LEPROMAS COM ASPECTO OBJECTIVO SEMELHANTE AO DE LUPOMAS
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1 LEPROMAS COM ASPECTO OBJECTIVO SEMELHANTE AO DE LUPOMAS DR. J. RAMOS E SILVA Docente da Faculdade de Medicina Cathedratico da Escola de Medicina e Cirurgia (Rio de Janeiro) O lupoma, como todos sabemos, é a lesão elementar caracteristica do lupus de Witten, do lupus tuberculoso ou verdadeiro. E' um tuberculo, no sentido dermatologico do termo, constituido pela agglomeração de folliculos tuberculosos typicos e caracterizado clinicamente pela sua evolução chronica, pelo seu aspecto (forma arredondada, tamanho desde o da cabeça de alfinete até o de ervilha grande, consistencia molle, côr rosea amarellada, violacea ou bistre, superficie variavel: lisa, escamosa, ulcerosa, crostosa) e particularmente pela modificação que este aspecto soffre com a vitro-pressão. Esta, afastando pela compressão da lamina o elemento circulatorio, permitte verificar que o tecido do lupoma apresenta uma tonalidade amarello bistre translucida que os autores comparam á maltose bruta (sucre d'orge) ou á geléa de maçãs. O recurso semiotico da vitro-pressão permitte o diagnostico do lupus tuberculoso pois a translucidez dos nodulos lupicos é considerada pathognomonica e interpretada como devida ao desapparecimento, na area da lesão, das fibras elasticas e conjunctivas da derma. A descripção acima, calcada na de Darier, é corroborada pela maioria dos dermatologistas. PUSEY, por exemplo: "The pathognomonic feature of lupus is the peculiar apple jelly nodules which are embedded in the skin. These can be distinguished from a simple inflammatory papule by the fact that the color of the inflammatory papule is entirely obliterated by pressure, while the infiltration of lupus under pressure leaves a yellow spot which is still visible. This is best seen under pressure with glass". E Brocq: "Ces éléments primitifs sont de petits grains d'un rouge jaunatre plus ou moiras clairs et comme translucides, ressemblant á du surre d'orge
2 436 ou a de la gelée de pomme, enchassés dans le derme et reconverts d'épiderme au travers duquel ou les voit par transparence". Ainda Karl Zielel: "Der primare Herd des Lupus, das Lupusknötchen (Lupus fleck), erscheint auf der ãusseren Haut zunãchst als ein braulicher oder brãunlichroter, bei anwendung des Glasdrucks blassgelber, võllig in der Hõhe der umgebenden Haut liegender, etwas durescheinender, wachsartig glãnzender Fleck, der von unverletzier Oberhaut überzogen ist zumeist gruppen weise auftritt". Assim sendo, surprehendeu-nos um pouco o encontrarmos em uma doente de nosso serviço do Centro de Saúde n. 7 lesões leproticas que, apesar de indubitaveis, de tal modo approximavam-se do typo acima descripto que o facto pareceu-nos digno de estudo. O caso, por nós apresentado á Sociedade Brasileira de Dermatologia na sessão de 29 de Abrl ultimo, é o seguinte: E. D., preta, brasileira (Mar de Hespanha-Minas), 38 annos, viuva, está doente ha pelo menos dez annos, tendo a doença tido começo por placas na região frontal. O seu protocollo dermatologico actual ( ) o seguinte: 1. placas infiltradas escuras na fronte, lado esquerdo, e na região malar, mesmo lado; 2. lepromas miliares no nariz e na orelha direita; 3. placas salientes no braço e sobretudo no antebraço esquerdo, (Fig. 1) formadas de tuberculos agminados branco amarellados mergulhados numa ganga escura e revestidas de epiderme lisa e atrophica, verificando-se pela compressão de uma lamina de vidro que toes lesões são algo translucidas (Fig. 2) tendo cada uma deltas contorno nitido embora frequentemente sejam contiguas; 4. placa semelhante ás da face no cotovello direito (face de extensão); 5. nos membros inferiores lepromas miliares, disseminados; 6. anesthesia na face posterior (2 3 inferiores) da perna direita; 7. nas lesões do ante-braço esquerdo, existe embotamento da sensibilidade á picada. A pesquiza de bacillos de Hansen no muco nasal foi positiva. Uma biopsia (n ) estudada pelo Dr. Amadeu Fialho mostrou o seguinte: "o exame microscopico revela uma reacção inflammatoria topicamente leprosa, rica de bacillos mas organizando pequenas formações nodulares, algumas das quaes parecem em involução". (Fig. 3) O facto essencial nesta observação é a presença nos membros superiores de placas irregulares, bossuladas, salientes, infiltradas, apresentando superficie lisa e brilhante que deixa ver por transparencia nodulos dermicos arredondados tendo em media 0,002 e 0,003 de diametro, branco amarellados, isolados ou confluentes, salientando-se por contraste do fundo escuro (do tom congestivo no preto) geral da lesão assim como do seu contorno. Pela vitro-pressão este fundo escuro esmaéce um pouco, vendo-se os nodulos perfeitamente bem limitados, meio translucidos, uns quasi brancos, outros amarellados. A sensibilidade á picada, mostra-se nitidamente embotada
