PALAVRAS-CHAVE Contaminação, hexaclorociclohexano, DDT, metais, exposição ambiental
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- Mikaela Gorjão Capistrano
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1 AVALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, AMAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Assessment of the contamination and identification of the environmental exposure routes to HCH, DDT and metals in the Cidade dos Meninos, Amapá, Figueiras and Pilar, Metropolitan area of Rio de Janeiro Ogenis Brilhante 1,2, Robson Franco 2 RESUMO Em 1989, o órgão ambiental do Rio de Janeiro (FEEMA), após um breve estudo do sítio conhecido como Cidade dos Meninos, retirou toneladas de pesticidas que se encontravam nas ruínas de uma antiga fábrica de hexaclorociclohexano (HCH) situada no terreno pertencente à Legião Brasileira de Assistência. Este artigo mostra os resultados da avaliação da contaminação por HCH, DDT e metais em amostras de solo, água, ar, hortaliças e pasto da Cidade dos Meninos e seu entorno; identifica as rotas ambientais de contaminação existentes e propõe uma classificação para o sítio baseada no nível de perigo existente para a população local. Os resultados obtidos em amostras ambientais revelaram expressivas contaminações por HCH e DDT em todos os tipos de matrizes analisadas. Não foi encontrada contaminação por metais considerados anormais. Os dados da contaminação ambiental combinado com os dados de dieta alimentar e saúde da população local mostraram que existem quatro rotas completas de contaminação por HCH e DDT (solo superficial, estrada de acesso, biota e ar ambiente). De acordo com a metodologia usada neste trabalho, o sítio pode ser classificado em duas categorias: categoria II, perigo para a saúde pública, necessitando uma ação corretiva imediata; categoria III, perigo indeterminado para a saúde pública, necessitando um programa de vigilância ambiental e epidemiológica. PALAVRAS-CHAVE Contaminação, hexaclorociclohexano, DDT, metais, exposição ambiental ABSTRACT In 1989, the Rio de Janeiro State environmental agency (FEEMA), after a preliminary survey of the site known as Cidade dos Meninos, collected and disposed in a safety area tons of a pesticide that was spread in and around the ruins of an old HCH factory. This article shows the results of the level and the extension of HCH, DDT and heavy metal contamination in the soil, water, air, green vegetables and grasses; 1 Senior Urban Environmental Planner and Management Expert. Institute for Housing and Urban Development Studies (IHS). Erasmus University. P. O Box BX. Rotterdam, The Netherlands o.brilhante@ihs.nl 2 Doutorando em Saúde Ambiental. Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
2 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO identifies the main existed environmental exposure routes, and proposes a health hazard classification for the site Cidade dos Meninos and its surrounding areas. The results of the environmental contamination showed very high contamination of total HCH and DDT. No abnormal concentrations of heavy metals were found in the samples analysed. The environmental contamination results combined with the diet and the state of the health of the local population showed the existence of four complete routes of exposure to HCH and DDT (superficial soil, access road, biota and ambient air). According to the methodology used in this project the site can be classified in two categories: category II - hazard for public health, requiring immediate corrective actions, and category III - indeterminate hazard for public health, requiring an environmental and epidemiological survey. KEY WORDS Contamination, hexachlorocyclohexane, DDT, metals, environmental exposure 1. INTRODUÇÃO Em 1989, após uma denúncia de que havia um comércio ilegal de um pesticida organoclorado conhecido como hexacicloclrohexano (HCH) em um mercado de verduras da região urbana de Duque de Caxias, município situado na baixada fluminense, Estado do Rio de Janeiro, chegou-se à conclusão que o mesmo procedia de uma localidade chamada Cidade dos Meninos, situada neste município. Nesta área, pertencente ao antigo Instituto de Estudos da Malária e hoje pertencente à LBA (Legião Brasileira de Assistência) foi construída nos anos cinqüenta uma fábrica para produzir o hexaclorocicloheseano (HCH) técnico com o objetivo de ser usado no combate ao mosquito transmissor da malária. Experimentos e pesquisas com outros produtos como DDT (dicloro-dipheniltricloroetano) e compostos de arsênico também foram realizados (Romero & Aguiar, 1954). Após cinco anos de funcionamento, em 1955 a fábrica foi desativada e parte da sua produção abandonada in natura no solo. Após o seu fechamento, o material deixado fora e dentro da fábrica terminou se espalhando na área pelo vento, chuva, e pelo uso e venda do produto como inseticida pela população local, e por invasores de outras áreas (Brilhante & Oliveira, 1996; CETESB, 1996; Mello, 1999). De acordo com testemunhos da população local, parte da estrada que corta o sítio teria sido aterrada e pavimentada com resíduos de HCH. No final de 1999 e início de 2000, a Fundação Oswaldo Cruz aprovou crédito para um projeto de pesquisa integrado na área envolvendo a Cidade dos Meninos e o seu entorno constituído pelos bairros do Amapá, Pilar e Figueiras, totalizando uma população de pessoas. Este projeto tinha três importantes objetivos principais: desenvolver um manual de Avaliação de Saúde para sítios contaminados, adaptado às condições brasileiras, tomando como base a metodologia 56 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
