IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, RIACHO DAS ALMAS: UMA ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES NO PATRIMÔNIO EDIFICADO

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1 IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, RIACHO DAS ALMAS: UMA ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES NO PATRIMÔNIO EDIFICADO José Mateus de Lima Soares 1 Joseane Lívia da Silva Brito 2 Karla Mirelly Braz de Macêdo 3 Aline de Figueirôa Silva 4 RESUMO: Diante da falta de conhecimento dos valores patrimoniais e significativos que as edificações podem adquirir para determinada sociedade O presente artigo apresenta uma análise da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Riacho das Almas PE. Para a estruturação da pesquisa foram utilizados como métodos, o levantamento histórico da edificação, através de entrevistas e arquivos da paróquia, juntamente com a análise da tipologia arquitetônica original da igreja, em um recorte temporal de 1941 a 1965, como também a revisão bibliográfica e visitas de campo. A partir do estado atual da edificação, fazendo-se um reconhecimento das intervenções sofridas durante o tempo, tomou-se como resultado uma discussão embasada na teoria de restauro defendida por Camillo Boito (2002) e as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios na Carta de Veneza (1964), como também discutir o valor patrimonial da edificação para a comunidade baseada na teoria de Choay (2006), justificando sua importância, história e mudanças no decorrer do tempo. PALAVRAS-CHAVE: Igreja Matriz. Intervenção. Patrimônio. 1 Acadêmico em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca UNIFAVIP DEVRY, jossemateus@gmail.com; 2 Acadêmica em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca UNIFAVIP DEVRY, joseane_livia08@hotmail.com; 3 Acadêmica em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca UNIFAVP DEVRY, karlamirelly00@gmail.com; 4 Professora orientadora: Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP, Arquiteta, Urbanista e Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, alinefigueiroa@yahoo.com.br.

2 1 1. Introdução Diante a falta de conhecimento dos valores patrimoniais e significativos que as edificações podem adquirir para determinada sociedade, além das práticas inadequadas de intervenções no patrimônio edificado, o presente artigo estabelece uma análise da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Riacho das Almas - PE. Para a estruturação da pesquisa foram utilizados como métodos o levantamento dos antecedentes históricos da edificação, por meio de entrevistas com os moradores da comunidade, levantamento de fotografia e leitura dos Livros de Tombo da paróquia. Esses procedimentos também foram fundamentais para a esquematização espacial e análise da tipologia original da igreja, em um recorte temporal de 1941 a 1965, traçando os estilos arquitetônicos predominantes. Posteriormente foi levantado o estado atual da edificação, por meio de levantamento de campo, em visitas nas obras e buscando por meio de entrevistas com a secretaria da igreja para levantar as intervenções mais recentes. Com isso, foi analisado tomando como base a teoria de restauro defendida por Camillo Boito (2002) e as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios na Carta de Veneza (1964), as intervenções, mudanças e acréscimo na edificação, adquiridos com o tempo. Diante do exposto, o presente trabalho busca também discutir o valor patrimonial da edificação para a comunidade buscando subsídios na teoria de Françoise Choay (2006), justificando sua importância, historia e mudanças no decorrer do tempo. 2. Método Utilizado O método utilizado para estabelecer as discussões e os resultados da pesquisa consiste em entrevistas com moradores de Riacho das Almas, consulta no acervo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e levantamento fotográfico da edificação em seus primórdios. Esses dados caracterizaram-se fundamentais para perceber a significação cultura adquirida pela edificação no decorrer do tempo e, também, para estabelecer uma esquematização de como ocorria a morfologia espacial da edificação em sua inauguração, que permitiu um analise espacial, tipológica e morfológica do monumento.

