Alencar e uma trama romântica na região de Campinas

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Melissa Coimbra Gomes
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1 Alencar e uma trama romântica na região de Campinas Maria Luisa Pinto de Moura Marialice Faria Pedroso A obra de José Martiniano de Alencar percorre variados temas da literatura romântica buscando valorizar aspectos da nossa realidade durante o período em que viveu e utilizando-se de uma linguagem distanciada do modelo lusitano. Entre os romances regionalistas destacamos Til, uma obra de ficção que se passa no interior do estado de São Paulo. Escritor de grande relevância no panorama brasileiro, José de Alencar nasceu no Ceará mas bem cedo mudou-se para o Rio de Janeiro com a família. Com a vinda do pai, senador do império, ele pode compartilhar da vida da corte e retratá-la em seus inúmeros romances bem como, traçar um grande panorama das diversas regiões brasileiras. Suas posições político-sociais eram nitidamente identificáveis em seus escritos. Alencar empenhou-se na literatura de ficção tornando-se o consolidador do romance no Brasil. Acalentou o sonho de estabelecer uma linguagem brasileira e um nacionalismo através de sua prosa romântica. Sua abordagem contemplou a vida urbana, os costumes, a história brasileira, a diversidade regional e consagrou-se como indianista por excelência. Com o pano de fundo da história José Martiniano de Alencar mescla a realidade com os personagens fictícios a exemplo de Iracema, Ubirajara e o índio Peri, alçados à glória em O Guarani. O inegável sucesso desse romance-folhetim inspirou Carlos Gomes a compor a ópera que exalta ao mesmo tempo, o exotismo, o nacionalismo e o mito do bom selvagem. Dessa forma, ambos consagraram a epopéia do "maravilhoso" nas terras do Novo Mundo. O escritor não era dado à vida boêmia nos tempos de estudante, e, além disso, a tuberculose acompanhou-o por 30 anos. Nas rodas da

2 Faculdade de Direito de São Paulo conviveu com Álvares de Azevedo, outro representante do movimento romântico e também vítima do "mal do século". Assim como sua atividade profissional a obra diversificada de Alencar compõe um rico quadro. Além de advogado era jornalista, proprietário de terras, exerceu vários mandatos como deputado e foi ainda ministro da Justiça. Em busca de um perfil nacionalista para a nossa literatura contemplou o meio rural retratando a fazenda Nossa Senhora do Boqueirão, ao norte do Estado do Rio de Janeiro, em O Tronco do Ipê e o dia-a-dia de uma propriedade cafeeira no interior paulista no século XIX, com a obra Til. Nesse último a realidade do desmatamento, a ocupação de terras pelo plantio do café em substituição à mata nativa convivem com a trama romântica e os conflitos entre personagens e a tradição da roça. Em Til, publicado no ano de 1872, consagra o tempo da permanência do autor numa fazenda da região de Campinas. Dessa trama sobressai a figura de Berta, filha não reconhecida de um fazendeiro da região, que "fora criada para perfumar os abismos da miséria". Fruto de um caso amoroso com desequilíbrio social, aí revela-se um dos conflitos do enredo que é o problema da posse. As lutas pelo domínio do sertão, pela busca de uma identidade e pela preservação de valores mostram a realidade do interior das províncias do Brasil. À exaltação do povo segue-se a exaltação do lugar que contrasta com a paisagem atual. Logo no primeiro capítulo aparece a descrição local que dá a pista da região destacada na trama: [...] " pela ramagem frondente das árvores e renovos que abrolhavam, percebia-se a proximidade de um grande manancial, e entre as crepitações da brisa nas folhas, como um tom opaco desse arpejo da solidão, ouvia-se o múrmure soturno do Piracicaba, que leva ao Tietê o tributo caudal de suas águas" 1. 1 ALENCAR, José M. Til. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1997, p. 13.