3 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO desenvolvida pela Agency for Toxic Substances and Diseases Registry ATSDR (1996), e, em seguida utilizar este manual para identificar as rotas ambientais de exposição existentes, além de propor uma classificação para os níveis de perigo para a saúde existentes no sítio. De acordo com a ATSDR (1996) e Magalhães (2000), a identificação e a classificação do nível de perigo à saúde para um sítio contaminado requer: (1) avaliação da informação do sítio; (2) pesquisa sobre as preocupações da comunidade com sua saúde; (3) seleção dos contaminantes de interesse; (4) análise das rotas de exposição; (5) implicação para a saúde pública; (6) conclusões e recomendações. Este artigo tem os seguintes objetivos: (1) determinar as preocupações da comunidade com sua saúde incluindo a percepção do problema e os hábitos alimentares; (2) avaliar o nível e a extensão da contaminação por HCH, DDT e metais; (3) identificar as rotas de contaminação por HCH e DDT e metais; (4) propor uma classificação para os níveis de perigo à saúde existentes no sítio, e recomendações; (5) averiguar a veracidade das denúncias de que o sítio teria sido utilizado por algumas indústrias químicas e de beneficiamento de metais como área de descarte de resíduos. 2. METODOLOGIA A metodologia em que se fundamentou toda a pesquisa foi a do Manual de Avaliação de Risco em Saúde para a Exposição a Resíduos Perigosos da Agência para Substâncias Tóxicas e Registro de Enfermidades, USA ATSDR (1996). Esta metodologia foi ligeiramente adaptada por Magalhães (2000) para as condições da Cidade dos Meninos. As etapas envolvidas neste estudo foram as mesmas propostas no manual da ATSDR (1996) AVALIAÇÃO DA INFORMAÇÃO DO SÍTIO Esta fase preliminar da pesquisa se constituiu de visitas ao sítio, conversas com alguns moradores do sítio, contatos com órgãos municipais (Secretaria de Meio Ambiente) e lideranças comunitárias, cujos objetivos foram comunicar o projeto e conhecer as opiniões sobre o assunto nos diversos seguimentos da sociedade. Nesta etapa, procedeu-se também um levantamento dos aspectos históricos, geográficos e climáticos da área de estudo DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A obtenção das informações relacionadas à direção dos ventos dominantes na região foram fundamentais para a delimitação da área de estudo. Baseado nessas informações, que, combinadas com a localização geográfica em relação ao C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
4 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO bairro Cidade dos Meninos, considerou-se a inclusão dos bairros Amapá, Figueira e Pilar para a realização de estudos similares DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A área de estudo foi composta pelos bairros Cidade dos Meninos, que possui uma população de 1575 pessoas e 314 domicílios, e de seu entorno: Amapá, localizado à sudoeste da Cidade dos Meninos, com uma população de pessoas e 499 domicílios fixos; Figueira, localizado à nordeste da Cidade dos Meninos, com uma população de pessoas e residências fixas; e Pilar, localizado à sudeste da Cidade dos Meninos, com uma população de pessoas e domicílios fixos). A Figura 1 mostra um esquema da área de estudo. Figura 1 Esquema da amostragem conduzida na área de estudo. A região de estudo está compreendida na bacia do rio Iguaçu-Sarapuí, localizada na região geomorfológica conhecida como Baixada Fluminense e é cortada pelos rios Iguaçu e Capivari. A vegetação da região é classificada como mata pluvial tropical costeira, bastante característica na região e praticamente já não mais existente na bacia. A pluviosidade da bacia apresenta os meses de dezembro e julho como os meses mais úmidos e mais secos, respectivamente. Na Baixada Litorânea, a precipitação média anual encontra-se em torno de 1300 mm anuais. 58 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
5 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Os ventos dominantes na bacia são os ventos Sudoeste e Nordeste, com velocidade média de 2 m/s. O percentual assumido pelo calmo (ausência de ventos) é de 90% do período e há predominância dos ventos dominantes em iguais proporções. As temperaturas do ar na área de estudo são normalmente elevadas, superiores a 30 graus nos meses de verão, que vão de dezembro a março; máximas de até 40 graus também podem ocorrer HÁBITOS ALIMENTARES, PERCEPÇÃO DO PROBLEMA E PREOCUPAÇÕES DE SAÚDE DA COMUNIDADE A identificação dos hábitos alimentares, percepção do problema e preocupações de saúde da comunidade foram obtidas através da aplicação de um questionário em uma amostra predeterminada da população dos bairros integrantes da área de estudo. O questionário também teve o objetivo de coletar informações para a identificação das possíveis rotas de exposição. O questionário incluiu questões relativas ao estilo de vida, saúde, uso de pesticidas, meio ambiente, moradia e situação socioeconômica. O dimensionamento da população amostrada e a aplicação dos questionários seguiram a metodologia empregada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Inicialmente, foram coletados, junto aos órgãos públicos, mapas e dados geográficos, demográficos, saneamento básico e socioeconômico da região de estudo. Em seguida, calculou-se o passo envolvido na amostragem da população a ser consultada. O mesmo foi calculado através da divisão do número total de quarteirões dos bairros pela média estimada do número de residências de cada quarteirão. Para tal, numeraram todos os quarteirões contidos nos mapas de cada um dos bairros e esses foram utilizados como instrumento de orientação e controle dessa atividade. Os questionários foram aplicados durante os anos de 2000 e 2001, e a escolha das casas para a entrevista foi efetuada de três em três casas dentro de um mesmo quarteirão, sendo estes sempre percorridos no sentido horário. Desta forma, obteve-se o número de 586 residências pesquisadas no bairro Pilar, 47 residências pesquisadas no bairro Cidade dos Meninos, 203 residências no bairro Amapá e 416 residências no bairro Figueira, correspondendo a aproximadamente 10% das residências de cada bairro. O bairro do Amapá foi única exceção: a amostra coletada correspondeu a 40 por cento das casas. Isto se deveu ao fato deste bairro ter sido o primeiro a ser visitado e, de acordo com o desenho de coleta original, tanto as áreas de povoamento espaçado como as densamente povoadas deveriam ser amostradas. Após a avaliação da aplicação dos questionários deste primeiro bairro, decidiu-se por razões econômicas e de tempo, aplicar os questionários somente nas áreas mais densamente habitadas dos outros bairros. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
