Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Transcrição

1 Número do /002 Númeração Relator: Relator do Acordão: Data do Julgamento: Data da Publicação: Des.(a) Afrânio Vilela Des.(a) Afrânio Vilela 06/08/ /08/2013 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL - SUPERVENIÊNCIA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL - NOVAS DIRETRIZES - EXTINÇÃO DO FEITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR - OFENSA À COISA JULGADA - SENTENÇA CASSADA. Em observância ao disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República de 1998, e art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a entrada em vigor do novo Código Florestal - Lei Federal nº / não opera efeitos em relação à sentença transitada em julgado que contém obrigação de averbação da área de reserva legal no Serviço de Registro de Imóveis. AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO Nº /002 - COMARCA DE ALFENAS - REMETENTE: JD 2 V CV COMARCA ALFENAS - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): VALNÉIA ALVES MIRANDA, CLÁUDIO MIRANDA E OUTRO(A)(S) A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em cassar a sentença, prejudicado o recurso voluntário. DES. AFRÂNIO VILELA RELATOR. 1

2 DES. AFRÂNIO VILELA (RELATOR) V O T O Em análise, remessa oficial e apelação cível interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra a sentença de f.66/72 que, nos autos do cumprimento de sentença em Ação Civil Pública ajuizada em desfavor de CLÁUDIO MIRANDA E OUTROS, extinguiu o feito sem resolução do mérito por falta de interesse de agir (art. 267, VI, do CPC), ao fundamento de inexigibilidade do título executivo judicial. Nas razões recursais, às f.164/1779, argúi o Parquet a ofensa à coisa julgada (art.5º, XXXVI, da CR/88), porquanto o novo Código Florestal (25/05/2012) entrou em vigor após o trânsito em julgado da sentença de mérito (15/02/2011). Aduz que o art.6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Dec.Lei 4.657/42), com redação conferida pela Lei 3.238/57, disciplina que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Argumenta, ademais, que o novo Código Florestal não suprimiu a necessidade de averbação da reserva legal, a qual passará a ser registrada no órgão ambiental competente, por meio de inscrição no CRA - cadastro ambiental rural, com obrigatoriedade para todos os imóveis rurais, a contar de um ano da implementação do cadastro. E, da interpretação literal do 4º do art.29, extrai-se que a averbação da reserva legal no CRI, prevista no item 22, II, art. 167, da Lei de Registros Públicos, somente deixará de ser obrigatória após a criação do CAR. Assevera, ademais, que a pretensão não se limitou à averbação da reserva legal junto ao CRI, mas também na sua instituição e conservação. Afirma, ainda, que a Lei Estadual /02 é aplicável ao caso dos autos. 2

3 Contrarrazões às f.181/185. O Procurador de Justiça Mário César Motta, em parecer de f.191/199, manifestou-se pela cassação da sentença e retorno dos autos à origem para prosseguimento do cumprimento de sentença. I - REEXAME NECESSÁRIO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa oficial. Cinge-se a controvérsia em verificar o acertamento da sentença que extinguiu o cumprimento de sentença sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir, ao fundamento de que o novo Código Florestal desobriga a averbação da reserva legal perante o Serviço de Registro de Imóveis. Extrai-se dos autos que a sentença objeto do cumprimento forçado transitou em julgado em 23/02/2012 (f.102-v.) e, até hoje, os apelados não providenciaram seu cumprimento. Referida sentença, como se verifica às f.89/100, determinou, dentre outras obrigações, que os proprietários, ora requeridos, no prazo de 30 (trinta) dias, providenciassem a averbação da reserva legal junto ao Serviço de Registro de Imóveis, a contar da aprovação 3

4 do IEF da área de reserva legal, bem como se obrigassem a não suprimir florestas e outras formas de vegetação em áreas de reserva legal, não construindo ou explorando economicamente a área. Determinou, ainda, que os requeridos elaborassem e apresentassem projeto técnico de recuperação ambiental, com anotações de responsabilidade técnica, executando-o a fim de recuperar o meio ambiente. Não obstante, o MM. Juiz singular entendeu que a entrada em vigor do novo Código Florestal retira a exigibilidade da sentença, em face do que dispõem os arts. 18, 4º e 29, 3º, da codex. Concluiu o magistrado singular que o cumprimento de sentença "teria perdido seu objeto", "já que o título exequendo perdeu uma de suas características, notadamente, a sua exigibilidade, em decorrência da modificação da legislação anteriormente vigente, que não mais exige a efetivação implementação da reserva legal através do registro junto ao CRI local" (sic). Sobre o assunto em debate, possuo entendimento firmado de que, revogada a Lei nº 4.771/65 pela Lei nº , de 25 de maio de 2012, a averbação da reserva legal às margens da matrícula do imóvel tornou-se facultativa. Porém, essa faculdade apenas advirá a partir da instituição e do funcionamento do Cadastro Ambiental Rural, nos termos do art. 20 da nova lei. E, diante, do disposto no art. 18, 4º, da sobredita lei, o proprietário rural cumpridor das exigências previstas no artigo 29, 1º, da citada lei, pode inscrever a área no Cadastro Ambiental Rural - CAR e ficar desobrigado de averbar a reserva legal à margem da matrícula de seu imóvel no Serviço de Registro. 4

