Modelagem matemática: uma atividade desencadeadora de tarefas
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- Aurélio Schmidt de Santarém
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1 Modelagem matemática: uma atividade desencadeadora de tarefas Mathematical modeling: a task triggering activity Karina Alessandra Pessoa da Silva 1 Adriana Helena Borssoi 2 Elaine Cristina Ferruzzi 3 Resumo Neste texto apresentamos uma investigação realizada com o intuito de evidenciar tarefas com potencial para abordar conceitos e procedimentos matemáticos que são desencadeadas em uma atividade de modelagem matemática desenvolvida no âmbito de um ambiente educacional, mais precisamente no âmbito de uma disciplina de Cálculo Diferencial e Integral 1. Para isso, nos apoiamos na concepção de modelagem matemática como alternativa pedagógica e em ideias e caracterizações de tarefas como algo a ser feito pelos estudantes em sala de aula. A atividade que analisamos foi desenvolvida por um grupo de alunos de um curso de Licenciatura em Química e as discussões que empreendemos dão indicativos de que esses alunos aceitaram e desenvolveram tarefas e nos possibilitaram inferir que tal atividade desencadeia tarefas com potencial para desenvolver conceitos e procedimentos matemáticos seja no contexto em que os referidos alunos estão inseridos seja em propostas de encaminhamentos futuros. Palavras-chave: Educação Matemática. Modelagem matemática. Ambiente educacional. Cálculo diferencial e integral. 1 Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Docente do Departamento Acadêmico de Matemática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Londrina e do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática da UTFPR, Campus Londrina e Cornélio Procópio. karinasilva@utfpr.edu.br. 2 Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Docente do Departamento Acadêmico de Matemática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Londrina e do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática da UTFPR, Campus Londrina e Cornélio Procópio. adrianaborssoi@utfpr.edu.br. 3 Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Docente do Departamento Acadêmico de Matemática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Londrina e do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática da UTFPR, Campus Londrina e Cornélio Procópio. elaineferruzzi@utfpr.edu.br. BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 122
2 1 Introdução O propósito deste texto é apresentar resultados parciais de um projeto de pesquisa que tem como foco o trabalho de sala de aula ao propor a investigação de um ambiente educacional para o Cálculo Diferencial e Integral em condições reais de ensino. O projeto submetido e aprovado no Edital Universal 14/2014 do CNPq tem por objetivo geral investigar os processos envolvidos na caracterização, implementação e avaliação de um ambiente educacional para a disciplina de Cálculo e suas consequências para a aprendizagem. Com vistas a contribuir com esta investigação, um grupo de professores de uma universidade pública do Estado do Paraná, dentre os quais as autoras deste texto, têm empreendido esforços em suas práticas docentes e em suas ações nas pesquisas. O ambiente educacional ao qual nos referimos e adotamos em nossa pesquisa, deve levar em consideração, segundo Troncon (2014, p. 265), elementos, de ordem material ou afetiva, que circunda o educando, que nele deve necessariamente se inserir e que o inclui, quando vivencia os processos de ensino e aprendizado. Com esta caracterização, assumimos que o educando é um elemento que participa do ambiente educacional, influenciando-o e, neste sentido, se pretendemos investigar um ambiente educacional, entendemos a necessidade de se estruturar e propor tarefas em sala de aula que permitam tal inclusão. Em nossos estudos, vislumbramos a investigação de Silva (2017) na qual destaca que a implementação da modelagem matemática em sala de aula possibilita incluir os alunos no ambiente educacional por meio do trabalho em grupo e das intervenções que podem ser feitas pelo professor. Deste modo, considerando o envolvimento das autoras com pesquisas em modelagem matemática e o interesse do projeto a respeito da organização de tarefas que integrem o ambiente educacional almejado, neste trabalho nos debruçamos em evidenciar tarefas com potencial para abordar conceitos e BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 123
