VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER POSSIBILIDADES E DESAFIOS DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE DO SUL DE MINAS
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- João Gabriel Ávila
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1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER POSSIBILIDADES E DESAFIOS DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE DO SUL DE MINAS Luziani Aparecida de Oliveira Desiree Albuquerque Biasoli RESUMO Este artigo debate o serviço de proteção especial em cidades de pequeno porte para atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica, por meio de pesquisa realizada a partir da análise da prática profissional do Assistente Social. 1. Introdução O presente artigo resulta de pesquisa realizada junto a assistentes sociais sobre demandas do atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica em municípios de pequeno porte. A investigação de possibilidades e desafios da atuação do assistente social frente à violência doméstica contra mulher foi realizada com 15 assistentes sociais que compõem a rede pública governamental dos municípios pesquisados, sendo Alterosa, Areado, Conceição da Aparecida e Carmo do Rio Claro, que constituem municípios de pequeno porte, localizados ao sul de Minas Gerais e mantém relação de comarca jurídica. O estudo sobre violência doméstica contra mulher tem se apresentado de forma relevante, uma vez que o fenômeno ocorre no ambiente familiar e é recorrente na atualidade, e, portanto no âmbito do Serviço Social é demanda que se apresenta para o trabalho do assistente social em especial nos espaços sociocupacionais dos serviços da política de assistência social e pela compreensão de que após homologação da Lei /06 Lei Maria da Penha o enfrentamento a esta violência ganha destaque, dando força à realização de estudos e ações na busca da erradicação desse fenômeno conhecido como violência doméstica contra mulher. A pesquisa de campo possibilitou conhecer desafios do trabalho do assistente social em municípios de pequeno porte, em relação à demanda de atendimento de mulheres vítimas de violência, identificando a ausência de uma rede de proteção para o atendimento de mulheres vítimas de violência para os municípios pesquisados.
2 Portanto, tem como fundamento que a interlocução do assistente social com essa questão se faz necessária, considerando profissional que trabalha na perspectiva da luta e garantia de direitos. 2. Breve histórico sobre Violência Doméstica contra Mulher: violência de gênero e o poder em questão A Organização das Nações Unidas (ONU, 1992) define a violência doméstica contra mulher como: qualquer ato baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos sexuais e psicológicos da mulher, inclusive ameaças de tais atos de coerção e privatização da liberdade seja na vida pública ou privada. Definido violência doméstica ou vida privada a que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual. Na década de 1980, o movimento feminista no Brasil se consolida como movimento social ampliando questões propriamente feministas com significativas incorporações em associações profissionais, partidos e sindicatos, colocando a mulher como sujeito social. Desse modo, o avanço do movimento fez o eleitorado feminino um alvo de interesses e começaram a incorporar as demandas das mulheres aos seus programas eleitorados (COSTA, 2005, p. 04). Ressalta-se em contrapartida ponto importante. A visibilidade que a questão de combate à violência contra mulher passa a ter em 1983 com a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina, e em São Paulo em 1985 com a criação da primeira Delegacia Especializada da Mulher (DEAM). Nessa perspectiva, conforme Lisboa e Pinheiro (2005, p. 201): O movimento feminista teve um papel preponderante no que tangue a lutas e conquistas de políticas sociais para as mulheres que sofrem violência. Inicialmente, atuação das feministas esteve mais ligada à perspectiva de denunciar a violência contra a mulher e, num segundo momento, desenvolveu ações buscando garantir o atendimento e o apoio através de serviços específicos para as mulheres que viviam situações de violência, como os SOS mulher, e as Delegacias Especiais de Atendimento a Mulher (DEAM).
