PONTÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA

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1 PONTÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA RELAÇÕES ENTRE SIGNIFICADO E MANEJO DO DINHEIRO, AJUSTAMENTO DIÁDICO E CONFLITO CONJUGAL CLÁUDIA MARA BOSETTO CENCI Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Psicologia. Porto Alegre Janeiro, 2016

2 PONTÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA RELAÇÕES ENTRE SIGNIFICADO E MANEJO DO DINHEIRO, AJUSTAMENTO DIÁDICO E CONFLITO CONJUGAL CLÁUDIA MARA BOSETTO CENCI ORIENTADORA: Prof. Dr.ª Luísa Fernanda Habigzang Tese de Doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Psicologia. Área de Concentração em Psicologia Clínica. Porto Alegre Janeiro, 2016

3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP ) C395r Cenci, Cláudia Mara Bosetto Relações entre significado e manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal / Cláudia Mara Bosetto Cenci. - Porto Alegre, f. Tese (Doutorado) Faculdade de Psicologia, PUCRS. Orientadora: Profª. Drª. Luísa Fernanda Habigzang. 1. Psicologia Clínica. 2. Casamento (Psicologia). 3. Casais Aspectos Psicológicos. 4. Dinheiro Aspectos Psicológicos. 5. Conflitos Conjugais. I. Habigzang, Luísa Fernanda. II. Título. CDD Ficha Catalográfica elaborada por Vanessa Pinent CRB 10/1297

4 PONTÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA RELAÇÕES ENTRE SIGNIFICADO E MANEJO DO DINHEIRO, AJUSTAMENTO DIÁDICO E CONFLITO CONJUGAL CLÁUDIA MARA BOSETTO CENCI COMISSÃO EXAMINADORA: Prof. Dr.ª Adriana Wagner Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Prof. Dr.ª Denise Falcke Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos Prof. Dr.ª Eliana Piccoli Zordan Universidade Regional Integrada - URI Porto Alegre Janeiro, 2016

5 DEDICATÓRIA Dedico esta tese ao meu amor Ângelo. Querido, mais uma vez você me surpreendeu, são 22 anos de casamento e tenho clareza que, como costumo verbalizar, você é o amor da minha vida! Um amor presente, que me dá paz, alegria e prazer de estar ou voltar para nosso lar. Você é importante pela presença serena e sábia nos muitos momentos difíceis, pela parceria e apoio nas minhas decisões, pelo empenho e afeto constantes, viabilizando a realização dos meus objetivos profissionais e pessoais. À minha amada filha Amanda, grande incentivadora das conquistas da mamãe, que nestes anos de construção da tese esteve sempre presente mantendo os meus dias mais leves, felizes e cheios de vida. Filha, a tua alegria, tua curiosidade, o teu universo de descobertas e, principalmente, o teu amor intenso foram marcantes e revitalizadores. Muito obrigada!!!

6 AGRADECIMENTOS Quantas adaptações, troca de orientadores, ganhos e perdas, infinitas horas de angústia, de trabalho nem sempre útil, quanta superação! Quando tinha desejo de fazer o doutorado idealizei uma trajetória de produção e conhecimento e me deparei com muitos momentos de frustração, sentimento de incapacidade mediante o dado de realidade que se apresentou em cada etapa. Adriana, minha amada irmã, sempre presente nos meus projetos de vida. Querida, incentivadora, ouvinte atenta e respeitosa das minhas escolhas. Aos meus familiares, que mesmo nem sempre compreendendo minhas necessidades, respeitaram as inúmeras horas de presença ausente nos encontros familiares ao longo destes anos. À minha Amiga, colega de caminhada acadêmica e de vida, Leda Rúbia Maurina Coelho pela alegria contagiante no vai e vem PF/POA, pelo acolhimento em momento difíceis, pela disponibilidade e capacidade empática que me auxiliou muito nestes anos todos. À minha orientadora Luísa Fernanda Habigzang, por me aceitar no meio de uma caminhada acadêmica conturbada, por entender minhas angústias, por indicar o caminho a seguir, por suportar com leveza as minhas limitações, por lembrar as minhas competências de forma pontual e assertiva, por ter me orientado com competência técnica e afetiva. Luísa querida, na verdade as palavras não conseguem traduzir a importância que a tua alegria, a tua competência e leveza é a vida, fluidez proporcionaram à minha caminhada como ser humano. Muito obrigada!!!! À banca de qualificação e defesa da Tese, pelo aceite para avaliar meu trabalho em especial a banca de qualificação, pois aprendi muito com ela, não só questões teóricas e metodológicas, pois por mais excelência que ela tenha um projeto ele pode ser melhorado, trabalhado de diferentes formas, ou seja, sempre será possível enfatizar os limites. Na qualificação me senti respeitada enquanto pesquisadora em formação pelo cuidado com que apontou os limites e pontuou possíveis melhoras. Às colegas Camila Scomazzon Bona e Pâmela Letícia Crestani parceiras de produção acadêmica e meus anjos da guarda em muitos momentos. A querida equipe do GPeVVIC, sempre muito acolhedores, e que realmente fizeram com que eu me sentir pertencente a equipe.