3 procedimentos matemáticos desencadeadas em uma atividade de modelagem matemática. Embora anos de pesquisas sobre modelagem matemática tenham contribuído para a presença da modelagem nas práticas docentes em diferentes níveis de escolaridade, o trabalho com modelagem em sala de aula ainda pode ser considerado tímido, por isso, entendemos que ainda é um desafio no campo profissional. Neste sentido, este trabalho pretende contribuir ao exemplificar tanto a prática docente com modelagem, quanto a possibilidade de refletir sobre essa prática por meio da pesquisa, a partir da coleta de dados em sala de aula. Em vista disso, nos propomos a compartilhar com a comunidade da Educação Matemática algumas considerações a respeito dessa investigação. Inicialmente enunciamos aspectos sobre a modelagem matemática que praticamos; em outra seção, tratamos sobre tarefas com potencial para desenvolver conceitos e procedimentos matemáticos; em seguida, são indicados os aspectos metodológicos, bem como a descrição e análise de uma atividade de modelagem matemática desenvolvida em aulas de Cálculo 1; e por fim, trazemos algumas discussões e implicações para a pesquisa. 2 Sobre modelagem matemática Atualmente existem diferentes concepções sobre modelagem matemática na Educação Matemática que podem ser facilmente encontradas nas literaturas da área. Nossas leituras, todavia, nos permitem apresentar uma compreensão pautada no fato de que a modelagem é orientada pela busca de solução para um problema cuja origem se encontra fora do âmbito matemático. Com isso, corroboramos com Cirillo et al. (2016, p. 6) quando afirmam que a razão básica para modelar com a matemática é entender a realidade, ou algo sobre o mundo real. BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 124
4 Entender algo sobre o mundo real através de lentes matemáticas é possível a partir de uma representação simplificada do fenômeno em estudo. D Ambrosio (2015) afirma que na representação a realidade é restrita a fatos e fenômenos selecionados e o resultado é um tipo de "realidade isolada e individualizada". Para lidar com a realidade isolada e individualizada", os indivíduos atribuem códigos ou parâmetros aos fatos e fenômenos selecionados. Esses parâmetros podem ser de natureza matemática, como formas matemáticas e símbolos matemáticos (D AMBROSIO, 2015, p. 43). A essa representação matemática que pode incluir desde símbolos, diagramas e gráficos até expressões algébricas ou geométricas referimo-nos como modelo matemático, o qual consiste em um sistema conceitual, descritivo ou explicativo cuja finalidade é prover meios para descrever, explicar e mesmo predizer o comportamento do fenômeno (DOERR; ENGLISH, 2003). Na busca pela solução para o problema oriundo de um fenômeno, uma situação real, um conjunto de procedimentos e conceitos se faz necessário. Gould (2016) destaca que a modelagem matemática é um processo que ocorre como um ciclo que envolve seis subprocessos: 1) identificar variáveis essenciais, 2) formular um modelo matematizando as relações entre as variáveis; 3) analisar essas relações e aplicar a matemática necessária para obter conclusões, 4) interpretar os resultados em relação à situação original, 5) validar as conclusões determinando se o modelo precisa ser melhorado e o processo iterado, ou, se é aceito, 5) relatar os resultados. Assim como o autor supracitado, consideramos que os subprocessos elencados se configuram em ações para resolver um problema do mundo real (GOULD, 2016, p. 180). Nesse sentido, uma atividade de Modelagem Matemática abarca a atividade propriamente dita, um conjunto de ações e um conjunto de operações (ALMEIDA; FERRUZZI, 2011, p. 3), com vistas à solução de um problema. Essas ações reafirmam o nosso interesse no desenvolvimento de atividades de modelagem matemática que é discutir sobre algo que não é propriamente do campo da Matemática, mas a compreensão deste algo é BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 125
