A Construção da Identidade no Telejornalismo Regional: O Processo de Produção da Notícia no MGTV 1
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- Maria Vitória Bennert Camelo
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1 A Construção da Identidade no Telejornalismo Regional: O Processo de Produção da Notícia no MGTV 1 Simone Martins 2 Mestranda em Comunicação Social - UFJF Resumo A proposta deste artigo é contextualizar os aspectos da influência do processo de globalização no que diz respeito ao conseqüente fortalecimento da regionalização da comunicação, com enfoque na área de telejornalismo. Se buscará refletir sobre a identidade construída pelos telejornais produzidos em consonância ao processo de identificação do público. A partir da utilização de pesquisa bibliográfica com autores como Wolton e Hall, dentre outros, e de entrevistas, se buscará apurar a identificação do público com o material televisivo produzido pela TV Panorama, emissora de Juiz de Fora afiliada à Rede Globo de Televisão. Serão ainda analisados os processos de produção das notícias, os critérios de noticiabilidade do MGTV, além da preocupação do telejornal com a audiência. Palavras-chave Telejornalismo local; produção de notícias; identidade. O rompimento das fronteiras da comunicação vivenciado no final do século passado a partir do processo de globalização formou um cenário fundamental para as mudanças de perspectiva da sociedade. De maneira talvez paradoxal a priori, a ampliação do universo de informações e a facilidade de acesso para obtê-las, tudo isso contribuiu para que o homem globalizado buscasse também reafirmar suas raízes locais. E é nesse aspecto que as temáticas regionais assumem papel relevante no contexto da comunicação, com destaque para a televisão brasileira. Em sua trajetória, o telejornalismo regional passou por três fases distintas. A primeira delas ocorreu até os primeiros anos da década de 70, quando as produções locais se destacavam em grande parte devido a limitações de tecnologia. Nesse período, ainda não se podia contar com a exibição de imagens a longas distâncias. Contudo, a partir do surgimento do videoteipe e das transmissões via satélite, ganham destaque as programações de redes nacionais, produzidas em grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Finalmente, na década de 90 percebe-se uma retomada das temáticas locais 1 Trabalho apresentado ao GT de Jornalismo, do XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste; 2 Simone Martins é jornalista, radialista, pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial (PUCMinas) e mestranda em Comunicação (UFJF). Professora do Curso de Comunicação Social da Faculdade Estácio de Sá-JF e da Universidade Presidente Antônio Carlos-JF, desenvolve projeto sobre telejornalismo regional na linha de pesquisa Comunicação e Identidades. sitema@terra.com.br 1
2 por parte das emissoras, sobretudo no que diz respeito aos telejornais, foco de nosso trabalho. Justamente nesse período a Rede Globo de Televisão implementa o processo de regionalização dos telejornais em suas afiliadas, a exemplo do processo ocorrido na TV Panorama, que apresentaremos nesse artigo. Sobre audiência em televisão e identidade Ao longo deste artigo, as palavras identidade e identificação serão repetidas diversas vezes, visto que ambas estão intrinsecamente ligadas quando se estuda a relação entre a produção televisiva e a sua decodificação pelo espectador. Dessa forma, entendemos que seja procedente a apresentação de seus respectivos conceitos. Segundo o pesquisador Allan Johnson, no livro Dicionário de Sociologia, identidade é o modo pelo qual chegamos a nos tomar a nós mesmos como objeto através do ato de vermos a nós mesmos e aos outros. Já identificação, segundo o mesmo autor, é um processo de outorgação de nome, de nos colocarmos, nós mesmos, em categorias socialmente construídas. Em uma sociedade cada vez mais mediada os processos de identificação e construção de identidades se dariam, especialmente, em torno da relação entre telespectadores e TV. Para Wolton a televisão é atualmente um dos principais laços sociais da sociedade individual de massa. Aliás, ela é também uma figura desse laço social (WOLTON, 2004, p. 135). A visão de laço social está, contemporaneamente, mudando o foco das pesquisas que anteriormente viam no telespectador um ser passivo diante da TV, entregando-se ao que o produto pronto e acabado lhe oferecia. As novas reflexões argumentam que a mídia televisiva contém o formato adequado para a recepção por parte do telespectador. Ora, o