A relação do burnout com o comprometimento afetivo dos trabalhadores para com a empresa

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1 A relação do burnout com o comprometimento afetivo dos trabalhadores para com a empresa Autoria: Angela Maria Monteiro da Silva, Gustavo de Oliveira Almeida RESUMO O presente estudo investigou a relação entre uma variável de burnout, exaustão emocional, e o comprometimento afetivo (CA). Após o consentimento livre e informado, 70 participantes responderam a um questionário sócio-demográfico, à escala de comprometimento afetivo de Allen e Meyer (1993).Os dados indicaram uma correlação significativa e inversa entre o burnout e o CA (r= -0,274). Observou-se também um melhor ajustamento do modelo cúbico aos dados. O burnout revelou-se um preditor significativo com o modelo não linear cúbico. O coeficiente de determinação (r²) indicou que o burnout explica aproximadamente 18% da variância do CA. Além disso, o burnout mostrou-se um preditor significativo apenas para o CA dos homens, o coeficiente de determinação indicou que 27,6% da variância do CA é explicado pela exaustão emocional. Em suma, os resultados encontrados estão de acordo com estudos prévios que indicam uma correlação significativa inversa, embora não elevada, entre o estresse ocupacional e o comprometimento organizacional (Mathieu e Zajac, 1990). Além do mais, parece haver um efeito de interação de gênero entre o burnout e o comprometimento. O nível de burnout parece afetar apenas o CA masculino. 1) Introdução O estresse vem sendo considerado uma poderosa ameaça à saúde do trabalhador. Em diversos estudos o estresse relacionou-se com a incidência de doença coronariana, insatisfação no trabalho, acidentes, absenteísmo, baixa produtividade e certas formas de câncer (Danna, 1999). O burnout é um termo que tem sido usado para designar a condição de uma pessoa que, em conseqüência do estresse ocupacional, não pode mais funcionar adequadamente. Mais freqüentemente, o burnout costuma acometer profissionais que prestam assistência ou cuidado aos outros, tais como: médicos, enfermeiros, psicólogos e professores, dentre outros. A síndrome do burnout pode ser definida como uma resposta ao estresse organizacional crônico, que apresenta três dimensões: i) exaustão emocional, ii) despersonalização, e iii) queda de realização no trabalho (Monteiro da Silva & Souza, 02). A exaustão emocional envolve um sentimento de desgaste e falta de recursos emocionais, enquanto a exaustão física implica no esgotamento físico do indivíduo e aparecimento de doenças. A dimensão de exaustão do burnout parece estar bastante próxima do conceito de estresse. Diferentemente, a despersonalização é um constructo raramente encontrado na literatura sobre o estresse (Cox, Kuk & Leiter, 1993). A despersonalização refere-se a uma resposta de insensibilidade e excessivo desligamento do profissional em relação às pessoas que recebem o seu atendimento (Maslach, 1993). A terceira dimensão do burnout, baixa realização no trabalho, implica num declínio dos bons resultados e 1

2 competência e no aumento do desempenho insatisfatório no exercício profissional (Maslach, 1993). O estudo aqui descrito envolveu apenas a dimensão de exaustão emocional do burnout. De acordo com Pines (1953), os profissionais que correm mais risco de burnout são aqueles com alta motivação e identificação com o seu trabalho, e que derivam exclusiva e principalmente dele um sentido para a sua vida. Em outras palavras, parece que alguns dos empregados mais comprometidos com o seu trabalho seriam bastante vulneráveis à síndrome. O comprometimento organizacional é definido por Allen & Meyer (1996) como um vínculo psicológico do empregado com a sua organização, que diminui a probabilidade de que ele a deixe voluntariamente. A tendência nos dias de hoje é considerar o comprometimento um conceito multidimensional. Vários estudos (Allen & Meyer, 1990; Reilly & Orsak, 1991; Allen & Meyer, 1996) têm indicado as seguintes dimensões: comprometimento afetivo (CA), comprometimento calculativo (CC) e o comprometimento normativo ou moral (CN). As três dimensões têm implicações diretas para a permanência na organização, todavia diferem bastante em termos conceituais. O CA diz respeito à identificação, envolvimento e ligação emocional com a organização. Os empregados com elevado CA ficam na organização porque querem, identificam-se com ela, aceitando os seus valores e objetivos e se dispondo a ajudá-la a atingilos. O CC envolve o reconhecimento dos custos associados com deixar a organização. Os indivíduos com elevado CC permanecem na organização por conveniência. Eles relutam em perder os investimentos que acumularam na organização e que provavelmente não conseguirão substituir ou compensar em outro emprego. Por outro lado, o CN está baseado num senso de dever ou obrigação para com a empresa. Os que permanecem na empresa devido a um comprometimento moral tomam esta posição respondendo à pressão dos demais, tendo a convicção de que isso é correto e moralmente adequado. Um estudo conduzido por Wasti (02), na Turquia, mostrou que o comprometimento afetivo é função de experiências positivas no exercício da função, envolvendo um trabalho agradável e bons resultados pessoais. Desta maneira, presupõe-se que experiências negativas como o estresse estejam associadas a um menor comprometimento. Houve também resultados interessantes sobre a relação do tipo de comprometimento com outras variáveis. A correlação entre CA e desejo de se desligar da organização foi significativa e inversa (r= 0,64), enquanto a correlação do desejo de sair da organização com o CC foi menor (r = -0,15). Esses dados mostram que o CA é um melhor preditor da intenção de não se desligar de uma organização do que o CC. No estudo acima foi também observada uma correlação positiva e significativa entre o CA e a satisfação com a vida em geral (r= 0,44), enquanto o CC não se relacionou significativamente com a satisfação pessoal (r= -0,05). Tais dados sugerem que empregados que possuem um desejo de permanecer na organização reportam um maior nível de bem-estar. Entretanto, os que estão na organização por não terem outras opções ou porque os custos de sair são muito grandes, não gozam de bem-estar e satistação com suas vidas. Observou-se também uma correlação direta significativa entre o CA e o comportamento extra-papel (r= 0,47), todavia não houve correlação significativa entre o comportamento extra-papel e o CC. 2

