Tubularização da Placa Uretral Incisada para correção de hipospádias distais - Técnica de Snodgrass
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- Patrícia Duarte Camelo
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1 ATILA RONDON HERICk BACELAR TéCNICAS CIRúRGICAS ATILA RONDON Urologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto UERJ Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina UNIFESP TiSBU HERICK BACELAR Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina UNIFESP TiSBU Tubularização da Placa Uretral Incisada para correção de hipospádias distais - Técnica de Snodgrass Introdução A hipospádia resulta de um desenvolvimento embriológico anormal do pênis e é defi nida pela presença de um meato uretral ectópico e proximal à sua posição normal na glande, com localização ventral ao longo do pênis, escroto ou períneo. Um espectro de anormalidades, incluindo curvatura ventral do pênis (chordee) e excesso dorsal do prepúcio em forma de capuz (capuchão), está comumente associado à hipospádia 1,2. Esta patologia é a segunda malformação urológica mais frequente em recém-natos, depois da criptorquia, com incidência variando conforme a localização geográfi ca de 1:1000 até 1:100 nascimentos 1,7. Conforme a localização do meato uretral, as hipospádias podem ser classifi cadas em distais (glandar, coronal ou subcoronal 50 a 70% dos casos), médio- -penianas (peniana distal, medial ou proximal 20 a 30% dos casos) ou proximais (penoescrotal, escrotal ou perineal 10 a 20% dos casos) 1,2,6. Esta classifi cação é mais bem aplicada depois da correção da curvatura peniana, quando se tem a real localização do meato uretral 2. O tratamento da hipospádia é eminentemente cirúrgico e uma série de procedimentos cirúrgicos tem sido proposta 2,5,8. Embora as experiências modernas apenas recentemente tenham começado a se aprofundar na compreensão da base genética, hormonal e ambiental da hipos- 24 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013
2 Atila Rondon Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas pádia, a busca por um procedimento cirúrgico que, de maneira consistente, resulte satisfatoriamente, tem ocupado cirurgiões por mais de dois séculos 1. As técnicas modernas evoluíram a partir de uma miríade de operações descritas pelos pioneiros da cirurgia de hipospádia e a compreensão dessas técnicas é importante para a prática nos dias atuais. O tratamento das hipospádias distais depende, essencialmente, da preferência cultural da família da criança. A maioria dos pacientes com este tipo de anomalia não tem um defeito funcional. Consequentemente, o objetivo de colocar o meato uretral em sua posição normal dentro da glande é essencialmente estético e a técnica escolhida depende da anatomia do pênis hipospádico 2,5,9. Na era moderna, centenas de técnicas ou modificações foram descritas para o reparo de hipospádias 1. Vários aspectos estão envolvidos na tomada de decisão sobre a técnica a ser utilizada no reparo das mesmas, desde o aspecto cultural e a vontade dos pais, passando por localização e complexidade da hipospádia, até a familiarização do cirurgião com as variadas técnicas. Não há, portanto, uma técnica padronizada e cada caso deve ser individualizado, a fim de se obter o melhor resultado 1,8. As hipospádias distais podem ser corrigidas com procedimentos baseados no meato uretral, como as técnicas de MAGPI, GAP, procedimento de Pirâmide, Mathieu e Snodgrass (TIP) 1,2,5,7,8. Neste texto, descreveremos a técnica que ultimamente vem ganhando maior popularidade entre os urologistas que se dedicam ao tratamento das hipospádias, a Tubularização da Placa Incisada (TIP Tubularized Incised Plate). Reforçamos que esta não deve ser considerada a técnica de escolha para a correção das hipospádias distais, pois cada caso deve ser avaliado individualmente, mas que consiste em uma técnica de fácil aplicabilidade e que pode ser utilizada na maioria das vezes. Avaliação pré-operatória Várias considerações devem ser feitas no período pré-operatório, para contribuir com o sucesso do tratamento das hipospádias: 1- No que diz respeito ao momento de