conceito de laço social diz respeito a um discurso televisivo ativo, não mais passivo. Ganham cada vez mais força os argumentos que apresentam o espectador como aquele que encontra na programação uma fonte de informações para conversas sociais. Tal fato representa de maneira inequívoca uma resignificação do discurso da informação televisiva sobre os processos comunicacionais. Sendo o telejornal um meio de comunicação que pretende atingir à massa, abrange conhecimentos bastante variados a fim de atender ao gosto da maioria. E é nesse prisma que Wolton (2006) alerta para um grande risco da comunicação massiva: o não entendimento. A comunicação dirige-se a pessoas de idades diferentes, de ambos os 2
3 sexos e de diferentes níveis social e cultural. Para tanto, precisa ser orientada a um ponto central, a um denominador comum, mas não é dirigida a ninguém em particular. Embora a massa de pessoas seja constituída por um todo heterogêneo, a mídia do telejornal, na pretensão de atender ao gosto de todos, assume uma forma homogênea. De fato a cultura de massa abrange uma diversidade de temas e de conteúdos, sendo esses integrados na forma com que são abordados. Assim, podemos dizer que cada matéria de um telejornal veicula os mesmos padrões e valores da sociedade. Contudo, ocorre um nivelamento do gosto pela média geral. O diálogo entre os meios de comunicação e suas incidências sociais, como na consolidação de conhecimentos, saberes e identidades, utiliza-se de linguagens para estabelecer vínculos com o espectador, de modo a tê-lo cúmplice de sua audiência. Entendemos o telejornal como o meio mais simples, cômodo, econômico e acessível para que se possa conhecer e compreender tudo o que acontece na realidade e como se transforma o universo social. A definição, aparentemente simples, esconde uma complexidade. O pressuposto é de que a informação televisiva seja um bem público (VIZEU, 2005, p. 90). Segundo Wolton (2004), a conexão entre laço social e mídias generalistas acontece de maneira normativa, ou seja, em referência ao universal. Já a adesão às mídias segmentadas, aparentemente mais adaptadas ao gosto do público, é, na realidade, compatível com uma sociedade que aceita fraturas, desigualdades e segmentações. O ponto de oscilação entre as diferentes concepções de televisão e as teorias da sociedade se refere à condição do público. Nesse sentido, para haver comunicação é preciso que haja identidade construída, uma vontade de intercâmbio, uma interação, uma linguagem e valores comuns (WOLTON, 2006, p. 281). As atuais pesquisas em Comunicação procuram demonstrar a necessidade de abrangências de representações capazes de pensar a comunicação articulada a estratégias de intervenção social, que possam atuar no mercado regional voltados para a comunidade da mídia local, sejam de caráter independente ou institucionalizado. A construção da pesquisa a partir da análise lógica de produção e recepção, para depois procurar suas relações de imbricação ou enfrentamento, necessita partir das mediações, dos locais do qual provêm as construções que delimitam e configuram a materialidade social e expressividade cultural da televisão (BARBERO, 1987). Nesse contexto, quando consideramos que o telejornalismo é o canal mais abrangente e acessível para a decodificação do universo social, torna-se ainda mais relevante o papel 3
4 da pesquisa científica sob o enfoque da comunicação. Ora, é de fundamental importância investigar profundamente de que maneira a informação televisiva é decodificada pelo espectador, transformando sua realidade e reconstruindo seus sentidos. TV Industrial: um breve histórico sobre as produções locais Juiz de Fora foi a primeira cidade do interior do Brasil a receber uma emissora de televisão. Em 1964, o empresário Sérgio Mendes e seus filhos Gudesteu e Geraldo, que já eram proprietários das rádios Industrial e Difusora, implementam a estação geradora de sinais de TV na cidade, em uma iniciativa até então restrita às capitais. Em sua história, a TV Industrial teve quase todos os seus programas produzidos na própria cidade, ao vivo. Mesmo sofrendo as influências das grandes emissoras, buscava autonomia, através da produção de programação própria. Programas Educativos, Esportivos, de Auditório, além do Jornalismo, faziam parte da grade de programação da emissora juizforana, que tinha como foco a abordagem dos problemas da cidade e região. Isso fez com que a população começasse a se ver na televisão. Conseqüentemente, o novo veículo destacou-se junto à comunidade. As pessoas assistiam a TV e se identificavam