3 2 2.1 Pesquisa de antecedentes históricos Localizada na cidade de Riacho das Almas, antigo distrito de Riacho das Éguas, pertencente a Caruaru, a Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição representa o maior bem arquitetônico da população. Situada nos arrabaldes do centro de formação urbana em 1937, veio de modo gradativo se tornar parte integrante do centro. Liderada pelo pároco Cônego Antônio Faustino, a construção da edificação mobilizou os moradores do distrito, que passavam o domingo carregando pedras de áreas rurais para ajudar na fundação da edificação e auxiliavam os pedreiros no assentamento de tijolos ou qualquer outra atividade necessária. Outra mobilização importante foi a caminhada do líder religioso e de seus seguidores nas férias livres das regiões, caminhando por Caruaru, a própria feira do distrito (Figura 02), Surubim e outras regiões próximas. A inauguração da Igreja matriz (Figura 01) ocorreu no ano de 1941, mas a igreja não havia concluído sua construção, o interior estava sem a estrutura necessária e apenas seu exterior estava concluído, mesmo assim foi utilizada por toda sociedade. Figura 01 - Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Fonte: José Magnum. Figura 02 - Feira livre do distrito de Riacho das Éguas, Fonte: José Magnum. Em 1948, a população começou a praticar a vaquejada, que incomodou o pároco Faustino, pois prezava o bem dos animais e taxava a vaquejada de um mal que não deveria ser praticado pelos homens. Após a consolidação do esporte no distrito, em 1956, durante uma chuva torrencial, as paredes da nave central da igreja caíram, permanecendo apenas as torres frontais da Igreja matriz. Antônio Faustino defendeu que o motivo de tal acontecimento

4 3 se dava por causa da prática de vaquejada e, desde então, a prática da vaquejada foi terminantemente proibida em meio urbano, perdurando até os dias atuais. 2.2 Levantamento e análise da tipologia original Com a antecipação da inauguração, a Igreja matriz apresentava um entorno pouco edificado e com edificações de uso predominantemente residencial sem uma verticalização expressiva (Figura 03). A igreja matriz foi implantada em uma quadra solta no terreno (Figura 04), permitindo acesso por todas as faces da edificação, sem a presença de muros ou cercasvivas isolando a construção. A edificação mostrava-se imponente para a paisagem da cidade, com uma verticalização expressiva para a época, o monumento se mantém até os dias de hoje como a edificação mais alta da cidade. Figura 03 - Entorno da Igreja pouco edificado e verticalizado. Fonte: José Magnum. Figura 04 - Esquematização da implantação original. Fonte: Elaborado pelos autores. A organização espacial era simples, como mostra a figura 05, com a marcação de um eixo de simetria central. O altar está localizado nos fundos, com a sacristia em uma lateral e na outra a capela do santíssimo. A pia batismal estava localizada na entrada central da igreja, simbolizando o início da vida cristã. O piso inicial entre a entrada e o altar era em cimento queimado, o que simbolizava o caminho correto a ser seguido numa vida católica e também estimulava o acontecimento de casamentos, pois o piso não danificava o vestido das noivas, enquanto o piso lateral ainda apresentava-se em terra batida.

5 4 Figura 05 - Esquematização da organização espacial original. Fonte: Elaborado pelos autores. Depois da chuva ocorrida em 1956, a igreja entrou em reconstrução da nave central. A prática da reconstrução foi aplicada corretamente, pois, segundo a Carta de Burra (1961), a edificação havia adquirido uma significação cultural muito forte para a comunidade e não houve criação de falsos históricos, visto que a edificação foi reerguida baseada em um estado anteriormente conhecido. A configuração espacial preservou os fluxos e percursos anteriores, mas nesse momento o piso ganhou revestimento em ladrilho hidráulico, que demarcavam os percursos originais da igreja matriz. A igreja apresenta características ecléticas, com predominância de traços neogóticos. As janelas e portas apresentam arcos ogivais, a marcação da verticalidade está presente em toda edificação, as colunas laterais apresentam agulhões em seu coroamento, presença de pináculos nos cantos da edificação e a repetição das esquadrias redondas que remetem a rosáceas são elementos claramente neogóticos, conforme mostra a figura 06. Outra característica importante é o telhado da torre sineira, a torre central, que forma uma pirâmide, aumentando ainda mais a verticalidade da obra. O uso de vitrais coloridos é importante para classificar a igreja como traços predominantemente neogóticos, visto que permite iluminação natural abundante, que foi outra característica dessa corrente revivalista. Tal característica é ainda é mantida nos dias atuais, como ilustra a figura 07.