operar, atualmente, considera-se como ideal realizar o procedimento dos 6 aos 18 meses de idade 10. Antes disso, possíveis complicações anestésicas e o tamanho do pênis podem dificultar sua indicação. Após esse período, a criança inicia o reconhecimento da genitália e se torna menos colaborativa. Em relação às complicações uretrais, no entanto, a idade parece não ser um fator de risco independente No caso de pênis muito pequeno ou glande hipotrófica, o uso de testosterona tópica ou injetável pode ser considerado. Não há consenso na literatura sobre a forma de utilização. Possibilidades incluem 10 : a- Testosterona creme 1 ou 2%, diariamente, 4 a 6 semanas antes da cirurgia; b- testosterona 25 mg IM, 6 e 3 semanas antes da cirurgia ou dose única 30 dias antes. 3- Uma avaliação minuciosa do pênis deve ser feita para tentar determinar a técnica adequada, levando em conta vários fatores, como localização do meato, aparência do meato e da glande, presença ou ausência de chordee, qualidade da pele ventral e do meato uretral, bem como a presença de circuncisão (figura 1) 10. Porém, muitas vezes, só durante o procedimento conseguimos definir qual será a técnica utilizada: a- Uma hipospádia glandar ou distal pode ter o esponjoso e a pele uretral de baixa qualidade. Após a abertura da uretra hipoplásica, eventualmente, a hipospádia se tornará proximal; b- a configuração da glande é, também, um fator importante na cirurgia da hipospádia. Um sulco glandar profundo e largo é aplicável à tubularização preliminar, visto que uma glande rasa requererá um procedimento de retalho ou incisão da placa uretral. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 25
3 Técnicas cirúrgicas Atila Rondon Herick Bacelar Figura 1 Características que ajudam a definir a escolha da técnica a ser utilizada. descrita por Warren Snodgrass (tubularized incised plate TIP), em , é basicamente, uma modificação da tubularização simples da placa uretral, técnica de Thiersch-Duplay. Realizando-se uma incisão longitudinal, promove-se o relaxamento e a ampliação do tecido a ser tubularizado, sem desenvolvimento de fibrose ou estenose em níveis superiores à técnica de Thiersch-Duplay 13. Independentemente da técnica utilizada, uma atenção especial para com o instrumental cirúrgico deve ser estimulada (figura 2). O uso de magnificação óptica (2,5x), pinças e tesouras delicadas e fios finos e absorvíveis são essenciais para reduzir as taxas de complicação. Inicialmente, pontos de reparo de Polipropileno 4-0 são aplicados na glande e prepúcio, para melhor tração durante a cirurgia. Com auxílio de xilocaína geleia a 2%, é realizado o cateterismo uretral, com cateter de 6 a 8 F, para melhor avaliação da qualidade da uretra distal. Preferencialmente, é realizada a marcação da linha de incisão com caneta apropriada, para planejamento, melhor referência após o início da cirurgia e perda de parâmetros anatômicos (figura 3). Caso a uretra distal seja fina e hipoplásica na avaliação após o cateterismo uretral, deve-se realizar a marcação até a uretra sadia. A incisão é feita segundo a marcação prévia, delimitando-se a placa uretral, até cerca de 2mm proximais ao meato uretral hipospádico e também de forma circular no prepúcio interno, para o posterior desenluvamento peniano (figuras 4 e 7). Solução de epinefrina 1: , previamente às incisões, pode reduzir o sangramento. Ainda em relação à hemostasia, o garroteamento peniano intermitente pode ser utilizado durante a cirurgia, para melhor controle hemostático e melhor visualização dos tecidos. Além disso, um Técnica Cirúrgica A técnica de tubularização da placa incisada, Figura 2 Instrumental cirúrgico delicado permite menor agressão aos tecidos e maior precisão nos movimentos. cuidado especial com o uso do eletrocautério deve ser observado, principalmente próximo à placa uretral, para se prevenirem lesões térmicas, preferencialmente, utilizando o bisturi bipolar ou a ponteira em agulha. Ortofaloplastia Apesar de ser menos frequente a associação de curvatura peniana com formas distais de hipos- 26 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013
