 FUBINI, Enrico - La Estética Musical desde la Antigüedad hasta el Siglo XX, 2a Ed. 4 ª eimp.madrid: Alianza Ed. 1993. GROUT/PALISCA - História da música ocidental, Lisboa, Gradiva, 1997. PÁSCOA, Márcio - A Vida Musical em Manaus na época da borracha (1850-1910), Manaus, Governo do Estado do Amazonas/Funarte, 1997. PÁSCOA, Márcio Valer, 2000 Cronologia lírica de Manaus, Manaus, Governo do Estado do Amazonas PÁSCOA, Márcio - Ópera na Amazônia na época da borracha (1880-1907): Bug Jargal de José Cândido da Gama Malcher, Coimbra, 2003, 2v. Tese de Doutorado em Ciências Musicais Históricas (Faculdade de Letras). PISTON, Walter Orchestration, New York, Norton, 1955 SADIE, Stanley (ed.) - The New Grove Dictionary of music and musicians, New York London, Macmillan Publishers, 2002, 29 vols. SALLES, Vicente - Música e Músicos no Pará Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1970. SALLES, Vicente - A Música e o Tempo no Grão-Pará Belém: Conselho Estadual de Cultura,1980. V.A. Enciclopédia da música brasileira : erudita, folclórica e popular. São Paulo Art Editora, 1977. 3v. 1190p.
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