3 Desse modo, compreende-se que o movimento feminista mobilizou tarefa histórica para elaboração da CF- 88, através do debate e de indicações sobre direitos na perspectiva de gênero, defendendo a mulher cidadã plena e participante da história. Do ponto de vista legal, representa um inegável avanço comparado aos períodos anteriores. No entanto, há ainda muito por fazer, principalmente no que diz respeito a mudanças culturais na sociedade, pois persistem diferenças hierárquicas e de poder entre o masculino e o feminino em benefício do homem. É justamente a partir da luta política e de movimentos de mulheres que surgem organizações e órgãos voltados a assegurar e defender os seus direitos. Nessa perspectiva, é necessário criar condições para a mudança de mentalidade, para o reconhecimento e superação das condições sociais, culturais, institucionais que mantém a mulher numa condição vulnerável e subalterna. Em 2002, foi criada a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher com o compromisso de propor e monitorar políticas públicas para as mulheres. Em 1º de janeiro de 2003, esta Secretaria foi transformada em Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), ligada à Presidência da República, inaugurando um novo momento da história do Brasil, no que se refere à formulação, coordenação e articulação de políticas públicas para promover a igualdade de gênero. Criada em julho de 2004 a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (1ª CNPM), foi um marco na afirmação dos direitos da mulher e mobilizou, por todo Brasil, cerca de 120 mil mulheres que participaram dos debates e apresentaram propostas para a elaboração do 1º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (1º PNPM).A elaboração do 1º PNPM em 2005 materializa compromisso de governo presidencial assumido em 2002, reconhecendo que é papel do Estado enfrentar as desigualdades entre homens e mulheres, através de ações e políticas públicas, com apoio da SPM. No bojo da conquista com a Lei Maria da Penha, é realizada em agosto de 2007 a 2ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (2ª CNPM), que validou princípios e pressupostos da Política Nacional para as Mulheres, bem como diretrizes e prioridades apontadas na 1ª CNPM. Nesse percurso foi aprovado o 2º Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2º PNPM) que compreende os anos de , introduzindo novos eixos estratégicos de forma a
4 identificar segmentos de mulheres em situação de vulnerabilidade, ou de qualificar os procedimentos e os meios para obtenção de resultados. Convém destacar a existência de documentos internacionais que ratificam a necessidade de proteger e assegurar os direitos das mulheres, tais como: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW (1979), Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência conta Mulher conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994) e a Lei nº /06 Lei Maria da Penha. Por que uma lei especial de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres?. De acordo com a pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC (2010) 1, realizada em 25 estados com mulheres e 1181 homens com mais de 15 anos nos espaços públicos e privados a cada dois minutos cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil. Nessa direção, defende-se o estudo sobre violência doméstica contra mulher como elemento importante e como realidade que deve ser preocupação de garantia de direitos humanos. Portanto, a homologação da Lei Maria da Penha representa o resultado de reivindicações, discussões do poder público e da sociedade civil sendo resposta a essa demanda, afirmando em seu 1º art. a finalidade de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulher, nos termos do 8º do art. 226 da constituição Federal. E em seu art. 2º ressalta o reconhecimento legal de que política pública de defesa da mulher é questão de gênero. Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (LEI Nº , 2006). Reconhece-se também que a Lei Maria da Penha representou um marco histórico para a legislação brasileira, na qual caracteriza a violência doméstica e familiar como violação dos direitos humanos das mulheres. Convém lembrar que a Lei Maria da Penha preconiza proteção a mulheres vítimas de violência doméstica, contemplando para além de medidas protetivas, medidas de prevenção e conscientização às vitimas violentadas. 1 Para maior conhecimento sobre a pesquisa consultar o site /pesquisaintegra.pdf. Acesso em: 22 maio 2011.