3 Vê-se que não só o cancioneiro popular consagrou o afluente do Tietê mas também José de Alencar registrou a sua presença no cenário da expansão territorial durante a marcha do café e a conquista de territórios. A descrição, recurso tão bem cultivado por esse escritor, dá mais pistas : [...] " Era acidentado o terreno, que atravessava esse caminho maciço de uma mata virgem, tão exuberante, que todos os anos fechava com os renovos da vegetação a picada aberta no inverno. O solo aí, como em toda a cercania, cobre-se de uma crosta de argila roxa, afamada na província por sua espantosa fertilidade. Em verdade, quando se deixa Campinas, e a pata dos animais começa a triturar essa terra ferruginosa, tão fácil de converterse em pó sutilíssimo como em profundo tremedal, a natureza muda de aspecto; arrea-se de galas, e aos campos tão monótonos, embora célebres, de Piratininga, sucedem os bosques frondosos de Piracicaba." 2 O palco dos acontecimentos é a fazenda das Palmas, situada a "uma légua de confluência do Atibaia com o Piracicaba, e à margem deste último rio" 3. Pertencia ao senhor Luís Galvão por herança paterna. O fazendeiro casara-se com a filha de um capitalista de Campinas que, com o dote "algumas dezenas de contos de réis", contribuíra para tornar o bem herdado em uma importante fazenda. O autor situa essa obra ficcional em paralelo com a história local, na província de São Paulo, onde "a ferro e fogo foi convertida em campos de cultura uma bela floresta virgem"... "daquela que borda as margens do Piracicaba e vai morrer nos campos de Ipu, ainda restam grandes matas, cortadas de roça e cafezais". Ele data a fundação da fazenda em 1846, quando o café já mostrava uma certa vantagem na convivência com a cana, e que ao ser recebida como herança 2 ALENCAR, José M. Til. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1997, p ALENCAR, José M. Til. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1997, p ALENCAR, José M. Til. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1997, p ALENCAR, José M. Til. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1997, p PUPO, Celso M. de M. Campinas município do império. São Paulo: Imp. Oficial do Estado, 1983, pp PUPO, Celso M. de M. Campinas município do império. São Paulo: Imp. Oficial do Estado, 1983, pp CD-ROM Multimídia. Um mundo chamado São Paulo. Fazenda Salto Grande em Americana, arquivo Condephaat.

4 constituía-se de "um velho casebre caipira, dois cafezais e alguma pouca roça". Após o investimento de Galvão, a propriedade "servia de norma e escola ao agricultor brasileiro". Assim é descrita: [...] "erguia-se na chapada fronteira ao rio uma bela casa de morada em dois lances abarracados, com um pequeno mirante no centro, sobreposto à larga portada; esta abria para o patamar ladrilhado, de uma pequena escada de seis degraus, que descia ao terreiro. Formava o edifício uma face da vasta quadra, onde se foram levantando sucessivamente casas para o administrador e feitores, senzalas para os escravos, o engenho de cana, a fábrica do café, tulhas de feijão e milho, além de outros acessórios do grande estabelecimento rural..." 4. A trama do livro flui e apresenta os conflitos humanos, embora seja obra de ficção. Ainda assim, José de Alencar retratou um universo não muito distante do real que reconhecemos quando mergulhamos no histórico do período que dá início à hegemonia de Campinas como cidade que construiu um percurso na relação campo-cidade. Refinando a informação, sobre as cercanias da fazenda assim encontramos na página 25: [...] Da gente da vizinhança era conhecido aquele lugar por Ave-Maria, talvez de não passar alguém ali, sem romper-lhe dos lábios trêmulos aquela imprecação de susto. Nem sempre fora com eficácia invocada a divina padroeira, pois a tradição conservava o nome das vítimas, que aí haviam sucumbido." [...] O marido estava a partir para Campinas, onde ia demorar-se tres dias a fim de concluir alguns negócios, que talvez o levassem a São Paulo"... 5 À região de Campinas pertenciam as terras de Santa Bárbara do Oeste e Americana, sendo essa última cidade um antigo distrito campineiro

5 onde predominava a indústria têxtil e cujo nome refere-se ao contingente de norte-americanos fugidos da guerra da Secessão. Segundo Celso Maria de Mello Pupo em Campinas, município no império 6, ficou indicado erroneamente que o Solar da Fazenda Salto Grande abrigou a história do romance alencariano. Tal imóvel data do início do século XIX em terras localizadas na sesmaria de Domingos da Costa Machado. Tornou-se um dos grandes solares do açúcar e em 1870 pertencia ao major Francisco de Campos Andrade. No ano de 85 foi lavrado um "contrato de próprio punho" e assinado pelo engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo para a execução de obras civis: "ponte sobre o rio Atibaia, rego d'água, casa de máquinas, casa dos tendais e moinho no valor de nove contos e oitocentos mil réis" 7. Teve vários proprietários incluindo-se a fábrica de tecidos Carioba. Desde 1975 foi desapropriada pela Prefeitura Municipal de Americana, restaurada pelo Condephaat na década de 80 e transformou-se em museu histórico 8. Se não abrigou a trama do romance pode ter servido de inspiração para a obra ficcional já que durante a estadia de José de Alencar pela região, o solar já cumpria o seu destacado papel de sede de propriedade rural "à margem direita do rio Piracicaba". Curiosamente, a fonte histórica nunca menciona o local como produtor de café mas sua origem está associada ao engenho de açúcar e depois a agricultura diversificada tendo o algodão como carro-chefe. Maria Luisa Pinto de Moura Marialice Faria Pedroso

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