6 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO CONTAMINANTES DE INTERESSE E PLANO DE AMOSTRAGEM A determinação dos contaminantes de interesse se deu de acordo com a história da contaminação do sítio. Diversos artigos haviam comprovado a existência de importantes contaminações de HCH, e seus isômeros, e DDT total (Brilhante, 1998; CETESB, 1996; Mello, 1999). Os metais (cádmio, cobre, manganês, níquel e chumbo) foram incluídos para averiguar denúncias da população que o sítio teria sido usado como depósito de lixo industrial. O plano de amostragem (Figura 1) foi preparado a partir dos dados coletados nos questionários e da pesquisa bibliográfica efetuada na área (Brilhante, 1998; Mello, 1999). Estes dados nos deram indicações dos possíveis pontos de exposição e, baseado nesses pontos, foram identificadas as matrizes fundamentais para a coleta e análise química. Desta forma, coletou-se água de poço, sedimentos de rio, material sedimentável indoor e outdoor, solo superficial, pasto e hortaliças. O número total de amostras inicialmente previsto para a coleta de cada matriz nos quatro bairros analisados foi de 20 amostras. Na realidade, este número foi somente atingido para as amostras de solos superficiais. Nas demais matrizes, problemas operacionais e financeiros impediram que este número fosse alcançado. As coletas das amostras foram efetuadas e analisadas durante os anos de 2001 a PROCEDIMENTOS DE COLETA E PREPARO DAS AMOSTRAS Os procedimentos de coleta e preparo das amostras utilizadas estão descritos abaixo: COLETA DAS AMOSTRAS MATERIAL SEDIMENTADO INDOOR E OUTDOOR O material sedimentado indoor foi coletado nas partes internas das residências pelos próprios moradores, usando vassouras, durante um período de 15 dias. O material recolhido foi depositado diariamente em um envelope pardo, previamente entregue ao morador. A coleta do material sedimentado das partes externas (outdoor) das residências foi efetuada através de uma pá e uma vassourinha, recolhendo-se os sedimentos depositados na calçada, terreno próximo ao meio-fio da rua em frente às residências, nas quais o material sedimentado indoor estava sendo coletado. Essas coletas foram realizadas em duas etapas: a primeira etapa ocorreu no início do período de coleta do material sedimentado indoor e a segunda etapa, no ato do recolhimento dos envelopes contendo os sedimento do interior das residências. 60 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
7 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO SEDIMENTOS DE RIO Os sedimentos dos rios foram coletados nos dois rios que cortam a região de estudo. As amostras foram coletadas através da introdução de um cano plástico de uma polegada de diâmetro nos bancos de sedimentos localizados nas margens dos rios, em um ponto a montante e outro ponto a jusante referente ao Bairro Cidade dos Meninos. Esses canos tiveram suas extremidades fechadas até o momento da preparação das amostras. PASTOS E HORTALIÇAS As amostras de pasto, grama do tipo Pernambuco (Paspalum sp.), foram coletadas nos pastos ou escampados dentro dos limites de cada bairro. O procedimento de coleta ocorreu por meio de uma faca, recolhendo-se uma quantidade equivalente a um molho do material. O material foi em seguida guardado em envelopes de papel-pardo. As hortaliças, alface (Lactuca sativa) e couve (Brassica oleracea var) foram colhidas das hortas privadas. ÁGUA DE POÇO As coletas foram feitas em poços regularmente utilizados pela população, através da introdução de um frasco âmbar no poço, preso à extremidade de um barbante grosso. Esses frascos destinados à coleta de água foram previamente descontaminados, isto é, lavados, rinçados com acetona, após terem permanecido doze horas na estufa. Em cada ponto de amostragem, coletou-se um litro de água. Em seguida, esses frascos foram envolvidos por papel-alumínio PREPARO DAS AMOSTRAS SOLOS E SEDIMENTOS As amostras foram espalhadas sobre papel laminado e colocadas para secar ao ar livre por dez dias. Após a secagem, o material grosseiro foi separado manualmente e este material separado foi triturado em gral e peneirado em peneira TYLER nº 20 (0,331 polegadas). Após essa etapa cerca de 200g de amostra de solo, sedimento de rio e sedimento outdoor foram acondicionadas em envelopes de papel, envolvidos por papel-alumínio e armazenadas em freezer a -15ºC. As quantidades de sedimentos indoor acondicionados em envelopes variaram de acordo com a quantidade coletada pelos moradores. Após cada peneiramento, a peneira foi sempre lavada com água corrente, rinçada com água deionizada, ciclohexano e seca. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
