C O N S U L T A. Rio de Janeiro, setembro de I A questão
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- Fátima Santana Ferreira
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1 C O N S U L T A Rio de Janeiro, setembro de Ementa: Direito Civil Sucessão - Regime de Bens Comunhão Universal - Indenização Trabalhista Incomunicabilidade Bem reservado Casamento celebrado na vigência do Código Civil de 1916, pelo regime da comunhão universal de bens. Indenização trabalhista recebida pela mulher em decorrência do seu trabalho. Quantia que caracteriza bem reservado, não se comunicando ao patrimônio comum por força dos artigos 246 e 263, XIII, do Código Civil de 1916, aplicável à hipótese por determinação do artigo do Código Civil de Precedente do STJ que não se estende ao caso em concreto, em que ambos os cônjuges trabalhavam e percebiam rendimentos próprios. A decisão da Segunda Seção do STJ deverá ser empregada apenas nas hipóteses em que um dos cônjuges não trabalha em atividade remunerada, tendo, assim, direito à meação de indenização recebida pelo outro em conseqüência do esforço empregado no lar. I A questão Na consulta formulada, indaga- se sobre a possibilidade de haver comunicação ao patrimônio comum do casal, unido pelo regime da comunhão universal de bens, de verba indenizatória de natureza trabalhista, constituída exclusivamente pelo esforço da mulher durante o período de sua relação de trabalho, que foi por ela recebida no ano de 1990, quando se aposentou. Foi dito que o marido da consulente faleceu em janeiro de 2009, deixando testamento em favor da viúva quanto à sua parte disponível. O falecido deixou um filho maior de idade, proveniente de outra relação. 1
2 Foi informado também que a indenização, recebida em 1992, constituiu um fundo de reserva, depositado num banco, para assegurar o pagamento de plano de saúde no futuro, caso a consulente aposentada viesse a ter qualquer dificuldade financeira. Foi utilizada uma parcela da mencionada verba indenizatória para aquisição de dois apartamentos: um para o casal, na cidade de XYZ, e outro para residência do filho maior do falecido, localizado na cidade de XXX. Além disso, foram feitas aplicações em fundo de ações. Colocados os fatos, passamos à análise jurídica da questão. II A legislação aplicável Na questão, a legislação aplicável é a do Código Civil de 1916, uma vez que o casamento foi celebrado sob sua vigência. Ademais, a referida indenização foi recebida no ano de 1992, quando vigente o ordenamento antigo 1. Nesses termos, o artigo 263, XIII, do Código Civil de 1916, ao tratar do regime da comunhão universal de bens (situação aplicável ao casal), dispõe que são excluídos da comunhão (...) os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos. 2 O Código Civil de 1916 já dispunha, em seu artigo 246, que a mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido, terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e à sua defesa. O produto do seu trabalho assim auferido e os bens com ele adquiridos constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente com observância, porém do preceituado 1 O Código Civil de 2002 dispõe: art O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido. 2 O Código Civil de 2002, Lei , de 10/01/2002, manteve idêntico comando normativo, por meio dos artigos 1.659, VI c/c 1.668, V. 2
3 na parte do artigo 240 e nos ns. II e III do artigo 242. (outorga uxória) É importante ressaltar que o instituto do bem reservado, na espécie, deve ser interpretado, após a ordem constitucional de 1988, tanto em favor da mulher quanto do homem, em respeito ao princípio da igualdade, previsto em seu artigo 226, 5º. 3 Ora, a consulente encaixa- se perfeitamente na situação apontada na norma do artigo 246 do Código Civil de 1916, porque exercia regularmente seu oficio, com vínculo empregatício, e auferia renda e bens provenientes do seu trabalho, em atividade profissional distinta de seu marido. Desta maneira, na constância do casamento constituído sob a vigência do Código Civil de 1916, qualquer quantia recebida pela mulher em razão do seu trabalho deve ser tomada como bem reservado, em respeito à norma do artigo 246 do código revogado, ainda mais que o regime de bens firmado entre os cônjuges era o da comunhão universal, que expressamente excluía da comunhão os rendimentos do trabalho (artigo 263, XIII, do Código Civil de ). III A jurisprudência e a necessidade de se observar a norma dos bens reservados O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua Segunda Seção, no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp , firmou jurisprudência no sentido de reconhecer a comunicabilidade das verbas indenizatórias recebidas durante o casamento realizado pelo regime de comunhão universal, verbis: REGIME DE BENS. COMUNHÃO UNIVERSAL. INDENIZAÇÃO TRABALHISTA. 3 Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 4 Art São excluídos da comunhão (...) XIII. Os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos. 3