5 Completando em 7 de Agosto de 2011 cinco anos de existência, a Lei Maria da Penha tem 80% de aprovação dos brasileiros, segundo pesquisa deste ano da Fundação Perseu Abramo (2011). No entanto, o próprio legislativo reconhece que ainda é necessário maior empenho do Poder Público e da sociedade para fazer com que a lei seja efetivamente cumprida (Feghali 2011, online). A história revela que por vários séculos o papel da mulher resumia-se em uma única função, a procriação, e decorrentes cuidados da família para fornecer um ambiente familiar agradável, papel esse alcançado num processo de alienação. Ao mudar sua conduta ela é julgada dentro da sociedade como mulher que saí dos padrões ou papéis estabelecidos de defesa intransigente de uma determinada hierarquia e poder. Que perpassa pela questão de gênero homem-mulher e de poder econômico dentro do próprio gênero feminino. Huhner inclusive destaca o surgimento das mudanças de papéis se iniciando com mulheres de classe alta e média em decorrência de sua situação financeira. As mudanças nos papéis e nas atividades das mulheres continuam a ocorrer mais rapidamente nas áreas urbanas que nas rurais. Durante a última década, as mulheres das classes média e alta das cidades puderam dispor de oportunidades cada vez maiores de emprego de educação, bem como de atividades fora do lar (HUHNER, 1978, p.161). Reconhece-se que tanto mulheres quanto homens têm uma identidade de gênero dentro da sociedade, atribuindo-lhes um caráter fundamentalmente social, na qual a sociedade impõe à mulher e ao homem comportamentos e normas diferentes. Nessa perspectiva, as relações de gênero se estabelecem dentro de um sistema hierárquico que dá lugar as relações de poder nas quais o masculino predomina sobre o feminino, expressando diferenças além das diferenças genitais. Os valores e ideias existentes na sociedade estabelecem uma hierarquia de poder entre os sexos e faz com que a relação dominação-submissão entre homem e mulher esteja presente em todos os lugares: na família, nas empresas, nas igrejas, nos sindicatos, nos partidos políticos, etc. (ROCHA apud CARVALHO, 2009, p.21). Concorda-se com Saffioti apud Rocha (2007, p.12), ao considerar às relações de gênero como relações de desigualdades, pois as diferenças entre homens e mulheres tem sido
6 sistematicamente convertidas em desigualdades em detrimento do gênero feminino, embora Rocha (2007) indica que os homens também podem ser vitimizados pela violência de gênero, defende-se que o deve ser combatida não são as diferenças e, sim as desigualdades de gênero e nessa direção as desigualdades impostas a mulher sublevam-se á violência sofrida pelo homem. Violência de gênero, conquanto relacional, é construída em bases hierarquizadas, objetivando-se nas relações entre sujeitos que se inserem desigualmente na estrutura familiar e societal. Assim, enquanto tendencialmente essas relações subjugarem a categoria feminina, a violência de gênero produzirá exponencialmente vítimas mulheres. Na medida em que homens e mulheres se apropriam e intervêm contraditoriamente nessas relações, em escala bastante reduzida, a violência de gênero pode também vitimizar homens (ALMEIDA apud ROCHA, 2007, p.14). A violência de gênero, para Rocha (2007), resulta em outras violências destacando-se a violência doméstica resultado da violência conjugal, no núcleo familiar permeado pela visão patriarcal dando configuração a emergência da violência de gênero. Daí a importância de se partir da análise sócio histórica para melhor compreensão da violência doméstica contra mulher, pois tal fenômeno constitui-se como uma das expressões da questão social, sendo este o objeto de trabalho dos assistentes sociais, conforme Iamamoto (2011). Reconhecendo que ainda em nossa sociedade prevalece à visão da mulher inferior ao homem, um desafio para os profissionais que trabalham com essa questão, defende-se a análise desse fenômeno importante para a intervenção do assistente social, que tem entre seu compromisso ético-político de categoria profissional a construção de uma sociedade igualitária. Nessa direção, destaca-se a importância de políticas e legislação que assegurem os direitos da mulher, enquanto igualdade de gênero. 3. Análise do desenho da rede de atendimento Como referência para análise da rede de atendimento partiu-se das deliberações apresentadas no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra mulheres criado em agosto de 2007 e revisionado em Este documento requer garantir a prevenção e o combate à violência, a assistência e a garantia de direitos às mulheres.