5 mediada pela compreensão e pelo uso da Matemática. Neste sentido, Almeida e Silva (2017, p. 209) destacam que a modelagem pode ser tratada como um procedimento criativo e interpretativo que estabelece uma estrutura matemática que deve incorporar, com certo nível de fidelidade, características essenciais do fenômeno que pretende representar. Levando em consideração nosso entendimento sobre o desenvolvimento de atividades de modelagem matemática, intentamos evidenciar tarefas com potencial para desenvolver conceitos e procedimentos matemáticos que são desencadeadas ao propormos atividades de modelagem matemática na sala de aula. 3 Tarefas com potencial para desenvolver conceitos e procedimentos matemáticos Consideramos o ambiente educacional caracterizado no âmbito do projeto em que se insere esta investigação, pois entendemos que um conjunto de aspectos, sejam eles estruturais, pedagógicos, procedimentais, podem influenciar no processo de ensino e de aprendizagem. Elementos como a estrutura da instituição de ensino, a natureza dos cursos de graduação oferecidos por ela, o perfil do egresso que se almeja e o perfil dos alunos matriculados na disciplina, bem como a formação do docente responsável pela disciplina, podem ser determinantes na configuração deste ambiente educacional. Levando em conta a caracterização de ambiente educacional que adotamos, temos empreendido esforços no sentido de elaborar tarefas com potencial para desenvolver conceitos matemáticos. Por tarefa, corroboramos com as ideias apresentadas por Trevisan, Borssoi e Elias (2015, p. 3) que a definem como amplo espectro composto por coisas a fazer pelos estudantes em sala de aula, o que inclui desde a execução de exercícios algorítmicos até a realização de investigações ou construção de BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 126
6 modelos matemáticos. Esse entendimento está de acordo com Watson et al. (2013), para os quais Tarefas geram atividade que proporciona oportunidade de descobrir conceitos matemáticos, ideias, estratégias, e também o uso e o desenvolvimento do pensamento matemático e de modos de investigação. O ensino inclui seleção, modificação, design, sequenciamento, montagem, observação e avaliação de tarefas (WATSON et al., 2013, p. 12). No sentido expresso por Ponte (2014), tarefas são elementos organizadores da atividade de quem aprende, sendo usualmente (mas não necessariamente) propostas pelo professor, mas, uma vez propostas, têm de ser interpretadas pelo aluno e podem dar origem a atividades muito diversas (ou a nenhuma atividade). Entretanto, tarefa pode ter ou não potencialidades em termos de conceitos e processos matemáticos que pode ajudar a mobilizar. Pode dar lugar a atividades diversas, conforme o modo como for proposta, a forma de organização do trabalho dos alunos, o ambiente de aprendizagem, e a sua própria capacidade e experiência anterior (PONTE, 2014, p.16). Uma tarefa com potencial para, em nosso entendimento, deve ser uma tarefa facilitadora da aprendizagem, seja de conceitos matemáticos ou de outra natureza. Esse entendimento está, de acordo com Ausubel (2003) e Moreira (2011), para os quais o professor tem papel fundamental na organização do ensino e na proposição de situações potencialmente significativas, de modo que atue como mediador da captação de significados. Para Moreira (2011): o significado está nas pessoas, não nas coisas. Então, não há, por exemplo, livro significativo ou aula significativa; no entanto, livros, aulas, materiais instrucionais de um modo geral, podem ser potencialmente significativos e para isso devem ter significado lógico (ter estrutura, organização, exemplos, linguagem adequada, enfim, serem aprendíveis) e os sujeitos devem ter conhecimentos prévios adequados para dar significado aos conhecimentos veiculados por esses materiais (MOREIRA, 2011, p.51). Assim, uma tarefa deve ser parte de um material potencialmente significativo, a partir da qual o aluno se sinta convidado a se colocar em atividade e a aprender. Deste modo, a atividade na qual se envolve o aluno passa a ser um BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 127
7 meio para solucionar a tarefa inicial, mas, pode também representar a oportunidade de desencadear novas tarefas facilitadoras da aprendizagem. Levando em consideração essas assertivas é que passamos a descrever e analisar a proposta de uma tarefa cujo desenvolvimento se caracterizou como uma atividade de modelagem matemática em um ambiente educacional de Cálculo 1. 