II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN:
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- Rita Farinha Figueira
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1 II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN: A ÚLTIMA QUIMERA (1995), DE ANA MIRANDA: A FIGURA DO POETA AUGUSTO DOS ANJOS NO SEU PROCESSO DE IDENTIDADE Inajara Silva de Albuquerque (Graduanda UNESP/Assis) Profa. Dra. Maria Lídia Lichtscheidl Maretti (Orientadora UNESP/Assis) As narrativas ficcionais sempre tiveram cunho histórico, desde a Antiguidade, mas costuma-se localizar o nascimento do gênero romance histórico no início do século XIX, durante o romantismo, como o romance Ivanhoé (1819), do escritor inglês Walter Scott ( ). Os romances de Scott tornaram-se modelos para outros escritores, obedecendo à seguinte fórmula : A ação do romance ocorre numa ação anterior ao presente do escritor, tendo como pano de fundo um ambiente histórico rigorosamente reconstruído, onde figuras históricas reais ajudam a fixar a época [...] Sobre esse pano de fundo histórico situa-se a trama fictícia, com personagens e fatos criados pelo autor. Tais fatos e personagens não existiram na realidade, mas poderiam ter existido, já que sua criação deve obedecer a mais estrita regra de verossimilhança. (ESTEVES, 1998, p.129) O gênero romance histórico chegou às Américas com bastante intensidade, como uma espécie de epidemia, embora saibamos da complexidade que é discutir história e literatura, visto que elas se relacionam quando se trata da evolução do homem. Assim, podemos pensar no que a ficção e história podem refletir na vida atual do homem contemporâneo, nos âmbitos sociais, culturais, políticos e econômicos, sendo a busca de identidade a mais preocupante nos tempos atuais. No Brasil o romance histórico, nos séculos XX e XXI, é representado por alguns escritores, dentre os quais se destaca a grande autora contemporânea Ana Miranda, que nasceu em Fortaleza, em 1951, cresceu em Brasília, mas reside na cidade do Rio de Janeiro desde Alguns de seus romances históricos são: Boca do inferno (1989), O retrato do rei (1991), Sem pecado (1993) e A última quimera (1995), todos publicados pela Companhia das Letras. 113
2 A última quimera é um romance histórico que narra a vida e a morte do poeta paraibano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos ( ), que encantou e desencantou o público com suas palavras frias, estranhas, usando vocábulos científicos. É chamado de o poeta da morte e tem como única obra um livro de poemas de nome Eu (1912). 1 O romance A última quimera, além de ser histórico, possibilita-nos pesquisar o tema do duplo porque o narrador age como se fosse a personagem Augusto, já que imita as suas ações num sentido amplo. Além disso, sabemos que a relação entre a literatura e a psicanálise é importante para ambas as ciências cujo objetivo comum é permeado pela interpretação: Literatura e psicanálise se relacionam como um eu e seu outro, encontram-se no projeto reiteradamente reinventado de retomar a experiência e o desejo humanos em sua dimensão de significação, de interpretação e de sentido. (SAMPAIO, 2002, p. 175). A temática do duplo foi abordada de forma pioneira e muito completa por Otto Rank (1914), em sua obra O duplo. Segundo Freud, Ele penetrou nas ligações que o duplo tem com reflexos em espelhos, com sombras, com os espíritos guardiões, com a crença na alma e com o medo da morte. (FREUD, 1976, p. 293). Todas essas características são produzidas pelo duplo sendo que elas podem ser positivas, isto é, resultantes de um processo de identificação entre o eu e seu duplo, ou negativas como forma de rejeição para com o duplo. O narrador, em A última quimera, demonstra momentos de positividade em relação ao poeta quando a dimensão está focada na vida poética e artística de Augusto; porém, quando o assunto é Esther, mulher de Augusto, tudo muda e o lado negativo assume a dianteira e o narrador não consegue deixar de criticar ou até mesmo de sugerir que Augusto não foi bom enquanto marido. O duplo estabelece sempre um compromisso entre o interior e o exterior do sujeito em relação ao eu (positiva ou negativamente, como vimos) e por isso várias são as discussões quando se trata do duplo. No artigo de Carla Cunha sobre o assunto (2009), ela estabelece uma distinção de características a propósito do Duplo, que pode ser endógeno, estabelecendo a harmonia e cumplicidade entre o eu e o 1 Eu foi a obra que o poeta Augusto dos Anjos escreveu antes de morrer. Depois da sua morte o amigo Órris Soares a reedita com os poemas que Augusto guardava; assim, desde então, várias são as edições, como a obra intitulada Eu e outras poesias. 114
