COMPARAÇÃO DA FORÇA E TORQUE ESTIMADOS DOS ROTADORES EXTERNOS DO OMBRO ENTRE OS PLANOS TRANSVERSO E SAGITAL
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1 COMPARAÇÃO DA FORÇA E TORQUE ESTIMADOS DOS ROTADORES EXTERNOS DO OMBRO ENTRE OS PLANOS TRANSVERSO E SAGITAL Marcelo Peduzzi de Castro, Felipe de Camargo Forte, Joelly Mahnic de Toledo, Daniel Cury Ribeiro, Jefferson Fagundes Loss Escola de Educação Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre. Resumo: Por meio de um modelo biomecânico gerado no software MATLAB 7., o objetivo deste estudo foi comparar a força e o torque estimados dos músculos Infra-espinhoso (IE), Redondo Menor (Rm), Supra-espinhoso (SE), Deltóide Posterior, Deltóide Médio e Deltóide Anterior durante a rotação externa do ombro entre os planos transverso (PT) e sagital (PS). Oito indivíduos foram avaliados no PT e seis no PS utilizando um dinamômetro isocinético. Os dados de torque do grupo muscular obtidos na coleta e os valores de distância perpendicular, área de secção transversa fisiológica e tensão específica, obtidos na literatura, foram usados como dados de entrada para o modelo biomecânico. No PS, todos os músculos estudados apresentaram maior força estimada e o IE, Rm e SE apresentaram maior torque estimado quando comparados ao PT, possivelmente devido a uma alteração da relação comprimento-tensão destes músculos no PS em relação ao PT. Palavras Chave: força, torque, ombro, rotação externa, modelo biomecânico. Abstract: By means of a biomechanical model generated in the software MATLAB 7., the aim of this study was to compare the estimated force and moment of Infraspinatus (IS), Minor Teres (MT), Supraspinatus(SS), Posterior Deltoid, Middle Deltoid and Anterior Deltoid muscles during shoulder external rotation between transverse (TP) and sagittal plane (SP). Eight subjects in TP and six subjects in SP were evaluated using an isokinetic dynamometer. Collected moment data, moment arm, physiologic cross-sectional area and specific tension, obtained in the literature, were used as biomechanical model input data. In SP, all studied muscles presented higher estimated force and the IS, MT e SS presented higher moment when compared to TP, probably owing to an alteration in length-tension relationship of these muscles in SP related to TP. Keywords: force, torque, shoulder, external rotation, biomechanical model. INTRODUÇÃO A disfunção no ombro é um problema comum de saúde em várias populações de pacientes [1, 2]. Estimar a força e o torque dos músculos do ombro é importante para a compreensão dos mecanismos de lesão [3]e para o planejamento e evolução dos exercícios durante a reabilitação [4]. O torque do músculo determina sua capacidade de mover uma articulação e é definido como o produto entre força muscular e distância perpendicular (d ). Músculos com maiores d geram mais torque quando é produzida uma mesma força. Assim, a d representa a vantagem mecânica do músculo sobre a articulação, bem como a força muscular representa a vantagem fisiológica [5-8]. As forças internas que agem sobre o corpo humano são: forças musculares, articulares e ligamentares [9]. As forças internas podem ser determinadas diretamente por meio de implantação de transdutores de forças ou por meio de modelos biomecânicos. Estes modelos consistem de algoritmos que processam informações iniciais (dados de entrada) utilizando critérios mecânicos e/ou fisiológicos para obtenção de forças (dados de saída). Medidas de antropometria, cinemetria e dinamometria são usualmente utilizadas como dados de entrada [1]. 71
2 O objetivo deste estudo é comparar a força e o torque estimados dos músculos Infra-espinhoso (IE), Redondo Menor (Rm), Supra-espinhoso (SE), Deltóide Posterior (DP), Deltóide Médio (DM) e Deltóide Anterior (DA) durante a rotação externa (RE) do ombro entre os planos transverso (PT) e sagital (PS). MATERIAIS E MÉTODOS flexão de 9º, como mostra a figura 1A; e no PS, foram posicionados em decúbito dorsal, com o membro superior direito em abdução de 9º e cotovelo em flexão de 9º, mostrado na figura 1B. Após o posicionamento e a familiarização com o teste, os indivíduos realizaram cinco repetições de contrações concêntricas máximas de RE e rotação interna (RI) sem intervalo, em uma velocidade angular de 6º/seg. Neste