Movimentando corpo, mídia e performance. 1. Mídia: novos modos de se compreender o corpo
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- Amadeu da Cunha de Almada
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1 Movimentando corpo, mídia e performance. Eveline Dantas Nogueira 1 A arte seria capaz de estabelecer, portanto, uma ponte entre corpo vivo, as forças do universo e a criação do futuro Christine Greiner A palavra mídia durante muito tempo circulou em nosso imaginário apenas como referência aos meios de comunicação de massa, principalmente o rádio e a televisão. Mídia é tida, geralmente, como sinônimo de veiculação, preservação e ampliação de informações. A internet provocou curtos-circuitos na comunicação. As mídias surgem de acordo com o contexto histórico, tecnológico, social e político em questão (SPANGHERO, 2011, p. 71). Inventar uma peça teatral ou uma dança pode ser visto como um tratamento do corpo na arte como mídia? O que pretendo aqui realizar é uma operação de deslocamento desse lugar, que mídia possa ganhar outros sentidos. Além disso, procurar ressonâncias e implicações no pensamento acerca do corpo e da arte contemporânea, em especial, a Performance. 1. Mídia: novos modos de se compreender o corpo Para tratar do questionamento do corpo na arte, acredito ser imprescindível desde já esclarecer o meu modo de compreendê-lo. O corpo é aqui tratado como um estado transitório das trocas que faz com os ambientes (GREINER, 2010, p. 132). Corpo anatômico e corpo vivo atuante no mundo são inseparáveis e estão em permanente troca com o ambiente. Não é apenas o ambiente que constrói o corpo e nem vice-versa, ambos são ativos o tempo todo, de forma que o corpo muda de estado cada vez que percebe o mundo e não estará nunca formado, acabado. Aproximo aqui os meus pensamentos à teoria do Corpomídia, elaborada pelas pesquisadoras Christine Greiner e Helena Katz, que considera o corpo como um processo co-evolutivo de relações entre corpo-ambiente e não somente como um 1 Integrante do Grupo La Calle e aluna do Curso Teatro: Conexões Contemporâneas, da Escola Pública de Teatro da Vila das Artes (Fortaleza- CE).
2 veículo difusor de informações. A palavra mídia poderia dar a entender um corpo que apenas transmite informações, como a televisão. No entanto, trata-se de compreender o corpo que é mídia de si mesmo, daquilo que é no momento em que se comunica, num fluxo contínuo, produtor de signos culturais, resultado dos cruzamentos de informações de fluxos permanentes entre corpo e ambiente, em negociação com informações já existentes: Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: são transformadas em corpo. Algumas informações do mundo são selecionadas para se organizar na forma de corpo processo sempre condicionado pelo entendimento de que o corpo não é um recipiente, mas sim aquilo que se apronta nesse processo coevolutivo de trocas com o ambiente (GREINER, 2005, p. 130). Rádio e televisão fazem circular informações já dadas, e parecem retirar do receptor qualquer possibilidade de resposta. Já com a internet, malha de fluxos e de redes atuais ou virtuais, a potência das forças centrífugas que tinham sido aprisionadas e capturadas pela força de unificação e homogeneização das redes analógicas (televisão) é liberada, ativada, e inventa outras máquinas de expressão, outros regimes de signos (LAZZARATO, 2006, p. 179). Assim, o corpomídia de si mesmo, assemelha ao fluxo de percepções em rede da internet, um corpo que sofre de suas afecções, de seus encontros, da alteridade que o atinge, da multidão de estímulos e excitações (PELBART, 2003, p 45). Então, o corpo como tecnologia de si, como mídia deve ser tomado a partir desse encontro com as forças do mundo, um corpo coletivo que se encontra vivo pelo estado de disponibilidade para acolher informações estrangeiras a ele. Isso tudo me remete ao universo da performatividade, dessa inquietude e interesse pela circulação de idéias, de percepções, de perturbações das formas definidas e reorganização de materiais já conhecidos, arranjando novos modos de se dizer e de se constituir. A performance surge para mim como a possibilidade de elevar a potência de novos engendramentos de percepções acerca de si, do outro, do ambiente, constituindo uma atitude política: perceber já é um modo de pensar sobre o mundo [...] ter uma experiência é ser confrontado com um modo possível do mundo (GREINER, 2010, p. 76).