8 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO PASTOS E HORTALIÇAS As amostras de pastos foram expostas ao ar atmosférico por 15 dias para que fossem secas. Em seguida, as mesmas foram picadas, acondicionadas em envelopes de papel que foram envolvidos com papel-alumínio, e armazenadas em freezer até a execução das análises de metais pesados e organoclorados. As amostras de hortaliças foram realizadas imediatamente após a coleta: foram picadas e encaminhadas diretamente para as análises químicas. ÁGUA DE POÇO As amostras foram imediatamente analisadas após a sua chegada ao laboratório PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS O procedimento de extração, recuperação e análise de HCH, DDT e metais seguiram os métodos desenvolvidos e adotados pelo Laboratório de Radioisótopos do Departamento de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde as análises foram executadas. Os isômeros de HCH e DDT foram analisados por cromatografia gasosa de alta resolução, usando um detector de captura de elétrons. Os percentuais de recuperação obtidos para as diferentes substâncias em cada uma das matrizes analisadas foram: solos e sedimentos (40% para o DDT e seus metabólitos e de 40% para os isômeros do HCH); vegetais (50% para o DDT e seus metabólitos e 39% para os isômeros de HCH); água (54,5% para o DDT e seus metabólitos e 40,5% para os isômeros de HCH). Os metais foram analisados por absorção atômica. O solo padrão usado neste estudo, com as características físicas e químicas similares ao da região de estudo EMBRAPA (1979), foi coletado nas proximidades do Alto da Boa Vista, 50km aproximadamente da área de estudo IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS DE EXPOSIÇÃO, IMPLICAÇÕES PARA A SAÚDE E CLASSIFICAÇÃO DO NÍVEL DE PERIGO PARA A SAÚDE DA POPULAÇÃO LOCAL A identificação das rotas de contaminação, bem como a classificação do nível de perigo à saúde da população, foi realizada de acordo com o manual de avaliação de saúde desenvolvido por Magalhães (2000). A identificação das implicações para a saúde foi efetuada através da aplicação de um questionário à população local seguida de uma visita e entrevista com técnicos do principal posto de atendimento da população da área de estudo e do uso de dados da literatura nacional e internacional sobre o tema. 62 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
9 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 HÁBITOS ALIMENTARES E PERCEPÇÃO DO PROBLEMA DA CONTAMINAÇÃO A população da região de estudo é composta em sua maioria de famílias com baixos níveis de renda e de escolaridade, vivendo predominantemente em casas feitas de tijolos, sendo estas próprias ou alugadas. A Cidade dos Meninos e o bairro do Pilar são os bairros que mais produzem leite e plantam verduras para consumo próprio (Tabela 1). Cebolinha, alface e couve são as verduras mais plantadas. A Cidade dos Meninos é também o bairro que mais cria animais para consumo próprio. Galinha é o animal mais criado, seguido por gado. A maior parte do leite e dos animais (gado) produzidos principalmente na Cidade dos Meninos, é vendida para terceiros fora do bairro e da área de estudo. A maioria da população do Amapá (85,6%) e importante parte da população do Pilar (23,8%) consomem água de poço, enquanto que nos bairros Cidade dos Meninos e Figueiras a água consumida provém do sistema público de abastecimento (CEDAE). O problema da contaminação é percebido de maneira diferente pela população da Cidade dos Meninos, bairro onde estava localizada a antiga fábrica de pesticidas, e os demais bairros. Enquanto na Cidade dos Meninos apenas 34,5% responderam que o problema da contaminação afeta suas vidas e demonstram preocupação com os seus efeitos sobre saúde, nos bairros vizinhos este percentual chega a 59,8% no bairro Figueiras e a 52,3% no bairro Pilar. A baixa percepção do problema na Cidade dos Meninos poderia ser atribuída a dois fatores importantes: o longo tempo de permanência das famílias no sítio (45% vivem na mesma casa há mais de 20 anos, e 3,5% há mais de 41 anos), e a uma tentativa de ignorar o problema, ou seja, o clássico comportamento de pensar que o risco possa afetar aos outros e não a si próprio. Os questionários também mostraram que a estrada da Gamboaba é utilizada regularmente por 100% dos entrevistados da Cidade dos Meninos, Figueiras e Amapá, e por 37,5% dos entrevistados do bairro do Pilar. Este fato indica que a estrada pode ser um importante ponto de exposição para a população local, uma vez que estudos anteriores (Oliveira, & Brilhante, 1995; CETESB, 1996) demonstraram a existência de forte contaminação por pesticidas no material usado em sua pavimentação. A maior parte da população da região de estudo conhece o problema da contaminação por pó de broca, nome popular dado ao hexacicloclorohexano, mas desconhece a existência de contaminação por DDT. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
10 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO Tabela 1 Hábitos alimentares, percepção do problema da contaminação, e preocupações de saúde da comunidade. 64 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
11 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO 3.2 CONTAMINAÇÃO POR HCH, DDT E METAIS SOLO SUPERFICIAL E SEDIMENTOS DE RIO O nível de contaminação por HCH e DDT encontrado na maioria das amostras de solo superficial da área de estudo foi inferior a 100 µg/g. Contudo, algumas amostras apresentaram concentrações de centenas de partes por bilhão (Figura 2). Figura 2 Concentração de HCH total e isômeros, e DDT total em solos superficiais. Pico > 90 µg/g: HCH total: SC3:503,2; SC1E:962,0; DDT total: SC3:300,6; SC3.1: 233,3; SMC7:397,4; SMC2: 449,0; SMC4:50,8 (distância da área foco em metros). C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