estudo participaram da coleta no PT, 8 voluntários do sexo masculino, com idade entre 19 e 25 anos e no PS, 6 indivíduos do sexo masculino, com idade entre 22 e 25 anos. O ombro avaliado foi o direito (dominante), nenhum indivíduo apresentava histórico de lesões no ombro avaliado. Todos os indivíduos concordaram por livre arbítrio e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado pelo comitê de Ética da Universidade onde foi realizado o estudo. A coleta dos dados referentes ao torque de RE do ombro nos PT e PS foi realizada em um dinamômetro isocinético da marca Cybex, modelo Norm (Dataq Instruments, Inc. Ohio EUA). Adaptado a ele, um eletrogoniômetro da marca Biomectrics Ltd (Cwmfelinfach, Reino Unido, modelo XM 18) foi utilizado com o objetivo de registrar a posição articular em função do tempo, com uma taxa de amostragem que permite melhor definição espacial do que a fornecida pelo dinamômetro. Ambos os aparelhos estavam conectados a um microcomputador Pentium III 65MHz através de um conversor analógico-digital da marca Computer Boards (modelo CIO-DAS 16, 16 bits) com uma taxa de aquisição de 5 Hz. No PT os indivíduos foram posicionados no dinamômetro em ortostase, com o braço direito em posição neutra (junto ao tronco) e cotovelo em A B Figura 1 Posicionamento dos indivíduos durante o teste. A - Plano Transverso. B - Plano Sagital. Foram utilizados para tratamento dos dados o software SAD32 (Sistema de Aquisição de Dados, desenvolvido pelo Laboratório de Medições Mecânicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e o software MATLAB 7. (MathWork Inc, Massachusetts USA). Foi utilizado um filtro digital, Butterworth, passa baixa, ordem 3 com freqüência de corte de 3Hz, para os dados de ângulo, e 1Hz, para dados de torque. Foi calculado o torque médio das cinco repetições para cada indivíduo e a seguir o torque médio de todos os indivíduos. Os valores de d e área de secção transversa fisiológica (ASTF) utilizados no modelo foram adotados da literatura [11], conforme mostra a Tabela 1. Os valores positivos expressam amplitudes de RI e os valores negativos expressam RE. 72
3 Tabela 1: Valores de pico de d (cm) com ângulos correspondentes (graus) e ASTF (cm²). Músculo d pico (ângulo) ASTF PT / PS Rm 2,17 (1º) / 2,6 (-5º) 2,92 IE 2,55 (-2º) / 2,4 (-5º) 9,51 SE,57 (4º) /,9 (-3º) 5,21 DA - /,4 (-4º) 7,38 DM,9 (5º) /,2 (-5º) 9,8 DP,46 (-2º) /,2 (-5º) 9,45 d = distância perpendicular; ASTF = área de secção transversa fisiológica; PT = plano transverso; PS = plano sagital; IE = infra-espinhoso; Rm = redondo menor; SE = supra-espinhoso; DA = deltóide anterior; DM = deltóide médio e DP = deltóide posterior. Adaptados de Kuechle et al. (2). A tensão específica (σ) ou tensão muscular máxima é uma constante utilizada para estabelecer os limites de força máxima que o músculo é capaz de produzir [3, 12, 13]; expressando a capacidade de produção de força muscular por unidade de área. O valor de σ adotado neste trabalho foi de 7 N/cm 2 [13]. Para estimar a força e o torque de cada músculo rotador externo do ombro no PT e PS utilizou-se um modelo biomecânico de otimização, gerado no software MATLAB 7., o qual necessitava como dados de entrada: o torque de RE do grupo muscular, a d, ASTF e a σ [11, 13]. Análise Estatística Para verificar a normalidade dos dados utilizou-se o teste de Shapiro-Wilks. Para comparar os valores estimados de força e torque de cada músculo entre o PT e PS foi utilizado o teste-t student para os dados considerados paramétricos e o teste de Mann-whitney para os dados nãoparamétricos. A análise foi realizada no programa SPSS 13., considerando um p <,5. RESULTADOS Na Figura 2 são apresentadas as magnitudes de força e torque estimadas dos músculos IE, Rm e SE. O comportamento da curva de força do IE, Rm e SE são semelhantes em ambos os planos, com exceção para a curva do músculo SE no PT. Os picos de força dos músculos apresentados ocorreram durante a fase inicial do movimento, momento em que a curva assume um comportamento descendente, o qual é mantido até o final do movimento. Entretanto, nota-se grande variação em suas magnitudes de força estimada, onde o IE alcançou um pico de 1612 N e 997 N, o Rm de 496 N e 36 N e o SE de 884 N e 6 N no PS e no PT, respectivamente. Em relação às magnitudes de torque, nota-se