4 Aspectos Metodológicos Para evidenciar tarefas com potencial para abordar conceitos e procedimentos matemáticos que são desencadeadas em uma atividade de modelagem, pautamo-nos no desenvolvimento de uma atividade realizada por alunos do 1º período de um curso de Licenciatura em Química na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral 1 de uma Universidade Pública do Estado do Paraná. A turma era composta por 44 alunos, aos quais foi solicitado pela professora, uma das autoras deste texto, que em grupos, investigassem uma situação cujo tema estivesse relacionado ao Resfriamento/Aquecimento de um corpo ou ambiente. Para isso, eles teriam que escolher a situação-problema e medir a temperatura de um ambiente ou corpo em aquecimento ou resfriamento, anotando os dados coletados (Quadro 1). Quadro 1 - Tarefa proposta pela professora Aquecimento / Resfriamento de um ambiente Ao ligarmos o aparelho de ar condicionado, o ar do ambiente começa a resfriar. Podemos estudar o fenômeno de resfriamento desse ambiente por meio da fixação de um termômetro e observar a variação de temperatura no decorrer do tempo. Ao estacionarmos um veículo em um ambiente que receba luz solar direta ou indiretamente e manter esse veículo fechado por algum tempo, a temperatura em seu interior aumenta. O estudo da variação de temperatura no interior desse veículo pode ser realizado utilizando um termômetro. Escolha uma das situações anteriores ou outra na temática proposta (aquecimento/resfriamento de um ambiente) para fazer a coleta de dados. Para isso, descreva e fotografe o ambiente escolhido. Coletando dados Para realizar a coleta de dados vocês deverão fixar um termômetro no ambiente escolhido à temperatura ambiente e observar a variação de temperatura no decorrer do tempo de acordo com a situação escolhida. Anotem a temperatura T do ambiente (em 0 C) conforme o tempo t passa, em minutos. Utilizem intervalos de tempo iguais para cada uma das coletas realizadas. Fonte: Arquivo da professora. BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 128
8 Neste texto, empreendemos nossas análises na atividade desenvolvida por um dos grupos de três alunos (indicados por A1, A2 e A3). O critério de escolha se deve às limitações do texto, bem como ao envolvimento do grupo com a atividade na sala de aula. O encaminhamento da atividade de modelagem matemática, com o intuito de solucionar a tarefa proposta pela professora ocorreu em sala de aula, num período de cinco horas/aula. As discussões em sala de aula foram gravadas em áudio e vídeo com o consentimento dos envolvidos e transcritas pelas pesquisadoras. Neste texto, também fazemos menção aos registros escritos do relatório da atividade entregue pelo grupo. Do ponto de vista metodológico, tratase de uma pesquisa qualitativa e de análise interpretativa, conforme Bogdan e Biklen (1994). 5 A atividade de modelagem matemática desenvolvida em aulas de Cálculo 1 O grupo a que nos referimos optou por estudar o aquecimento da água de uma garrafa de 500 ml, lacrada, que se encontrava no interior de um veículo fechado exposto ao Sol (Figura 1). Para a coleta de dados, que ocorreu no dia 21 de outubro de 2015 no período das 06h as 11h, o grupo fez uso de um termômetro infravermelho (Figura 2). BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 129
9 Figura 1 - Coleta de dados Figura 2 - Termômetro infravermelho utilizado na coleta de dados Fonte: Relatório dos alunos Fonte: Relatório dos alunos. Na sala de aula, porém, o encaminhamento da atividade de modelagem matemática iniciou-se com os dados trazidos pelos alunos, conforme consta na Figura 3. Figura 3 - Dados da situação em estudo Fonte: Relatório dos alunos. Todavia, a clareza sobre o que poderia ser investigado a partir dessas informações e como a matemática, mais especificamente o Cálculo, poderia subsidiar essa abordagem ainda não estava definido. Assim, inicialmente os alunos do grupo discutiram a situação visando buscar elementos para definir o que, de fato, estariam interessados em saber com relação ao aquecimento da água da garrafa no interior do veículo, conforme diálogo transcrito a seguir: A1: Professora, nós coletamos os dados com o termômetro infravermelho da empresa que eu trabalho, mas não sabemos o que vamos fazer. BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 130
