Atuação dos juristas profissionais no processo de realização judicial do Direito Romano. Sumário. Resumo. Introdução
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- Heloísa Bennert Figueiroa
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1 Atuação dos juristas profissionais no processo de realização judicial do Direito Romano Ricardo Adriano Massara Brasileiro 1 Cidade/Estado: Belo Horizonte/MG massarabrasileiro@gmail.com Recebido: 19/5/2014 Aprovado: 5/7/2014 Sumário Introdução. 1. A questão da vinculatividade dos responsa. 2. Âmbito de atuação. Rezitationspraxis. 3. Redução à análise casuística. 4. Desinteresse pela comprovação fática. Referências Resumo O presente estudo tem como propósito fazer uma breve exposição sobre a atuação dos juristas profissionais no processo de realização judicial do direito romano, notadamente no concernente ao processo formular. Palavras chaves: Juristas Profissionais Processo Romano Introdução No processo de realização judicial do direito romano, havia espaço para a atuação de juristas profissionais, que figuravam seja como consultores das partes e de seus procuradores, seja como componentes dos consilia do juiz ou do magistrado. 2 No sistema romano de administração da justiça nem o pretor, nem o iudex, nem sequer os advogados eram juristas. Enquanto o primeiro era um político, ao segundo bastava ser um homem considerado honesto e pertencente, em geral, às classes superiores. Quanto aos 1 Doutor, mestre e especialista em Direito pela Faculdade de Direito de UFMG, professor dos cursos de graduação e mestrado na Faculdade de Direito Milton Campos, Procurador do Estado de Minas Gerais, Advogado. 2 KASER. Storia del diritto romano. Trad. Remo Martini. Milano: Cisalpino, 1993, p. 183, 38 II 2. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
2 advogados, eram eles mais propriamente oradores, que privilegiavam mais a habilidade no argumentar do que o conhecimento jurídico. A exemplo dos advogados gregos, eram expertos não em direito, mas em retórica, na arte de compor e pronunciar um discurso convincente. 3 No entanto, consoante STEIN: por trás de cada uma destas personagens, prontos quando requisitados a oferecer consultoria, estavam os juristas de profissão. [...] O controle popular dos procedimentos judiciários na Grécia deixava pouco espaço aos profissionais, mas o sistema formular romano implicava, para poder funcionar, a participação de expertos que fossem aprofundados em seus aspectos técnicos. Tais expertos não desenvolveram nenhum papel formal na cena jurídica, mas o pretor, o iudex e os advogados, todos os consultavam para ter indicações. Eram os juristas que de fato controlavam os remédios obteníveis e o alcance de todas as ações e todas as defesas. A evolução do direito romano possuiu assim a obra de uma cadeia ininterrupta de homens que continuaram, geração após geração, o trabalho de seus predecessores, e que, mesmo não dotados de posições oficiais no legal process, todavia tinham o que fazer com a aplicação cotidiana da lei. 4 2 A questão da vinculatividade dos responsa CANNATA, que ressalta uma dependência dos juízes laicos relativamente aos juristas no que concerne às questões de direito, sublinha também que as respostas dos jurisconsultos dotados do ius respondendi ex autoritate principis, acaso consignadas lacradas ao juiz (POMP. D. 1, 2, 2, 49), vinculavam-no no que diz respeito à questão de direito que decidiam, em relação ao caso para o qual eram pronunciadas. 5 Contra a vinculatividade, SCHULZ sustenta a inexistência de sanção para o caso da não observância dos responsa. 6 Parece mais verossímil a primeira posição, se se considera o testemunho de GAIO, que faz figurar entre as fontes de direito as respostas dos prudentes, "que são as sentenças e as opiniões daqueles a quem é permitido constituir o direito" (G. 1, 7). Consoante o autor latino, um rescrito de ADRIANO precisou que o juiz deveria seguir tais pareceres somente se concordes, quando têm eles "força de lei"; se discordes, o juiz poderia seguir o que melhor lhe parecesse (G. 1, 7). PAPINIANO também arrola entre as fontes do ius civile a auctoritas prudentium (D. 1, 1, 3 STEIN. I fondamenti del diritto europeu [...], cit. p. 37, parte I, cap. 3; CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 2, 1. 4 STEIN. I fondamenti del diritto europeu [...], cit., p. 37, parte I, cap. 3; no mesmo sentido: KASER. Storia del diritto romano [...], cit., p. 183, 38 II 2, e p. 192/193, 39 I 3. 5 La giurisprudenza romana [...], cit., p. 41/42, 11; no mesmo sentido: BIONDI. Istituzioni di diritto romano [...], cit., p. 34, 11, com apoio em PRINGSHEIM e WIEACKER. 6 Storia della giurisprudenza romana [...], cit., p. 203, parte III, cap. II, item II 1. No mesmo sentido: JOLOWICZ. Historical introduction to the study of roman law [...], cit., p. 369, cap. XXI D, onde se encontra um debate sobre a opinião dos prudentes como fonte do direito. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