com ela, já que a sua realidade estava ali retratada. O papel da antiga TV Industrial em sua relação com a cidade, ao representar os fatos locais, guarda estreita relação com o conceito de laço social como entendido por Wolton. De acordo com o autor nesse caso o veículo desempenha uma intermediação entre indivíduos, tornando espelho da sociedade, no qual se torna possível um olhar de fora do indivíduo para o seu cotidiano, a pessoa se vê na televisão. (COUTINHO, 2006: p.3). A hora é a notícia foi o primeiro programa jornalístico veiculado na TV Industrial. Sob a direção de Marilda Ladeira, o programa contava com entrevistas em estúdio, e matérias nas editorias de política, economia, cidade, esporte, cultura etc. Mesmo com a produção e veiculação de notícias locais, o telejornalismo não foi determinante para a construção da identidade da emissora. A limitação tecnológica não permitia que se veiculassem imagens fora do estúdio, o que dificultava uma maior identificação do público. Ou seja, a comunidade não se enxergava na programação. 4
5 Na opinião da jornalista Regina Gaio, citada por Coutinho (2006), tal identificação entre a emissora e o público juizforano só passou a ocorrer através dos programas de auditório e mesas de debate. Bastante crítica, Regina Gaio não credita ao telejornalismo as razões para o sucesso da emissora junto a seu público, para a criação dos primeiros laços de pertencimento entre emissora e público, que teriam sido forjados, em sua visão, graças à programas de auditório e mesas de debates, onde as pessoas se viam na TV. A questão da visualidade é retomada pela editora como um provável motivo para justificar a falta de laços entre o telejornal e os cidadãos juizforanos, ou para a falta de uma identidade telejornalística na programação da TV Industrial (2006: p.8) Na época, para formar uma identidade entre público e telejornal, a emissora criou um personagem-símbolo, o Zé Marmita, e utilizou sua imagem durante a apresentação do telejornal, ao lado do apresentador. Isso porque a TV Industrial, segundo Geraldo Mendes, filho do criador da TV em Juiz de Fora, era uma emissora popular, daí a opção por seu personagem símbolo, em busca de uma identificação com o público alvo, imaginado pelos proprietários. (MENDES apud COUTINHO, 2006) A tentativa de imprimir um caráter popular e regional à emissora pode ser observada sob diversos aspectos. Dentre estes destaca-se o próprio nome Industrial, aludindo ao vanguardismo da cidade, antes conhecida como a Manchester Mineira, por seu impulso desenvolvimentista ocorrido no final do século XIX. Na verdade a imagem do progresso faz parte da própria identidade juizforana. (2006: p.4) Em 1980, com problemas financeiros, a TV Industrial foi vendida para a Rede Globo, perdendo o status de emissora da cidade. A partir daí, apesar de manter o jornalismo local e poucos programas, a exemplo da Missa aos domingos e de alguns especiais jornalísticos sobre a cidade e região, a emissora passa a veicular mais de 90% de sua programação com material produzido pela rede. Além disso, a emissora teve que seguir a nova linha editorial definida pela matriz, passando a cumprir inclusive normas de edição, buscando a adequação ao que se define como Padrão Globo de Qualidade. Nesse período, a emissora sediada em Juiz de Fora passa a disputar com outras afiliadas o disputado espaço de suas matérias jornalísticas na rede estadual 3, o que demonstra um aumento da dependência em relação à matriz da emissora, no Rio de Janeiro. 3 A emissora local passa a veicular matérias, dentro do telejornal, feitas pela rede em Belo Horizonte, dividindo o tempo do jornal entre notícias produzidas em Juiz de Fora e região e notícias enviadas pela emissora na capital. 5
6 Década de 90: o resgate da temática local Na década de 90, a exemplo do que ocorreu em diversas emissoras espalhadas pelo país, a TV Globo Juiz de Fora também passa por mudanças para se enquadrar no que definimos anteriormente como a terceira fase do Telejornalismo Regional. Em 1998, a emissora muda não só de nome, passa a se chamar TV Panorama, mas também redefine seu papel, voltando-se fortemente para o atendimento das demandas regionais. De acordo com Iluska Coutinho, a nova estratégia visa resgatar o local e atrair novos mercados publicitários, buscando enfrentar o processo de globalização. O estímulo à nova regionalização faz com que o espaço reservado ao telejornalismo local cresça de 15 minutos para aproximadamente 50 minutos diários. Os telejornais MGTV 1ª e 2ª edição passam a ser apresentados também no estúdio de