27/07/2018
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- Márcio Ricardo Leal
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1 PROCESSO Nº: AUTOR: CASA CARIBE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA RÉ: AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DECISÃO Cuida-se de ação ajuizada sob o rito ordinário por CASA CARIBE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. em desfavor da AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, com pedido de tutela de urgência para que seja suspensa, em relação à autora, a eficácia dos artigos 6º e 7º da RDC nº 14/2012 da ANVISA, com o objetivo de isentar a autora de tais regras, concedendo-lhe o direito de comercializar seus produtos em todo o território nacional, bem como obter seus registros e renovações junto à ANVISA. Para tanto, relata a empresa autora que a aludida RDC 14/2012, expedida em março de 2012, restringiu o uso de diversos aditivos na fabricação de produtos derivados do tabaco (excetuando apenas os que comprovadamente sejam essenciais à fabricação do produto), bem como proibiu a importação e comercialização de produto fumígeno derivado do tabaco que contenha substâncias sintéticas e naturais, em qualquer forma de apresentação (substâncias puras, extratos, óleos, absolutos, bálsamos, com propriedades flavorizantes ou aromatizantes que possam conferir, intensificar, modificar ou realçar sabor ou aroma do produto, incluindo os aditivos identificados como agentes aromatizantes ou flavorizantes) (art.6º e incisos da RDC 14/2012). Assevera que, dessa forma, a referida Resolução pretende extinguir, em termos práticos, a atividade comercial e cultural do uso do narguilé, pois proíbe a importação, a comercialização e, consequentemente, o consumo de produtos famígenos derivados do tabaco que contenham aditivos flavorizantes ou aromatizantes (art.6º e 7º), entre outros. Sustenta que, ao proceder assim, a ANVISA infringe o art. 7º da Lei nº 9.782/99 e viola direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. 1/8
2 Refere que a ANVISA ao indeferir os registros de comercialização e importação de fumo para narguilé requeridos pela empresa autora, em última análise, acaba por lhe impedir de continuar exercendo sua atividade comercial. Aduz presentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência. Juntou procuração (id ) e documentos. Custas recolhidas (id ). A análise do pedido de tutela de urgência foi postergada (id ). Contestação juntada (id ), com documentos. É o relatório. Decido. Sabe-se que a concessão da tutela de urgência subordina-se ao preenchimento dos pressupostos insertos no art. 300 e parágrafos, do Código de Processo Civil: a probabilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e o perigo de dano (periculum in mora). Numa análise perfunctória, própria desta fase de cognição sumária, vislumbro a presença dos requisitos autorizadores da tutela de urgência. Na hipótese, busca a empresa autora obter os registros para comercialização de fumo para narguilé, postulando, para tanto, a suspensão das disposições elencadas nos arts. 6º e 7º da Resolução RDC ANVISA 14/2012. Com efeito, os referidos arts. 6º e 7º da Resolução RDC 14/2012 da ANVISA assim dispõem: Art. 6º Ficam proibidas a importação e a comercialização no país de produto fumígeno derivado do tabaco que contenha qualquer um dos seguintes aditivos: I substâncias sintéticas e naturais, em qualquer forma de apresentação (substâncias puras, extratos, óleos, absolutos, bálsamos, dentre outras), com propriedades flavorizantes ou aromatizantes que possam conferir, intensificar, modificar ou realçar sabor ou aroma do produto, incluindo os aditivos identificados como agentes aromatizantes ou flavorizantes: a) pelo Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives JECFA (Comitê Conjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)/ Organização Mundial da Saúde (OMS) de Especialistas em Aditivos Alimentares); ou 2/8
3 b) pela Flavor and Extract Manufacturers Association FEMA (Associação dos Fabricantes de Aromas e Extratos). II coadjuvantes de tecnologia (ou auxiliares de processo) para aromatizantes e flavorizantes; III aditivos com propriedades nutricionais, incluindo: a) aminoácidos; b) vitaminas; c) ácidos graxos essenciais; e d) minerais, exceto aqueles comprovadamente essenciais para a fabricação dos produtos derivados do tabaco. IV aditivos associados com alegadas propriedades estimulantes ou revigorantes, incluindo taurina, guaraná, cafeína e glucuronolactona; V pigmentos (ou corantes); VI frutas, vegetais ou qualquer produto originado do processamento de frutas e vegetais, exceto carvão ativado e amido; VII adoçantes, edulcorantes, mel, melado ou qualquer outra substância que possa conferir aroma ou sabor doce, diferente de açúcares; VIII temperos, ervas e especiarias ou qualquer substância que possa conferir aroma ou sabor de temperos, ervas e especiarias; IX ameliorantes; e X amônia e todos os seus compostos e derivados. Art. 7º Fica permitida a utilização dos seguintes aditivos em produtos fumígenos derivados do tabaco: I açúcares, exclusivamente para recomposição do teor de açúcar presente originalmente na folha de tabaco antes do processo de secagem; II adesivos; III agentes aglutinantes; IV agentes de combustão; V coadjuvantes de tecnologia (ou auxiliares de processo) que não sejam para aromatizantes e flavorizantes; 3/8
