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1 MARCAS DA LÍNGUA NA AFASIA: NEOLOGISMOS E PARAFASIAS (LANGUAGE MARKS ON APHASIA: NEOLOGISMS AND PARAPHASIAS) Cinthia ISHARA (PG UNICAMP) ABSTRACT: This work discuss productions in posterior aphasias: neologisms and paraphasias. In longitudinal study of subject (JM), it observed different moments in portuguese language marks. Data (register in audio) are organized in table of neurolinguistics data collection (BDN) KEYWORDS: jargonaphasia; morphology; data base; aphasia. Neste trab alho apresento algu mas considerações sobre a notação de dados, a partir da pesquisa de mestrado que desenvolvo, tendo em vista o movimento teoriadado/dado-teoria a que se propõe o Banco de Dados de Neurolingüística (BDN) (Coudry, 2003). Nesta pesquisa, realizo um estudo de caso de um sujeito afásico (JM) que, após lesão em área têmpo ro-p arietal esquerda, passou a apres entar características de um quadro de jargonafasia 1. Nesse estudo, detive-me em analisar aspectos prosódicos e morfológicos de algumas produções, os chamados neologismos e parafasias. A partir de uma perspectiva que considera as relações enunciativas e discursivas como constitutivas dos processos de significação, essas produções do sujeito afásico puderam ser entendidas enquanto funcionamento de linguagem. A própria caracterização do conjunto de sinto mas pôde ser revista, em função da con cep ção de língua e de linguagem sobre a qual se baseia a semiologia das afasias. Os dados de JM foram registrados em áudio, o que exigiu, para suprir a falta da imagem, observações feitas pela investigadora (Imc) no momento da enunciação, que descrevem um pouco das condições de produção, dos gestos realizados. Na tabela do BDN utilizada, foi possível dar visibilidade à característica do registro, incluindo as observações da investigadora na descrição da atividade, na transcrição e organizando-as nas colunas que especificam observações sobre os processos de significação. Nos dados de JM, analisando aspectos morfológicos, várias características foram observadas. Destacarei algumas que revelam marcas da língua em sua fala. No exemplo abaixo, pode se observar a instabilidade presente nas marcaçõ es de gênero e número e as diversas possibilidades da língua que vão se apresentando. Em 16/06/2001, JM e Imc conversam sobre um trabalho que JM fazia antes do AVC. JM era auditora. Nesse cargo, ela mantinha contato com várias pessoas, obtendo informações e acompanhando o andamento dos trabalhos. Imc só sabia de seu trabalho como médica, o que interfere nas suposições que faz. Até o final deste trecho Imc ainda não havia conseguido entender exatamente de qual função JM falava. Pode-se observar 1 O questionamento sobre essa síndrome, dentro de uma perspectiva discursiva foi feito por Novaes-Pinto (1999). Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 847 / 852 ]
2 em sua fala, no entanto, qu e inú meros recursos verbais e não v erbais ap arecem em suas tentativas de se fazer entender. Código de busca Nº Sigla do locutor \her 1 JM eu fui, eu fui pessoas, eu (s.i) das pessoi. 2 Imc ah ahn \aí 3 JM Então, eu era o parabem [παρα βεϕ ] de todi minha cidade. JM tenta contar que é auditora transcrição Obs.sobre processos de signi ficação verbal Enfatizando 4 JM Então, vo cê (s.i ). Narrando 5 JM Então, às v ezes, vo cê vai na cidade. 6 JM Então, tive várias (si ) na cidade que eu bebãe [βε β ϕ ] 7 Imc paciente seu \neg 8 JM Era. N ão. \tom \tom Eu era e vo cê era do bem, ota bebem [βε βε ϕ ]e eu era, eu sou bepanha [βε π α] de todo munda 6 I mc madrinha 7 JM eu sou de bem de todo mundo 8 I mc médica 9 JM é de todas pessois 10 I mc amiga de todo mundo Enu merando Enfatizando \tom 11 JM eu era de todo enfatizando mundo. \tom JM Tudo bem fulano? Conversou isso? Variando tessitura para marcar mudan ça Obs. sobre processos de significação não-verbais Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 848 / 852 ]
3 JM Eu era assim de todo mundo de quem fala \tá \: 12 Imc Tá. Tá. Vo cê ajudava todo mundo. Você: \? Imc é isso? Duvidando de sua interpretação 13 JM É. Eu sei as pessoa de todas 14 I mc Seus p acientes, seus amigos. Vo cê s abe. Vo cê lembra das pessoas. \neg \: 15 JM Não. Mas eu sou: sou eu que bep anhi [βε π Ι], eu que: 16 Imc Hum hum \tom 17 JM Ó, hoje de noite: Não tem nada seu. Você fez isso? Tudo bem. Ah! Tudo bem. Tá tudo bem com R? Bem, bem, tudo bem, tudo bem 18 Imc Hum hum \tom 19 JM Você quer alguma coisa? Vai querer? eu era (s.i.) de mim \tá 20 Imc Tá. Você tinha um monte de g ente ao seu redor 21 JM Eu era o dão [ δ ω] 22 Imc Hum hum \aí 23 JM Então, em cada cidade, eu ficava, conversava com todo mundo 24 Imc no plantão \neg 25 JM não 26 Imc não no plantão \neg 27 JM Não. Eu era da cidade enfatizando Variando tessitura para marcar as diferentes vozes, encenando um encontro. Variando tessitura para mudar da posição de quem narra para quem fala. enfatizando enfatizando narrando Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 849 / 852 ]
