redes de estagnação e desconfiança
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- Thomaz Leão Ferreira
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1 resenha redes de estagnação e desconfiança Castells, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Tradução de Carlos A. Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, Gustavo Padovani Bacharel em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP Bauru), especialista em Gestão em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e mestrando no Programa de Pós-Graduação de Imagem e Som (PPGIS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som (GEMInIS/UFSCar) e pesquisador da rede de pesquisadores do Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva (OBITEL Brasil/ UFSCar). guspado@gmail.com Revista GEMInIS ano 7 - n. 1 p
2 Resumo No livro Redes de Indignação e esperança, Manuel Castells analisa os movimentos sociais em rede ocorridos na última década em diversos países como Islândia, Tunísia, Egito Espanha e Estados Unidos. Embora a obra realize uma descrição desses movimentos, a resenha procura problematizar algumas questões analíticas traçadas no livro entre redes, comunicação e ativismo. Palavras-chave: Manuel Castells; redes; mídia. Abstract In the book Networks of Outrage and Hope, Manuel Castells analyzes social movements networks in the last decade in various countries such as Iceland, Tunisia, Egypt, Spain and the United States. Although the description these movements in the book, this review discusses some analytical issues between the themes network, communications and activism. Keywords: Manuel Castells; networks; media.
3 297 Desde que Manuel Castells lançou mão de suas perspectivas econômicas, políticas e culturais para o novo milênio que então se aproximava em A Era da Informação (OXFORD, ), o teórico passou a investir na exploração das minúcias que o conceito de rede pode adquirir nos mais diversos contextos. Amparado por uma visão estreita da relação entre a comunicação e o desenvolvimento tecnológico, o autor defende que as redes são dotadas de um caráter fluído dependente das ações conjuntas de seus constituintes, portanto, o estar em rede seria a única forma de existir em um contemporâneo cujo poder se constrói nesses espaços de fluxos. Essa visão abarcaria também uma perspectiva de participação mais horizontal de indivíduos em processos socioeconômicos e democráticos que, historicamente, possuíam uma matriz vertical. Essa visão otimista se tornou bastante questionável, principalmente, por pesquisadores que realizavam análises dos processos de globalização vigentes, até então, em diversos países. Esse aspecto participativo e democratizante das redes em torno da noção de poder foi debatido por Castells ao longo de diversas obras produzidas na última década e serviu como catalizador para analisar a formação de movimentos sociais e manifestações em pontos focais como Tunísia, Espanha, Egito e Nova York que constituem sua mais recente empreitada: Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet (ZAHAR, 2013). Mas ao somar as ideias pregressas com os acontecimentos contemporâneos, o autor apresenta uma reformulação dos mesmos argumentos que já foram realizados no passado por ele: ainda que o texto enseje o apontamento de uma janela para um mundo nascente (p.21), suas análises não conseguem ir muito além de um lugar-comum sobre a relação entre as redes, a comunicação e a tecnologia. Para explicar a intensidade e a velocidade com que essas manifestações ocorrem, Castells aponta a mudança do ambiente comunicacional nos quais os indivíduos utilizam as plataformas de redes sociais, blogs, dispositivos móveis e o compartilhamento do conteúdo. Essa comunicação constituída por autonomia e espontaneidade pode ser lida como uma forma de resistência, um contrapoder de indivíduos capazes de reprogramar as redes em torno de outros interesses e valores e/ou rompendo as Revista GEMInIS ano 7 - n. 1
4 alternâncias predominantes, ao mesmo tempo em que se alteram as redes de resistência e mudança social (p.18). Para o autor, o poder nas sociedades em redes está contido nos programadores capazes de elaborar cada uma das principais redes de que dependem a vida das pessoas (p.17) - instituições financeiras, governos, parlamentos, instituições de ciência e tecnologia e nos comutadores responsáveis por operar as diferentes conexões entre redes (p.17) barões da mídia, empresas financeiras, instituições acadêmicas financiadas por grandes empresas. Essa lógica binária de formação de poder perante a complexidade das redes em conjunto a exploração inapropriada do uso das emoções individuais para mobilizar os indivíduos (a indignação que conduz a esperança, segundo o autor), levam o debate sobre ativismo contemporâneo a um terreno de ideias contraditórias e de distantes materializações na realidade. Com um tom esperançoso e enaltecendo o caráter emancipatório de uma mudança em escala global, o autor expõe as manifestações apenas como eventos benéficos, sem um contraponto de outras redes em desacordo com os atos, principalmente, aquelas que não ocupam espaços de autonomia - conceito definido pelo autor como um um híbrido de cibernética e espaço urbano que constitui um terceiro espaço (p. 164) - ou problematizações a respeito dos objetivos buscados pelos manifestantes. Há apenas um pressuposto de validação na reivindicação imediata dos manifestantes e, por esse motivo, surgem análises ou projeções de como as instâncias institucionais de poder e, em alguns casos, a mídia, reagiram em relação a essas ações. Outro ponto