Juiz de Fora, em interação com apresentadores da Globo Minas. Os programas Panorama Revista e Panorama Esporte são incorporados à grade, além da criação de um departamento de marketing. Este se encarrega de um forte trabalho para atentar à população que a Rede Globo não estava indo embora da cidade. (2006: p.6) Alguns anos mais tarde, as Organizações Globo implementam novas estratégias mercadológicas, buscando diversificar seus investimentos na área de comunicação. Por isso, em 2003 a empresa decide colocar à venda algumas de suas emissoras do interior do país. A TV Panorama é uma delas. No mesmo ano, é comprada pelo empresário Omar Rezende Peres, que também arrenda a concessão de uma emissora de rádio e cria um jornal impresso na cidade. Assim, Peres cria as Organizações Panorama de Comunicação. Identidade e produção da notícia no MGTV No ar desde o começo da década de 80, o MGTV é um telejornal local, com duas edições diárias. Voltado para espectadores de Juiz de Fora e da região, segue o modelo criado pela Rede Globo para o telejornalismo local e regional para suas sucursais 4 e afiliadas 5. O MGTV 1ª edição conta com dois apresentadores. Já a 2ª edição possui apenas um. O telejornal mescla os recursos típicos de seu formato: os apresentadores chamam os VT s e as entrevistas ao vivo, e fazem entrevistas no estúdio com especialistas de 4 Emissoras pertencentes à própria Rede Globo de Televisão. 5 Empresas administradas por terceiros, mas a partir de concessão obtida pela Rede para determinada área de abrangência local. 6
7 determinadas áreas. O tempo também é diferente entre uma edição e outra. No MG1, como é chamado pelos funcionários da emissora, o tempo de produção é de 20 a 25 minutos, em média. Já o MG2 conta com apenas 12 minutos de produção 6. Contudo, a dependência em relação à programação determinada pela rede interfere diretamente no tempo de ambos os telejornais, o que ocasionalmente pode promover diferenças significativas em relação ao tempo médio de duração do produto televisivo, como explica a produtora do telejornal, Paula Galetti. Já tivemos recentemente telejornais com até 50 minutos e, em outros casos, edições com apenas 5 minutos. (...) Isso porque o jornalismo depende muito da programação da rede. (GALETTI, 2007) O MGTV segue o modelo clássico dos telejornais locais, com notícias da cidade sede (Juiz de Fora) e das cidades da área de cobertura (Zona da Mata, Mantiqueira e Vertentes). Em tese, as notícias precisam ter alcance e interesse não só para quem é de Juiz de Fora, mas para as 105 cidades da região que recebem o sinal da emissora 7. Nas duas edições, procura-se enfocar assuntos relacionados ao âmbito local. A cobertura dos problemas da comunidade, expostos e debatidos com as autoridades, através de flashes nas ruas, entrevistas e reportagens compõem a estrutura do telejornal. Paula Galetti diz que os assuntos mais gerais são deixados para os telejornais de âmbito nacional. Ou repercutidos com o foco na região, no espaço geográfico concernente à área de abrangência da emissora. Como se pode perceber, a preocupação da equipe de produção do MGTV ratifica o conceito de laço social, descrito por Wolton. Nesse contexto a emissora se coloca como o lugar no qual a identidade regional é reforçada. Mais uma vez o conceito de laço social de Wolton auxilia na análise do poder da representação: a televisão constitui como laço social no fato de que o telespectador, ao assistir à televisão, agrega-se a um público imenso e anônimo, que a assiste simultaneamente, estabelecendo uma espécie de laço invisível (WOLTON, 1996: p. 124 apud COUTINHO, 2006: p.6) Em 1922, o sociólogo Robert Park fez um estudo sobre a natureza das notícias. Segundo ele, as notícias têm como incumbência a construção da coesão social, na medida em que permitem às pessoas ficarem sabendo o que acontece em volta delas para tomarem atitudes e, através das suas atitudes, construir uma identidade comum (VIZEU, 2005: p. 67). Em resumo, para que vivam em sociedade. 6 No cálculo de tempo médio de ambas as edições do telejornal não estão incluídos aqueles destinados à veiculação de comerciais. 7 O que se percebe na realidade, ao analisar as edições dos telejornais, é que ele se estrutura basicamente por notícias de Juiz de Fora (até pela emissora estar sediada na cidade), devido às dificuldades de produção de matérias em cidades da região. 7