6 5 Figura 06 - Elementos neogóticos presentes em toda a edificação. Fonte: Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Figura 07 - Vitrais conservados atualmente. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Figura 08 - Fachada frontal da igreja. Fonte: Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Apesar de apresentar muitos traços neogóticos, a fachada frontal apresenta um frontão triangular no seu coroamento, como evidencia a Figura 08, puxando para um traço neoclássico. Outro fato que diverge são as espessuras das alvenarias, apresentando além de características estruturais uma forte prevalência de cheios sobre vazios. O telhado apresentava estrutura em madeira, duas águas laterais e recobrimento em telha cerâmica do tipo francesa. No interior, não havia forro e a estrutura do telhado era aparente e a iluminação era realizada por lâmpadas florescente fixadas nas colunas da igreja. 3. Resultados: Uma discussão sobre as intervenções e o estado atual A Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição apresenta importantes valores culturais, históricos, sociais e religiosos para a cidade. As modificações ocorridas na igreja foram necessárias, tendo em vista as necessidades de cada época, deixando de lado seu valor histórico, mas fazendo parte ao mesmo tempo da história da edificação, para atender diretamente aos anseios da comunidade. Diante dos dados coletados foi notado que desde a sua construção até o momento, os principais mobilizadores dessas alterações foram os párocos que administraram a paróquia. As restaurações e intervenções devem respeitar os testemunhos cronológicos adquiridos pela edificação. Para Boito (2002) essas verdades dos testemunhos temporais aderem ao monumento a verdade necessária para qualificar seu valor histórico. A Carta de Veneza (1964) também estabelece as mesmas questões levantadas por Boito:

7 6 Artigo 11º - As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação do monumento devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo não é finalidade a alcançar no curso de uma restauração, a exibição de uma etapa subjacente só se justifica em circunstâncias excepcionais e quando o que se elimina é de pouco interesse e o material revelado é de grande valor histórico, arqueológico, ou estético e seu estado de conservação é considerado satisfatório. O julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser eliminado não podem depender somente do autor do projeto. (CARTA DE VENEZA, 1964, p.3). Como pode ser notado no objeto de estudo, as modificações de piso são claras e distintas, ressaltando-se o novo e o antigo no revestimento da nave em mármore e em ladrilhos (Figuras 09 e 10). Embora haja esta distinção, a escolha do piso ocorreu de maneira errônea, já que é necessário que ao menos exista harmonia entre os dois materiais diferentes no conjunto da obra, fato não ocorrido neste monumento. Figura 09 - Ladrilhos originais na nave central. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Figura 10 - Altar em mármore atual. Fonte: Acervo pessoal dos autores. As demais alterações não respeitam os princípios de restauração estabelecidos por Boito (2002) e pela Carta de Veneza. Como pode ser notado, atualmente está sendo realizada uma ampliação junto à sacristia (Figura 11), para adição de dois banheiros e duas salas de apoio aos ministérios da igreja. Essa ampliação envolve a morfologia da edificação e inclusão

8 7 dos espaços rompendo com o partido de simetria existente na planta original. Além disso, são evidenciados outros aspectos que mostram a intenção de dar continuidade ao estilo original da edificação, como no interior, com a divisão entre a sacristia e a primeira sala através de um arco ogival que corta a parede original da lateral (Figura 12), e no exterior desse anexo, onde os frisos e ornamentos característicos do frontão e das colunas são replicados na parede nova (Figura 13). Não só nessa ampliação, mas nas anteriores, já existia essa sequência intencional de replicação nos vitrais instalados na lateral da capela do Santíssimo, em que o estilo do material segue a mesma ordem de cor e textura presente nos vitrais antigos. O Artigo 13º da Carta de Veneza estabelece que os acréscimos só poderão ser tolerados na medida em que respeitarem todas as partes interessantes do edifício, seu esquema tradicional, o equilíbrio de sua composição e suas relações com o meio ambiente (CARTA DE VENEZA, 1964, p.3). Esse respeito acontece de forma equivocada, visto que tenta replicar os elementos preexistentes na edificação sem elaborar um novo conjunto harmonioso para o monumento, estabelecendo falsos históricos na sua composição e em seus ornamentos. Figura 11 - Esquematização da organização espacial atual. Fonte: Elaborado pelos autores.