3 outro num aspecto interior e, por outro ângulo, o duplo exógeno, que surge não necessariamente a partir do eu. Podemos notar que o narrador tem dentro de si os dois aspectos já que a formação do duplo surgiu tanto interiormente quanto exteriormente, mas observa-se que os dois conceitos se condensam formando um só. Walter Benjamin caracteriza três estágios evolutivos por que passa a história do narrador. Primeiro estágio: os narradores clássicos, cuja função é dar ao seu ouvinte a oportunidade de um intercâmbio de experiência; Segundo: o narrador do romance, cuja função passou a ser a de não mais poder falar de maneira exemplar ao seu leitor; Terceiro: o narrador que é jornalista, ou seja, aquele que só transmite pelo narrar a informação. A literatura pós-moderna existe para falar da pobreza da experiência, mas também da pobreza da palavra escrita enquanto processo de comunicação. A passividade prazerosa e o imobilismo crítico são posturas fundamentais do homem contemporâneo, ainda e sempre mero espectador ou de ações vividas ou de ações ensaiadas e representadas. Não é por acaso que o tema do duplo é essencial para a literatura e, mais do que isso, numa obra contemporânea onde uma das abordagens é a falta de identidade ou a busca de uma. O duplo é interpretado pelo que é o real e o ficcional no discurso do narrador em relação à personagem de ficção Augusto, ou seja: de quem são os pensamentos e as ações? Do narrador ou do poeta? Existe também a dialética entre o que é história e o que é ficção na própria obra em relação à personagem histórica. Veja-se, por exemplo, o trecho em que se insinua uma relação de incesto entre o poeta e sua irmã: Francisca e Augusto dormiam juntos, numa rede, abraçados, às escondidas dos pais. Apesar de saber disso, e dos longos passeios a cavalo do casal de irmãos, e dos banhos que tomavam juntos, jamais suspeitei de sentimentos incestuosos entre eles. Porém alguns anos mais tarde encontrei casualmente na rua o doutor Cão, que me disse ter sérias suspeitas de que Augusto engravidara sua irmã, quando ainda moravam no engenho. Francisca teria feito um aborto. (MIRANDA, 1995, p. 142). Convém lembrar que, em seus primórdios, as diferenças entre a literatura e a história não eram marcadas como passaram a ser: Houve um período em que simplesmente o discurso da literatura se confundia com o discurso da história. Parte da história da civilização Grega, por exemplo, se conta através dos versos de Homero, que canta a história grega. (ESTEVES, 1998, p.126). A imagem da personagem Augusto dos Anjos é extremamente representada pelo discurso duplo do narrador, sendo que a colagem dos poemas e das cartas que 115
4 a mãe escrevia para o poeta também aparece demonstrando a autenticidade da narrativa, e as ações reais do poeta. A este propósito, considere-se o que afirma Lacan: Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago. (LACAN, 1998, p. 96). Ao identificar o outro como imagem nós podemos compreender que há uma relação entre o reflexo de um espelho e a teoria de duplicação do eu para se formar o outro. Eis um exemplo: O filho do homem numa idade em que, por um curto espaço de tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé que já reconhece obstante como tal sua imagem no espelho. Portanto, os estudos de Lacan sobre a formação do eu mostram como buscamos nossa identidade desde os primeiros momentos de vida, e o outro sempre é o espelho em que procuramos nossa imagem, um reflexo a ser imitado, porém o indivíduo escolhe a quem deseja se assemelhar sendo isso um grande perigo para a formação do caráter. O enredo do romance ocorre da seguinte forma: ele é dividido em cinco partes, sendo a primeira intitulada Rio de Janeiro 12 de novembro 1914 ; em seguida temos A viagem ; Leopoldina-MG ; De volta para o Rio de Janeiro e Epílogo. Durante a viagem realizada percebemos no discurso do narrador como ele é obcecado pelo poeta e por Esther, mulher de Augusto. Por isso o poema Versos Íntimos aparece muitas vezes ao longo do romance, isto é, quando o foco do discurso estiver direcionado a Esther: Como estará ela? Tiro do bolso um fósforo e acendo meu cigarro. (MIRANDA, 1995, p.15). Certamente Augusto dos Anjos foi o Espelho ou a imagem que o narrador teve, já que fica evidente o fascínio pelo poeta. O discurso narrado é sempre representado pelo Duplo. Eis um exemplo: Reuni todos os meus manuscritos [...] derramei querosene sobre as folhas manuscritas, sentindo que meu peito se separava. Ali estavam minhas lembranças, minhas misérias, meus sofrimentos de amor, meu ódio, minhas esperanças, meu erotismo, minhas paixões, meus segredos, os sonetos escritos às mulheres que amei, que desejei, cada um com um título de nome: Zolina, Marion Cirne, Camila. Ali estavam os meus poemas às prostitutas do Senhor dos Passos que eu admirava de longe, apaixonado, logo que cheguei da Paraíba: o meu Eu. Ali estava toda a minha vida (MIRANDA, 1995, p. 42). 116