10 Professora: Que informações vocês têm? A2: A temperatura da água da garrafa no painel do carro. Professora: Com essas informações o que vocês gostariam ou poderiam estudar? A1: Como assim o que a gente gostaria? Professora: Bom, vocês têm os dados aí, deixa eu ver? [manuseando as informações escritas]. Como vocês fizeram? A1: Olha aqui na foto professora [abrindo o arquivo no computador]. Esse termômetro [Figura 2] eu uso lá na firma para ver a temperatura de algumas peças de dentro do motor dos carros. Daí a gente usou para ver a temperatura da água da garrafa que muitas vezes a gente deixa no carro. De uma em uma hora, a A2 ia anotando os valores que eu fiz a leitura, sem abrir o carro. Fica mais real né? Professora: Certo, e o que, ou melhor que problema vocês podem estudar? A1: Ah, não sei! Professora: Que pergunta vocês poderiam responder com esses dados? A2: A gente escreve uma pergunta para o que temos? Professora: Isso. O que vocês podem responder, ou o que gostariam de saber em relação à temperatura da água no interior do carro. É uma situação que ocorre constantemente. A1: Por isso que a gente quis estudar! A3: E se a gente fizesse o gráfico naquele programa lá que a professora mandou por ? [referindo-se ao software Curve Expert] A1: Ela falou uma pergunta! A2: É. Ai não sei, acho bom conversarmos aqui. [alunos conversam sobre a situação e sobre coleta de dados]. [...] Professora: E o que decidiram? A1: A gente pensou, pensou, mas está difícil! Professora: Sério? Mas o que é possível pensar em responder? [...] A3: E se a gente determinasse o tempo em que a água chegasse à temperatura ambiente? Professora: E qual era a temperatura ambiente no momento da coleta? A1: A gente não anotou, mas dá para procurar a temperatura média prevista para o dia nesses sites. Vamos A3, acessa a internet aí! [...] [A3 procura pela informação em sites da internet]. A partir da sugestão de A3, o grupo se empenha em complementar as informações coletadas procurando na internet a temperatura do dia. O grupo encontra as informações no site do Sistema Meteorológico do Paraná (SIMEPAR) em que a temperatura mínima prevista foi de 31 0 C e a temperatura máxima foi de 37 0 C. O grupo opta, portanto, em fazer a média entre as temperaturas (34 0 C) e, então, definir o problema a ser estudado, conforme Figura 4. BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 131
11 Figura 4 - Definição do problema a ser estudado Fonte: Relatório dos alunos. O enunciado do problema já transparece que os alunos procuram uma expressão matemática para resolvê-lo e como já tinham conhecimento do software Curve Expert, fazem uso dessa ferramenta computacional para realizar a matematização da situação. Com o auxílio do software, o grupo obtém as representações em forma de tabela e pontos no plano cartesiano (Figura 5). Figura 5 - Representações produzidas pelos alunos com auxílio do software Curve Expert Fonte: Relatório dos alunos. Com o uso do software e as informações utilizadas, ajustam aos dados à 0, x curva expressa pela função Y(x) = 2351, 06 e que representa a temperatura Y, em graus Celsius, da água da garrafa no interior do veículo em função do tempo x, em minutos, após o início da coleta (Figura 6). BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 132
12 Figura 6 - Função obtida com auxílio do software Curve Expert Fonte: Relatório dos alunos. Quando questionados sobre a escolha da função que representava a situação, o grupo apresentou seus argumentos, conforme transcrição: A3: Olha professora, o Curve nos apresentou várias curvas e essa não era a primeira. A2: Mas era a melhor para a situação! Professora: E a representa? A1: Sim, para os dados que a gente tem e para responder o problema acho que dá certo sim, a gente validou no Excel e achou boa! Agora... A3: E se achar ou melhor calcular o limite. [começa realizar os cálculos] A1: Ah é, dá para encontrar a... como é o nome? Professora: Assíntota? A1: Isso. A3: Nossa. Aqui deu duzentos e quarenta e nove vírgula zero um. Ai. A1: Ow professora, são esses dados que temos! Podemos trabalhar a matemática aqui né? A gente sabe que ao longo do dia tudo pode mudar, mas o horário que a gente encontrou na solução está dentro do que coletamos. Vamos manter esse modelo! Professora: Vocês estão satisfeitos? A2: Demais. Vamos até calcular a derivada para ver o comportamento da variação de temperatura em função do tempo. O GeoGebra pode nos ajudar nisso! A solução para o problema foi obtida por meio da expressão algébrica do modelo matemático, ao igualarem Y(x) = 34. Com isso, concluíram que após cerca de 145 minutos a partir das 06h, ou seja, por volta das 08h25, a temperatura da água de uma garrafa deixada no interior do veículo, exposto ao Sol sob as condições do tempo no período do dia em que a coleta foi feita, apresenta temperatura de 34 0 C (Figura 7). Esse tempo também foi confirmado por meio da representação gráfica que os alunos fizeram utilizando o software GeoGebra (Figura 8). BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 133