7 Aos meus alunos da IMED, instituição em que trabalho, pela ajuda imprescindível na coleta de dados, pelo incentivo, pela confiança, pela alegria e pelo carinho a mim dispensados. Vocês fizeram a diferença. Valeu! Aos 123 participantes da pesquisa que aceitaram participar da primeira e da segunda etapa da pesquisa e que contribuem assim com a produção científica da área Psicológica e também com a comunidade em geral quando estes dados são divulgados nos meios de comunicação. Aos meus colegas de Instituição IMED, que acompanharam a minha trajetória, que suportaram minhas inúmeras verbalizações não posso, estou fazendo a tese e, na medida do possível sempre incentivaram, acolheram, estiveram presentes partilhando frustrações e conquistas. A construção desta tese não foi uma construção solitária, mas partilhada com muitas pessoas, do universo acadêmico ou não, que foram importantes interlocutores para que pudesse ser concluída. Muito obrigada a todas as pessoas não nominadas, mas nem por isso menos importantes.

8 RESUMO A presente tese versa sobre as relações entre significado e manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal. Está constituída por quatro estudos. ESTUDO 1: Aborda uma revisão narrativa sobre as relações entre significado, manejo do dinheiro e qualidade conjugal no início do ciclo familiar. ESTUDO 2: Trata-se de uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional sobre a temática dinheiro e conjugalidade no período de 2004 a Os resultados revelaram que os conflitos relacionados ao dinheiro ocorrem com mais intensidade no início do casamento e no período que antecede a aposentadoria, que os desacordos financeiros são fortes preditores para o divórcio e que o manejo do dinheiro está relacionado com aspectos afetivos e satisfação conjugal. ESTUDO 3: Trata-se de uma pesquisa empírica com delineamento quantitativo. Investigou as relações existentes entre os significados do dinheiro, manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal. Os resultados evidenciaram presença de relações entre as variáveis estudadas. O significado positivo atribuído ao dinheiro relacionou-se positivamente com a forma de manejo compartilhado do mesmo, um maior ajustamento diádico e menores índices de conflito entre os casais. ESTUDO 4: Pesquisa empírica com delineamento qualitativo que buscou compreender os posicionamentos e estratégias para a resolução de dilemas envolvendo questões financeiras relacionadas a diferenças econômicas entre suas famílias de origem, infidelidade financeira e endividamento. Os resultados evidenciaram que posicionamentos e estratégias utilizadas reproduzem padrões financeiros aprendidos com suas famílias de origem, mas que no casamento há uma busca de identidade financeira conjugal, sendo o diálogo a principal estratégia utilizada para resolução dos conflitos. Palavras-chave: Dinheiro, conjugalidade, ajustamento diádico, conflito, significado, manejo. Área conforme classificação CNPq: Psicologia. Sub-área conforme classificação CNPq: Tratamento e Prevenção Psicológica.

9 ABSTRACT The present thesis studies relations among meaning and management of money, dyadic adjustment and marital conflict. It consists of four studies. STUDY 1: A narrative review on relations among meaning of money, management of money and marital quality in the early stage of family life cycle. STUDY 2: A systematic review on national and international literature about money and conjugality from 2004 to Results showed that money related conflicts are more likely to occur in the beginning of marriage and before retirement, money conflicts are strong predictors for divorce, and management of money is related to affect aspects and marital quality. STUDY 3: A quantitative designed empirical research that investigated relations among meaning of money, management of money, dyadic adjustment and marital conflict. Results evidenced relations among the studied variables. Positive meaning attributed to money was positively related to shared management of money, better dyadic adjustment, and lower scores in marital conflict. STUDY 4: A qualitative designed empirical research. It sought to understand couples positioning and strategies to resolve dilemmas involving financial issues related to economic differences among their families of origin, financial infidelity and debt. Results evidenced that the utilized positioning and strategies reproduce financial patterns learned from families of origin, but there is a search in marriage for a conjugal financial identity, in which dialogue is the most utilized strategy for conflict resolution. Keywords: Money, conjugality, dyadic adjustment, conflict, meaning, management. Área conforme classificação CNPq: Psychology. Sub-área conforme classificação CNPq: Psychological Treatment and Prevention.