5 Diante desse trecho observamos a forma dualista pela qual o narrador demonstra semelhança com o próprio poeta, mas, se a priori a função do narrador é narrar, por que ele aparece como se fosse Augusto narrando, assumindo seu perfil em determinadas partes do romance? Esse é o típico narrador pós-moderno que vai ser questionado, segundo o crítico Silviano Santiago, nos seguintes termos: Quem narra uma história é quem a experimenta, ou quem a vê? Ou seja: é aquele que narra ações a partir da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conhecimento que passou a ter delas por tê-las observado em outro?. No primeiro caso, o narrador transmite uma vivência; no segundo caso, ele passa uma informação sobre a outra pessoa. Pode-se narrar uma ação dentro, ou fora dela. (SANTIAGO, 1989, p.35). Conclusões Justifica-se, assim, pesquisar a obra A última quimera (1995), de Ana Miranda, pela importância de tematizar o duplo na literatura contemporânea brasileira, tal como observamos anteriormente. Além disso, autora é conceituada pela crítica, tem livros publicados em dezessete países, recebeu o prêmio Jabuti em A última quimera recebeu o prêmio da Biblioteca Nacional Brasileira, e merecidamente, pois conta a história de um dos poetas mais originais que a nossa literatura já teve. O romance é também uma colagem dos poemas do poeta simbolista. A narrativa suscita a identificação de trechos de Eu e outras poesias e a reflexão sobre a função que eles desempenham na unidade da narrativa. É interessante pesquisar A última quimera, pois há simultaneamente duas obras, uma dentro da outra, ou seja, o próprio romance como ficção literária e a obra de Augusto dos Anjos Eu e outras poesias como ficção da ficção do romance, onde relacionamos a história e a ficção como questionamento. A possibilidade de estudar o duplo no romance A última quimera é devida à relação que existe entre a Literatura e a Psicanálise como procedimentos de subjetivação e da interpretação. O uso da psicanálise na obra não é um diagnóstico médico, pois os elementos imaginários são reconstruídos pela linguagem a partir de um mundo real. Ou, em outros termos, Hoje a psicanálise e a literatura se misturam: há vários textos escritos por não analistas onde conceitos analíticos são utilizados para fazer crítica literária. Da mesma forma, várias coletâneas, escritas por analistas, abordam questões literárias (CHNAIDEMAN, 1989, p.23). O duplo tem como um dos pontos de vista a imortalidade. Podemos pensar que a obra do poeta e ele mesmo revivem dentro do romance enquanto substância, 117
6 um retorno do Eu contemporâneo. Raymundo Magalhães Jr., na obra Poesia e Vida de Augusto dos Anjos, comenta o seguinte: Desde então se alargou de tal modo o interesse pela obra de Augusto dos Anjos que são incontáveis os ensaios e até livros inteiros consagrados ao estudo de sua obra (MAGALHÃES JR., 1977, p. 317). Trabalhar, enfim, diretamente com a obra Eu e outras poesias de Augusto dos Anjos ou o romance de Ana Miranda, A última quimera, é um modo pelo qual a obra do poeta não viva de fato, mas que pelo menos sobreviva pela imortalidade, através de mais um trabalho escrito sobre o poeta. Referências bibliográficas ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. São Paulo: Martin Claret, CHNAIDERMAN, Miriam. Passeando entre a psicanálise e a literatura. In: Ensaios de psicanálise e semiótica. São Paulo: Escuta, ESTEVES, Antonio. (org.) Estudos de Literatura e Lingüística. São Paulo: Arte & Ciência, ESTEVES, Antonio & CARLOS, Ana Maria. Ficção e História: leituras de romances contemporâneos. São Paulo: UNESP Publicações, LACAN, Jacques. O estádio do espelho na formação do eu. In:. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, MAGALHÃES Jr., Raimundo. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, MIRANDA, ANA. A última quimera. São Paulo: Companhia das Letras, SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In:. Nas malhas das letras. São Paulo: Companhia das Letras,
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