13 Figura 7 - Cálculos para determinar o limite e a solução do problema Figura 8 - Representação gráfica da função da situação e ponto (145,05; 34) Fonte: Relatório dos alunos. Fonte: Relatório dos alunos. 0, x Para obter a função derivada de Y(x) = 2351, 06 e, os alunos fazem uso do software GeoGebra conforme afirmado na transcrição do diálogo e ' 0, x obtêm Y (x)= 235. e.( 0, 00061), conforme Figura 9. Figura 9 - Derivada da função calculada com o auxílio do software GeoGebra Fonte: Relatório dos alunos. A partir do estudo da situação e da obtenção da solução do problema, o grupo de alunos parece ainda necessitar de informações sobre a influência na saúde ao ingerir água aquecida no interior de um veículo. Isso é confirmado nos comentários do excerto transcrito a seguir: A3: Nossa, estou lendo aqui que a gente não pode beber da água que esquenta dentro do carro não. [ao consultar site da internet]. A1: Por que A3? A3: Aqui na reportagem diz que pesquisadores da Universidade da Flórida testaram água de garrafa que ficou à temperatura de 70 0 C e havia aumentado a concentração de bisfenol e antimônio por causa do plástico da garrafa! A1: E o antimônio é cancerígeno. Professora [solicita a presença da professora]. Nunca beba água que ficou dentro do carro. Professora: Por quê? A1: Os meninos encontraram uma reportagem aqui que afirma que o plástico da garrafa, quando aquecido, libera uns produtos químicos que podem BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 134
14 causar câncer! Professora: Que coisa! Igual quando aquecemos plástico no forno de microondas? A1: Aham! Temos que ter cuidado! De acordo com o entendimento sobre modelagem matemática apresentado na seção 2, a forma como o grupo, sob orientação da professora, conduziu o desenvolvimento da tarefa caracteriza uma atividade de modelagem. A partir do exposto nessa seção, buscamos discutir na seção 6 tarefas com potencial para abordar conceitos e procedimentos matemáticos que foram desencadeadas nesta atividade de modelagem. 6 Discussão, análise e implicações para a pesquisa A proposição inicial da Professora de que os alunos coletassem dados da temperatura do resfriamento ou aquecimento de um corpo ou ambiente a fim de investigar uma situação, a critério dos alunos, é a tarefa inicial, a qual poderia, como coloca Ponte (2014), dar origem a atividades diversas, ou a nenhuma atividade, dependendo da interpretação e postura dos alunos. Esta tarefa inicial deu origem à atividade de modelagem, a qual desencadeou o desenvolvimento de outras tarefas, tais como coleta de dados, definição de um problema a ser estudado sob uma interpretação matemática, dedução e validação de um modelo matemático com uso de softwares, cálculos para a obtenção da solução, procura de informações em sites. Para solucionar as tarefas, os alunos entraram em atividade. Foi no desenvolvimento da atividade de modelagem que se configurou um amplo espectro composto por coisas a fazer pelos estudantes em sala de aula, conforme configuração de Trevisan, Borssoi e Elias (2015, p. 3), na busca de solução para o problema expresso em linguagem matemática (D AMBROSIO, 1986). Essas tarefas, em certa medida, proporcionaram que estes alunos aplicassem conceitos e procedimentos estudados nas aulas de Cálculo 1. Ou seja, fundamentadas em nosso referencial teórico, inferimos que essas tarefas, BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 135
15 desencadeadas pela atividade de modelagem são tarefas com potencial para o desenvolvimento de conceitos e procedimentos matemáticos que integraram o ambiente educacional em questão. Deste modo, acreditamos que alcançamos nosso objetivo inicial para este artigo, que consiste em compartilhar com a comunidade da Educação Matemática algumas de nossas considerações acerca da investigação que estamos realizando no âmbito do projeto de pesquisa supracitado ao inferirmos que as atividades de modelagem podem desencadear tarefas com o potencial que almejamos. Isto posto, queremos agora abrir para novas perspectivas. O intuito do projeto Investigação de um ambiente educacional para o Cálculo Diferencial e Integral em condições reais de ensino é realizar o movimento de elaborar, aplicar, analisar, discutir e reelaborar uma sequência de tarefas desencadeadas a partir de uma situação proposta aos alunos. Pensar novas tarefas a partir da atividade de modelagem aqui apresentada pode servir para mobilizar conceitos