4 VI pigmentos (ou corantes) utilizados no branqueamento do papel ou do filtro, para imitar o padrão de cortiça no envoltório da ponteira e aqueles utilizados para impressão de logotipos ou marcas; VII glicerol e propilenoglicol; e VIII sorbato de potássio. 1º A adição de açúcares prevista no inciso I fica condicionada à declaração das perdas e da necessidade de reposição, a ser apresentada pelas empresas no ato do peticionamento de Registro ou Renovação de Registro de Produto Fumígeno Derivado do Tabaco Dados Cadastrais ou de Alteração de Dados. 2º A Diretoria Colegiada poderá, mediante ato normativo próprio, aprovar o uso de outros aditivos, considerando as justificativas apresentadas pelas empresas quanto à sua necessidade para o produto fumígeno derivado do tabaco, desde que não alterem seu sabor ou aroma. Ocorre que, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.782/99, a proibição da fabricação, da importação, do armazenamento, da distribuição e da comercialização de produtos e insumos somente é permitida em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde, sendo certo que o art. 8º do mesmo diploma legal dispõe que a ANVISA incumbe regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde, sempre respeitada, contudo, a legislação em vigor. Compete a ANVISA, dessa forma, estabelecer normas de caráter secundário, no caso resoluções, mas sempre respeitando os limites impostos pelo princípio da Legalidade. O cerne da questão, portanto, consiste em analisar se poderia a ANVISA inovar no ordenamento jurídico a ponto de estabelecer exigências e restrições não previstas em lei. Entendo que não. A uma porque fere o princípio da legalidade previsto no art 5º, II, da Constituição Federal que dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei ; a dois porque, como referido, a restrição de uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco é matéria regida pelo princípio da legalidade e, no caso, a ANVISA, por meio de ato secundário, inovou no ordenamento jurídico criando exigências e restrições não previstas em lei (em sentido estrito). Com efeito, segundo a melhor doutrina, os atos secundários, são atos normativos, expedidos pelas altas autoridades do executivo para regulamentar matéria exclusiva e se caracterizam, tais como os regulamentos, por serem expedidos com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja 4/8
5 aplicação demande atuação da Administração Pública (Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 32ªed., São Paulo, MALHEIROS EDITORES, 2015, p.351). Dessa forma, não resta dúvidas que a ANVISA extrapolou de seu poder regulamentar ao editar a Resolução RDC 14/2012, haja vista que, no caso, não há hipótese de violação da legislação pertinente e tampouco risco iminente à saúde pública, que não aqueles já conhecidos e decorrentes do uso de qualquer produto fumígeno não proibido por lei. Portanto, não pode a ANVISA causar entraves à comercialização de produto amparada em Resolução que, embora tenha voltado a produzir seus efeitos com o empate no julgamento da ADI nº (5x5), é nitidamente atentatória ao princípio da legalidade. Sobre o assunto, aliás, assim se manifestou, com propriedade, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, em seu voto na referida ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4874): (...) Na hipótese, a Resolução 14/2012 da Diretoria Colegiada da ANVISA não respeitou os limites da delegação congressual estabelecidos para sua atuação, cujos standards foram fixados pelas Lei 8.080/1990 (SUS), Lei 9.782/1999 (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, criação e atribuição de competências da ANVISA) e Lei 9.294/1996 (Lei Antifumo, com a redação dada pelas Leis Federais /2000, /2003 e /2011) O artigo 3º, 1º, I, da Lei 8.080/90 definiu vigilância sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo. Por sua vez, a Lei 9.782/99, em seus artigos 2º, 7º e 8º, estabeleceu que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nos termos da lei, exercerá competência de vigilância sanitária podendo normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde (Art.2º, III), atuar em circunstâncias especiais de risco à saúde (Art. 2º, VII), estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde (Art. 7º, XV) e, finalmente, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, entre eles, cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco (Art. 8º, X), classificados como produtos que envolvem risco à saúde (caput do Art. 8º). Por fim, a legislação em vigor mencionada no artigo 8º da Lei 9.782/99 (como de observância obrigatória pela Agência, no exercício de sua atribuição de regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, como cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto 5/8
6 fumígeno, derivado ou não do tabaco) é a Lei 9.294/1996 (Lei Antifumo, com redação dada pelas Leis Federais /2000, /2003 e /2011), que fixa como regra principal a autorização da fabricação, comercialização, importação e uso e cigarros e cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, que, repita-se, foram classificados como produtos que envolvem risco à saúde. A própria Lei 9.294/96, com posteriores alterações, trouxe as proibições legalmente possíveis: (a) vedação absoluta de venda a menores de 18 anos; (b) vedação absoluta de comercialização por via postal; (c) proibição do uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público, inclusive as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema; (d) vedação do uso em aeronaves e veículos de transporte coletivo; (e) vedação, em todo o território nacional, da propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de vendas, desde que acompanhada das cláusulas de advertência; (e) vedação de distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde; de propaganda por meio eletrônico, inclusive internet; de realização de visita promocional ou distribuição gratuita em estabelecimento de