um comportamento crescente da curva para os músculos IE, Rm e SE no PS, atingindo seus picos de: 27,9 Nm, 9 Nm e 5,9 Nm, respectivamente, no final do movimento. No PT o IE e o Rm apresentaram seus picos de torque no início do movimento (22 Nm e 6 Nm) respectivamente, e após o pico, apresentaram um comportamento descendente até o final do movimento; o músculo SE no PT apresentou magnitudes mínimas de torque durante toda amplitude de movimento (ADM) não ultrapassando,4 Nm. Os músculos DA, DM e DP apresentaram magnitudes mínimas de força e torque estimados durante toda ADM em ambos os planos. No PS alcançaram um pico de força de 25,31 N, 32,41 N e 31,14 N, respectivamente e no PT o DM e o DP alcançaram um pico de força de 19 N e 2 N, respectivamente; o DA não foi considerado rotador externo no PT porque em momento algum apresenta d para tal movimento [11]. 73
4 A Fim (RE) Início (RI) B Fim (RE) Início (RI) Força (N) INFRA ESPINHOSO PS PT Torque (Nm) INFRA ESPINHOSO PS PT Força (N) REDONDO MENOR Torque (Nm) REDONDO MENOR Angulo de Rotação (graus) SUPRA ESPINHOSO SUPRA ESPINHOSO Força (N) Torque (Nm) Figura 2 - (A) Força Estimada dos músculos: Infra Espinhoso, Redondo Menor e Supra Espinhoso. (B) Torque Estimado dos músculos: Infra Espinhoso, Redondo Menor e Supra Espinhoso. Linha contínua representa o Plano Sagital e linha tracejada o Plano Transverso. Já em relação aos dados de torque, no PS o DP, DM e DA alcançaram um pico de,1 Nm,,1 Nm e,2 Nm, respectivamente. Enquanto que no PT os músculos DM e DP, apresentaram,1 Nm e,8 Nm como picos, respectivamente. Todos os músculos estudados apresentaram maior força estimada no PS quando comparados ao PT (p <,1). Da mesma forma, o IE, Rm e SE apresentaram maiores magnitudes de torque estimado no PS quando comparados ao PT (p <,1); já o DM e DP não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois planos estudados (p<,5). 74
5 DISCUSSÃO O movimento dinâmico de um membro pode ser determinado pelo torque que este produz, tornando assim possível a análise de movimentos humanos avaliando o torque muscular [14]. Os resultados apresentados pelo modelo biomecânico, utilizado no presente estudo, mostram que os rotadores externos do ombro não produzem torque muscular de maneira constante ao longo da ADM no PT e nem no PS. No estudo de Hughes et al. [16], os músculos rotadores externos apresentaram maior capacidade de produzir torque, por meio de contração isométrica máxima, com o ombro em RI de 3º quando comparados à posição neutra ( de rotação). Neste mesmo estudo [15], os valores de torque foram maiores com o ombro em abdução de 9 (PS) durante a RE quando comparados a uma abdução de 15, corroborando com os nossos resultados, os quais também apresentam maiores magnitudes de torque no PS e durante amplitudes de RI. Visto que torque é o produto entre força muscular e d [5-8, 16], as alterações das magnitudes de torque entre os músculos ocorrem principalmente devido às diferentes d e capacidades de produção de força encontradas entre os músculos. Entretanto, analisando os resultados gerados pelo modelo biomecânico, acredita-se que a maior capacidade de produção de torque ao longo da ADM no PS (Figura 2) ocorra principalmente por influência da capacidade de produção de força (Figura 2), visto que, não existem grandes variações nas amplitudes da d entre os dois planos estudados. Em relação aos dados de força apresentados neste estudo, nota-se uma diminuição nas magnitudes de força estimada dos músculos IE, Rm e SE ao final da RE (quando encurtados) em ambos os planos, exceto o músculo SE no PT. Existem três hipóteses para justificar essa diminuição da capacidade de produção de força após o encurtamento do músculo: a não uniformidade dos sarcômeros, o aumento da concentração de prótons e fosfato inorgânico no músculo e a inibição das pontes cruzadas por estresse induzido [17]. Segundo Herzog e Leonard [17], a hipótese da inibição das pontes cruzadas é a mais aceita; desta forma podemos inferir que quando os músculos estudados encontravam-se mais encurtados (amplitudes de RE) ocorria uma sobreposição entre os filamentos de actina e miosina, proporcionando uma inibição das pontes cruzadas. Justificando a diminuição da capacidade de produção de força nestas amplitudes. Além da d e da relação comprimentotensão, a