3 2. Performatividade: ativação de novos circuitos no corpomídia O conceito de ato performativo é ligado diretamente ao ato da fala, desde a conceituação atribuída ao linguista John L. Austin (1962). Em sua teoria, o enunciado linguístico funciona como ato de fala, pois até então a Linguística pensava que uma fala servia apenas para descrever coisas: para Austin, a tarefa da filosofia da linguagem consistia na elucidação das diferentes formas de uso da linguagem (MARCONDES, 2006, p. 223). Assim, a fala de um indivíduo também pode realizar ações, como a do juiz que anuncia eu vos declaro marido e mulher, ou ainda declaro aberta a sessão. Tal fala é muito menos uma frase do que a instituição de um ato que modificará a vida daqueles envolvidos. São falas que constituem realidades. Do mesmo modo, ações performativas provocam novas percepções de realidades, liberando os diagramas instituídos de poder. Assim como a linguagem não é vista como apenas reprodutiva e veículo de informações, o corpomídia é performativo se o entendermos como produtor de realidades, de uma constante relação entre o corpo e o mundo. As experiências vivenciadas se transformam em corpo, e o corpo está em constante movimento. Então, o ato performativo aponta um modo de entender o teatro que não tem como objetivo expressar algo fora da ação, existente antes. Trata-se de observar o corpo no seu fazer: o tempo de referência é o tempo presente, que aponta para o momento da feitura e não para referentes fora do fazer (SETENTA, 2008, p. 24). Numa breve pausa, acredito ser relevante citar aqui, neste momento, a descoberta científica da existência de neurônios-espelho. Quando realizamos alguma ação, determinados neurônios são ativados, e quando observamos outra pessoa realizando a mesma ação, esses mesmos neurônios são ativados em nosso córtex. Isso tudo diz respeito a uma nova forma de conceber a nossa comunicação, percepção e conhecimento daquilo que está ao nosso redor. A realidade simulada permite o reconhecimento da realidade daquilo que passa fora do corpo, à medida que regiões cerebrais como córtices pré-frontais e pré-motores enviam sinais diretos para as regiões somatossensitivas, configurando assim uma paisagem como se estivesse de fato no lugar do outro observado (GREINER, 2010). A noção de neurônio espelho aponta para mim ainda maior relevância da arte, de toda a possibilidade de fruição da mesma, com a mesma intensidade daquele que a
4 realiza. Assim, perceber ações performativas ativaria em nós as mesmas áreas corticais daquele que a realiza? Ativar novos circuitos perceptivos para além daqueles que rotineiramente utilizamos emerge como uma incrível potência de inventar novos modos de se estar e de se criar no/com o mundo. Após esta breve pausa para esclarecimento do que seriam os neurônios-espelho, diante do corpomídia de si mesmo em uma ação performativa, abre-se a possibilidade de se ativar áreas de sensações adormecidas, engessadas na contemporaneidade: os neurônios espelho possibilitam o surgimento de um espaço compartilhado que é, por sua vez, um espaço de ação (GREINER, 2010, p. 83). Eleonora Fabião 2 nos fornece inúmeros exemplos de atos performativos que eu considero serem potentes nesse atravessamento do corpomídia, seja do atuante ou o espectador que em seus neurônios espelho vivencia uma abertura de percepção de si e do mundo tão potente quanto no artista que executa a ação. Para ficar mais claro, citarei alguns exemplos enunciados pela pesquisadora: a história do homem que empurrou um bloco de gelo pelas ruas da Cidade do México até seu derretimento completo. [...] Ou daquele que construiu uma cela de prisão em seu apartamento/studio, trancou-se nela por um ano (365 dias e noites) e não leu, não falou, não escutou música, não comunicou-se com ninguém. Contratou alguém para levar-lhe comida bem como um advogado para testemunhar o feito e guardar a chave. Permitiu visitação pública de três em três semanas, num total de 18 vezes ao longo do ano. [...] O homem que armou sua festa de aniversário na rua, partilhou seu bolo, trocou abraços e recebeu votos de felicidade de desconhecidos. [...]O homem negro que sentou-se numa calçada cinza, exibiu três vidros de maionese branca, e tentou vendê-los por 100 dólares cada [...]A mulher que, no Centro do Rio de Janeiro, colocou frente à frente duas cadeiras de sua cozinha, descalçou os sapatos, sentou-se, escreveu num cartaz a frase converso sobre qualquer assunto (ou converso sobre saudade, converso sobre política, converso sobre amor ), exibiu-o. E, por sucessivas manhãs, conversou com diversas pessoas sobre assuntos diversos. Foram ações desenvolvidas por artistas que mostram interesse em relacionar corpo, estética e política, ampliando, com certeza, a percepção do que é ou não arte, da relação entre arte e vida, da evidência da possibilidade de outras maneiras de se estar no mundo, é como Eleonora Fabião afirma: "performers são, antes de tudo, complicadores culturais. Educadores da percepção, ativam e evidenciam a latência paradoxal do vivo" (Id. ibid, p. 4). 2 Em: Performance e Teatro:poéticas e políticas da cena contemporânea, Disponível em: < Acesso em 12 mar. 2012
5 A ação performativa torna-se, assim, uma referência interessante para um teatro interessado em provocar discussões políticas acerca de processos de produção e recepção de arte, da potência do corpo, de modos de percepção, da crítica ao teatro elaborado somente a partir do texto narrativo ficcional. A ação performativa não busca provocar experiências em que se deseja comunicar um determinado conteúdo ao espectador. Ao contrário, é ele que elabora sua percepção e significação quando são afetados pelo ato. Qual a potência de um corpomídia? Com tantas e infinitas possibilidades nossa relação corporal esteja disponível para inventar. A cada dia, a cada ação performativa, criar novos corpos, das mais inimagináveis formas concebidas. É isto o que eu desejo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSTIN, J. L. How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, FABIÃO, E. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Disponível em: < pdf>. Acesso em 12 mar GREINER, C. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, O corpo em crise: novas pistas e curto-circuito das representações. São Paulo: Annablume, LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, MARCONDES, D. A teoria dos atos de fala como concepção praática da linguagem. Rev. Filosofia Unisinos. São Leopoldo, 2006, p Disponível em: < Acesso em 10 jun PELBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, SPANGHERO, M. Tecnologia para entender dança: as notações coreográficas. Moringa- artes do espetáculo. João Pessoa, Vol. 2, n. 1, 71-80, jan./jun. de Disponível em < Acesso em 18 mar SETENTA, J. S. O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008
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