10 SUMÁRIO DEDICATÓRIA... 4 AGRADECIMENTOS... 5 RESUMO... 7 ABSTRACT... 8 SUMÁRIO... 9 RELAÇÃO DE TABELAS RELAÇÃO DE FIGURAS INTRODUÇÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SEÇÃO 1. RELAÇÕES ENTRE SIGNIFICADO, MANEJO DO DINHEIRO E QUALIDADE CONJUGAL NO INÍCIO DO CICLO FAMILIAR Introdução O casal na fase inicial do ciclo vital familiar Qualidade conjugal Significado e manejo do dinheiro e qualidade conjugal Considerações finais Referências bibliográficas SEÇÃO 2. DINHEIRO E CONJUGALIDADE: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA Introdução Método Resultados Discussão Considerações finais Referências bibliográficas SEÇÃO 3. RELAÇÕES ENTRE SIGNIFICADO E MANEJO DO DINHEIRO, AJUSTAMENTO DIÁDICO E CONFLITO CONJUGAL Introdução Método Participantes... 58

11 4.2.2 Instrumentos Procedimentos éticos e de coleta de dados Procedimentos de análise dos dados Resultados Discussão Considerações finais Referências bibliográficas SEÇÃO 4. POSICIONAMENTOS E ESTRATÉGIAS CONJUGAIS PARA RESOLUÇÃO DE DILEMAS FINANCEIROS Introdução Família de origem Infidelidade financeira Endividamento Conflitos conjugais Método Delineamento Participantes Instrumentos Procedimentos éticos e de coleta de dados Procedimentos para análise dos dados Resultados e discussão Vinheta Posicionamento Estratégia Vinheta Posicionamento Estratégias Vinheta Posicionamento Estratégias Considerações finais Referências bibliográficas... 96

12 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS APÊNDICES Apêndice A Apêndice B Apêndice C Apêndice E Apêndice F Apêndice G Apêndice H Apêndice I

13 RELAÇÃO DE TABELAS Tabela 1. Correlações entre sexo, idade, número de filhos, renda familiar, tempo de relacionamento, prazer; poder, conflito, desapego, sofrimento, progresso, desigualdade, cultura e estabilidade Tabela 2. Correlações entre sexo, idade, número de filhos, renda familiar, tempo de relacionamento, resolução positiva dos problemas, envolvimento no conflito, afastamento e submissão Tabela 3. Correlações entre ajustamento diádico, prazer; poder, conflito, desapego, sofrimento, progresso, desigualdade, cultura e estabilidade Tabela 4. Correlações entre resolução positiva dos problemas, envolvimento no conflito, afastamento, submissão, prazer; poder, conflito, desapego, sofrimento, progresso, desigualdade, cultura e estabilidade Tabela 5. Diferenças dos níveis de ajustamento diádico, resolução positiva dos problemas, afastamento e prazer segundo o sistema de gerenciamento adotado pelos participantes (sistema de gerenciamento total dos gastos, sistema de gestão compartilhada do dinheiro e sistema de gestão independente do dinheiro)

