Células Somáticas e outros Mecanismos de Defesa da Glândula Mamária. Prof. Adil Knackfuss Vaz PhD Imunologia Veterinária CAV/UDESC
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- Wagner Padilha Ferreira
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1 Células Somáticas e outros Mecanismos de Defesa da Glândula Mamária Prof. Adil Knackfuss Vaz PhD Imunologia Veterinária CAV/UDESC A glândula mamária está envolvida em dois tipos de imunidade: a transferência da imunidade ao recém-nascido e a sua própria proteção contra infecções. Iremos tratar apenas do segundo aspecto, que está relacionado à ocorrência, freqüência e desenlace das infecções intramamárias nos bovinos leiteiros. As bases da imunidade A imunidade na glândula mamária pode ser, como em outros sistemas, classificada em dois tipos: a imunidade inata ou inespecífica, e a imunidade adptativa, ou específica. Os próprios nomes são auto-explicativos: a imunidade inata independe de um contato prévio com o agente patogênico, pois é pré-existente, e age da mesma maneira qualquer que seja este agente patogênico. Por outro lado, a imunidade adaptativa é um processo de aprendizagem do sistema imune, voltado ao combate de um agente patogênico único. Por isso, requer um contato prévio com este agente, de forma a desencadear no organismo o processo de reconhecimento e eliminação do patógeno. Este contato pode ser uma infecção anterior, a presença do agente em outros pontos do organismo, ou a vacinação contra o agente. A imunidade inespecífica A principal via de penetração dos agentes causadores da mastite bovina é o canal do teto. Este canal encontra-se normalmente fechado por um anel muscular no período entre ordenhas, e é bloqueado por um tampão de queratina derivada das células da parede do canal. Esta queratina tem atividade antimicrobiana, mas sua principal função é a de agir como uma barreira física que auxilia a ação do esfíncter do teto. A ordenha ou o ato de mamar remove este tampão e torna flácido o esfíncter, fazendo com que o canal do teto esteja mais suscetível a infecções por um período de até duas horas. Depois deste período a musculatura retoma seu tônus e o tampão de queratina é novamente formado. Existem vários fatores que podem impedir este retorno à normalidade: ordenhadeira com excesso de vácuo ou com pulsação excessivamente rápida, produtos
2 químicos como desinfetantes com ação cáustica, frio, vírus, e outros. Estes fatores podem provocar uma hiperqueratose na extremidade do canal do teto, o que dificulta o seu fechamento. Esta lesão se caracteriza por um anel esbranquiçado e ligeiramente elevado ao redor do orifício. Em casos extremos, pode haver necrose da abertura, com rachaduras que se irradiam dela e que podem servir de abrigo para os agentes patogênicos. Muitas destas lesões são causadas por um herpesvírus, cuja ocorrência parece ser determinada por condições de stress do teto. Em países muito frios, este parece ser o principal agente desencadeante, mas é pouco provável que isto ocorra nas temperaturas ambientes prevalentes no Brasil. Uma vez que o agente patogênico atravessou o canal do teto e alcançou a cisterna mamária, passam a atuar especialmente os fatores solúveis e as células fagocíticas da imunidade inespecífica. Dentre os fatores solúveis a enzima lactoperoxidase é um dos mais importantes. Ela tem uma ação bactericida ampla, sem afetar as células do organismo. O complemento, até pouco julgado pouco importante como defesa da glândula mamária, hoje é considerado um fator quimiotático para o recrutamento de células fagocíticas para o local da infecção. Um de seus componentes, C5a, apresenta uma grande variabilidade entre vacas, o que pode ser um dos fatores da maior suscetibilidade dos animais que produzem menos C5a. A lactoferrina ocorre em maior concentração na glândula seca, mas também é encontrada no leite. Seu papel é o de competir com as bactérias pelo íon Fe+, essencial ao metabolismo bacteriano, e que por causa da lactoferrina não é