3 Outro estudo por Vandenberghe, Bentein e Florence (02) mostrou que o CA pode estar relacionado com a organização, com a supervisão ou com o grupo de trabalho. Além disso, estas áreas do CA podem ser fidedignamente distinguidas, possuem antecedentes diversos e influenciam, de modo específico e singular, a intenção de sair da empresa e a performance no trabalho. O CA (em relação à organização, à supervisão ou ao grupo de trabalho) apresentou sempre correlação negativa com a intenção de deixar a organização: ( r=- 0,71, r= -0,56 e r = -0,55), respectivamente. Os dados também sugerem que o CA é a forma de comprometimento que mais apresenta resultados favoráveis e que poderia ser considerado o tipo mais produtivo e positivo de comprometimento, mantendo o trabalhador motivado e satisfeito e portanto ajudando a organização a atingir suas metas e objetivos. Em suma, o estresse organizacional tem-se mostrado associado a um baixo comprometimento organizacional. Mathieu e Zajac (1990) relatam que a correlação média (r) entre os estressores do papel organizacional (sobrecarga de papel, conflito de papel e ambigüidade de papel) e vários aspectos do comprometimento organizacional variou de 0,6 a 0, Método 2.1 Participantes Participaram do estudo 70 trabalhadores de instituições privadas (81,4%), públicas (15,7%) e autônomos (2,9%) em organizações industriais (34,3%), comerciais (40%), do terceiro setor (7,1%), agronegócios (14,3%). A maioria era de solteiros (55,7%) e % de casados. Com relação ao gênero, 39 (55,7%) eram homens e 31 (44,3%) mulheres, a sua idade variou de 18 a 53 anos com média (+ desvio padrão) igual a 31,59 ± 8,03 anos. O número médio de horas de trabalho por semana foi 40,92h ± 8,12h. O tempo médio de exercício profissional foi 7,03 ± 6,47 anos, e 90% dos participantes possuíam apenas um vínculo empregatício. 2.2 Instrumentos Escala de comprometimento afetivo O comprometimento afetivo foi medido por meio de escala de Allen e Meyer (1990), que se compõe de seis itens cada um deles seguido de uma escala com seis pontos, variando de discordo totalmente a concordo totalmente. O escore total pode variar potencialmente de 6 a 36. Esta escala já foi validada em amostras americanas(allen & Meyer, 1996) e numa brasileira (Ferreira, Assmar, Souto, Braga, Rocha & Lamastra, 02). Além disso, os dados do presente estudo indicaram um coeficiente de consistência interna (alfa de Crombach) de 0, Inventário de Burnout Maslach (Maslach Burnout Inventory) O burnout foi medido apenas em uma de suas dimensões, pela subescala de exaustão emocional do Inventário de Burnout de Maslach, desenvolvido por Maslach e Jackson (1981) e adaptado para a população brasileira por Carvalho (1995). A subescala de exaustão emocional é composta de 9 itens, cada um deles seguido de uma escala de seis pontos. Um 3