8 Para que o telejornal produzido pela TV Panorama assuma características efetivamente locais, semanalmente são feitas reportagens em cidades da região para retratar o que de mais importante acontece em cada uma delas. Geralmente procura-se priorizar o que é factual. Mas eventos que estejam no calendário dos municípios também podem se tornar notícia. É uma forma de mostrar essas cidades, apresentar suas riquezas, produções, de que forma se vive ali, resume a produtora Aline Maia. Segundo ela, ainda que não exista possibilidade de fazer a cobertura do fato in loco, seja por questões estruturais, financeiras, ou pela própria escassez de tempo, a região é mostrada nos telejornais através de notas secas 8. Apesar de parecer secundária para alguns, essa visibilidade, mesmo que limitada, faz com que o telespectador da região se veja no telejornal, e com ele crie laços de pertencimento, identidade. A identidade é construída quando o sistema de representação resulta em uma identificação do telespectador com o significado produzido. Identificação é o processo pelo qual nos identificamos com os outros seja pela ausência de uma consciência da diferença ou da separação, seja como resultados de uma suposta similaridade (WOODWARD, 2000: p. 18) Apesar de ter o mesmo nome, o telejornal apresenta produtos absolutamente diferentes em cada edição. Até o tom entre ambos é diferente. O MG1 é marcado por ser um telejornal que busca uma interatividade maior com o espectador. Já o MG2 se caracteriza por uma roupagem mais formal (GALETTI, 2007). Uma das razões para essa diferença é o tempo de exibição, como já destacamos anteriormente. Entretanto, a explicação mais clara para a diferenciação entre as duas edições do telejornal está na busca de linguagens mais apropriadas para seus públicos. De acordo com Aline Maia, o público-alvo do MGTV 1ª edição é de maneira geral formado por donas de casa, aposentados, crianças e adolescentes que chegaram em casa ou estão se preparando para ir para a escola (MAIA, 2007). Daí a necessidade de se produzi-lo prioritariamente para a comunidade. Já a segunda edição produzida pela emissora juizforana atinge um público mais amplo e heterogêneo, inclusive no que diz respeito a critérios sociais e intelectuais. Nesse sentido, há uma predominância de matérias factuais, com conteúdos mais superficiais, até mesmo para que se consiga enquadrá-las ao tempo exíguo do telejornal. Comparativamente, é inegável que a primeira edição do telejornal apresenta mais serviços de utilidade pública, além de dicas para o telespectador. Esse tem sua participação mais efetiva, seja através de ou mesmo por telefone. É o jornal que 8 Notas lidas pelo apresentador do telejornal no estúdio. 8
9 atende diretamente a comunidade, apresenta os problemas nos bairros. De maneira bem clara, é aquele que mostra o buraco na rua (GALLETI 2007). Essa maior interação também ocorre por meio da promoção constante de debates em estúdio, com temas de interesse para a população. No MG1 os assuntos são geralmente ampliados. Aline Maia explica que, no processo de produção das notícias no telejornal, sempre existe a possibilidade de expansão do tema. Se produzimos uma matéria sobre o aumento no número de jovens infratores em Juiz de Fora, podemos extrapolar a notícia em si e amplificá-la enquanto tema de interesse para o público. Nesse caso, por exemplo, se poderia lançar mão de uma entrevista em estúdio com a juíza da vara da infância, de modo a questioná-la sobre os métodos que existem e são aplicados na cidade para educar os adolescentes e evitar que se tornem futuros adultos infratores. No MGTV 1ª edição existe espaço para esse tipo de trabalho. Já o telejornal da noite tem que ser mais enxuto. (MAIA, 2007) Aline está correta. O MGTV 2ª edição tem maior foco em matérias sobre economia e política. As notícias somente são desdobradas de maneira mais aprofundada em casos de denúncias. Em geral, sua produção é voltada para os fatos mais importantes do dia. A diferença entre os dois telejornais se torna nítida se os compararmos durante a semana. Na primeira edição temos o trabalho comunitário, as matérias desdobradas com entrevistas em estúdio. Além disso, existem estúdios temáticos durante os dias da semana na terça-feira, a coluna do consumidor; na quarta, saúde e na quinta, comportamento. Nesses dias, há a presença de um especialista em cada área para debater o tema em questão, e responder a perguntas feitas por telefone ou pelos telespectadores. Na segunda-feira não há o estúdio temático, mas duas colunas: o Panorama Rural e a Coluna Emprego. E geralmente há o desdobramento dessas colunas através de matérias para o telejornal ou com a participação de algum convidado debatendo o tema de uma delas. Já no MGTV 2ª edição temos o factual, as matérias mais curtas. E é aí que se percebe a diferença de identidade entre os dois telejornais. Porque a diferença no pensar de cada edição existe em função do público para quem ele está destinado. E fazer uma avaliação da notícia é pensar no seu público, porque se pressupõe que as seleções efetuadas vão ao encontro dos desejos da audiência. Segundo Vizeu (2005), o julgamento da noticiabilidade de um fato se decide perguntando-se em que medida o público teve conhecimento dele e quando. Por isso a participação popular sempre foi relevante ao longo da história do MGTV. 9