7 O desenho da rede de proteção às mulheres está apresentado em diagrama no Pacto, indicando quatro esferas na formação de uma rede de atendimento sendo elas: Esfera da assistência social, constituída pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Serviço de abrigamento/acolhimento no âmbito da proteção básica. Casa Abrigo e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) responsável pela proteção especial. Esfera de segurança pública composta pela Polícia Rodoviária, Polícia Civil, Instituto Médico Legal, Polícia Federal, Bombeiros, Polícia Militar no âmbito do pronto atendimento. Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) e o Núcleo/posto/seção de atendimento à mulher para atendimento especializado e trâmites legais. Esfera da Justiça composta pela Defensoria Pública, Ministério Público, Posto de Atendimento humanizado nos aeroportos (tráfico de pessoas), Juizado Criminal Cível e juizados especializados, promotorias especializadas, defensorias especializadas; Esfera da saúde, na proteção básica, compreendida por serviços não especializados (hospitais gerais, postos de saúde, etc.), programa de saúde da família e na proteção especial serviços/programas de saúde especializados de violência sexual e doméstica. No núcleo central do diagrama é colocado o Centro de Referência de Atendimentos à Mulheres - ligue 180. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009) demonstra que os municípios de maior porte populacional apresentam maior acessibilidade aos serviços especializados, enquanto os municípios de menor porte populacional tem insuficiência desses serviços. Este dado revela já a característica de municípios de pequeno porte, o foi corroborado pela pesquisa no Sul de Minas Gerais, nos municípios de Alterosa, Areado, Conceição da Aparecida, Carmo do Rio Claro, classificados pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) como municípios de pequeno porte I e II. Ao buscar conhecer a rede de atendimento destinada a mulheres vítimas de violência nos municípios pesquisados temos 04 municípios com CRAS, 01 município com CREAS, presença da polícia militar conforme legislação em todos os municípios, 02 municípios com Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, 01 município com divulgação sistemática do serviço nacional de telefone gratuito, 01 município com a informação de possuir Abrigo embora por pesquisa
8 documental registra-se não existência de abrigo em nenhum dos municípios e nos 04 municípios há o serviço gratuito para orientação jurídica. Os municípios também indicaram a Secretaria Municipal de Assistência Social como referência no atendimento. A pesquisa foi realizada com 15 assistentes sociais em exercício profissional em órgãos governamentais utilizando questionário semiestruturado sobre demandas do trabalho do serviço social no atendimento de mulheres vítimas de violência. Com relação à caracterização da demanda nos municípios temos que 40% das mulheres vítimas de violência não formalizam denuncia, 10% arquivam a denúncia. Os sujeitos da pesquisa ainda indicaram existência de demanda reprimida, ou seja sem nenhum tipo de comunicação da violência sofrida, e 30% dos questionados classificam como notória a existência dessa violência. Quanto ao tipo de violência sofrida com maior frequencia nos municípios é destacada com 42% a violência física, 29% a violência verbal ou moral e 29% violência psicológica. Diante dos dados obtidos com a pesquisa em relação à violência contra mulher, temos predominância, portanto de vítimas que não denunciam seus agressores, e sofrem violência física. A violência contra mulher é um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridade ou raças, conforme expressa o pacto. Dentro dessa discussão, defendemos que o Estado brasileiro adote políticas públicas, acessíveis a todas as mulheres, que englobem as diferentes modalidades pelas quais ela se expressa [...] e dá visibilidade de que a violência doméstica é um problema da maior gravidade (TEXTO BASE DO PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES, 2010 p.2). Sendo assim, a violência doméstica contra mulher constitui-se uma expressão da questão social sendo inserida em todo espaço urbano não sendo diferente em municípios de pequeno porte, o qual identifica que a rede existente nos municípios pesquisados é insuficiente para eliminar a violência doméstica. Considerando as políticas sociais campo de luta privilegiado do exercício profissional do assistente social, tanto pela possibilidade de atuar diretamente na realidade de inserção dos usuários dessas políticas, quanto pela competência teórico-metodológica de intervenção e análise, entendemos que através da sua prática profissional pode-se conhecer a realidade que vivenciam no nosso interesse de pesquisa, vítimas de violência.