4 ponto da escala era selecionado, caso o indivíduo apresentasse o sintoma em questão, indicando a freqüência com que ocorria. O escore do participante na dimensão de exaustão foi computado pelo somatório dos pontos dos itens e variou, potencialmente, de zero a 54. Os dados do presente estudo indicaram um coeficiente de consistência interna (alfa de Crombach) igual a 0, Procedimentos Estudantes pós-graduandos de um Seminário de Pesquisa de uma universidade pública do Rio de Janeiro foram preparados para aplicar padronizadamente as medidas do estudo em, pelo menos, oito trabalhadores, procurando equilibrar o número de participantes do gênero feminino e masculino. Esses trabalhadores, participantes do estudo, poderiam ser colegas trabalhando na mesma empresa que os estudantes do seminário, ou ter outro tipo de vínculo de trabalho com o estudante; por exemplo, ser seu cliente ou fornecedor. Após o consentimento livre e informado, em que o anonimato e o sigilo foram garantidos, cada um dos participantes respondeu a um questionário sócio-demográfico, à subescala de exaustão emocional e à escala de comprometimento afetivo. 3. Resultados 3.1 Dados descritivos Os dados descritivos para as variáveis de burnout e CA são apresentados na tabela 1. Tabela 1: Dados descritivos Média Desvio Padrão Valor Mínimo Valor Máximo Burnout,0857,83,00 50,00 CA 8,87 7,8771 6,00 36,00 Uma análise de correlação de Pearson entre o burnout e o CA indicou que as variáveis eram significativamente associadas: r = - 0,274, p = 0, Modelos de regressão do burnout como preditor e do CA como variável dependente. Inicialmente foi produzido um modelo de regressão linear simples. O modelo encontrado teve como variável preditora o burnout e como variável dependente o CA (tabela 2). O modelo foi significativo a 95% (p = 0,024), conforme testado pela análise de variância (ANOVA) apresentada na tabela 3. 4

5 Tabela 2: Sumário do modelo de regressão linear simples Modelo R R² R² Ajustado Erro padrão da estimativa 1 0,274 0,075 0,061 7,0261 a Preditores: (Constante), Burnout Tabela 3: Estatística F, graus de liberdade e significância do modelo Modelo Soma de quadrados GL Média dos Quadrados F Sig. 1Regressão 264, ,795 5,364,024 Residual 3258, ,367 Total 3522, a Preditores: (Constante), Burnout b Variável Dependente: Comprometimento Afetivo Embora o modelo tenha sido significativo ao nível de 5%, a correlação não foi elevada e o coeficiente de determinação indicaria que apenas 7,5% da variância do CA seria explicada pelo burnout. Para checar a possibilidade de que o relacionamento entre as duas variáveis não seria necessariamente linear (o que acarretaria baixos índices de correlação ou de determinação para o modelo linear simples) foi executada uma representação gráfica utilizando as variáveis: burnout e CA (figura 1) e foi verificado que existe, realmente, um relacionamento não linear entre as duas variáveis, que se aproxima mais de um modelo cúbico. 40 Comprometimento Afetivo Dados e Modelos Dados Modelo Linear Modelo Cúbico Burnout Figura 1 Curva de ajuste de dados para os modelos linear e cúbico 5

6 Como pode ser verificado na figura 1, o ajuste aos dados é melhor no modelo Cúbico, ou seja, a distribuição é mais complexa do que uma regressão linear poderia explicar. A diferença na adequação dos modelos pode ser ainda melhor observada na tabela 4. Observa-se, então, que o modelo cúbico explicou aproximadamente 18% da variância do comprometimento. Tabela 4 : Comparação dos modelos de regressão linear e cúbico. VARIÁVEL DEPENDENTE : Comprometimento Afetivo Modelo LINEAR Modelo CÚBICO R Múltiplo 0,27416 R Múltiplo 0,42166 R² 0,07516 R² 0,17780 R² ajustado 0,06115 R² ajustado 0,13926 Erro Padrão 7,02613 Erro Padrão 6,72751 Signif F = 0,0237 Signif F = 0, Diferenças em relação ao gênero: Os dados básicos para as mulheres e os homens encontram-se na tabela 5. Os homens apresentaram escore médio maior do que as mulheres em burnout (11,05 vs. 8,87); porém, essa diferença não foi significativa (F = 0,7, p=0,406). Quanto ao CA, os dados indicaram uma tendência marginalmente não significativa de maior CA para as mulheres, em comparação com os homens ( F = 3,895, p=0,053 ). Estes resultados sugerem que, com um aumento do número de participantes, as mulheres apresentariam significativamente mais comprometimento do que os homens. Tabela 5 - Média, desvio padrão, intervalo de confiança e valor mínimo e máximo do burnout e do CA, por gênero Burnout CA Desvio Intervalo de confiança Valor Valor Gênero N Média Padrão para Média (95%) Mínimo Máximo Limite Inferior Limite Superior Masculino 39 11, ,6905 6, ,1651,00 50,00 Feminino 31 8,87 7,8771 5, ,7603,00 35,00 Total 70,0857,83 7, ,6633,00 50,00 Masculino 37 22,4595 7,55 19, ,9774 6,00 35,00 Feminino 31 25,87 6, , , ,00 36,00 Total 68 24,0147 7, , ,7699 6,00 36, Modelo de regressão específico para cada gênero Os dados foram divididos por gênero para que se examinassem possíveis diferenças nos modelos de regressão entre homens e mulheres. O modelo de regressão linear simples encontrado para o gênero masculino (modelo 1) foi significantivo (IC=95%) e está apresentado na tabela 6. No entanto, o modelo de regressão linear simples encontrado para o gênero feminino (modelo 2) não apresentou significância e o coeficiente de determinação (r²) explicou menos de 1% da variância do comprometimento. 6