12 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO Estes pontos ou spots estão em sua maioria localizados dentro da área foco (área formada por um raio de 200 metros medidos a partir das ruínas da antiga fábrica) e ao longo da estrada que corta a área de estudo. A contaminação da área de estudo poderia ser dividida em três distintas zonas. A primeira zona seria formada pela área foco onde a antiga fábrica funcionou. Nesta zona, as concentrações de DDT total variaram de 50,8 a 397,4 µg/g, com uma concentração média de 188,3 µg/g, e as concentrações de HCH total variaram de 2,7 a 503,1 µg/g, com uma concentração média de 116,1 µg/g. A maioria dos picos de pesticidas encontrados estão situados nesta zona. A segunda zona seria formada pela Estrada da Gamboaba, que corta a área de estudo. Os pontos coletados sobre a estrada ou nas margens da mesma apresentaram concentrações de DDT total variando de 8,7 a 88,9 µg/g, com uma concentração média de 36,8 µg/g. O HCH total variou de 1,90 a 962,0 µg/g, com uma concentração média de 243,2 µg/g. Os picos de concentrações importantes encontrados nas amostras coletadas nesta zona parecem confirmar a afirmação dos moradores de que restos de pesticidas teriam sido usados na terraplenagem dessa estrada (Figura 2). A terceira zona seria formada pelas distâncias maiores que 200 metros da área foco, incluindo os bairros do Amapá, Figueiras e Pilar. Nesta zona, somente um pico excepcional de pesticida (DDT total) foi encontrado. Este pico (SMC2) se encontra a 500 metros da área foco e se localiza dentro da área da Cidade dos Meninos (449,0 µg/g.). Excluindo este pico, os outros resultados apresentaram concentrações de DDT total variando de 0 a 25,0 µg/g e de HCH total variando de 2 a 5,5 µg/g. O nível mais baixo de contaminação do solo superficial foi encontrado no bairro do Amapá. Entre os isômeros do HCH analisado, o isômero alfa, seguido pelo isômero gama, foram os mais freqüentemente encontrados. O isômero alfa foi o que apresentou concentração mais elevada (Figura 2). Este isômero é o mais abundante na constituição do HCH técnico. Os resultados das amostras de sedimentos dos rios Iguaçu e Capivari, que atravessam ou delimitam a área de estudo, analisados em oito amostras de sedimentos, mostraram que o DDT (total) foi o pesticida que apresentou maior contaminação. Sua concentração variou de (0 a 34,20 µg/g), com uma concentração média de 14,9 µg/g. O HCH total variou de (0 a 13,9 µg/g) e apresentou uma concentração média de 2,2 µg/g. Os valores mínimos e máximos encontrados nestes sedimentos se aproximam dos valores encontrados no solo superficial da zona 3 da área de estudo. Em geral, os resultados obtidos com amostras de sedimentos fornecem uma indicação da história da formação destes sedimentos. No caso dos rios deste estudo, os bancos de sedimentos encontrados não eram muito grandes ou espessos, podendo-se concluir que os mesmos teriam se formado 66 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
13 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO recentemente, o que indica uma contaminação recente ou continuamente renovada pelo carreamento do solo contaminado pela chuva e/ou ventos. PASTOS, HORTALIÇAS E POEIRA SEDIMENTÁVEL As maiores concentrações de pesticidas nos pastos, hortaliças e poeira sedimentável foram encontradas na zona 1, formada pela área foco (Figura 3). As concentrações médias de DDT total (Figura 3) encontradas nos pastos da área de estudo são maiores na Cidade dos Meninos (57,2 µg/g), seguidas pelos do bairro Figueiras (23,3 µg/g). Já as concentrações de HCH total são maiores no bairro Amapá (46,2 µg/g), seguidas pelos dos bairros Cidade dos Meninos (29,6 µg/g) e Figueiras (9,5 µg/g). Todos os isômeros do HCH analisados foram encontrados nas amostras de pastos. Diferentemente dos resultados obtidos nas amostras de solos, poeiras e sedimentos, o isômero delta foi o que apresentou concentrações maiores nos pastos, principalmente nas amostras coletadas no bairro do Amapá. O DDT também foi o pesticida que apresentou as concentrações mais elevadas nas amostras de hortaliças da região de estudo, todavia bem inferiores às concentrações encontradas nas amostras de pastos (Figura 3). Todas as amostras da Cidade dos Meninos apresentaram resultados de HCH total e DDT total positivos. O bairro do Pilar apresentou as menores concentrações de pesticidas. Entre os isômeros do HCH analisados, o isômero alfa apresentou as maiores concentrações médias. O isômero delta não foi encontrado em nenhuma amostra de hortaliça analisada. A contaminação importante de pesticida encontrada nas mostras de pastos e hortaliças, principalmente fora da Cidade dos Meninos, é um indicativo de que o vento é um importante veículo de disseminação da contaminação presente, principalmente, no solo da Cidade dos Meninos. Os resultados das amostras de poeira sedimentável, usadas neste estudo como indicador da contaminação atmosférica por HCH e DDT (Figura 3), mostram que a contaminação das amostras de sedimentos coletadas no interior das casas (indoor) são sensivelmente maiores que as das amostras coletadas nos sedimentos em frente às casas (outdoor), e que as concentrações de DDT total indoor são duas a três vezes maiores que as concentrações de HCH total indoor. A Figura 3 também mostra que, na Cidade dos Meninos, as maiores concentrações de HCH e DDT totais foram encontradas nas casas situadas dentro do raio de 200 metros da área foco e/ou próximo à estrada de acesso, vide picos MC4, MC8 e MC5. Os isômeros alfa e gama foram os que apresentaram resultados mais freqüentes e maiores. O fato do isômero gama, que tem poder inseticida (maior toxicidade entre os isômeros do HCH), ter sido encontrado em grandes concentrações no interior dos sedimentos das residências representa um fator de risco a mais para a saúde de seus habitantes, especialmente as crianças. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
14 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO Figura 3 Figura 3 Concentrações de HCH e DDT total: pastos, verduras e sedimentos (in e outdoor) da área de estudo. Picos sed. indoor > que 300 mg/kg. HCH total e DDT total :MC4 (13207,5 ; 18681,2), MC7 (363,6 ; 325,9), MC5 (482,6 ; 624,5), MC2 (603,5), MC8 (1241,8 ; 1527); 68 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
