Supremo Tribunal Federal

Transcrição

1 HABEAS CORPUS SÃO PAULO RELATORA PACTE.(S) IMPTE.(S) COATOR(A/S)(ES) : MIN. ROSA WEBER :FERNANDO BARBOSA :RODRIGO APPARÍCIO MEDEIROS :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Rodrigo Apparício Medeiros em favor de Fernando Barbosa contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo regimental no AI /SP. O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou o paciente pela suposta prática do crime de dispensa ilegal de licitação (art. 89, caput, da Lei 8.666/93). Narra a peça inaugural que Fernando Barbosa, à época Prefeito do Município de Barbosa/SP, contratou um autônomo, sem licitação, para reforma da Praça Central. O Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Penápolis/SP condenou o paciente às penas de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e de multa de 3% do valor total empenhado. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao recurso ministerial, para afastar a substituição da pena corporal por restritivas de direito e fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena. Opostos embargos de declaração, foram parcialmente acolhidos, para garantir ao paciente o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado do decreto condenatório. A Defesa, ao argumento da fixação do regime inicial aberto, manejou recurso especial, inadmitido na origem, ensejando a interposição do AI /SP. A Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento ao agravo e manteve o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena. Em sede de agravo regimental, a Corte Especial negou provimento ao recurso.

2 Neste writ, o Impetrante insurge-se contra o regime inicial fixado pelas instâncias anteriores, visto que não observados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal. Para tanto, aduz a possibilidade de fixação do regime aberto, já que o paciente foi condenado a três anos e quatro meses de reclusão e tinha à época da prolação da sentença sua primariedade intacta. Assevera a inexistência de óbices para a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Requer, em medida liminar e no mérito, a concessão da ordem para que seja alterado o regime inicial de cumprimento de pena para o aberto. Alternativamente, na hipótese de manutenção do regime semiaberto e de ausência de vaga em estabelecimento prisional compatível, pugna pela execução da pena na modalidade aberta ou em prisão domiciliar. Em , considerando a deficiência de instrução, determinei intimação do Impetrante para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresentasse as peças necessárias ao julgamento, sob pena de não conhecimento do writ. As informações foram prestadas por meio da Petição /2013. É o relatório. Decido. O Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Penápolis/SP condenou o paciente às penas de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto e substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Colho excertos da sentença: (...) Nos termos do art. 33, 2º, c, e 3º, a despeito de ser reincidente, deverá o réu iniciar o cumprimento da pena em regime aberto. Pois, as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, por serem majoritariamente favoráveis, recomendam a possibilidade desse regime. Da mesma forma, apesar de reincidente, nos termos do art. 44, 3º, do CP, tem o réu direito à substituição da sua pena 2

3 privativa por penas alternativas. Pois, sua pena anterior foi suspensa nos termos do art. 77 do CP e as circunstâncias judiciais do art. 59, bem como a natureza do fato praticado, tornam socialmente recomendáveis a substituição da pena. Nesse sentido: Cuidando-se de réu reincidente em crime doloso, em princípio, não é possível tal substituição. Em princípio, reitere-se, porque mesmo nessa hipótese o juiz pode, excepcionalmente, substituir a prisão por pena restritiva. Mas para que isso aconteça ele deve examinar atentamente o caso concreto sob julgamento (natureza do fato, culpabilidade do agente, grau de reprovação, antecedentes etc), assim como a condenação anterior. Conforme o resultado desse juízo valorativo complexo, será ou não deferida a substituição, mesmo sendo o réu reincidente em crime doloso (GOMES, Luiz Flávio, Direito Penal, vol. 2, Parte Geral, RT. 2007, p. 790). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo discordou da decisão do juiz sentenciante e fixou o regime de cumprimento de pena em semiaberto e afastou a substituição de pena, por entender que o paciente possui personalidade voltada para a prática delitiva e é reincidente em crime doloso. É o que emerge do seguinte excerto do acórdão: Contudo, quanto ao réu FERNANDO, a pena fixada merece um pequeno reparo. É que não se mostra suficiente nem recomendável à espécie, a substituição da reprimenda corporal estabelecida pelo juiz sentenciante. Isso porque, verificando-se os apontamentos por ele ostentado (fls. 437/468, 470/474, 475/481, 485, 486, 489, 751), mostra-se com personalidade voltada para a prática delitiva, possuindo várias ações penais em curso, além de reincidente em crime doloso (fls. 458 e 751). Portanto, observando-se também, que as consequências do crime ferem a moral administrativa e vai contra todos os conceitos de política 3