14 RELAÇÃO DE FIGURAS Figura 1. Fluxograma das etapas de seleção dos artigos para revisão sistemática

15 14 1. INTRODUÇÃO O dinheiro faz parte do cotidiano das pessoas. Desde a mais tenra idade, o ser humano vivencia, direta ou indiretamente, situações em que o dinheiro está em pauta pelos benefícios que proporciona, pela necessidade de conquistá-lo ou pelas dificuldades provenientes de sua falta. Com o passar do tempo, o ser humano depara-se com a necessidade de tomar decisões inerentes ao processo de desenvolvimento de seu ciclo de vida e, dentre elas, estão as decisões financeiras. Com o avanço do capitalismo, passou-se da era da produção para a era do consumo (Capriles, 2005). O indivíduo que outrora dependia de seu grupo de referência para se sentir parte da sociedade, passa então a possuir um sentimento de pertencimento social, vinculado a sua situação financeira e a riqueza tende a constituir-se como um objetivo de vida. A construção da identidade pessoal do homem e da mulher contemporâneos, assim como da identidade conjugal, ocorre dentro de uma rede de símbolos múltiplos e complexos. Dentre estes, ganham ênfase os econômicos e os objetos de consumo (Capriles, 2005). O exercício da conjugalidade é uma escolha partilhada por indivíduos que decidem unir seus desejos conscientes e inconscientes numa parceria que envolve processos complexos, pois ao tomar esta decisão, o casal muda seu status pessoal e familiar. Quando o indivíduo opta pelo casamento é esperado que se autonomize em relação a sua família de origem, além de manter ainda, mas de outro modo, seu papel de filho(a). Desse modo, assume um novo papel social, agora de um indivíduo responsável pela sua própria história conjugal e familiar. Com o casamento, os papéis de cada um dos cônjuges se incrementam e desta forma as relações se tornam mais complexas. Tornar-se um casal é uma das tarefas mais difíceis do ciclo de vida familiar, uma vez que envolve obstáculos que necessitam ser superados para a busca de uma vida conjugal harmoniosa (McGoldrick, 2005). O casamento ainda hoje está carregado de romantismo e de desejo de felicidade intensa ao longo do seu desenvolvimento. Entretanto, os casais, ao entrarem para a fase inicial do ciclo vital familiar, deparar-se-ão com as influências advindas do mundo externo ao núcleo conjugal, com as diferenças subjetivas derivadas da convivência com as famílias de origem, com as questões relacionadas ao desejo de profissionalização ou não dos cônjuges e com o questionamento de ter ou não ter filhos. Ao longo do desenvolvimento do ciclo vital do casal e da família, além das crises decorrentes da transição de uma fase a outra, eventos imprevistos podem incluir a perda precoce do cônjuge, doenças e crise financeira, entre outros. Trata-se de

16 15 fatores que podem tornar-se questões conflitivas e difíceis de serem superadas (McGoldrick, 2005). Antes do casamento, a maioria dos cônjuges já possui uma história de independência financeira a qual não querem modificar, pois esta configura-se num meio para obter acúmulo de bens, status profissional e reconhecimento social. Por outro lado, existe a necessidade de sentir-se amado e de estabelecer um relacionamento afetivo do qual sinta-se pertencente. O dinheiro continua constantemente norteando a vida dos casais, de forma explícita ou implícita, e os casamentos se desfazem muito mais em virtude das discordâncias em relação ao dinheiro do que por outros motivos. Muitos dos casais só se dão conta deste papel norteador do dinheiro na vida conjugal no momento do divórcio (Madanes & Madanes, 1997). O início da vida conjugal é caracterizada como a fase de aquisição e os casais podem deparar-se com dificuldades relacionadas à vida profissional e financeira, pois é um período de adaptação de crenças, valores e de diferentes forma de viver e administrar as finanças que, a partir do casamento são partilhadas (Ronchi & Avellar, 2011). Nesta etapa de acomodação inicial, assim como no transcorrer do ciclo de desenvolvimento do casamento, o dinheiro pode ser um balizador de satisfação conjugal. Entretanto, Rizzon, Mosmann e Wagner (2013) ressaltam que a satisfação absoluta em um relacionamento conjugal é uma expectativa irreal e, portanto, um ideal inatingível e que a qualidade conjugal (Mosmann, Wagner, & Féres- Carneiro, 2006) é resultante de um processo dinâmico e interativo do casal, possuindo um caráter multidimensional. A existência de divergências sobre as finanças numa conjugalidade em que o casal encontra dificuldades na comunicação e não chega num acordo que o satisfaça pode gerar conflito e, consequentemente, níveis mais baixos de qualidade conjugal. As divergências conjugais relacionadas ao dinheiro estariam associadas com a manutenção de conflitos conjugais no lar (Papp, Cummings, & Goeke-Morey, 2009). A necessidade de manter presente a individualidade na constituição do casal evidencia, ainda hoje, a inferioridade social das mulheres. Essa questão social impede a elas negociar com igualdade, em casos de separação, os assuntos financeiros, pois aspectos culturais, sociais, de gênero e econômicos estão interligados (Xavier, 2013). As mulheres buscam autonomia e igualdade entre os sexos por meio de seu relacionamento com o dinheiro e assim as relações de gênero possuem a tendência a serem redimensionadas, integrando dois valores contemporâneos: a emancipação feminina e a ênfase no individual (Bachmann, 2011). O fato é que o manejo do dinheiro pelos casais agrega um conjunto de significados