encontrado em forma livre no leite. As defesas celulares inespecíficas na glândula mamária normal são representadas pelos macrófagos, células fagocíticas profissionais que, como as demais células brancas, são capazes de reconhecer estruturas na superfície das bactérias que são bastante conservadas dentro de uma classe de patógenos. Elas são chamadas PAMPs (do termo em inglês pathogen-associated molecular pattern) e são por sua vez reconhecidas por receptores nas células do sistema de imunidade inespecífica (PRRs, pattern recognition receptors). Mas a resposta celular na glândula mamária é muito inferior em eficácia em relação à resposta observada, por exemplo, no sangue ou nos demais tecidos do organismo. Vários fatores parecem contribuir para isto, mas o mais aceito é que no leite as células esgotam sua capacidade fagocítica aos englobarem micelas de caseína e glóbulos de gordura. Tipos de células
3 As células somáticas são principalmente de dois tipos: células epiteliais e células brancas, de origem sanguínea. As células epiteliais existem normalmente no leite e são predominantes em glândulas mamárias não infectadas. Elas não tem papel imunológico, mas podem liberar substâncias chamadas citoquinas que atraem células brancas. As células brancas são, na glândula normal, macrófagos, e na glândula infectada, neutrófilos e células T. Nas mastites agudas, por exemplo as causadas por Escherichia coli, os neutrófilos podem representar praticamente 100% das células encontradas na secreção mamária Nas mastites crônicas o quadro é diferente, com as células T apresentando uma maior participação. Como elas chegam lá As células epiteliais já estão presentes, e seu aparecimento é conseqüência do processo natural de desprendimento de células velhas. As demais têm origem sanguínea. São atraídas para o interior da glândula mamária através da inflamação produzida por uma infecção. O processo inflamatório produz substâncias que são quimiotáticas para neutrófilos. Estas substâncias se ligam ao endotélio vascular nos locais próximos à infecção, fazendo com que os neutrófilos, que apresentam receptores para estas substâncias em suas membranas, rolem sobre a parede interna do vaso sanguíneo. Quando sua velocidade se reduz o suficiente, elas são capazes de atravessar o endotélio e se transferirem para o leite. Fagocitose Há muito se sabe que a imunidade na glândula mamária é baseada na combinação anticorpos/fagocitose por neutrófilos. Esta associação é necessária porque a presença de fatores como caseína e glóbulos de gordura fazem o neutrófilo esgotar suas energias fagocitando estas substâncias, ao invés de fagocitar patógenos. A opsonização dos antígenos direciona a fagocitose contra eles, aumentando sua eficácia. Também os agentes patogênicos procuram evitar a fagocitose, produzindo cápsulas anti-fagocíticas, como no caso de Staphylococcus sp.. A opsonização causa a ativação do complemento, substância presente no leite e no soro, cujo componente C5a é intensamente quimiotático para neutrófilos, sendo inclusive responsável pelo maior número de células somáticas presentes na infecção por E. coli. Ao contrário, Staphylococcus sp. é menos capaz de estimular a produção de C5a, o que pode em parte explicar a maior dificuldade em eliminar este agente. C5a existe em pequena quantidade em leite normal, mas é aumentado cerca de cinco vezes
4 na presença de mastite subclínica, e mais de vinte vezes em leite de vacas com mastite por E. coli. A capacidade de produção de C5a varia grandemente entre vacas, sendo uma das explicações para a capacidade genética de resistir à mastite. Como melhorar a atuação das células somáticas As primeiras tentativas de se melhorar a atuação das células somáticas foram aumentando seu número. Parecia lógico pensar que mais células somáticas exerceriam mais fagocitose, resultando na resolução de um número maior de infecções. Foram utilizadas desde infecções com bactérias de baixa patogenicidade até o uso de um fio de nylon dentro da cisterna