matemáticos, instigar discussões matemáticas que levem a proposição de novos conteúdos pelo professor, e mesmo, para aprimorar conclusões as quais os alunos chegaram com a atividade. Com o intuito de instigar um pouco mais a investigação, apontaremos, na sequência, algumas tarefas que podem ser desencadeadas a partir da atividade de modelagem matemática aqui apresentada. A descrição da atividade indica que antes da realização da coleta dos dados os alunos não haviam definido a questão que gostariam de responder, desse modo, ao definirem seu estudo se depararam com a ausência de informações sobre a temperatura ambiente. A estratégia adotada pelo grupo (de adotar a temperatura média do dia, após consulta a um site de informações meteorológicas) permitiu cumprir o propósito, embora a possibilidade de terem coletado dados sobre a temperatura ambiente para os mesmos horários dos demais dados coletados pudesse ampliar as possibilidades do estudo. Como primeira tarefa a professora poderia orientá-los a estabelecer comparativo entre a BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 136
16 variação da temperatura ambiente em relação à temperatura da água da garrafa. Como poderiam proceder? Uma possibilidade seria pelo comparativo das derivadas das funções que representariam cada linha de tendência (temperatura da água x tempo e temperatura ambiente x tempo). Os alunos calcularam o limite da função obtida por meio do ajuste, no entanto, não realizaram uma análise sobre o significado do resultado 249,01. A ausência de uma análise crítica deixa a impressão que a satisfação expressa pelo grupo remete ao fato de terem identificado a possibilidade de usar conceitos do Cálculo 1 que eles já tinham estudado. No entanto, quando A1 afirma: A gente sabe que ao longo do dia tudo pode mudar, mas o horário que a gente encontrou na solução está dentro do que coletamos. Vamos manter esse modelo! pode indicar que buscaram a validação do modelo dentro do intervalo em que estão seus dados. Como segunda tarefa, a Professora, poderia propor que os alunos se voltem a pensar sobre a pertinência do modelo matemático, sobre o que significa a função ser assintótica (a temperatura da água da garrafa ao longo do dia ser crescente, passando do ponto de ebulição ao nível do mar que é de C). Sobre o uso de softwares para realizar ajustes, Galbraith (2011) afirma que a estratégia de lançar mão de um programa para realizar ajuste de curvas para avaliar a tendência dos dados, tem se tornado usual com a disponibilidade de softwares com opção por métodos de regressão. No entanto, o autor faz a ressalva de que um modelo obtido por este meio pode tornar-se meramente um produto técnico, cujos parâmetros variam com o conjunto de dados em particular, gerado na ignorância completa dos princípios subjacentes à situação real. De fato, os alunos não discutiram sobre o comportamento da temperatura além do intervalo em que coletaram os dados. Desse modo, uma tarefa pertinente poderia contemplar um aspecto importante do processo de modelagem, que é o levantamento de hipóteses que considerem tanto a tendência dos dados como a natureza do fenômeno em estudo e que leve os alunos a investigar a adequação do modelo nesse sentido. Um resultado esperado com a nova tarefa seria a percepção de que o modelo por eles adotado serviu para responder a BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 137
17 problemática que levantaram, no entanto, não seria adequado para realizar previsões além do período das 06h as 11h daquele dia. Quanto à obtenção da derivada da função (Figura 9), os alunos alegaram interesse em ver o comportamento da variação da temperatura em função do tempo e, para esse fim, a expressão foi obtida por meio de um recurso computacional. Não ficou evidente se, de fato, os alunos sabiam calcular a derivada e se a atribuição de significado ao resultado seria adequada. Assim, outra tarefa poderia ser proposta a fim de evidenciar a aprendizagem dos conceitos e técnicas associados (regra de derivada de função exponencial associada à regra da cadeia). Por fim, ao discutirem informações da literatura sobre as consequências para a saúde de se ingerir água que tenha sido aquecida até 70 0 C dentro da garrafa, devido a processos químicos, a Professora poderia instigá-los, com uma nova tarefa: responder sobre o tempo necessário para a água atingir essa temperatura crítica. Com isso, os alunos perceberiam a necessidade de explorar o modelo