15 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Em geral, não foi encontrada nenhuma indicação de relação direta entre as concentrações de pesticidas no sedimento coletado no interior das residências e no sedimento coletado no exterior destas mesmas residências. No caso do DDT, há uma ligeira indicação de que as concentrações indoor teriam sido influenciadas em uma maior escala pelas concentrações encontradas fora destas residências. Concentrações mais elevadas de contaminantes presentes no material sedimentado coletado no interior de residências do que no material coletado no exterior não é raro. Miguel et al. (1995) e Gioavannoni (1993) relatam resultados semelhantes. Isto se explica pelo fato que os sedimentos no interior das residências representam um resultado acumulado, no caso deste estudo de 2 a 3 semanas, que são trazidos pelos ventos, sapatos e/ou roupas dos habitantes ou visitantes. Já os resultados dos sedimentos exteriores representam uma coleta pontual e instantânea. ÁGUA DE POÇO Nenhuma amostra de água coletada em 11 poços usados pela população da área de estudo (três amostras no Amapá, uma na Cidade dos Meninos, duas no Figueiras e cinco no Pilar) apresentou resultados de HCH e DDT totais maior ou igual ao limite máximo adotado pela Portaria nº 36, do Ministério da Saúde (Brasil, 1990), concentração máxima permissível na água potável, para o HCH total de 3 µg/l e para o DDT total de 1 µg/l. No caso do HCH, somente duas amostras apresentaram resultados positivos para o isômero gama, e estes resultados são também inferiores ao padrão usado na norma brasileira de potabilidade. Estes resultados, embora pontuais e estáticos, realizados na estação seca, indicam que, apesar de a contaminação ter atingido o lençol freático, esta contaminação não apresentaria riscos à população, uma vez que as concentrações encontradas são inferiores ao padrão da norma brasileira de potabilidade. A pouca solubilidade destes pesticidas, aliada a uma grande concentração de matéria orgânica e a uma textura fina do solo da área de estudo, são fatores que dificultam a migração destes poluentes até o lençol freático. CONTAMINAÇÃO POR METAIS A contaminação por metais foi analisada comparando os resultados obtidos nas amostras coletadas no sítio com os resultados encontrados no solo padrão. A Figura 4 mostra que, com exceção de alguns valores do chumbo, os metais analisados estão dentro da faixa de concentração encontrada no solo padrão. Estes resultados indicam que não há contaminação importante por metais na área de estudo. Eles também não confirmam as suspeitas de que o sítio teria sido utilizado como depósito de resíduos industriais. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
16 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO 3.3 ROTAS AMBIENTAIS NA ÁREA DE ESTUDO (CIDADE DOS MENINOS, AMAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR) Este estudo identificou a presença de cinco rotas ambientais de contaminação, sendo quatro completas e uma potencial (água de poço). Esta última foi classificada como potencial, porque embora tenha sido detectada a presença de isômeros de HCH e DDT total na água de poço, estes são inferiores às normas brasileiras de potabilidade (Tabela 2). Tabela 2 Rotas ambientais na área de estudo (Cidade dos Meninos, Amapá, Figueiras e Pilar). * Esta rota não existe na Cidade dos Meninos onde a população não consome água de poço. Não foi encontrada rota de contaminação ambiental para os metais, uma vez que as concentrações encontradas estão na ordem de grandeza das concentrações medidas no solo padrão (Figura 4). 70 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
17 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Figura 4 Concentração de metais no solo padrão e no solo da área de estudo C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
18 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO ROTA DE SOLO SUPERFICIAL Duas rotas de exposição completas, passadas, presentes e futuras representadas pelo solo superficial e a estrada de acesso foram identificadas. Alguns pontos de exposição resultantes destas rotas foram também identificados como os quintais, jardins residenciais, terrenos e zonas de recreação. Diversos mecanismos de transporte estão envolvidos na contaminação destes pontos de exposição. Entre os mecanismos identificados, podemos citar: run-off (erosão do solo e escoamento superficial), suspensão e re-suspensão de partículas pelas correntes de ar, volatilização pelas altas temperaturas, captação biológica, e tráfego veicular, especialmente através da estrada de acesso. A ingestão de solo, principalmente pelas crianças que vivem na área, contato dérmico e inalação são as principais vias de exposição identificadas. ROTA AR AMBIENTE A rota ar ambiente de exposição completa, passada, presente e futura tem como pontos de exposição o ar do interior das residências e prédios, e o ar dos ambientes livres da área de estudo. O vento, a deposição atmosférica e a volatilização foram os mecanismos de transporte principais identificados para esta rota de exposição. Como os ventos dominantes da área de estudo são o Sudoeste e o Nordeste a contaminação do solo da Cidade dos Meninos se transporta para o bairro do Amapá ou para os bairros do Pilar e Figueiras, dependendo da dominância dos ventos. O transporte de poluentes através de calcados ou roupas usadas pelos habitantes da área de estudo também contribui para o aumento da concentração de poluentes no interior das residências. Inalação e contato dérmico são as vias de exposição mais importantes. ROTA BIOTA OU CADEIA ALIMENTAR A rota de exposição completa biota foi detectada em todos os bairros analisados. De acordo com a literatura nacional e internacional, esta rota é a principal via de exposição humana a pesticidas organoclorados (Mello 1999; WHO, 1992). Este estudo mostrou que a Cidade dos Meninos é o bairro que mais produz alimentos para consumo próprio. Este bairro é também o que mais vende estes produtos para terceiros, incluindo pessoas fora do bairro. Este fato aponta para uma exposição de pessoas vivendo também fora da área de estudo. Bioconcentração, biomagnificação através do consumo de plantas, animais e leite produzido na área e migração através das atividades comerciais, como a venda de produtos alimentícios produzidos na área, foram os principais mecanismos de transporte identificados para esta rota de exposição. 72 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