10 Iluska Coutinho (2006), em estudo sobre o telejornalismo juizforano, aponta que a interatividade do MGTV com o seu telespectador cumpre com o papel mobilizador que Dominique Wolton prevê na comunicação local. Em determinadas situações, a comunicação local, por influência do rádio ou da televisão, pode ter um papel de mobilização e favorecer uma identidade (WOLTON, 1996 apud COUTINHO, 2005: p.9). Ela (a identidade) é formada de maneira muito complexa. Seu inicio ocorre no momento em que o telespectador liga para a emissora ou é atendido na portaria. Tratamos o telespectador com respeito e sempre tentamos ajudá-lo. (...) A identidade é construída no retorno àqueles que nos procuram, seja através de carta, telefone ou . E está constituída nas matérias que veiculamos diariamente, na nossa boa fé de não querer distorcer fatos com uma edição tendenciosa. Enfim, são muitos os elementos que constroem essa identidade. Alguns incontroláveis. Em minha opinião, até mesmo a postura de um apresentador, em sua vida privada, influencia na identidade do telejornal (GALETTI, 2007) Em sua dissertação de mestrado, Vizeu (2005) destaca que a televisão ocupa um papel de fundamental importância na formação da identidade nacional enquanto agente unificador da sociedade brasileira. E coloca o jornalismo em papel de destaque. Se a programação veiculada pela televisão em rede nacional é agente unificador, o telejornalismo regional se torna ainda mais importante na construção da identidade local, na medida em que ressalta a cultura das comunidades, fazendo com que as pessoas se sintam retratadas, e lembradas, através da TV. A televisão como sempre dizemos, é o espelho da sociedade. Se ela é seu espelho, isso significa que a sociedade se vê no sentido mais forte do pronome reflexivo através da televisão, que esta lhe oferece uma representação de si mesma. E ao fazer a sociedade refletir-se, a televisão cria não apenas uma imagem e uma representação, mas oferece a todos aqueles que a assistem simultaneamente. Ela é, além disso, um dos únicos exemplos em que essa sociedade se reflete. Permitindo que cada um tenha acesso a essa representação. (WOLTON, p. 124 apud COUTINHO, 2006: p. 12) Orozco (1991) diz que a audiência em televisão não nasce, mas se faz. Para ele, o reconhecimento de que não há só uma maneira de olhar a televisão é precisamente o que determina a batalha entre as emissoras de televisão para conquistar as audiências. (1991, apud VIZEU, 2005: p. 73) Portanto, a identidade nos dois telejornais é construída a partir de representações simbólicas que buscam corresponder a uma identificação destes com o seu público. E para que eles respondam com audiência. É papel da produção selecionar o que deve ser noticiável. 10
11 A hipótese da audiência presumida pode ser assim enunciada: os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras da redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação, produzirem discursos. (VIZEU, 2005: p ) Existem vários critérios para essa seleção, de acordo com as duas produtoras. Mas o que mais se destaca é o próprio instinto de ser repórter, além da utilidade e abrangência da notícia. De modo geral, os jornalistas, nas suas práticas diárias, antecipam a audiência nos seus textos. Às vezes a escolha é feita de maneira inconsciente. Muitas vezes é um ato mecânico, pois faz parte do nosso cotidiano. Na preparação de um telejornal, pensamos naquilo em que haja um interesse geral: segurança, trabalho, saúde etc. (MAIA, 2007) Segundo Vizeu (2005), o processo de seleção é subjetivo e arbitrário, com as decisões dependendo muito de juízos de valor baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper (2005: p. 79). As matérias são, sempre, analisadas de forma crítica pela produção: Quem quer saber sobre esse assunto? Por quê? Qual a relevância e interesse do tema? Isso agora serve como informação ou desinformação? (GALETTI, 2007). Outro critério adotado é a atualidade, e a repetição. Temas atuais, mas que já