17 16 individuais socialmente construídos de complexo entendimento, o que demanda inúmeros estudos, olhares e métodos de investigação. O objetivo da presente tese foi investigar as relações entre significado e manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal. Para atingi-lo recorreu-se a uma composição metodológica que envolveu revisão sistemática da literatura e estudos empíricos com delineamentos quantitativo e qualitativo, com o intuito de imprimir uma compreensão dinâmica sobre esse fenômeno. A tese está estruturada em quatro seções, conforme indicado a seguir. Na Seção 1 foi realizado um estudo de revisão narrativa da literatura que investigou as relações entre manejo e significado do dinheiro e qualidade conjugal na fase inicial do ciclo vital familiar. Esta revisão abordou três aspectos teóricos: (1) a caracterização do casal na fase inicial do ciclo vital familiar, por ser um período em que inicia o processo de construção da identidade conjugal; (2) os fatores identificados como determinantes para a qualidade conjugal; e, (3) o significado e o manejo do dinheiro por casais e as possíveis relações com a qualidade conjugal. Os resultados encontrados na literatura científica assinalaram que existem relações entre esses três aspectos e confirmam que a maneira como o casal maneja o dinheiro interfere no grau de sua qualidade conjugal. Na Sessão 2 foi elaborado um artigo de revisão sistemática da literatura (Costa & Zoltowski, 2014) nacional e internacional da produção científica existente sobre a temática dinheiro e conjugalidade no período de 2004 a Foram consultadas as bases de dados PsycINFO, Scielo, PePsic e Periódicos Capes e a busca foi realizada por dois juízes independentes, no mês de janeiro de A construção do artigo seguiu as seguintes etapas: a) formulação e delimitação da questão de pesquisa; b) escolha das fontes de dados; c) eleição das palavras-chave para busca; d) busca e organização dos resultados; e) seleção dos artigos pelo resumo, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão; f) extração dos dados dos artigos selecionados; g) avaliação dos artigos e h) síntese e interpretação dos dados. Os resultados revelaram que os conflitos relacionados ao dinheiro ocorrem com mais intensidade no início do casamento e no período que antecede a aposentadoria, que os desacordos financeiros são fortes preditores para o divórcio e que, o manejo do dinheiro, está relacionado com aspectos afetivos e satisfação conjugal. Na Sessão 3 é apresentado um estudo empírico que investigou relações entre significado e manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal por meio de uma pesquisa quantitativa com amostra de 123 casais heterossexuais. Os instrumentos utilizados para a coleta foram: (a) Questionário Sociodemográfico objetivando caracterizar a amostra do

18 17 estudo; (b) Escala de Significado do Dinheiro (Moreira & Tamayo, 1999) composta por nove componentes: prazer; poder; conflito; desapego; sofrimento; progresso; desigualdade; cultura e estabilidade; (c) Questionário de Manejo do Dinheiro (Harth, 2013) que contempla três dimensões: a primeira descritiva da situação financeira do casal, a segunda relacionada à infidelidade financeira e a terceira relacionada ao gerenciamento do dinheiro; (d) Escala de Ajustamento Diádico - DAS (Spanier, 1979) composta pela seguintes dimensões: Consenso diádico; Satisfação diádica; Coesão diádica e Expressão diádica de afeto; (e) Inventário de Estilo de Resolução de Conflito - CRSI (Kurdek, 1994): O CRSI apresenta quatro estilos de resolução de conflitos: a) resolução positiva dos problemas; b) o envolvimento no conflito, quando há ataques pessoais e perda de controle durante uma discussão; c) o afastamento, quando um dos membros do casal se recusa a continuar discutindo um assunto e, d) a submissão, quando há a desistência do parceiro em defender a sua posição adotando uma postura de obediência. Os resultados evidenciaram que existe relação entre as variáveis estudadas. O significado positivo atribuído ao dinheiro relacionou-se positivamente com a forma de manejo compartilhado do mesmo, com um maior ajustamento diádico e menores índices de conflito entre os casais. Na Sessão 4 é apresentado o estudo empírico com delineamento qualitativo que buscou compreender posicionamentos e estratégias de cônjuges para resolução de dilemas envolvendo questões financeiras relacionadas a diferenças econômicas entre suas famílias de origem, infidelidade financeira e endividamento. Os participantes foram seis casais que fizeram parte do estudo quantitativo, e que apresentaram os níveis mais altos e os mais baixos na escala de ajustamento diádico. Os resultados evidenciam que posicionamentos e estratégias utilizadas pelos cônjuges reproduzem padrões financeiros aprendidos com suas famílias de origem, mas que no casamento vão buscando uma identidade financeira conjugal, sendo o diálogo a principal estratégia utilizada para resolução dos conflitos. Contudo, constatou-se que altos níveis de ajustamento diádico não estão relacionados diretamente com uma boa estabilidade financeira.