4 28 I mc Vo cê morou em várias cidades 29 JM E eu era g efara [ζε φαρα] 30 I mc médica 31 JM eu era (s.i) 32 Imc você era a cabeça de tudo \her \? 33 JM Era: co mo chama? 34 Imc chefe 35 JM Eu sou o jefão [Ζε φ ω] 36 Imc você era a chefona 37 JM é 38 Imc você tá fazendo assim 39 JM é \né \? 40 Imc para fal ar chefe, né? Botou uma mão na cabeça para falar chefe 41 JM todo mei eu (s.i ). Depoi acab a, eu vou Fornecendo mais detalhes sobre sua função embora dessa cidade. 42 JM bem de todo munda 43 I mc Vo cê ia em outr a cidade 44 JM cidade cobem [ko βε ] de todo mundi. \aí 45 JM Aí, eu vi m pra cá e eu que sô bebenta [βε βε ϕτα] de todo mundo \aí 46 Imc Aí, você fi cav a chefe desse grupo Fonte de da dos: Banco de Da dos em Neurolingüística (BDN) Fazendo gesto de continên cia, co m a mão próxima à cabe ça Imc faz o mesmo gesto Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 850 / 852 ]
5 JM resp eita restrições da língua 2. Em seu processo de formação de palavras, analisando traços, sílabas e organização prosódica, foi possível observar as marcas do português brasileiro. Reconhecem-se essas marcas, mesmo em momentos de maior jargão. Em alguns de seus vocábulos recorrentes, podemos, por exemplo, observar muita nasalidade, característica do português brasileiro. Produções como berão, begani, pepanho, pinaji, bebendi têm características que se repetem, como traços iniciais mais anteriores seguidos de outros com diferentes pontos de articulação, mas quase sempre com nasalidad e presente. A nasalidade tamb ém ap arece para ela como possibilidade para marcar u m au mento d e duração, quando este é marcado por Imc. No trecho acima destacado, aparecem como possibilidades formas com e sem marcação de gênero e plural, mantendo u ma raiz : pessoas, das pessoi, todi minha, todo munda, todo mundo, as pessoa de todas, todo mundi, todo mei, depoi (sendo que, nestes últimos dois exemplos, ela retira o s geralmente, morfema de plural no português em final de palav ra). Muitas outras formas reco rrent es em sua fala tamb ém marcam gênero, número, grau e flexão verbal: ventar, deberandinho, biberandinho, enovada, arrebar, garfar, begãi nho, beg andinho, beguinha, bogoguinha. Assim também ainda no exemplo acima: eu sou bepanha, sou eu que bepanhi, eu era gefara, eu era o dão, eu sou gefão, eu que sou bebenta. A instabilidade observada, por sua vez, é entendida como relacionada à própria natureza d a linguag em, co mo apontado po r Novaes - Pinto (1999). A organização prosódica ap arece co mo fundament al na observ ação das marcas da língua nos dados de JM, mas este aspecto não será tratado neste artigo. Vale apenas assinalar que Scarpa (2000) aponta que é possível entender as parafasias a partir de ajustes prosódicos. Neste sentido, considera-se que, em muitas das alterações observad as, p erceb e-se a predo minân cia de certos asp ectos prosódicos da língua. RESUMO: Esse trabalho discute algumas produções caract erísticas de afasias posteriores: neologismos e parafasias. No acompanhamento longitudinal do sujeito em estudo ( JM), observam-se di ferentes momentos de apro xi mação e afastamento em relação às palavras da língua. Os dados apresentados (registrados em áudio) são dispostos na tabela do Banco de Dados em Neurolingüística (BDN). PALAVRAS-CHAVE: jargonafasia; morfologia; banco de dados. REFE RÊNCIAS BIBLIOG RÁFICA S COUDRY, M.I.H. (2003) Relátorio de atividades do Projeto Integrado em Neurolingüística n a relação d ado/teoria. In: Anais do XXXI Seminários do Gel. São Paulo, SP. FREITAS, M.S. (1997)Em busca do estatuto fonológico da jargonafasia. Anais do XLV Seminário do GEL, nú mero XXVII. Campinas, SP. MORATO, E.M & NOVAES-PINTO, R. (1998). Aspectos enunciativos das jargonafasias. Anais do XLV Seminário do GEL, número XXVII. Campinas, SP. 2 Sobre as restrições fonotáticas na afasia ver Freitas, Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 851 / 852 ]
6 NOVAES-PINTO, R. (1999). A contribuição do estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas. Tes e d e Doutoramento. Unicamp. Inédita. SCARPA, E.M. (2000) O recurso a níveis prosódicos superiores na aquisição e na a fasia. Palavra. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Trarepa. Estudos Lingüísticos XXXIII, p , [ 852 / 852 ]
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