3 7, pr.). Nesse particular, ainda que se entenda com KASER que esses autores latinos somente puderam equiparar os responsa às leis e às demais fontes em virtude da concessão imperial da faculdade de criação do direito 7, deve-se recordar que POMPÔNIO designou por ius civile também a interpretação não escrita dos prudentes, já das disposições da vetusta Lei das XII Tábuas (D. 1, 2, 2, 5). Não parece, aliás, que a jurisprudência tenha sido totalmente estranha às fontes, caso se atente à circunstância de que o ius respondendi foi instituído por AUGUSTO, em larga escala, a fim de limitar o poder conseguido pelos juristas durante a idade republicana 8, ainda que seus pareceres, nessa época, bem como também os pareceres dos juristas posteriormente não autorizados, somente valessem propria et privata auctoritate. 9 3 Âmbito de atuação A prática de encomenda de pareceres pelas partes, no entanto, ficou restrita somente aos processos que se desenvolviam com o rito formular e, sobretudo, aos processos de alguma importância econômica que tinham lugar na Cidade ou não longe, dada a circunstância de que os juristas operavam todos em Roma 10, que é verdadeiramente a única sede da jurisprudência clássica. Somente os juristas da capital obtiveram o ius publice respondendi; somente lá eles influíram sobre a jurisdição pretorial e edilícia e participaram da administração imperial central; ainda somente em Roma o ensino do direito atingiu um nível verdadeiramente científico. 11 Nos processos que tinham lugar nas províncias e naqueles que, em Roma ou fora, vinham celebrados extra ordinem (isto é, em prevalência, diante do tribunal gerido pela burocracia imperial), o recurso ao parecer do próprio imperador torna-se a norma. 12 É certo, contudo, que também as manifestações do imperador eram na verdade elaboradas por juristas e somente por aquele assinadas, dada a circunstância de que eram os juristas que ocupavam os postos de relevo na chancelaria imperial e eram membros do consilium principis, com a função de redigir os provimentos e de oferecer à deliberação imperial materiais e argumentos Storia del diritto romano [...], cit., p. 192, 39 I 2. 8 CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 41, SCHULZ. Storia della giurisprudenza romana [...], cit., p. 203, parte III, cap. II, item II CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 42/43, KASER. Storia del diritto romano [...], cit., p. 194, 39 II. 12 CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 43, CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 65, 16. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
4 Segundo CANNATA, tanto a opinião dos juristas quanto a do imperador tinham um valor vinculativo formal, relativamente aos casos para os quais eram emitidas, bem como possuíam uma substancial autoridade de precedente para casos análogos, em conexão com a prática de recitar em juízo excertos de obras dos juristas ou constituições imperiais, o que faziam os advogados das partes no contexto das suas argumentações. Ainda com o romanista, é de se notar que essa Rezitationspraxis (WIEACKER) correspondeu a uma simples exigência prática, em vista de as fontes legislativas romanas de todos os tipos somente fornecerem uma pequena parte das instituições vigentes, de modo que mesmo hipóteses banais e freqüentes, como, por exemplo, as de venda, locação, mútuo ou dote, somente encontrarem um consumado legislativo na obra dos juristas, cujo uso em juízo era indispensável, como é hoje a utilização do código civil em um juízo civil num país europeu continental, tendo as fontes romanas não-jurisprudenciais uma incidência comparável àquela das leis especiais, civis, comerciais, processuais, administrativas, hoje relevantes num processo. 