mamária como formas de aumentar o número de células. O uso da CCS como forma de medir a qualidade do leite inviabilizou estes métodos, uma vez que a CCS mais alta não faz sentido do ponto de vista econômico, pois à medida que esta sobe, a produção de leite diminui. Em uma glândula mamária normal, o importante é a capacidade de mobilização das células somáticas, e não seu número. Vacas capazes de mobilizar um grande número de células somáticas apresentam maior resistência à mastite, sendo possível a seleção genética desses indivíduos, pois a herdabilidade desta característica é relativamente alta. Uma forma de aumentar a mobilização de neturófilos é a imunização. A vacinação contra a mastite estafilocócica melhora a capacidade de mobilização de células para o leite. Desta forma, animais previamente imunizados são capazes de transferir neutrófilos do sangue para o leite mais rapidamente. A imunização traz ainda a vantagem de melhorar a eficiência da fagocitose através da opsonização dos agentes patogênicos. A quantidade, e principalmente o tipo de anticorpo produzido e transferido para a glândula mamária são importantes. Por exemplo, IgA e IgG1 não atuam como opsoninas, enquanto IgM e IgG2 o fazem.isto parece ocorrer porque neutrófilos de ruminantes apresentam receptores específicos para o fragmento Fc dessas imunoglobulinas, mas não para IgG1. Imunidade específica A imunidade específica na glândula mamária dos ruminantes apresenta particularidades interessantes. Em primeiro lugar, embora a imunidade celular tenha um papel importante no desencadeamento e manutenção da resposta imune através de linfocinas, a fagocitose em si encontra-se muito prejudicada pela saturação da células fagocíticas com micelas de caseína e glóbulos de gordura. Além disso, a população local
5 de células produtoras de anticorpos é reduzida na glândula mamária. Por isto, a maior parte das células imunitárias presentes neste órgão tem origem sistêmica, chegando à glândula como conseqüência de uma agressão infecciosa, e são constituídas por neutrófilos. Esta população celular constitui a maior parte das células somáticas. Nos ruminantes estas células apresentam receptores para IgG2 e não para IgG1, o que dificulta uma eficiente opsonização dos antígenos bacterianos. A quantidade de anticorpos presentes no leite produzido por uma glândula mamária normal é muito reduzida (menos de 1 mg/ml), mas durante a inflamação estas concentrações podem atingir 80 mg/ml. Isto acontece porque durante o processo inflamatório há um aumento da permeabilidade vascular, o que facilita a passagem de imunoglobulinas do sangue para o leite. É também possível um aumento da produção local, mas como a quantidade de células produtoras de anticorpos na glândula mamária não é grande, o mais provável é que a produção local de anticorpos seja pouco significativa. Por outro lado, o aumento da permeabilidade vascular como conseqüência da inflamação ocorre rapidamente e logo no início da infecção, o que garante uma rápida passagem de imunoglobulinas para a glândula mamária. Mas esta seqüência de acontecimentos (primeiro a infecção e depois a passagem de anticorpos para o leite) faz com que estes anticorpos sejam pouco eficazes para prevenir infecções agudas, mas podem auxiliar a reduzir a severidade dos sintomas deste tipo de mastite. As imunoglobulinas presentes no leite são do tipo IgG, IgG2, IgA e IgM, esta última em concentrações muito baixas. A IgG1 é a imunoglobulina em maior concentração tanto no sangue como no leite, mas nos ruminantes não é a mais eficaz. Como já vimos, neutrófilos de ruminantes não possuem receptores para esta imunoglobulina, o que a torna pouco eficaz na opsonização de antígenos. Os receptores presentes nos neutrófilos de ruminantes são para a IgG2, que normalmente ocorre em concentrações mais baixas que a IgG1. As imunoglobulinas podem agir diretamente sobre os antígenos, neutralizando-os. isto é especialmente importante na neutralização de toxinas bacterianas como a toxina alfa de Staphylococcus aureus, a qual tem um papel importante na produção dos sintomas da mastite aguda. Vacinas contra mastite bovina O objetivo de se obter vacinas eficazes contra a mastite bovina vem sendo perseguido desde a década de 1930, com um sucesso limitado. Esta falta de resultados é devida a: grande variedade de agentes causadores da mastite;