9 A maioria dos profissionais sujeitos da pesquisa relatou que há ausência da rede de proteção para mulheres vítimas de violência doméstica nos municípios investigados. De fato, esse fator encontra-se presente na fala das (os) Assistentes Sociais: Os desafios enfrentados são a falta de equipamentos municipais como, por exemplo: casa abrigo, CREAS para municípios com menos de habitantes (ASSISTENTE SOCIAL 2). A falta de uma delegacia da mulher ocasiona a omissão do poder público na medida em que não favorece a vítima o acesso à justiça. A delegacia especializada seria a porta para o acesso aos serviços de proteção social e defesa a que a mulher vítima de violência tem direito (ASSISTENTE SOCIAL 4). Moreira Rocha (2010, p. 30) em pesquisa realizada no município de Alterosa registrou a necessidade da existência de casa-abrigo para as mulheres vítimas de violência doméstica. O que relacionamos com outro dado coletado em nosso estudo onde o relato da (o) assistente social, dá visibilidade sobre o medo que mulheres sentem em denunciar seus agressores: Outro desafio é o medo das mulheres agredidas em denunciar o agressor, pois assim não sabemos exatamente o número de casos (ASSISTENTE SOCIAL 3). Nesse viés, a autora citada apresenta a importância do abrigo, entendendo que é: uma medida para manter emergencialmente protegidas as mulheres em situação de violência e o atendimento deve-se orientar-se na reflexão referente às relações de gênero enquanto construção histórico-cultural que tem legitimado as desigualdades e a violência contra as mulheres. (CARLOTO E CALÃO apud MOREIRA ROCHA, 2010, p.30). Dessa forma, está evidenciado que a falta dos aparelhos de proteção às vítimas de violência, previstos na Lei Maria da Penha, é um dos fatores que incidem diretamente nas estatísticas sobre a violência que torna vítimas a mulher no espaço doméstico. A não existência de uma rede especializada incide ainda sobre as possibilidades de atuação profissional não só do assistente social, mas de todos os que lidam com essa questão, na direção de limitá-la. Outro dado apresentado pelos profissionais que trabalham no combate à violência doméstica é a falta de capacitação dos profissionais que trabalham no âmbito desta questão.
10 Os desafios são muitos, pois muitos trabalhadores da área não estão capacitados para trabalhar na Política de Defesa e garantia de direitos da mulher, outra dificuldade grande é que nós assistentes sociais não temos apoio e reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos poderes executivos e legislativos, pois desconhecem a política não só de defesa de mulheres, mas principalmente a Política de Assistência (ASSISTENTE SOCIAL 7). Nesse percurso, Lisboa e Pinheiro (2005 p.200) apontam que o grande desafio no enfrentamento da violência contra mulher é a efetivação de uma rede de serviços que agregue os diferentes programas e projetos, consolidando uma política social de atendimento. Nessa linha de raciocínio, compreende-se que as mulheres desconhecem seus direitos, principalmente no que concerne a Lei Maria da Penha apesar da lei ter uma divulgação na mídia e estar em vigor, às próprias usuárias desconhecem seus mecanismos de proteção e efeitos (MOREIRA ROCHA, 2010, p. 30). Assim, observamos que essa demanda em relação à orientação dessas usuárias está relacionado ao profissional da assistência social. 4. Possibilidades e desafios do trabalho do assistente social Através da pesquisa realizada é possível apontar possibilidades e desafios do assistente social no seu cotidiano profissional em relação à demanda investigada. Ao meu ver, o maior desafio para o Assistente Social é a constituição de uma rede de proteção para o atendimento de mulheres vítimas de violência, isto porque, enquanto a responsabilidade pela violação dos direitos fundamentais deste grupo decai somente sobre um ou outro profissional ou setor, nenhum resultado compensatório poderá ser verificado. Por outro lado, pode-se afirmar que tem ainda o desafio de superação da banalização que recai sobre a temática, tanto que é comum depararmos com afirmações do tipo: É sem vergonha mesmo (...) não sai de casa porque não quer (...) ; Ah! Se gosta de apanhar e de sofrer não posso fazer nada (ASSISTENTE SOCIAL 1, grifo nosso). Iamamoto (2011) nos traz considerações sobre essa atuação profissional limitada, na qual a autora ressalta que embora seja um sujeito profissional de competência para defender seu campo de trabalho tem limites dados na alienação de parte dos meios e condições necessárias á efetivação de seu trabalho.