3 437 em taes lesões. A este aspecto clinico tão interessante e, pelo que temos visto, pouco frequente, juxtapõe-se a verificação histologica na biopsia de lepromas typicos com abundantes cellulas de Virchow (1) e globias bacillares em profusão, sem a menor formação tuberculoide. Temos então de afastar a idéa de um lupoide leproso (2) de um desses casos, já banaes, de lepra tuberculoide (3). A hypo-these, facil de imaginar, de uma associação do bacillo de Hansen com o bacillo de Koch é, talvez, ainda mais facil de refutar: a) a paciente é uma preta brasileira e o lupus de Willan é raro nos negros e não existe praticamente no Brasil; b) a sede das lesões é nos membros superiores, ao passo que o lupus prefére o rosto; c) as lesões são hypoesthesicas; d) nellas existe o bacillo de Hansen em quantidade prodigiosa; e) a estructura das lesões não é follicular, nem sequer tuberculoide. Posteriormente á nossa communicação á S. B. D. fomos encontrar a referencia historica de que Armauer Hansen (4) havia descripto certos aggregados, visiveis a olhos nits, de cellulas leprosas sob a denominação de braune Elemente ou gelbe Schollen, precisamente aquelles onde o genial observador conseguiu em 1871 divisar o bacillo que hoje tem o seu nome. De modo que parece-nos agora indubitavel que a doente em questão apresenta antigos fócos lepromatosos, mostrando os torrões ou granulações amarellas, gelbe Schollen de Hansen. A tránslucidez pela vitro-pressão verificada no caso em estudo resulta aqui como no lupus de analogas alterações de textura. De facto, solicitando ao dr. Fialho que retomasse o estudo histologico do material de biopsia, ponde o nosso illustrado colaborador e amigo demonstrar, pelo emprego de technicas adequadas, a inexistencia, no amago das lesões lepromatosas, de fibras elasticas e, pelo menos grande diminuição, das conjunctivas. E' o seguinte o seu laudo especial: "O material tratado pelas technicas especificas de coloração de fibras elasticas mostra estes elementos apenas até a margem do processo granulomatoso; dahi para dentro faltam mesmo as fibrillas elasticas mais delicadas. (Fg. 4) Do mesmo modo o tecido collagenico; tanto quanto pode ser verificado pelo Van Gieson, está reduzido ao minimo na area do leproma, ao passo que é abundante e denso na sua margem". (Fig. 5). A diagnose puramente morphologica e objectiva dessas formações com os lupomas parece-nos, pelo menos nesta doente, extremamente difficil. Ha todavia um signal differencial, embora de importancia secundaria a consistencia. Diz de facto Jeanselme (pag. 308) a respeito dos lepromas dermicos: "its donnent rarement au doigt la sensation de mollesse des nodules lupiques". As placas descriptas em nosso caso apresentavam realmente certa consistencia, bem perceptivel pela palpação digital.
4 438 (1) Cellulas de Danielssen segundo a justa reivindicação de H. P. Lie em seu artigo Tuberculosis and leprosy na Acta dermatovenereologica, 1927, pag. 23. (2) "Ces elements lupoides de consistance matte au toucher, se laissent plus ou moins facilement pénétrer par un stylet boutonné, mais en general on ne constate pas à la vitropression la translucidité de nuance sucre d'orge que donneraient des lupomes". Jeanselme Traité de la lépre, pag (3) V. Lepra tuberculoide J. Ramos e Silva Vol. commemorative do Cincoentenario da Policlinica Geral do Rio de Janeiro, 1933, pag (4) Jeanselme á pag. 205 do seu tratado attribue esta denominação a Danielssen, antes, a pag 60, referida a Hansen. Cotejamos embora perfunctoriamente, o Traité de la Spédalskhed de Danielssen e Boeck na edição de 1848 existente na bibliotheca da Clinica Dermatologica da Faculdade, nada tendo encontrado a respeito, tornando-se pois muito mais provavel seja a denominação mesmo de Hansen. RESUMO CONCLUSIVO 1.º o autor apresenta um caso de lepra em que certas lesões tinham o aspecto objectivo de lupomas, mesmo examinadas sob vitro-pressão. 2. não se tratava de lupoide nem de qualquer outro typo de infiltrado tuberculoide; ao contrario, de lepromas typicos histologicamente, com cellulas de Virchow e grande quantidade de bacillos. 3. assim sendo, a translucidez sob vitro-pressão não é pathognomonica, como os classicos affirmam, do lupus tuberculoso verdadeiro. 4. ficou demonstrado que a translucidez dos nodulos á vitropressão decorre, na lepra como na tuberculose, da mesma causa a ausencia ou grande diminuição na area do granuloma, de fibras elasticas e conjunctivas. RESUME' ET CONCLUSIONS 1. L'auteur présente un cas de lépre darts lequel certames lesions avaient l'aspect objectif de lupomes, même à ]'examen par vitro-pression. 2. Ce n'était pas un lupoide ni quelque autre type d'infiltrat tuberculoide mais au contraire des lepromes typiques avec des eel-lutes de Virchow et une tres grande quantité de bacilles. 3. Alors la translucidité à la vitro-pression nest pas pathognomonique du lupus tuberculeux, à l'encontre de l'opinion classiqué. 4. Il à été demontré que la translucidité des nodules par vitropression est due, dans la lepre comme dans la tuberculose, à la même cause l'absence ou la grande diminution dans l'étendue du granulome des fibres élastiques et conjouctives.
5 Fig. 4 Coloração de Verhoef. As fibras elaslicas não penetram no interior do granuloma leprotico, p. ex. na parte superior da estampa.
6 Fig. 5 Coloração de van Gieson. Ausencia quasi completa de tecido conjunctino (em roseo) nas areas de infiltrado granulomatoso, p. ex. na parte direita da estampa.
7 439 Fig. 1 Phologruphia sem retoque das lesões do antebraço esquerdo. Fig. 2 As mesmas sob vitro-pressão Fig. 3 Biopsia, pequeno augmento (Dr. Abreu Fialho)
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