14 Consoante KASER, pela incompletude das fontes normativas, o direito romano fez-se um direito casuístico, de modo à opinião dos prudentes poder-se equiparar, em centralidade, à função cumprida pelos precedentes judiciários nos atuais direitos anglosaxões. 15 CANNATA explicita os princípios que dessume terem regido a Rezitationspraxis: os Rezitationspraxis pareceres imperiais eram prevalentes sobre os pareceres dos juristas; valiam somente os pareceres dos juristas munidos do ius respondendi, sendo certo que essa regra não apanhava a citação da obra dos juristas mais antigos, cuja utilização, contudo, devia ser um tanto rara na época clássica avançada, quando os princípios se devem ter formado; em caso de contraste entre juristas, devia valer a opinião mais solidamente representada, e, no caso de os pareceres assinalados ao juiz se equilibrarem, a escolha de um dentre eles competia ao juízo; os juristas mais utilizados eram os mais recentes e, no fim da época clássica, sobretudo PAPINIANO e seus assessores PAULO e ULPIANO, bem como MODESTINO, discípulo de ULPIANO La giurisprudenza romana [...], cit., p. 65/67, Storia del diritto romano [...], cit., p. 183, 38 II CANNATA. La giurisprudenza romana [...], cit., p. 67, 17. Sobre terem sido PAULO e ULPIANO assessores de PAPINIANO: MEIRA. Curso de direito romano [...], cit., p. 120/121, 200. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
5 41). 19 Dentre todos, destacam-se, contudo, JULIANO, como a figura mais proeminente da Dentre estes, PAPINIANO é considerado o mais brilhante jurista do período e a última floração do classicismo, depois de quem se assiste a uma gradual decadência da originária força criativa 17 ; como o foram CELSO e JULIANO no século II 18 ; LABEÃO no século I reputado como escritor de gênio e de doutrina confiável, que inovou em muitas coisas (POMP. D. 1, 2, 2, 47) ; MÂNLIO MANÍLIO, MARCO JÚNIO BRUTO e PÚBLIO MÚCIO SCEVOLA no século II a. C os reputados fundadores do ius civile (POMP. D. 1, 2, 2, 39) ; e QUINTO MÚCIO SCEVOLA no século I a. C. filho de PÚBIO, reputado como o primeiro a escrever sistematicamente sobre o direito civil, em 18 livros (POMP. D. 1, 2, 2, jurisprudência romana 20, e PAPINIANO, como o mais famoso nome em toda a história dessa jurisprudência, muito em razão de, em consonância com a "Lei das Citações" (426 d. C.) de THEODÓSIO II, a opinião deste jurista servir como critério de desempate na ocorrência de contraposição da opinião dos demais juristas autorizados (PAULO, ULPIANO, MODESTINO e GAIO) Redução à análise casuística Ademais, ainda com CANNATA, é de se sustentar que toda a atuação da jurisprudência clássica desenvolveu-se de modo congruente com o anteriormente explicitado no texto, dado que teve ela o traço fisionômico de tender reduzir: todo instrumento metodológico à análise casuística: todo enunciado geral e abstrato é considerado pelo jurista clássico como um dado, que ele deve ter em conta para usá-lo ou subtraí-lo com expedientes interpretativos mas não como coisa que ele deva contribuir a produzir: e isso vale não só para as leis republicanas ou os senadoconsultos [...], e para os editos dos magistrados [...], mas também para as regulae iuris dos veteres. A regula iuris da jurisprudência clássica não tem caráter 17 KASER. Storia del diritto romano [...], cit., p. 209, 43. Em sentido contrário, entregando o título do período a ULPIANO: SCHIAVONE, Aldo. O jurista. in: GIARDINA, Andrea (Dir.). O homem romano. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1991, p. 84/85. Sabe-se, contudo, que, nessa atribuição, varia muito a opinião pessoal de cada autor. 18 KASER. Storia del diritto romano [...], cit., p. 204, 42 II, 2; SCHIAVONE atribui-o exclusivamente a JULIANO. O jurista [...], cit., p. 84/ Sobre a cronologia desses autores: MEIRA. Curso de direito romano [...], cit., p. 100 e 115/121, 175 e Segundo JOLOWICZ, algumas autoridades modernas consideram esse autor como o maior de todos os juristas romanos. Historical introduction to the study of roman law [...], cit., p. 395, cap. XXII, III. D'ORS faz JULIANO dividir o título com LABEÃO. Derecho privado romano [...], cit., p. 73, 44. KASER faz JULIANO dividi-lo com CELSO. Storia del diritto romano [...], cit., p. 204, 42 II, JOLOWICZ. Historical introduction to the study of roman law [...], cit., p. 400, cap. XXII, III. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