11 É uma ação de um sujeito profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes, passíveis de serem impulsionadas pelo profissional. [...] as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvêlas transformando-as em projetos e frentes de trabalho (IAMAMOTO apud MOREIRA ROCHA, 2010, p.61). No entanto [...] o assistente social, em função de sua qualificação profissional, dispõe de uma relativa autonomia teórica, técnica e ético-política na condução de suas atividades. Todavia essas dependem de meios e recursos para serem efetivadas, os quais não são propriedades do assistente social, visto que se encontra alienado de parte dos meios e condições necessárias à efetivação de seu trabalho (IAMAMOTO, 2011, p.99). No que tangue ao Serviço Social é necessário conhecermos o cenário cotidiano para que possamos desenvolver um trabalho com qualidade aos nossos usuários. Pois, é na vida cotidiana em suas expressões da questão social que nossa prática se realiza, porém precisamos conforme expressa Martinelli apud Neves (2011, p.76) [...] saber ler também o cotidiano, pois é ai que a história se faz, aí que nossa prática se realiza. Com base na discussão de Lisboa e Pinheiro (2005, p.205) temos que o cotidiano profissional é o espaço que oferece as oportunidades, os desafios e os limites para a ação profissional. Conhecer contornos, potencialidades, demandas e respostas possíveis é condição primeira para o exercício profissional competente e comprometido com os usuários. Assim, destaca-se a ênfase de Iamamoto (2011) sobre a crise que vivenciamos e os desafios postos ao assistente social sendo que: O desafio é re-descobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual; traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente a essa questão social e que sejam solidárias como o modo de vida daqueles que vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. Essa discussão é parte dos rumos perseguidos pelo trabalho profissional contemporâneo (IAMAMOTO, 2011, p.75). Desse modo, defende-se que nós assistentes sociais trabalhamos com o compromisso de construir uma sociedade melhor que prioriza a liberdade, a democracia, igualdade e equidade social, de acordo com nosso projeto ético-político, sendo importante a busca pela formação
12 continuada e exercício competente na direção da emancipação política via reconhecimento e efetividade de direitos sociais. 5. Considerações finais Para finalizar, fica a defesa que este estudo pode contribuir para fortalecer o trabalho do assistente social, considerando que é profissional que trabalha na perspectiva da luta e garantia de direitos e na sua intervenção se depara com a demanda de apoio e orientação a mulheres em situação de violência, sendo a efetivação de canais de proteção social primordiais. Destaca-se que as principais dificuldades enfrentadas pelos municípios de pequeno porte referem-se a aspectos relacionados a financiamento, qualidade dos serviços prestados para mulheres vítimas de violência, conscientização das mulheres vítima de violência e ausência de uma rede especializada para o atendimento, como apontado pelos profissionais sobre os desafios enfrentados. Diante do exposto, ressalta-se a necessidade de investimento, ou seja, financiamento social voltado para programas e projetos de atenção a mulheres vítimas de violência, e à extensão que essa alcança no âmbito familiar, com vistas a atender ao que prevê a lei, visto que, cada vez mais se amplia à demanda e a necessidade por esse serviço. Assim, defende-se que todo espaço urbano inserido no contexto social contemporâneo apresenta o agravamento de expressões da questão social, não sendo diferente em município de pequeno porte em relação à violência cometida contra a mulher no espaço familiar, onde a rede de atendimento é insuficiente para eliminação das práticas violentas contra mulheres, indicando falhas em relação à efetividade dos mecanismos legislativos de defesa de direitos, considerando que não há cobertura territorial de garantia de prestação dos serviços necessários. Falhas estas em especial, em municípios de pequeno porte uma vez que a proteção social especial não é contemplada, e não há organização qualificada regional de uma rede de proteção para mulher vítima de violência doméstica. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de Obra coletiva da Editora Saraiva, 4. ed. São Paulo, 2007.