19 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO 3.4 POPULAÇÃO RECEPTORA A identificação da população receptora na área de estudo foi efetuada com base nos questionários aplicados, cujos resultados são mostrados na Tabela 1. Estes dados mostram que toda a população da Cidade dos Meninos está exposta à contaminação pela via solo, estrada, ar e cadeia alimentar (consumo de frutas, verduras e/ou leite produzido na área). Nos demais bairros, a população do bairro Amapá é a menos exposta às vias de contaminação solo e estrada. A população vivendo dentro do raio de 200 metros e próximo à estrada de acesso é a mais exposta às quatros vias de exposição identificadas. Para a população vivendo fora do raio de 200 metros e longe da estrada, as vias de contaminação ar ambiente e biota são as mais importantes rotas de contaminação. 3.5 IMPLICAÇÃO PARA A SAÚDE PÚBLICA A população residente na Cidade dos Meninos e nos bairros do entorno estiveram e estão expostas a DDT total e HCH total através de diversas rotas de exposição completas. Dados obtidos dos questionários aplicados à população da área de estudo, relacionados à freqüência de permanência diária, à duração da exposição e à percentagem de crianças com idade menor que 7 anos, mostraram que mais de 60% das pessoas entrevistadas responderam permanecer na área de estudo 24 horas por dia. Na Cidade dos Meninos 42,1% das famílias vivem na mesma casa por um período compreendido entre 21 e 40 anos (Tabela 1), nos demais bairros, a maioria, mais de 50% das pessoas moram na mesma casa entre 1 e 10 anos. A porcentagem de crianças com idade de até 7 anos vivendo na área de estudo variou de 19,6% na Cidade dos Meninos a 25,6% no Amapá. Estudos toxicológicos realizados em amostras de sangue de 31 adultos (17 do sexo feminino, com idades entre 12 e 50 anos, e 14 do sexo masculino, com idades entre 5 e 62 anos), morando na Cidade dos Meninos, dentro da área de 200 metros de raio medidos a partir das ruínas da antiga fábrica, apresentaram concentrações dos isômeros alfa e beta variando entre 0,16 µ/l a 15,87 µ/l e de 1,05 a 207,3 µ/l respectivamente (Braga, 1995). O isômero gama (único isômero com poder inseticida) foi encontrado somente em dois dos 31 moradores. Em média, as concentrações de HCH encontradas nos moradores foram 63 vezes maiores do que as observadas no grupo controle (Braga, 1995). Não foi registrado nestas pessoas nenhum sintoma de saúde particular que pudesse ser associado diretamente à presença da contaminação. Quando perguntados sobre o seu estado geral de saúde e de sua família, 67% dos entrevistados na área de estudo responderam que era bom. Quem mais se queixou de problemas de saúde foram os adultos, 48% na Cidade dos Meninos e C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
20 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO no Pilar, e em torno de 58% nos outros dois bairros (Tabela 1). Os sintomas mais sentidos nos últimos seis meses respondidos pela população, de acordo com uma lista de sintomas a eles apresentados foram: tremores musculares, diarréias, perda de apetite, depressão, tonturas, rinite, seguidos por problemas de pele e dor de cabeça. Os serviços médicos mais utilizados pela população são os de clínica geral e pediatria. Entrevista realizada no posto de saúde e no hospital geral de Caxias, que atende parte da população da área de estudo, confirmou os sintomas relatados pela população como os que mais comumente ocorrem. Quando perguntado se esses sintomas ocorriam mais freqüentemente na população da Cidade dos Meninos do que em outras áreas da cidade do Rio de Janeiro, foi respondido que, apesar de não existirem estudos específicos sobre o assunto, não havia nenhuma indicação de que isto estivesse ocorrendo. Dados da literatura internacional indicam que os níveis de exposição ao HCH e ao DDT que produzem efeitos na saúde humana são geralmente muito maiores do que normalmente os comumente encontrados na população em geral (ATSDR, 1996). Para a Organização Mundial de Saúde (WHO, 1992), o DDT e o lindano (isômero gama do HCH) causam sensibilidade cutânea e reação alérgica. Ambos têm também efeitos neurotóxicos. Os isômeros do HCH e DDT são bioacumuladores, mas os isômeros do HCH são mais facilmente absorvidos pela pele que os do DDT (ATSDR, 2001). Também, de acordo com a ATSDR (2001), o DDT e o Lindano são classificados como possíveis carcinogênicos. Não há, ainda, limites de concentrações aceitáveis para os isômeros de HCH e DDT em ambientes abertos. 4. CONCLUSÕES RECOMENDAÇÕES Levando em conta os resultados obtidos, que indicam a presença de contaminações importantes pelos pesticidas HCH e DDT nos diversos compartimentos ambientais da área estudada, os longos períodos de exposição vividos pela população local, e usando a classificação dos níveis de perigo para a saúde pública proposto pela ATSDR (1996) e Magalhães (2000), propomos classificar a área estudada em dois níveis: (1) categoria II perigo para a saúde pública, necessitando uma ação corretiva imediata, neste nível, encontra-se a área dentro dos 200 metros de raio medidos a partir das ruínas da antiga fábrica e a estrada de acesso à Cidade dos Meninos; (2) categoria III perigo indeterminado para a saúde pública, necessitando a implementação de um programa de vigilância ambiental e epidemiológica; neste nível encontram-se as áreas com distâncias maiores que 200 metros a partir das ruínas da antiga fábrica, incluindo os bairros do Amapá, Pilar e Figueiras. 74 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