4 Atila Rondon Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas Figura 3 Marcação da linha de incisão com caneta, para planejamento e melhor referência após o início da cirurgia e a perda de parâmetros anatômicos. Delimitação da placa uretral em hipospádia subcoronal (A). Esquemas de visão frontal (B), lateral (C) e posterior (D), demonstrando as linhas de incisão. pádia, rotineiramente, deve ser realizado um teste de ereção artificial, para a avaliação de curvatura (chordee). A ereção é feita com injeção de soro fisiológico 0,9%, através de uma punção transglandar. Quando presente, a curvatura é discreta e, se necessário, realiza-se a plicatura dorsal, às 12h, com fio de polipropileno 5-0. Incisão da Placa Uretral A placa uretral é, então, delimitada, através de duas linhas de incisão verticais e paralelas. As asas da glande são liberadas do corpo cavernoso de forma ampla, para permitir, posteriormente, mobilização e sutura sem tensão na linha média sobre a placa tubularizada (figuras 5 e 7). Figura 4 Figura 5 Aspecto esquemático após desenluvamento peniano. Indicação do local da incisão da placa uretral (linha tracejada). Liberação ampla das asas da glande (setas) de forma a permitir, posteriormente, mobilização e sutura sem tensão na linha média sobre a placa tubularizada. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 27
5 Técnicas cirúrgicas Atila Rondon Herick Bacelar Em muitos casos, a placa uretral é insuficiente para uma tubularização direta segura (Thiersh- -Duplay), sendo necessário realizar uma incisão longitudinal mediana posterior (TIP), que se prolonga do meato uretral hipospádico até a placa distal glandar (figuras 6 e 7). A incisão deve aprofundar-se pelo tecido subepitelial até próximo aos corpos cavernosos e, após sua realização, a placa deve ter uma amplitude que permita uma tubularização sem tensão sobre o catéter de 6 a 8 F, dependendo do tamanho do pênis. Figura 7 (A) Placa uretral delimitada após desenluvamento peniano. (B) Placa uretral incisada com aumento de sua amplitude. (C) Tubularização da placa incisada. Meatoplastia e Neouretroplastia Para a tubularização, um fio monofilamentar absorvível é preferível (polidioxanona 6-0 ou 7-0). A tubularização é iniciada distalmente com a confecção do meato, que deve ser cuidadosamente constituído, de forma a apresentar um aspecto em fenda que se estenda da ponta até cerca da metade ventral da glande, com folga sobre Figura 6 Esquema demonstrando o afastamento dos bordos da placa, expondo o tecido subepitelial, após a incisão com aumento de sua amplitude. o cateter. Posteriormente, a neouretra é confeccionada em dois planos subepiteliais em sutura contínua, com o segundo plano envolvendo, se possível, o tecido esponjoso, que se abre lateralmente à placa uretral (figura 8). Um retalho de dartos do prepúcio dorsal é mobilizado anteriormente, através de uma casa de botão no tecido ou lateralmente à haste peniana (figura 9), sendo posicionado sobre a neouretra e fixado no corpo cavernoso adjacente com fio absorvível (poliglactina 6-0). Glanuloplastia A reconstrução da glande de forma cuidadosa é um dos principais fatores para um bom resultado estético da cirurgia. As asas da glande, liberadas de forma ampla (figura 5), devem ser simetricamente suturadas na linha média (figuras 8 e 9B), utilizando- -se, primeiro, um ponto de aproximação, para reduzir a tensão, com fio de poliglactina 4-0. Neste mo- 28 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013
6 Atila Rondon Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas Figura 8 Pinças demonstrando o corpo esponjoso abrindo-se lateralmente à neouretra. Após a liberação ampla da glande, as asas são suturadas na linha média (fio). fixado à glande, com dois fios de polipropileno 4-0 (figura 10). O sistema de dupla fralda, com o cateter posicionado até a bexiga, passando por um orifício em uma primeira fralda e coletando urina em uma segunda, pode ser utilizado como tentativa de manter a área menos úmida. mento, já é possível observar a simetria da glande e, caso o resultado não esteja satisfatório, o ponto de aproximação deve ser refeito. A sutura superficial