13 BRASIL. Presidência da República. Secretária Especial de Políticas para Mulheres. Contribuição da Secretaria Especial para as Mulheres para as Conferências Estaduais. Documento Base. I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. - Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Instrumentos Internacionais de Direitos das Mulheres. Brasília, Disponível em: < publicacoesteste/publicacoes/2009/munic-2009.pdf>. Acesso em: 10 set BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. I Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, Disponível em: < Acesso em: 14 maio BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, Disponível em: < >. Acesso em: 20 maio BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres. Brasília, Disponível em: < publicacoes-teste/ publicacoes / 2010 / PactoNacional _ livro.pdf>. Acesso em: 20 set BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Texto base do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres. Brasília, Disponível em: <http: // /pacto /texto base - do-pacto-nacional-pelo-enfrentamento-a-violencia-contra-a-mulher/?search term=texto base do pacto>. Acesso em: 04 ago CARVALHO, Ronaldo de. Maria mulher que merece viver e amar: o papel do assistente social na efetivação da Lei Maria de Penha no município de São Sebastião do Paraíso - MG. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social). Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP. Franca, CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL DE Aprovado em 13 de Março de Disponível em: < >. Acesso em: 15 ago COSTA, Ana Alice A. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção política. Revista Gênero. V.5, n.2 p Niterói, 1º Sem Disponível em: < Acesso em: 12 jul FEGALI, Jandira. Lei Maria da Penha Completa Cinco Anos. Disponível em: < DA-PENHA-COMPLETA-CINCO-ANOS-COM-80-DEAPROVACAO.html> Acesso em: 19 ago 2011.
14 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO E SESC (2010). Disponível em: < Acesso em: 19 maio FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Especialistas avaliam os cinco anos da Lei Maria da Penha. Disponível em: Acesso em: 02 agos de HAHNER, June E. A Mulher no Brasil. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 20 ed. São Paulo: Cortez, IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos Municípios Brasileiros Disponível em: < Acesso em: 01 out Lei Federal nº , DE 07 DE JUNHO DE In: Coletânea de Leis, decretos e regulamentos para instrumentação da (o) Assistente Social. 3 ed. São Paulo: CRESS SP, Lei Maria da Penha, nº , de 7 de Agosto de 2006, Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Presidência da República, Brasília, DF, Lei Maria da Penha Completa Cinco Anos. Disponível em: < DA-PENHA-COMPLETA-CINCO-ANOS-COM-80-DEAPROVACAO.html> Acesso em: 19 ago LISBOA, Tereza Kleba; PINHEIRO, Elaine Aparecida. A intervenção do Serviço Social junto à questão da violência contra a mulher. Revista Katálysis, Vol. 8, Nº. 2, 2005, págs Disponível em: < Acesso em: 10 maio MOREIRA, Lays Rocha. As marcas da violência: um estudo sobre mulheres vítimas da violência doméstica em Alterosa-MG. Trabalho de conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé, Guaxupé, MOREIRA, Lays Rocha. Por que o silêncio? Um estudo sobre mulheres vítimas de violência doméstica no município de Alterosa/MG f. Trabalho apresentado ao Projeto de Iniciação Cientifica do Curso de Graduação em Serviço Social Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé, Guaxupé, NEVES, Meire de Souza. Vidas Precarizadas: um estudo sobre o cotidiano de famílias sob a ótica feminina. Dissertação de Mestrado em Serviço Social, UNESP. Franca, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU, 1992). Disponível em: < Acesso em: 24 set 2010.
15 Projeto da Deputada Luiza Maia. Disponível em: < wordpress.com/2011/07/20/mulheres-ii-as-musicasbaianas-que-atentam-contra- a- dignidade-damulher/ >Acesso em: 22 de jun de ROCHA, Lourdes de Maria Leitão Nunes. Casas-abrigo: no enfrentamento da violência de gênero/ Lourdes de Maria Leitão Nunes Rocha. São Paulo: Veras Editora, 2007.
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