Impresso por: HC Em: 30/08/ :09:07 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Transcrição

1 PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PGR-MANIFESTAÇÃO /2018 HABEAS CORPUS SÃO PAULO RELATOR : MIN. GILMAR MENDES PACTE. : M. M. G. 1. A Polícia Federal deflagrou a Operação Prato Feito, com vistas a apurar a suposta prática dos crimes de organização criminosa, fraudes em procedimentos licitatórios, peculato, e corrupção (ativa e passiva) envolvendo contratos de fornecimento de merenda escolar em diversos municípios do Estado de São Paulo. 2. O Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo/SP, após representação da autoridade policial, impôs medidas cautelares diversas da prisão em desfavor do paciente para determinar a suspensão do exercício da função pública de Vice-Prefeito do Município de Monguaguá/SP, bem como a proibição do seu ingresso em determinados prédios públicos.

2 2 3. Contra a medida, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e o Desembargador relator indeferiu a liminar. Seguiu novo writ perante o Superior Tribunal Justiça, e o Ministro relator indeferiu liminarmente o habeas corpus, uma vez que não identificou ilegalidade teratológica que justifique a atuação prematura do STJ. Contra essa decisão, foi interposto agravo regimental, pendente de análise pelo colegiado. 4. No writ em tela, a defesa aduz que não há fundamento apto para a aplicação das medidas cautelares em desfavor do paciente: o paciente foi afastado de seu cargo tão somente por ter sido incluído em uma lista de pessoas aleatoriamente indicadas pelo parquet, sem justificar, em uma única linha, o motivo de sua inclusão. Alega que a medida causa evidente transtorno político-administrativo para a Cidade de Monguaguá, e que não houve requerimento da Polícia Federal para afastamento do paciente. Requer, em sede liminar, a imediata suspensão da decisão de origem no que se refere ao paciente. Ao fim, requer a concessão da ordem para revogar a decisão do Juízo de 1º grau. 5. Em , a liminar foi deferida para suspender a decisão que afastou o paciente do cargo de vice-prefeito, até ulterior deliberação. 6. Em , acolheu-se o pedido de aditamento da petição inicial para incluir o acórdão do Tribunal de origem que denegou a ordem do habeas corpus lá impetrado, nos termos da seguinte ementa: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO PRATO FEITO. PACIENTE SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO COM PREJUÍZO DE VENCIMENTOS. PROIBIÇÃO DE ADENTRAR NAS DEPENDÊNCIAS DO ÓRGÃO AONDE EXERCIA SUAS ATIVIDADES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AFASTADA ALEGAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE. ORDEM DENEGADA. - O afastamento cautelar do agente público das funções que exerce, bem como a proibição de ingressar em prédios da Prefeitura de Monguaguá/SP encontra expressa autorização legal, notadamente porque objetiva a garantia da instrução processual (CPP, art. 282, I) bem como evitar o risco de cometimento de novos delitos (CPP, art. 319, VI).

3 3 - A decisão ora impugnada baseou-se em fatos elementos probatórios que indicam o envolvimento do paciente, Vice-Prefeito, com organização criminosa cuja finalidade é fraudar procedimentos licitatórios e desviar recursos públicos. - O elemento que justifica o afastamento do cargo público encontra seu fundamento de validade na necessidade legítima de se acautelar a boa administração pública, supostamente conspurcada pela atuação ilícita de uma administração descomprometida com o interesse público (Prefeito, Vice-Prefeito e Diretor do Departamento de Compras de Monguaguá/SP, investigados), de modo que se mostra imperioso o aguardo do resultado das diligências encetadas pela Polícia Federal (em especial, e pelo menos, das Buscas e Apreensões) para se evitar que, com a recolocação do paciente no cargo, haja o perecimento daquilo que se buscou proteger. - Há notícia nos autos do Mandado de Segurança (processo nº ), que servidores teriam sido vistos retirando computadores e documentos do prédio de algumas Prefeituras investigadas (dentre elas, a Prefeitura Municipal de Monguaguá/SP), o que teria o condão de caracterizar, em tese, condutas de ocultação de provas e de obstrução da justiça, conforme ressaltado pelo e. Magistrado Estadual que apreciou a liminar pugnada no bojo do Mandado de Segurança nº , em trâmite perante a Justiça Estadual de São Paulo/SP, o que demonstra a correção da medida de acautelamento oriunda da autoridade judicial apontada como coatora e a necessidade de aprofundamento das investigações antes que se tome alguma medida a favor do paciente. - Ordem denegada. 7. Em , foi deferido o pedido de extensão de liminar em favor de Eduardo Roberto Lima Junior, para suspender os efeitos da decisão que afastou o requerente do cargo de Secretário de Finanças do Município de Monte Mor/SP. 8. É o relatório. 9. O habeas corpus não comporta conhecimento, já que impetrado em face de decisão monocrática de Ministro de Tribunal Superior, e o agravo regimental interposto contra a decisão está pendente de análise. 10. Ainda, registre-se que a longínqua jurisprudência dessa Suprema Corte firmou-se no sentido de que o afastamento do paciente do cargo de Prefeito Municipal não autoriza a impetração de habeas corpus, porquanto não põe em risco a sua liberdade de locomoção. É que o habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros (HC /PI, rel. Min. Carlos Velloso, DJ ).