entre as bordas da glande, entre a glande e a extremidade da neouretra e na reconstrução do prepúcio interno ventral, é realizada com o mínimo de pontos necessários, utilizando o fio de polidioxanona 6-0. O prepúcio dorsal é reconfigurado com uma incisão mediana, dividindo-o em duas asas que, ao serem rodadas lateralmente, permitem uma boa cobertura ventral da haste peniana. Fios de poliglactina incolor de absorção rápida ou catgut 5-0 são utilizados para a sutura da pele. Curativo Não há consenso em relação ao tipo de curativo, tempo de troca do mesmo e retirada de cateter. Realizamos o curativo com um filme transparente de poliuretano estéril (Tegaderm ), diretamente sobre a pele, deixando o neomeato uretral e o cateter livres. Sobre este filme, uma camada de gaze, coberta com esparadrapo flexível, é posicionada de forma contensiva e não compressiva, para evitar o risco de sofrimento tecidual. O uso de filme transparente permite trocas diárias do curativo superficial sem grande desconforto, porque não há aderência Figura 9 (A) Dissecção de dartos dorsal. (B e C) Rotação lateral de dartos dorsal. (D) Fixação sobre a neouretra. Cateter Uretral Ao final do procedimento cirúrgico, temos dado preferência ao uso de um cateter uretral de silicone 6 a 8 F, cortado e introduzido de forma que o paciente permaneça continente. Este cateter é, então, V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 29
7 Técnicas cirúrgicas Atila Rondon Herick Bacelar Figura 10 Adaptação de cateter de silicone fixado à glande, apenas como splint, permanecendo o paciente continente. da gaze à pele e ainda possibilita a avaliação evolutiva do pênis. Trocamos o curativo superficial no dia seguinte à operação, mantendo o filme transparente até que o mesmo descole durante o banho da criança, nos dias subsequentes, e mantemos o cateter uretral por 5-7 dias. Resultados e Complicações A taxa de complicação desta técnica tem grande variação na literatura, sendo as principais fístula e estenose do meato. Uma extensa revisão da literatura, publicada em 2008, por Braga e colaboradores, cita taxas de ocorrência de fístula em torno de 5% (0-16%) e estenose de meato de 2,1% (0-17%) 14. O treinamento em urologia pediátrica, o cuidado com detalhes técnicos e o volume de pacientes operados podem explicar esta variação e reforçam a ideia de que o cirurgião que deseja tratar hipospádia deve ter treinamento adequado e dedicação ao seu estudo e prática. REFERÊNCIAS 1. KRAFT K H, SHUKLA A R, CANNING D A. Hypospadias. Urol Clin North Am May;37(2): BASKIN L S. Hipospádias. In: MACEDO Jr A, LIMA S V C, STREIT D, BARROSO Jr U.: Urologia Pediátrica 2ª ed. São Paulo: Rocca, 2004: KALFA N, SULTAN C, BASKIN L S. Hypospadias: Etiology and Current Research. Urol Clin North Am May;37(2): CILENTO Jr B G, ATALA A. Proximal Hypospadias. Urol Clin North Am May;29(2): ZAONTZ M R, DEAN G E. Glandular hypospadias repair. Urol Clin North Am May;29(2): MACEDO Jr A, SROUGI M. Hipospádias. Rev. Assoc. Med. Bras Abr-Jun;44(2): MACEDO A Jr, SROUGI M. Surgery to the external genitalia. Curr Opin Urol Nov;11(6): BASKIN L S, EBBERS M B. Hypospadias: anatomy, etiology, and technique. J Pediatr Surg Mar;41(3): UPADHYAY J, SHEKARRIZ B, KHOURY A E. Midshaft hypospadias. Urol Clin North Am May;29(2): MANZONI G, BRACKA A, PALMINTERI E, MARROCCO G. Hypospadias surgery: when, what and by whom? BJU Int Nov;94(8): BUSH N C, HOLZER M, ZHANG S, SNODGRASS W. Age does not impact risk for urethroplasty complications after tubularized incised plate repair of hypospadias in prepubertal boys. J Pediatr Urol Apr SNODGRASS W. Tubularized, incised plate urethroplasty for distal hypospadias. J Urol Feb;151(2): TANELI F, ULMAN C, GENC A, YILMAZ O, TANELI C. Biochemical analysis of urethral collagen content after tubularized incised plate urethroplasty: an experimental study in rabbits. Urol Res Jun;32(3): BRAGA L H, LORENZO A J, SALLE J L. Tubularized incised plate urethroplasty for distal hypospadias: A literature review. Indian J Urol Apr;24(2): UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013
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