19 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o término desta tese é possível compreender que o processo de investigação científica ao mesmo tempo em que proporciona entendimentos sobre o fenômeno estudado, fomenta uma gama significativa de novos questionamentos que mantém o pesquisador estimulado para a realização de novas pesquisas. A apropriação de construtos teóricos, da construção do projeto, da eleição de estratégias de investigação empírica, da coleta e análise de dados configurou-se numa caminhada longa e exaustiva, mas envolvente e instigante a cada etapa concluída. Na literatura científica sistematizada ficou evidenciada a existência de uma relação multifacetada entre dinheiro e conjugalidade. O dinheiro pode não ser o principal fator de conflito, mas é um dos de mais difícil resolução no exercício da conjugalidade. Constatou-se que no início da relação conjugal podem existir divergências referentes aos posicionamentos dos cônjuges frente à situação financeira, uma vez que ambos trazem valores, crenças e significados apreendidos nas suas famílias de origem. Com o passar dos anos, os cônjuges criam uma identidade conjugal financeira e vivenciam um período de acomodação ao modelo acordado por ambos. Por fim, deparam-se com as consequências desse acordo, seja pela morte de um dos cônjuges, seja pelo processo de separação, por alguma crise inesperada ou pelo processo de aposentadoria. Neste momento, o conflito velado relacionado ao dinheiro reaparece de modo mais explícito e, no caso do gênero feminino, a tendência é a de a mulher deparar-se e tomar consciência de uma situação de desigualdade, anteriormente camuflada pelo papel de cuidadora e, pois, não de provedora, papel esse, geralmente exercido pelo homem. A pesquisa quantitativa que investigou as relações existentes entre os significados do dinheiro, manejo do dinheiro, ajustamento diádico e conflito conjugal evidenciou a coexistência de diferentes formas de significado do dinheiro na conjugalidade e que, a dimensão estabilidade apresentou maior média, enquanto a dimensão sofrimento apresentou média menor. Os casais desta amostra manejam o dinheiro, na sua maioria, a partir do sistema de gestão compartilhada e apresentam bons índices de ajustamento conjugal, bem como soluções adaptativas frente aos conflitos conjugais referentes às finanças. Entretanto, constatou-se que as mulheres expressaram maiores níveis de sofrimento e envolvimento no conflito. Constatou-se que o significado positivo conferido ao dinheiro relacionou-se com a

20 101 forma de manejo compartilhado do mesmo, com maior ajustamento diádico e menores índices de conflito entre os casais. O estudo qualitativo buscou compreender posicionamentos e estratégias de cônjuges para a resolução de dilemas envolvendo questões financeiras e evidenciou que posicionamentos e estratégias utilizadas pelos cônjuges reproduzem padrões financeiros aprendidos com suas famílias de origem, mas que, com o casamento buscam uma identidade financeira conjugal. Nesta identidade o diálogo é a principal estratégia utilizada para resolução dos conflitos relacionados às finanças. Contudo, constatou-se que altos níveis de ajustamento diádico podem não estar relacionados diretamente a uma boa estabilidade financeira. Destaca-se que os resultados obtidos com essa tese possuem certas limitações uma vez que: a) um número significativo de casais ao saber sobre o assunto da pesquisa não aceitou participar por julgar ser um tema muito delicado e que geraria conflito conjugal; b) os casais referiram fadiga ao final da testagem o que pode ter interferido nos resultados; c) os casais foram, na sua maioria, de classe média limitando assim a generalização dos resultados para casais de diferentes níveis sócio-econômico-cultural. Os resultados da presente tese confirmam a complexidade existente nas relações que se articulam entre dinheiro e conjugalidade, demonstrando a necessidade de continua investigação em estudos longitudinais ao longo do ciclo vital conjugal, assim como em diferentes níveis sócio-econômico-culturais. Acredita-se, todavia, que os resultados obtidos podem auxiliar profissionais da área psicológica a trabalhar com indivíduos e cônjuges no entendimento mais aprofundado de situações divergentes sobre questões financeiras.