5 Entendo, ademais, que a decisão judicial que determinar a obrigação de averbação da reserva legal no Serviço de Registro de Imóveis, nos moldes do que determinava o antigo Código Floresta, não é óbice, no futuro, ao exercício do direito trazido pela nova lei, de migração para o CAR, quando implantado. Todavia, não é esse o caso dos autos em que sequer houve a averbação da área de reserva legal à margem da matrícula do imóvel de propriedade dos requeridos. Na espécie, como dito alhures, a sentença de mérito que condenou os proprietários à averbação da reserva legal perante o Serviço de Registro de Imóveis transitou em julgado em 23/03/2012 (f.102-v) e a Lei /2012, que instituiu o novo Código Florestal, revogando a anterior Lei 4.771/65, entrou em vigor em 25/05/2012, de modo que não se aplica ao presente feito, em decorrência do instituto da irretroatividade, e em observância à coisa julgada. Dispõe o art. 5º, XXXVI, da CR/88, que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", buscando assegurar um mínimo de estabilidade das relações jurídicas. Para tanto, proíbe a Constituição da República a eficácia retroativa das leis àquelas situações do passado já consolidadas. Nesse mesmo sentido, dispõe o art.6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que: 5

6 "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso." Com efeito, de se reconhecer que a lei nova não surtirá efeitos em relação à decisão transitada em julgado nos autos da ação de conhecimento, a qual se torna imutável, com autoridade de res judicata, sob pena de se destruir a soberania da sentença. Sabido que a intangibilidade da coisa julgada é necessária à manutenção da paz social e da eficácia da prestação jurisdicional, dá validade substancial à própria Jurisdição. Desta feita, certo é que o novo Código Florestal não pode operar efeitos em relação ao título executivo judicial em análise, devendo ser respeitada a garantia fundamental da coisa julgada, calcada nos princípios da segurança jurídica. Mutatis mutandis, este Sodalício vem assim decidindo acerca do 6

7 tema: "EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO - PROMULGAÇÃO NOVO CÓDIGO AMBIENTAL -OBRIGAÇÃO DE FAZER- ATO JURÍDICO PERFEITO - IRRETROATIVIDADE DA LEI CIVIL - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL- MULTA. - O Novo Código Ambiental em nada prejudica o título executivo extrajudicial consistente no Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Executado e o Ministério Público, configurando ato jurídico perfeito, não atingido pela nova lei. - A inadimplência da obrigação principal assumida, tem - se a multa mantida fixada, quando da assinatura do TAC." (Agravo de Instrumento Cv /001, Relator(a): Des.(a) Selma Marques, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/04/2013, publicação da súmula em 10/05/2013) "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - SUSPENSÃO DO PROCESSO - PROMULGAÇÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL - PERDA DO OBJETO - ATO JURÍDICO PERFEITO - IRRETROATIVIDADE DA LEI CIVIL - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL - OBRIGAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL - MINISTÉRIO PÚBLICO - COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR RESERVA LEGAL - INSTITUIÇÃO DA RESERVA LEGAL - INICIATIVA DO PROPRIETÁRIO. - A entrada em vigor do Novo Código Florestal em nada afeta a execução em trâmite, cujo título executivo extrajudicial consiste no Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o executado e o Ministério Público, portanto, ato jurídico perfeito, que não pode ser alcançado pela nova Lei, eis que instituído na vigência da Lei

8 /1965, nos termos do art. 6º, 1º, do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, nova redação da Lei /2010). [...]" (Apelação Cível /001, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/11/2012, publicação da súmula em 07/12/2012). Por derradeiro, registre-se que não se aplica ao caso o disposto no 3º do art.515 do CPC, uma vez que o feito não está maduro para julgamento por este Sodalício. Isso posto, EM REEXAME NECESSÁRIO, casso a sentença e determino o regular prosseguimento do feito na origem. Prejudicado o recurso voluntário. Sem custas, ex lege. DES. MARCELO RODRIGUES (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "EM REEXAME NECESSÁRIO, CASSARAM A SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO." 8