tenham sido abordados, são retomados pelo telejornal através de suítes 9. Os valores-notícia estão, portanto, sempre relacionados à idéia da audiência, ao que deve ser veiculado. Segundo Vizeu (2005), esses são valores fundamentais que os jornalistas levam em conta para construir as notícias para o seu público. A noticiabilidade, então, relaciona-se diretamente aos processos de rotinização e estandardização das práticas produtivas. Isso porque o conjunto de fatores que determina a noticiabilidade dos acontecimentos assegura a cobertura jornalística diariamente, mas torna difícil o aprofundamento de muitos aspectos importantes dos fatos que viram notícia, que são deixados de lado. (VIZEU, 2005: p. 82). A rotina da produção dos telejornais da TV Panorama segue, de maneira geral, a regra das demais emissoras regionais. É uma rotina muito estressante, e com o acúmulo de diversas tarefas. Não existe a figura do rádio-escuta ou do pauteiro, cabendo isso a equipe de produção. Por um lado é bom, porque o produtor participa de todos os processos, entende aquele conjunto de informações que se materializará no telejornal do dia de 9 Contextualização de fato já acontecido em nova matéria através de um resumo da notícia, para mostrar o seu desdobramento. 11
12 uma forma mais completa. Por outro lado, evidentemente o profissional fica bastante sobrecarregado (GALETTI, 2007). O produtor participa de uma reunião de pauta com os editores para definir os temas que serão abordados no jornal, e logo em seguida faz a ronda 10 em Juiz de Fora e região para saber se existe alguma informação importante que precisa ser noticiada, seja através de uma nota seca ou até mesmo com equipes de reportagem para cobrir os fatos. O produtor ainda checa toda a correspondência, em papel e s, visita websites de instituições dos poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como de diversos jornais. Entre outras atribuições, é a equipe de produção a responsável por receber ligações de denúncias e sugestões de pauta, garantir que cinegrafistas, auxiliares e repórteres saibam seus horários na escala de trabalho, e informar ao setor técnico se vai haver transmissão ao vivo, informando os equipamentos necessários para sua veiculação. Cabe também à equipe dar apoio ao repórter que está na rua, bem como marcar as pautas de acordo com os horários disponíveis na grade. A produção é o setor que deve trabalhar para que uma pauta vire matéria nas mãos do repórter e do editor. Disponibilizamos todos os elementos possíveis para isso. (GALETTI, 2007) As principais fases da produção diária da informação são a captação, a seleção e a apresentação de notícias. Na primeira fase temos a captação das matérias necessárias para se dar forma a um noticiário ou a um jornal. Um componente fundamental dessa fase são as fontes, divididas entre as propriamente ditas e as agências de informação. (...) A seleção das notícias é um processo complexo que se desenvolve ao longo de todo o ciclo de trabalho, realizado em diferentes etapas, desde as fontes até o redator, editor, e com motivações que não são todas imediatamente imputáveis à necessidade direita de escolher as notícias a transmitir. (VIZEU, 2005: p. 83) As notícias no MGTV são distribuídas segundo critérios de importância. Não há a interferência da direção da emissora no que diz respeito a esses critérios, nem mesmo em relação ao conteúdo das edições, cabendo às equipes seguir a linha editorial definida pela cabeça de rede. Na prática, segundo Aline Maia, é importante que haja uma grande sinergia entre a equipe de produção e os editores do telejornal, na medida em que são esses últimos que definem como ficará o produto final a ser levado ao telespectador (MAIA 2007). A matéria que abre o telejornal sempre possui maior impacto, devendo 10 No jargão jornalístico, a ronda nada mais é do que o ato de buscar informações junto a instituições tais como as polícias civil, militar, federal e rodoviária, corpo de bombeiros, hospitais, em busca de informações que possam ser noticiadas. Na TV Panorama, a ronda é feita em aproximadamente 50 cidades de cobertura da emissora. Em Juiz de Fora, ela acontece, em média, 4 vezes por dia. 12