9 8 Figura 12 - Arco ogival que separa a sacristia da nova sala. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Figura 13 - Fachada dos fundos após o acréscimo. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Mesmo nos casos em que não houve o intuito de copiar um estilo anterior, de acordo com Boito, deve-se [...] evitar acréscimos e renovações, que, se fossem necessários, deveriam ter caráter diverso do original, mas não poderiam destoar do conjunto [...] (BOITO, 2002, p.21), ou seja, a inserção posterior do forro de PVC (Figura 14), do coro com o guarda corpo em cobogó (Figura 15) e uma escada helicoidal que forma uma barreira em uma das entradas principais da igreja bem como a troca de parte das esquadrias de madeira e luminárias de teto na nave, são fatos que contrastam com as características gerais da igreja, nos materiais, no volume, na composição de cheios e vazios, entre outras características. Figura 14 - Forro e luminárias atuais da edificação. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Figura 15 - Coro da igreja, implantado posteriormente. Fonte: Acervo pessoal dos autores. Ao analisar o monumento na escala da rua, percebe-se que seu agenciamento também sofreu modificação. Anteriormente, como citado no item 2.2, a igreja era solta em seu lote, que ocupava completamente uma quadra, o que permitia uma ligação direta de todas as faces da edificação com as ruas. Atualmente, o lote apresenta-se cercado por muros, cortando a ligação da edificação diretamente com a rua e formando um obstáculo visual do monumento.

10 9 Outra modificação contundente está na implantação de gradis em frente a entrada da igreja, alterando a antiga tradição de pátio e largos das igrejas. 4. Considerações finais As etapas desenvolvidas permitiram entender a significância cultural da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e compreender a sua importância para a comunidade local, afirmando de modo claro, que essa edificação possui um valor patrimonial histórico. Segundo Choay (2006) o termo patrimônio histórico estabelece um bem destinado a usufruto de uma comunidade, posto pela acumulação continua de uma pluralidade de objetos que apontam para um passado comum e que entre os bens ligados ao patrimônio histórico o que mais se relaciona com a vida de todos de uma comunidade é representado pelas edificações, neste caso a igreja matriz. Outro fator levantado importante foi a percepção da igreja como um monumento histórico, que segundo a Carta de Veneza Compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Entende-se não só as grandes criações, mas também às obras mais modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. (CARTA DE VENEZA, 1964, p.1). Classificar a igreja como tal apenas é o resultado de toda sua história: a importância dos moradores durante sua construção numa mobilização local, o catolicismo da comunidade em detrimento a cultura da vaquejada, sua imponência estética, entre outros; são elementos que justificam claramente todo o significado que este monumento representa para os moradores de Riacho das Almas. De modo geral percebemos que intervenções como as ocorridas nesse objeto de estudo são caracteristicamente comuns, pelo fato de que o monumento em si é importante no local onde está inserido, mas que o seu registro histórico material ainda é carente, guardado em sua maioria só na memória da população, e as intervenções realizadas quase sempre são estão ligadas ao valor de uso. A experiência da prática de análise da Igreja Matriz de Riacho das Almas desperta nosso olhar de percepção para a importância da preservação da identidade e memória de um bem, observando-se o quanto as alterações em edificações históricas acontecem de forma tão volumosa a nossa volta e que a dissipação física juntamente com a

11 10 falta de registros históricos materializados tem como consequência o esquecimento do patrimônio dentro de uma comunidade. Referências Bibliográficas BOITO, Camillo. Os Restauradores. São Paulo: Ateliê Editorial, CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação da Liberdade, ICOMOS. Carta de Burra. Burra, Austrália: ICOMOS. Carta de Veneza. Veneza: 1964.