6 normativo, mas é a simplificação máxima de um caso concreto e da sua solução, que um jurista propõe como indiscutível, mas por isso mesmo oferece à aprovação dos outros juristas, que tal aprovação podem negar. Do caráter casuístico não se afastaram tão-pouco as intervenções imperiais, que nessa época foram controladas pelos juristas. 22 É certo, contudo, que, a despeito de os responsa dos prudentes darem-se sobre o caso litigioso e fundarem-se em critérios objetivos, tais critérios tão-pouco são, de ordinário, declarados, pois o que vale é a autoridade de quem os profere. A ratio iuris do responsum explicita-se somente em privado, para instruir os discípulos ou discutir com os especialistas. 23 Aos juristas basta o sim ou o não. No mais das vezes os motivos são extraídos dos detalhes da exposição do caso. Não raramente, porém, o jurista omite até mesmo essa indicação. A ele basta ter decidido retamente. Em lugar de argumentos concretos, prefere a prova de que um outro clássico resolveu a mesma questão da mesma maneira. A autoridade do seu colega de profissão é para ele prova mais forte da justiça da decisão do que seriam motivos de dogmática jurídica. 24 Por outro lado, "quando a utilidade justa assim o exige, se resolve contrariamente à lógica, pois a dialética jurídica é de caráter pragmático e não puramente especulativo" multa iure civili contra rationem disputandi pro utilitate communi recepta est (JUL. D. 9, 2, 51, 2) razão pela qual pode haver um direito especial (ius singulare) contrário à ratio iuris geral 25, tal como estatui PAULO, segundo quem é direito singular aquele que, contra o teor da razão do direito, foi introduzido pela autoridade dos que o constituíram, por causa de alguma utilidade (D. 1, 3, 16). 5 Desinteresse pela comprovação fática Ademais, o jurista romano também não se interessava pela comprovação fática, escapando de suas atribuições a apreciação do material probatório: O jurista romano supõe sempre que os fatos alegados na consulta podem ser provados, e não pensa nas eventuais dificuldades de prova, ainda se reconhece que os efeitos de um ato podem faltar, não por defeito de direito, mas de prova (D. 26, 2, 20: non ius 22 La giurisprudenza romana [...], cit., p. 40, 10 - com apoio em SCHMIDLIN. Die römischen Rechtsregeln, Köln-Wien, sobre os veteres vide 30, nota D'ORS. Derecho privado romano [...], cit., p. 56, KASER. Storia del diritto romano [...], cit., p. 185, 38 II 4a, seguido de perto desde a inserção da última nota. 25 D'ORS. Derecho privado romano [...], cit., p. 56/57, 31. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
7 deficit, sed probatio). Aquilio Galo, quando lhe perguntavam sobre os fatos, se remetia ao retórico: nihil hoc ad ius, ad Ciceronem! 26 É possível, no entanto, que o não-conhecimento da prova se restringisse aos jurisconsultos das partes, mas não aos membros do consilium do iudex. The role of professional jurists in judicial application of Roman Law Abstract The present work aims to a brief exhibition of the role of professional jurists in the judicial application of the roman law, mainly in the formular procedure. Keywords: Professional Jurists Roman Procedure Referências BIONDI, Biondo. Istituzioni di diritto romano. 4 ed., ristampa. Milano: Giuffrè CANNATA, Carlo Augusto. La giurisprudenza romana. Torino: Giappichelli, D'ORS, Alvaro. Derecho privado romano. 3 ed. Pamplona: EUNSA, JOLOWICZ, H. F. Historical introduction to the study of roman law. Cambridge: Cambridge, KASER. Storia del diritto romano. Trad. Remo Martini. Milano: Cisalpino, MEIRA, Sílvio A. B. Curso de direito romano: história e fontes. Sào Paulo: Saraiva, PUGLIESE, Giovanni, con la collaborazione di SITIZIA, Francesco e VACCA, LETIZIA. Istituzioni di diritto romano. 3 ed. Torino: Giappichelli, SCHIAVONE, Aldo. O jurista. in: GIARDINA, Andrea (Dir.). O homem romano. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, SCHULZ, Fritz. Storia della giurisprudenza romana. Trad. Guglielmo Nocera. Firenzi: Sansoni, STEIN, Peter. I fondamenti del diritto europeu: profili sostanziali e processuali dell evoluzione dei sistemi giuridici. Trad. Marco Mazzoni e Vicenzo Varano. Milano: Giruffrè, D'ORS. Derecho privado romano [...], cit., p. 58, 31. No mesmo sentido: PUGLIESE. Istituzioni di diritto romano [...], cit., p. 285, 94 II. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 28 p
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