7 TABELA 6 : Sumário dos modelos de regressão linear R R² R² Ajustado Erro padrão da estimativa Gênero Modelo Masculino 1 0,337 0,113 0,088 12,2246 Feminino 2 0,093 0,009-0,026 7,9774 a Preditores: (Constante), Burnout Os dados foram examinados a fim de se pesquisar a ocorrência de modelos que se ajustassem melhor a eles do que o modelo linear. O modelo que melhor se ajustou aos dados foi, outra vez, o cúbico. Os resultados dos modelos estão comparados nas tabelas 7 e 8, para o gênero masculino e feminino, respectivamente. TABELA 7: GÊNERO: Masculino Variável independente: Burnout VARIÁVEL DEPENDENTE: CA Método.. LINEAR Método.. CÚBICO R Múltiplo 0,33659 R 0,52540 R² 0,11329 R² 0,27604 R² ajustado 0,08796 R² ajustado 0,223 Erro Padrão 7,21224 Erro Padrão 6,71140 Signif F = 0,0417 Signif F = 0,0128 TABELA 8: GÊNERO: Feminino Variável independente: Burnout VARIÁVEL DEPENDENTE: CA Método.. LINEAR Método.. CÚBICO R Múltiplo 0,09256 R Múltiplo 0,29503 R² 0,00857 R² 0,08704 R² ajustado -0,02562 R² ajustado -0,01440 Erro Padrão 7,97741 Erro Padrão 6,566 Sig. 0,64 Sig. 0,4747 Para uma visualização ainda mais clara, foram graficamente representados os modelos e o seu ajuste aos dados. Embora diversos modelos de regressão (disponíveis no SPSS.0) tenham sido testados, o modelo cúbico foi o que apresentou melhor ajuste. Assim, o modelo cúbico e o linear, que é muito empregado, podem ser visualizados quanto a seu ajuste nas figuras 2 e 3, para os gêneros masculino e feminino. 7

8 40 Homens Comprometimento Afetivo Dados e Modelos Dados Modelo Linear Modelo Cúbico Burnout Figura 2 Curva de ajuste de dados para os modelos linear e cúbico (gênero masculino) 40 Mulheres Comprometimento Afetivo Dados e Modelos Dados Modelo Linear 0 40 Modelo Cúbico Burnout Figura 3 Curva de ajuste de dados para os modelos linear e cúbico (gênero feminino) Pode-se ver, na distribuição para o gênero masculino (figura 2), que o modelo linear novamente não se ajustou bem aos dados. Desta forma, foi utilizado novamente o modelo não linear cúbico. 8

9 Utilizando-se o cúbico conseguiu-se explicar 27,60 % da variação no CA, em contraste com apenas 11,13% da variância explicada pelo modelo linear. Todavia, para as mulheres, nenhum modelo encontrado foi significativo estatisticamente, no modelo cúbico (p = 0,9624) e no modelo linear (p = 0,64). 4. Conclusões Os resultados encontrados mostram que existe uma relação inversa entre o burnout e o comprometimento afetivo, sugerindo que um maior índice de burnout leva a um menor comprometimento afetivo. O modelo cúbico, que foi o modelo que melhor se ajustou aos dados, indicou que 18% da variância do CA é explicada pela exaustão emocional. Assim, observou-se que a relação entre a exaustão emocional e o CA, embora significativa, não foi forte. Em relação a diferenças de gênero, houve uma tendência, por parte das mulheres, para apresentar maior CA. Em contrapartida, não houve diferença de gênero quanto ao burnout. Outro efeito interessante do gênero diz respeito ao papel significativo de predição do burnout apenas em relação ao CA masculino. Concluindo, os dados aqui examinados sugerem que o CA feminino é mais resistente ao burnout do que o CA masculino. O fato do nível do burnout não afetar significantemente o CA feminino poderia ser explicado pelo ingresso mais recente das mulheres no mercado de trabalho, o que pode fazer com que se sintam satisfeitas e agradecidas por estarem trabalhando. Isto também poderia, ao menos em parte, explicar o achado de maior comprometimento feminino para com a organização. 9

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