13 ser factual e, sobretudo, tratar de um assunto local. Assim, cumprindo uma das premissas do jornalismo regional, o telespectador se sentirá representado na notícia. O editor-chefe vai distribuindo as matérias pelos blocos a partir dos seguintes critérios: um factual forte, um fato que tenha interesse e atinja o maior número de pessoas e que tenha uma boa imagem. Segundo ele, a imagem espetacular sempre interessa à televisão. É nesse processo, bem como no da edição, que o mundo é recontextualizado. Os fatos que foram retirados do seu contexto na rua agora são reorganizados de acordo com a lógica de produção do telejornal (VIZEU, 2005: p. 100) Considerações finais: Os indivíduos, segundo Wolton (2004), assimilam o que vêem na TV e produzem sentido a partir dessa interação com o veículo, aprimorando conhecimento. Analisando sob esse prisma, as relações entre o telejornalismo local e o público por ele atingido podem não ser passivas e indiferenciadas. Ao contrário, entende-se que podem contribuir para transformar o indivíduo enquanto sujeito sócio-cultural. Nesse sentido, a proposta de nosso trabalho é a de enfatizar a dimensão discursiva do telejornalismo enquanto meio de comunicação interventor na sociedade, em consonância com os conceitos formulados por Vizeu. Claro está que tal dimensão discursiva contribui de maneira ativa para a formação de grupos sociais e mutações de identidades. A TV Panorama aparece como um lugar onde é construída e resgatada a identidade de Juiz de Fora. A TV se coloca como um laço social, ou seja, um laço simbólico que interliga indivíduos de diferentes comunidades e classes sociais de uma sociedade. Pessoas de diferentes bairros de Juiz de Fora e diferentes classes são representadas e interligadas por meio da programação jornalística da TV Panorama, que contribui ao construir relações de pertencimento com seu público, contribui para a reafirmação da(s) identidade(s) local, que em Juiz de Fora, tem um caráter plural e uma auto-imagem que valoriza sua vocação pioneira, seu caráter de vanguarda. (COUTINHO, 2006: p:14) O processo de produção da notícia em um telejornal, portanto, é responsável pela criação de sua identidade, como produto mediático. É essa identidade, construída ao longo do processo de fazer telejornalístico, que faz com que a população se identifique com a emissora de televisão, local, como no caso da Panorama. A partir disso, o retorno a ser alcançado pela emissora pode ser aferido por meio da audiência. Em tese, quanto maior for a identificação do público no que diz respeito ao telejornal, maior será seu 13
14 interesse em acompanhar as edições diárias, fortalecendo assim um laço social no qual tanto a emissora quanto o público são beneficiados. No caso da TV Panorama, apesar de não podermos deixar de citar a escassez de programações locais, e de salientar que a produção do jornal muitas vezes confunde a identidade do telejornal com a identificação que o público faz dele, ratificamos as palavras de Iluska Coutinho, segundo a qual a emissora busca a ampliação de espaços identitários e de vínculos com seu público via telejornalismo (COUTINHO, 2006: p. 9). Tendo como base uma análise da produção do telejornalismo da emissora, bem como o referencial bibliográfico utilizado, consideramos que essa contribui de maneira relevante para a formação da identidade do telespectador de Juiz de Fora e da região. Referências bibliográficas MAIA, Aline. Entrevista concedida à autora. Juiz de Fora, GALETTI, Paula. Entrevista concedida à autora. Juiz de Fora, GAIO, Regina. Entrevista concedida à autora e a Adão Mendonça. Juiz de Fora, COUTINHO, Iluska. Telejornalismo e Identidade em Juiz de Fora: a (re) afirmação da diferença na cobertura do Miss Brasil Gay. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Brasília: UnB e Intercom, CD'Rom.. Telejornalismo e Identidade em Emissoras Locais: a construção de contratos de pertencimento. IV Encontro Nacional de Pesquisadores de Jornalismo. Porto Alegre: UFRS e SBPJor, CD Rom. COUTINHO, Iluska; FERNANDES, Lívia. TV Panorama 25 anos: representação em busca de uma identidade regional. IV Encontro Regional. Juiz de Fora: Facom-UFJF, CD'Rom. COUTINHO, Iluska et al. Telejornalismo e Identidade Local: uma reflexão sobre a produção jornalística nas emissoras de TV de Juiz de Fora. Regiocom XI Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco, CD'Rom. VIZEU, Alfredo. Decidindo o que é notícia: os bastidores do telejornalismo. 4ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS,
15 . O lado oculto do telejornalismo. Florianópolis: Calandra, JOHNSON, Allan G. Dicionario de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Tradução Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 4ª Ed. Petrópolis: Vozes, REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo: Summus, WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, Pensar a Comunicação. Brasília: UnB,
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