4 Integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos durante o tempo do casamento sob o regime de comunhão universal. (Sem grifos no original) Com efeito, esclarece- se que o entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ teve como objetivo conferir proteção especial à mulher que não trabalha e se dedica apenas aos afazeres do lar, sendo mais justo estender a ela metade da indenização trabalhista recebida por seu marido, seja sob o regime da comunhão parcial ou da universal. A esse respeito, assim manifestou o Ministro CESAR ASFOR ROCHA, no seu voto condutor do acórdão: Com efeito, penso que na hipótese em exame há de ser mantida a decisão ora embargada, porque, como disse o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, na grande maioria das famílias brasileiras, as rendas dos cônjuges significam o único patrimônio de que dispõem, e, se assim não fosse, tudo que fosse adquirido com o fruto do respectivo trabalho de cada cônjuge, seja na hipótese de comunhão parcial ou mesmo universal, seria considerado bem reservado. Assim, se apenas um dos cônjuges viesse a trabalhar e o outro ficasse apenas cuidando da administração do lar, como acontece na grande maioria das vezes, todos os bens ficariam com a titularidade de apenas um dos integrantes do casal. (Sem grifo no original). Portanto, a jurisprudência do STJ, acima destacada, não se aplica ao caso da consulente, na medida em que ambos os cônjuges trabalhavam e recebiam separadamente os respectivos vencimentos, necessários para o sustento de cada um. Com efeito, a decisão da Segunda Seção do STJ, foi direcionada para as hipóteses em que um dos cônjuges não trabalha em atividade remunerada, quando terá direito à meação de indenização recebida pelo outro, por razão do esforço empregado no lar em favor da família. 4
5 Saliente- se ainda que o marido falecido tinha recursos próprios como oficial superior da Polícia Militar e podia viver tranquilamente com os vencimentos do seu trabalho, cabendo exclusivamente a ele ajudar o seu filho maior, decorrente de anterior união conjugal, conforme sua capacidade e possibilidade. Assim, a situação fática e jurídica da consulente é diversa da analisada na mencionada jurisprudência, porque ela trabalhava e tinha rendimentos próprios, sendo a indenização por ela recebida na rescisão do contrato de trabalho de natureza personalíssima. Nesse passo, cumpre registrar que existe julgado do Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro (TJERJ), o qual consideramos melhor aplicável ao caso, que diz que: Tendo sido o casamento celebrado na vigência do Código Civil de 1916, e tratando-se do regime da comunhão universal de bens, não se pode olvidar que o artigo 263, XIII, do diploma legal em comento, veda a comunicação, no regime da comunhão universal, das verbas trabalhistas de cada cônjuge. Por outro lado, o Código Civil vigente, em seu artigo 1.668, V, remissivo ao artigo 1.659, repete aquela regra, denotando o evidente objetivo do legislador em não permitir a comunicação das verbas concernentes ao trabalho pessoal de cada cônjuge, em virtude de seu caráter personalíssimo. (TJERJ, 4ª Câmara Cível, processo , relator Desembargador Sidney Hartung) Então, a melhor interpretação aplicável à questão em exame foi dada pelo acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acima citado, uma vez que enfrentou o tema especificamente sob o regime da comunhão universal de bens, na vigência do Código Civil de 1916, respeitando a norma do artigo 263, XIII. Desta forma, não se pode estender à consulente a obrigação de partilhar seu patrimônio próprio com terceiro, que não é seu filho, diante da expectativa por ele manifestada em relação a suposta 5
6 herança sobre a indenização por ela recebida em 1990 em razão de rescisão de contrato de trabalho e aposentadoria, que nada tem a ver com o patrimônio do falecido. Diante dos fatos analisados, não seria adequado, razoável nem proporcional, em respeito ao devido processo legal material (artigo 5º, LIV, da Constituição), que a indenização percebida pela mulher, em consequência de sua aposentadoria, alcançada depois de árduos anos de trabalho, seja estendida a terceiro que não é seu filho, maior de idade, que se encontra em condições plenas para o exercício do trabalho e reside em imóvel comprado com recursos oriundos da aludida indenização recebida pela consulente, pelo qual nunca pagou aluguel durante todos esses anos. Portanto, privar a consulente da indenização e seus frutos, representados por bens adquiridos exclusivamente com a mencionada verba (como imóveis e ações), implica ferir a norma que assegura a reserva de seu bem particular (artigo 246 do CC/16), protegido por incomunicabilidade (artigo 263, XIII, do CC/16), que foi constituído como forma de assegurar uma velhice mais tranquila, inclusive formando um capital de reserva para complementação de seus proventos previdenciários, que por si só poderão ser insuficientes para a manutenção de suas despesas pessoais e de saúde. IV Conclusão Isto posto, concluo que a mencionada indenização recebida tem caráter personalíssimo, integrando exclusivamente o patrimônio da consulente, por força dos artigos 246 e 263, XIII, do Código Civil de 1916, que regula a hipótese, nos termos do artigo do Código Civil de Assim, tendo sido constituída unicamente pelo trabalho da consulente, a indenização e os bens e direitos dela provenientes (imóveis e ações), não devem integrar o monte mor do espólio do seu falecido marido. Na esperança de ter respondido à sua questão, coloco- me à disposição para qualquer esclarecimento adicional. Cordialmente. 6
7 Jorge Folena Advogado OAB/RJ
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