de desacordo reside entre o discurso da suposta dinâmica dos movimentos em redes - tão comentada por Castells - e seu respectivo trato do objeto em sua obra. Embora a pesquisa alegue que o ambiente comunicacional seja responsável pelas disputas de poder contemporâneo, seja cercado de referências às plataformas em redes utilizadas pelos ativistas e justifique que o livro tem o intuito de se valer das ferramentas cuja utilidade ou futilidade só pode ser avaliada utilizando-as para examinar as práticas dos movimentos sociais em rede (p.25), não há nenhuma análise de monitoramento de dados desses movimentos conectados em rede, apenas pesquisas de opinião pública de fontes secundárias conduzidas por centros de pesquisa e de grande grupos de comunicação. Ainda que essas métricas não sejam um campo da especialidade de Castells, a ausência desses métodos em uma obra que circunda o estudo de redes corrobora ainda mais para a formação de uma noção abstrata da tecnologia, um distanciamento que não permite observar como se dão os complexos agenciamentos nas redes discursivas dos usuários e organizações, assim como ignora as interações que interferem nas mais diversas plataformas e nas ruas. Embora as análises sobre as manifestações conduzam a caminhos questio- 298 resenha: redes de estagnação e desconfiança Gustavo Padovani
5 náveis, o êxito do livro reside nas páginas dedicadas a organizar cronologicamente e narrar os acontecimentos na Islândia, Tunísia, Egito, dos Países Árabes, do Espanha e dos Estados Unidos. Ainda que sem algumas problematizações, esses capítulos possuem uma escrita descritiva ritmada que se distancia de todo o restante da obra: uma combinação de contextos políticos, econômicos, culturais, dados de opinião pública e de alguns poucos conteúdos produzidos pela grande mídia, mídias alternativas e usuários. O posfácio sobre as manifestações no Brasil é bem reduzido, mas útil como dispositivo para compreender a complexidade de um evento dessas dimensões em uma realidade bem próxima. Na ocasião, o autor destaca o ineditismo do ato da presidenta Dilma Rousseff ao, teoricamente, começar a ouvir as reinvindicações das ruas: o resultado dessa inovadora interação entre a política nas ruas e a política nas instituições é, no momento em que escrevo este texto, julho de 2013, uma questão em aberto (p.185). Esse suposto experimento enaltecido por Castells tornou-se um fato menor e insignificante dentro de tantos outros que se sucederam até os dias presentes: o descrédito nos partidos políticos em uma confusa massa de descontentamento, a polarização de uma bolha política-ideológica dos cidadãos brasileiros que se acirrou nas eleições de 2014 e prosseguiu até os presentes dias em formas de manifestações, as investigações de corrupção envolvendo a grande maioria dos partidos existentes e, por fim, o tumultuado processo de impeachment que mantém a presidenta afastada do cargo por 180 dias até o momento. Se as relações entre o ativismo e as mudanças políticas no quadro brasileiro não são passíveis de uma relação simplista de causa-efeito, não é difícil imaginar que em outros países elas também o sejam. O lugar do discurso e o recorte utilizado a respeito das manifestações afetam muito as possíveis leituras de um acontecimento e não podem apenas serem resolvidas como uma delimitação clara entre o que se efetiva como uma potência e como um ato. Talvez esse seja o ponto mais delicado da obra de Castells: ao tentar encontrar pontos em comum em uma série de manifestações distintas, em países diversos, com culturas diferentes e com compreensões específicas da internet, há o surgimento de uma forçosa manobra na busca de uma unidade entre todos os atos, especialmente, no capítulo A Transformação do mundo na sociedade em rede. Ainda que algumas práticas sejam adotadas de forma similar, em períodos próximos e com uma clara identificação entre elas - os nova-iorquinos chamaram seu primeiro acampamento de praça Tahrir, da mesma forma que os ocupantes da praça Catalunha, em Barcelona (p.24) -, suas origens e leituras são distintas e hoje, ainda mais, é possível identificar como os países também vivem outras conjunturas: a ascensão do partido 299 Revista GEMInIS ano 7 - n. 1
6 Podemos na Espanha, o Golpe de Estado no Egito, o fortalecimento de Estado Islâmico em alguns países árabes e a crise política e financeira no Brasil. Acontecimentos dessas proporções geram novos possíveis onde quer que ocorra, mas exprimir uma crise, se organizar e vociferar em rede contra um suposto poder, não é uma garantia de seu fim ou de sua substituição plena por um outro desejado. Os espaços de fluxos comentados pelo Castells também podem conduzir uma rede para um lugar de descontrole, com atravessamentos de poder e para muito além do planejado e do desejado por muitos. Passados alguns anos de tantas manifestações ao redor do mundo, talvez seja o momento propício de um olhar mais desconfiado para as redes e as manifestações. De qual autonomia e empoderamento estamos falando? Não seriam as redes um espaço de fluxos responsáveis por polarizações ideológicas? Quais práticas ativistas realmente alcançaram êxito e como as diversas camadas da sociedade enxergam isso? O quanto e quais discursos se naturalizaram? Quais movimentos foram politicamente cooptados? Ainda é possível falar em contrapoder sob qual perspectiva? Em um mundo de redes que seguem por caminhos incertos, Manuel Castells parece ter mais respostas do que dúvidas. 300 resenha: redes de estagnação e desconfiança Gustavo Padovani
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