6 utilização de antígenos que não levam a uma imunidade protetora; antígenos importantes na proteção que são expressos pelas bactérias apenas in vivo, não aparecendo nas condições de cultivo bacteriano utilizadas na produção das vacinas; desconhecimento da fisiologia da resposta imune na glândula mamária; baixa capacidade imunológica desta glândula. Apesar disto, é possível obter-se resultados razoáveis com pelo menos dois tipos de vacinas: Vacinas anti-estafilocócicas Os estafilococos são causadores da maioria das infecções subclínicas da glândula mamária, e tendem a permanecer por longo tempo causando estas infecções. Por estes dois motivos, eles são alvos naturais para o desenvolvimento de vacinas. Muitos estafilococos apresentam antígenos conservados entre as diferentes espécies e amostras, como as pseudocápsulas e a proteína A, que têm sido utilizadas como antígenos em vacinas. Estafilococos também apresentam proteínas de adesão à fibronectina, uma proteína componente do cimento intercelular, que serve para fixar a bactéria ao epitélio mamário. Vacinas contendo estes componentes tem se mostrado eficazes em reduzir infecções subclínicas e melhorar a resposta ao tratamento com antibióticos. Vacinas anti-gram negativas A Escherichia coli e outras bactérias Gram negativas são responsáveis pela maioria dos casos de mastites agudas, de origem ambiental. A descoberta de uma amostra (J5) que apresenta antígenos centrais da bactéria, presentes na maioria das bactérias Gram negativas, possibilitou o desenvolvimento de vacinas contra a mastite ambiental. estas vacinas são especialmente eficazes em reduzir a severidade dos sintomas da mastite aguda e acelerar o retorno da glândula à normalidade. Depois disto, outras amostras bacterianas que expõe ao organismo antígenos semelhantes aos da J5 foram desenvolvidos, em especial a amostra mutante Re-17 de Salmonella typhimurium. Vacinas anti-estreptocócicas Estreptococos são responsáveis tanto por casos de mastite aguda como subclínica, e são notoriamente mais difíceis de serem controlados por imunização.
7 Recentemente, descobriu-se que um fator de ativação do plasminogênio pode ser um antígeno eficaz, e que é capaz de conferir proteção cruzada entre os estreptocococos patogênicos. A ativação do plasminogênio é um importante fator de patogenicidade deste gênero de bactérias, porque a presença da fibrina na superfície da célula bacteriana age como um fator antifagocitário. A escolha de adjuvantes também é importante na formulação de vacinas antimastite que sejam eficazes. Para que a vacinação seja eficaz mesmo com a baixa antigenicidade dos antígenos das bactérias que causam mastite, é necessário amplificar esta imunidade pela ação de adjuvantes. Por exemplo, adjuvantes que estimulam a produção de IgG2, capaz de opsonizar antígenos para que sejam fagocitados por neutrófilos de ruminantes, é essencial nas vacinas anti-estafilocócicas. A produção de imunidade local na glândula mamária pode ser aumentada por adjuvantes que atuam diretamente sobre mucosas, como a toxina do cólera e as enterotoxinas LT-IIa e LT-IIb de E. coli. Por tudo isso, pode-se perceber que a imunidade na glândula mamária é um assunto complexo, no qual esperam-se ainda grandes avanços no entendimento e no controle imunológico da mastite. Leitura recomendada Kehrli, M.E.; Harp, J. (2001) Immunity in the mammary gland Veterinary Clinics of North America - Food Animal Practice, ed. Roth, J.A. Vol. 17(3), pp Nickerson, S.C. (1998) O papel das vacinas no controle da mastite I Simpósio Internacional sobre Qualidade do Leite, pp , Curitiba.
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