EMG é também pode ser utilizada para investigar a força muscular. Hintermeister et al., [18], compararam o pico de força, além do pico e média de atividade eletromiográfica, gerado pelos músculos atuantes em diferentes movimentos da articulação do ombro. Assim como observado no presente estudo, durante a RE no PT, estes autores consideraram o músculo IE como o mais ativo durante o movimento de RE, sendo auxiliado pelos músculos SE, subescapular, peitoral maior e serrátil anterior [18]. Da mesma maneira, Kronberg et al. [16] encontraram uma maior ativação do músculo IE durante a RE do ombro em todos os planos de movimento estudados (PT, PS e com 45º de abdução do ombro) seguido pelo SE. Já o DA, DM e DP apresentaram maior atividade eletromiográfica durante a RE no PS quando comparado ao PT, corroborando com nossos resultados. Neste estudo não foi investigada a ativação do Rm [16]. 75
6 CONCLUSÃO Todos os músculos estudados (IE, Rm, SE, DP, DM e DA) apresentaram maiores magnitudes de força no PS quando comparados ao PT. Já em relação aos valores de torque, os músculos IE, Rm e SE também apresentaram maiores magnitudes no PS, enquanto que o DM e o DP não apresentaram diferenças em suas magnitudes entre os planos. REFERÊNCIAS [1] Lin JJ, Hanten WP, Olson SL, Roddey TS, Soto-Quijano DA, Lim HK, et al. Functional activities characteristics of shoulder complex movements: Exploration with a 3-D electromagnetic measurement system. J Rehab Res Dev. 25 Mar-Apr;42(2): [2] Price CI, Franklin P, Rodgers H, Curless RH, Johnson GR. Active and passive scapulohumeral movement in healthy persons: a comparison. Arch Phys Med Rehabil. 2 Jan;81(1): [3] Chang YW, Hughes RE, Su FC, Itoi E, An KN. Prediction of muscle force involved in shoulder internal rotation. J Shoulder Elbow Surg. 2 May-Jun;9(3): [4] Ballantyne BT, O'Hare SJ, Paschall JL, Pavia- Smith MM, Pitz AM, Gillon JF, et al. Electromyographic activity of selected shoulder muscles in commonly used therapeutic exercises. Phys Ther Oct;73(1): [5] Liu J, Hughes RE, Smutz WP, Niebur G, Nan- An K. Roles of deltoid and rotator cuff muscles in shoulder elevation. Clin Biomech (Bristol, Avon) Jan;12(1):32-8. [6] Hughes RE, An KN. Force analysis of rotator cuff muscles. Clin Orthop Relat Res Sep(33): [7] Otis JC, Jiang CC, Wickiewicz TL, Peterson MG, Warren RF, Santner TJ. Changes in the moment arms of the rotator cuff and deltoid muscles with abduction and rotation. J Bone Joint Surg Am May;76(5): [8] Rassier DE, MacIntosh BR, Herzog W. Length dependence of active force production in skeletal muscle. J Appl Physiol May;86(5): [9] An K, Kaufmn K, Eys C. Estimation of muscle and joint forces. Three-Dimensional Analysis of Human Movement: Champaign: Human Kinetics; p [1] Vecchia ED, Duarte M, Amadio AC. Proposta de um modelo metodológico para determinação de forças internas do aparelho locomotor humano. Anais do VII Congresso Brasileiro de Biomecânica; 1997; Campinas; p [11] Kuechle DK, Newman SR, Itoi E, Niebur GL, Morrey BF, An KN. The relevance of the moment arm of shoulder muscles with respect to axial rotation of the glenohumeral joint in four positions. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2 Jun;15(5): [12] Karlsson D, Peterson B. Towards a model for force predictions in the human shoulder. J Biomech Feb;25(2): [13] Wood JE, Meek SG, Jacobsen SC. Quantitation of human shoulder anatomy for prosthetic arm control--i. Surface modelling. J Biomech. 1989;22(3): [14] Kashima T, Isurugi Y, Shima M. Analysis of a muscular control system in human movements. Biol Cybern. 2 Feb;82(2): [15] Hughes RE, Johnson ME, O'Driscoll SW, An KN. Age-related changes in normal isometric shoulder strength. Am J Sports Med Sep- Oct;27(5): [16] Kronberg M, Nemeth G, Brostrom LA. Muscle activity and coordination in the normal shoulder. An electromyographic study. Clin Orthop Relat Res. 199 Aug(257): [17] Herzog W, Leonard TR. Depression of cat soleus-forces following isokinetic shortening. J Biomech Sep;3(9): [18] Hintermeister RA, Lange GW, Schultheis JM, Bey MJ, Hawkins RJ. Electromyographic activity and applied load during shoulder rehabilitation exercises using elastic resistance. Am J Sports Med Mar-Apr;26(2): marcelocastro_fisio@hotmail.com 76
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