4 comunitária, e ainda, que o dirigente municipal ao exercitar a atividade de administrador público deve seguir as diretrizes legais e morais, visando bem dispor do erário e proteger os interesses dos munícipes, norteando as suas decisões à luz dos princípios de legalidade e moralidade, não faz jus o acusado a benesse concedida. Quanto ao regime prisional fixado, pelos mesmos fundamentos e, nos termos do art. 33, 3º, do Código Penal, estabelece-se a modalidade no tipo semiaberto. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura negou provimento ao AI /SP interposto pelo paciente, nos seguintes termos: Desse modo, verifica-se que, apesar de a pena final ter sido estabelecida em patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda imposta ao paciente, no caso, deveu-se ao fato de ser reincidente em crime doloso. O entendimento exposto encontra consonância com o disposto no artigo 33, 2.º, alínea c, do Código Penal e com a Súmula n.º 269 desta Corte. Eis o citado enunciado sumular, in verbis: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. Dessarte, pelo mesmo motivo supradeclinado, não atende o paciente ao requisito previsto no artigo 44 do Código Penal, em especial ao inciso II - "o réu não for reincidente em crime doloso". Acrescente-se que o Colegiado estadual destacou que a medida "não se mostra suficiente nem recomendável à espécie", incidindo, assim, o óbice do artigo 44, 3.º, do Estatuto Repressivo. 4

5 Nesse sentido, cumpre trazer à baila precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção: HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. PENA RECLUSIVA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. REINCIDÊNCIA EM CRIME DOLOSO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS SUBJETIVOS. NÃO PREENCHIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. O inciso II, do artigo 44 do CP veda a concessão da substituição da pena corporal por penas alternativas aos réus reincidentes em crimes dolosos, como na hipótese dos autos. 2. Inviável acoimar de ilegal a decisão que indeferiu ao paciente a substituição de pena, pois, não obstante a quantidade de pena aplicada seja inferior a 4 (quatro) anos e as circunstâncias judiciais sejam favoráveis, trata-se de réu reincidente em crime doloso, restando descumprido um dos requisitos legais necessários à concessão da benesse. (...) Da mesma forma, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos exige o preenchimento dos requisitos do artigo 44, 3º, do Estatuto Repressivo Penal, o que não ocorre no caso presente, pois o recorrente conta com outra condenação transitada em julgado, não sendo a medida socialmente recomendável e nem suficiente à prevenção do delito, conforme destacado no acórdão recorrido. (...) Ante o exposto, com fundamento no artigo 254, inciso I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, nego provimento ao agravo de instrumento. 5

6 Interposto agravo regimental, a Sexta Turma da Corte Especial negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. REPRIMENDA FINAL EM PATAMAR INFERIOR A QUATRO ANOS. REGIME INICIAL SEMIABERTO. RÉU REINCIDENTE. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. 1. Não há falar em constrangimento ilegal na hipótese em que, estabelecida a pena final em patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, foi fixado o regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda em razão de ser o réu reincidente em crime doloso. 2. A possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos exige o preenchimento dos requisitos do artigo 44, 3º, do CP, o que não ocorre quando o réu conta com outra condenação transitada em julgado, não é a medida socialmente recomendável e nem suficiente à prevenção do delito. 3. Agravo regimental improvido. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. A fixação de regime menos gravoso e a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não estão condicionados somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme expressa remissão do art. 33, 3º, e do art. 44, III, do mesmo diploma legal (HC /SP, Rel. Min. Rosa Weber 1ª Turma un. - j ). Observo que, na espécie, a imposição do regime mais gravoso e a negativa de substituição de pena estão consubstanciadas no simples fato de o paciente ser reincidente em crime doloso. Quanto à possibilidade de o paciente aguardar em regime apropriado, ou em prisão domiciliar, a existência de vaga no regime semiaberto, observo que o Superior Tribunal de Justiça não analisou a 6

7 questão, inviabilizando a análise do pedido, neste momento, pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de supressão de instância. Ante o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, 1º doristf). Publique-se. Brasília, 27 de setembro de Ministra Rosa Weber Relatora 7