ensino ou local público; (f) vedação a patrocínio de atividade cultural ou esportiva; a propaganda fixa ou móvel em estádio, pista, palco ou local similar; a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos programas produzidos no país após a publicação desta Lei, em qualquer horário; (g) vedação à comercialização em estabelecimento de ensino, em estabelecimento de saúde e em órgãos ou entidades da Administração Pública. Nota-se, portanto, que a partir do binômio centralização política governamental e descentralização administrativa, a delegação congressual desta matéria não fixou como standard a possibilidade de proibição total em relação à fabricação, à importação, ao armazenamento, à distribuição e à comercialização de produtos e insumos relacionados a cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, mesmo em se tratando de uma de suas espécies. Da mesma maneira, essa proibição não é prevista na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional incorporado ao ordenamento interno pelo Decreto 5.658/2006, por meio do qual o Brasil expressamente ratificou a prescrição de adoção de medidas concretas voltadas ao desestímulo ao tabagismo com a adoção e aplicação de medidas legislativas, executivas e administrativas, ou outras medidas eficazes aprovadas pelas autoridades nacionais competentes (Art. 9). Somente pela regulamentação concretizada pela ANVISA por meio da Resolução da Diretoria Colegiada 12/2014, ignorando os Standards legais, houve a vedação de maneira absoluta de utilização de aditivos em todos os produtos fumígenos derivados do tabaco comercializados no Brasil, como também a proibição, de maneira absoluta, da importação e da comercialização no país de produto fumígeno derivado do tabaco que contenha qualquer dos aditivos apontados em seu artigo 6º. Assim agindo, a ANVISA desrespeitou duplamente o princípio da legalidade e os standards fixados pelo Congresso Nacional. Primeiramente, por classificar esse produto genericamente na condição de risco iminente a saúde (Inciso XV, do Art. 7º da Lei 9.782/99), quando a própria legislação expressamente o classifica como 6/8
7 produto que envolve risco a saúde pública. E, a partir da primeira ilegalidade, determinar a vedação absoluta de sua utilização, comercialização e importação, quando também a legislação expressamente autoriza, como regra, mas prevê diversas restrições. Não se nega ao Estado a legitimidade constitucional para restringir a fabricação, comércio e consumo de produtos e insumos desde que tal restrição tenha fundamento idôneo, adequado e proporcional à proteção de um bem jurídico com assento na Constituição e realizado pela autoridade competente na presente hipótese, o Poder Legislativo, diretamente, ou por delegação expressa, a Agência, inexistente na presente hipótese. No caso, há indiscutível consenso científico em torno dos malefícios proporcionados pelo consumo de tabaco e a repercussão social que a disseminação do tabagismo acarreta, independentemente da presença de substâncias sintéticas e naturais, em qualquer forma de apresentação (substâncias puras, extratos, óleos, absolutos, bálsamos, dentre outras), com propriedades flavorizantes ou aromatizantes que possam conferir, intensificar, modificar ou realçar sabor ou aroma do produto, incluindo os aditivos descritos na Resolução. Porém, independentemente dessa constatação, a legislação autoriza a importação e a comercialização no país desses produtos fumígenos derivados do tabaco, com as restrições já mencionadas. Portanto, a alegação dos estudos técnicos desenvolvidos e apresentados no trâmite para a edição da RDC 14/2012, que sustentam a afirmação de que a proscrição das substâncias listadas é medida apta a diminuir a atratividade dos produtos do tabaco e, consequentemente, desestimular o consumo de cigarro, especialmente por consumidores menores de idade, não se justifica do ponto de vista legal, uma vez que, repita-se, existe a expressa vedação legal para a venda de qualquer tipo de cigarro, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, a menores de dezoito anos. O ato normativo da Agência pretendeu estender essa proibição a todos, inclusive aos maiores de dezoito anos, para quem existe autorização legal. Ao órgão controlador é permitida a edição de restrições e não a proibição total do acesso ao consumo, pois é garantida por lei a própria opção daqueles que, maiores de idade, decidam-se pela escolha de sabor e aroma que mascarem as características sensíveis do cigarro. (...) Estas razões consubstanciam, portanto, a probabilidade do direito alegado pela autora, ao lado do fundado perigo de dano (art. 300 do CPC). Este último requisito perigo de dano concorre na circunstância da autora ver-se impossibilitada de exercer sua atividade empresarial caso não obtenha os registros de fumo para narguilé pretendidos. Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para que seja suspensa, em relação à autora, a eficácia dos artigos 6º e 7º da RDC nº 14/2012 da ANVISA, determinando a ré que defira os pedidos de registro e de renovação de registro de 7/8
8 comercialização de fumo para narguilé requerido pela autora, se o único óbice para tanto foram as restrições importas pelos artigos 6º e 7º da RDC nº 14/2012. Intime-se a autora para, no prazo de 15 dias, apresentar réplica à contestação, e para especificar as provas que ainda pretende produzir, justificadamente. Após, intime-se a ANVISA para, no prazo de 15 dias, também manifestar seu interesse na produção de provas, justificadamente. Intimem-se. Brasília, 26 de julho de SOLANGE SALGADO Juíza Federal da 1ª Vara SJ/DF Imprimir 8/8
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