21 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO A classificação na categoria II se justifica, porque existe evidência da ocorrência de exposições (passada, presente e, provavelmente, futura); as exposições de longo prazo podem causar efeitos adversos à saúde em qualquer segmento da população receptora. A população vivendo na Cidade dos Meninos dentro do raio de 200 metros em torno das ruínas da antiga fábrica e as que residem nas casas construídas próximo à estrada de acesso estão expostas a níveis de contaminação bastante mais elevados que os normalmente recebidos pela população em geral. A classificação na categoria III se justifica, pois, embora tenham sido determinadas rotas completas de exposição para a área fora dos 200 metros, os níveis de contaminação encontrados, com exceção de poeira sedimentáveis em algumas residências, estão dentro de valores encontrados em regiões agrícolas internacionais (WHO, 1992). Não foi encontrada contaminação por metais nas diversas amostras analisadas na área de estudo, portanto não há rota de contaminação para estes contaminantes. São recomendadas as intervenções imediatas: retirada de todas as famílias vivendo no raio de 200 metros das ruínas da fábrica; impermeabilização da estrada de acesso (superfície e laterais) e da antiga área das ruínas da fábrica para evitar a continuada propagação destes pesticidas pelos ventos, chuvas e transporte de veículos. São propostas, também, intervenções para rotas de contaminação. Para a rota solo superficial e ar ambiente, proprõe-se: implementar as ações de remediação sugeridas acima para prevenir o contato e o transporte do solo contaminado; proceder a um estudo particular para identificar os possíveis spots de contaminação; e proceder a sua remoção ou impermeabilização do solo. Para a cadeia alimentar, sugere-se: notificação pública pela autoridade competente de que o leite, animais, hortaliças e frutas produzidas, especialmente na Cidade dos Meninos, e, também, nos bairros do Pilar, Figueiras e Amapá, estão contaminados; proibição do consumo local e do transporte destes produtos alimentícios contaminados para consumo em outros locais fora da área de estudo. Recomendam-se, como ações de saúde pública: efetuar um estudo de seguimento para avaliar a saúde das pessoas vivendo na área de 200 metros de raio e que foram removidas; conduzir uma investigação de saúde comunitária na Cidade dos Meninos e seu entorno; realizar um estudo de prevalências de sintomas e enfermidades; criar um sistema de informação sobre os residentes, os níveis de contaminação, as medidas de proteção e os cuidados com a saúde; treinar os profissionais de saúde locais para lidar com o problema. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
22 O GENIS BRILHANTE, ROBSON FRANCO R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATSDR. Agency for Toxic Substances and Diseases Registry. Public Health Assessment Guide Manual Disponível em: < HAC/HAGM/toc-html.html>. Acesso em:. Public Health Assessment Guide Manual, Public Health Service, US. Department of Health and Human Services, BRAGA, A. M. C. B. Contaminação ambiental por hexaclorociclohexano em escolares na Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Publica. FIOCRUZ, Rio de Janeiro. Brasil. Ministério de Saúde - Portaria nº36 de 19 de janeiro de Aprova normas e o padrão de potabilidade da água destinada ao consumo humano. Diário Oficial da União. Brasília, 23 jan BRILHANTE, O. M.; OLIVEIRA, R. M. Environmental contamination by HCH in Cidade dos Meninos, State of Rio de Janeiro, Brazil. International Journal of Environmental Health Research. Inglaterra, v. 6, n. 1, p , BRILHANTE, O. M.; ROSALIA, R. M. Environmental health rise assessment of a site contaminated by pesticides: Duque de Caxias, Rio de Janeiro State, Brazil. XXVI Inter- American Congress of Sanitary and Environment. Lima, CD-ROM. CETESB. Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Investigação da área contaminada por HCH Cidade dos Meninos, Duque de Caxias-RJ. Relatório Sucinto. São Paulo: CETESB, p. EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária. Manual de métodos de análises de solo. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos, p. GIOVANONI, J. M. Modelling of SO 2, Pb and Cd atmospheric deposition over a one year period. Atmospheric Environment. 27 a. n. 12, p , MAGALHÃES, J. S. B. Avaliação da gestão de sítios contaminados por resíduos perigosos nos EUA, Canadá, Paises Baixos e Brasil, e exemplo de um manual simplificado de avaliação de saúde ambiental destes sítios para o Brasil Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) Escola Nacional de Saúde Pública. FIOCRUZ, Rio de Janeiro. 76 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78, 2007
23 A VALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS ROTAS AMBIENTAIS DE EXPOSIÇÃO AO HCH, AO DDT E AOS METAIS NA CIDADE DOS MENINOS, A MAPÁ, FIGUEIRAS E PILAR, ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO MELLO, J. L. Avaliação da contaminação por HCH e DDT dos leites de vaca e humano da Cidade dos Meninos, Duque de Caxias Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública. FIOCRUZ, Rio de Janeiro. MIGUEL, H.; NETO, F. R.A.; CARDOSO, J. N.; VASCONCELLOS, P. C.; PEREIRA, A. S.; MARQUEZ, K. S. G. Characterization of indoor air quality in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro. Brazil. Environmental Science Technology. v. 29, n. 2, p , OLIVEIRA, R. M.; BRILHANTE, O. M. Hexaclorociclohexanos contamination in an urban area of South-Eastern Brazil. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 29, n. 3, p , ROMERO, L.; AGUIAR, H. A fabricação do Hexaclorociclohexano no Instituto de Malariologia. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais. v. VI, n. 4, WHO. World Health Organization. Alpha and Beta Hexachlorocyclohexanes. Environmental Criteria 123, Geneva: OMS, p. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (1): 55-78,
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