obtido para um valor (70 0 C) fora do intervalo de dados coletados e com isso teriam outra oportunidade de avaliar a adequação do modelo matemático obtido. Diante do exposto, entendemos que atividades de modelagem matemática podem desencadear uma sequência de tarefas, que permita ao professor aprimorar o processo de construção do conhecimento iniciado pelos alunos quando trabalham com a modelagem como componente do ambiente educacional para o Cálculo Diferencial e Integral 1. Em trabalhos futuros, pretendemos teorizar sobre tarefas com potencial para desenvolver conceitos matemáticos ao aplicarmos, em outros ambientes educacionais, essa atividade, levando em consideração a sequência de tarefas proposta. É nosso desejo que este trabalho contribua com as pesquisas na área de Educação Matemática, seja com nossas considerações, seja com referências sobre tipos de atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula, visando BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 138
18 o desencadeamento de tarefas com potencial para desenvolver conceitos e procedimentos matemáticos que integrem o ambiente educacional. 7 Agradecimentos As autoras agradecem ao CNPq (Processo /2014-3) pelo financiamento do Projeto Investigação de um ambiente educacional para o Cálculo Diferencial e Integral em condições reais de ensino, do qual esse artigo é parte. Referências ALMEIDA, Lourdes M. W.; FERRUZZI, Elaine C. A comunicação em atividades de Modelagem Matemática: uma relação com a teoria da atividade. In: XIII CIAEM-IACME Conferência Interamericana de Educação Matemática, 2011, Recife - PE. Anais do XIII Conferência Interamericana de Educação Matemática. Recife - PE, v. 1. p. 1-11, ALMEIDA, Lourdes M. W.; SILVA, Karina A. P. A Ação dos Signos e o Conhecimento dos Alunos em Atividades de Modelagem Matemática. Bolema. Rio Claro. v. 31, n. 57, abr., 2017, p AUSUBEL, David P. Aquisição e Retenção de Conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, CIRILLO Michelle; PELESKO, John A.; FELTON-KOESTLER, Mathew D.; RUBEL, Laurie. Perspectives on modeling in school mathematics. In: NCTM. Mathematical Modeling and Modeling Mathematics, APME, USA, p D AMBROSIO, Ubiratan. Da realidade à ação: reflexões sobre Educação e Matemática. Campinas: Ed. da Universidade Estadual de Campinas, D AMBROSIO, Ubiratan. Mathematical Modelling as a strategy for building-up systems of knowledge in different cultural environments. In STILLMAN, Gloria A.; BLUM, Werner; BIEMBENGUT, Maria S. (Eds.). Mathematical modelling in education research and practice: Cultural, social and cognitive influences. Cham, Switzerland: Springer, 2015, p , BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 139
19 DOERR, Helen M.; ENGLISH. Lyn D. A modeling perspective on students mathematical reasoning about data.journal of Research in Mathematics Education, v. 34, n. 2, p , GALBRAITH, Peter. Models of modelling: Is there a first among equals? In: Julie Clark, Barry Kissane, Judith Mousley, Toby Spencer and Steve Thornton, Proceedings of the AAMT-MERGA Conference Mathematics: Traditions and [New] Practices AAMT-MERGA Conference 2011, Alice Springs, Australia, (p ). Disponível em: < Acesso em abr GOULD, Heather. What a modeling task looks like. In: NCTM. Mathematical Modeling and Modeling Mathematics, APME, USA, p MOREIRA, Marco A.. Unidades de Enseñanza Potencialmente Significativas-UEPS. Aprendizagem Significativa em Revista. Porto Alegre, v.1,n.2, 2011, p PONTE, João P. Tarefas no ensino e na aprendizagem da Matemática. In: PONTE, João P. (Org.). Práticas profissionais dos Professores de Matemática. Lisboa: Instituto de Educação, 2014, p SILVA, Karina A. P. Modelagem matemática em sala de aula: caracterização de um ambiente educacional. Revista Paranaense de Educação Matemática. Campo Mourão. v. 6, n. 10, jan.-jun., 2017, p TREVISAN, André L.; BORSSOI, Adriana H.; ELIAS, Henrique R.. Delineamento de uma Sequência de Tarefas para um Ambiente Educacional de Cálculo. In: VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 2015, Pirinópolis. Anais do VI SIPEM. Brasília: SBEM, v. único. p TRONCON, Luiz E. A. Ambiente educacional. Revista Medicina. Ribeirão Preto. v. 47, n. 3, 2014, p WATSON, Anne et al. Task Design in Mathematics Education. MARGOLINAS, Claire (Eds.). Proceedings of the ICMI Study 22, Oxford, UK, (pp. 9-16). Oxford: ICMI, BoEM, Joinville, v.5. n.9, p , ago./dez BoEM 140
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