4 4 11. E, no caso, não há ilegalidade flagrante, teratologia ou abuso de poder apto a concessão da ordem de ofício. 12. De início, no que se refere à alegação defensiva de que não houve representação da Polícia Federal para a imposição de medidas cautelares ao paciente, verifica-se que o referido pedido foi realizado pela Procuradoria da República em São Paulo (fl. 405). 13. Quanto à fundamentação impugnada, vejamos a decisão do Juízo de 1º grau: Fls. 02/180 Trata-se de representação policial pela expedição de MANDADOS DE BUSCA E APREENSÃO e MANDADOS DE PRISÃO TEMPORÁRIA nos autos do procedimento inquisitivo em epígrafe. Como é cediço, o inquérito policial principal (autos nº ) foi instaurado em , em razão de notícia de crime apresentada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), relatando possível continuidade delitiva em fraudes de processos licitatórios de fornecimento de merenda escolar, inicialmente nos Municípios de São Bernardo do Campo e Sorocaba-SP. Narra o levantamento realizado pela Secretaria de Controle Externo daquele órgão que, por volta de 1999/2000, um grupo de empresas se reuniu de maneira cartelizada em prol de um esquema ilegal de divisão de alguns municípios do Estado de São Paulo, em que forneceriam insumos ou merendas prontas para a rede de ensino. Em síntese, Prefeitos e Secretários de Educação eram procurados em épocas de campanhas eleitorais, com propostas de financiamento em troca de terceirização da merenda fornecida às escolas primárias. Após a terceirização, que, de fato, se operou em centenas de município do Estado, o grupo estipulava, em procedimentos licitatórios, valores de lances e onde cada um deles seria vencedor. Por meio de pagamento de propinas, editais eram elaborados com inclusão de clausulas restritivas que os beneficiavam e direcionavam o certame. Ademais, durante a execução do contrato, eram formalizados aditamentos, alheios às formalidades legais, a fim de potencializar o lucro das empresas corrompedoras. Assim sendo, embora presentes suficientes indícios de organização criminosa dos alvos em verdadeiras associações criminosas, conforme previsto no Código Penal (artigo 288), é certo que não restou comprovado, nem ao menos de maneira indiciária, que todos os 62 indicados integrem, de fato, estas organizações, sendo perfeitamente possível que alguns deles sejam apenas cooptados para atos específicos, sem as características de permanência e estabilidade que configuram as associações criminosas.

5 5 Ademais, mesmo para aqueles que, ao que tudo indica, integram associação criminosa, não restou configurado o primeiro requisito para decretação da prisão temporária pretendida. Com efeito, as prisões cautelares não se mostram neste momento, imprescindíveis para o prosseguimento das investigações. Por outro lado, observo ser imprescindível a adoção de medidas cautelares diversas, derivadas do poder geral de cautela do juiz, para sobrestar desde logo as práticas lesivas supra narradas, bem como para impedir a reiteração/continuidade de supostas condutas criminosas. Ademais, tais medidas mostram-se oportunas para a própria garantia da aplicação da lei penal. Ressalte-se que estão presentes os pressupostos gerais para aplicação de medidas cautelares. Com efeito, há elementos concretos a evidenciar a prática de atos criminosos e alguns de seus autores, bem como há necessidade de pronta intervenção do Poder Judiciário, a fim de ao menos minorar os gravíssimos efeitos danosos decorrentes das práticas delitivas narradas. Nesse sentido, há que se consignar, inicialmente, a evidente participação de agentes públicos nos delitos narrados, que ainda ostentam cargos na Administração Pública e detêm, portanto, poderes para, concretamente, destruírem provas e intimidar testemunhas, bem como para prosseguirem em suas empreitadas criminosas. Assim sendo, conforme pleiteado pelo órgão ministerial, com fundamento no artigo 319, VI, do Código de Processo Penal, DETERMINO a imediata SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA dos seguintes investigados: MÁRCIO MELO GOMES Vice-Prefeito de Monguaguá/SP. Para tanto, determino a expedição de ofícios às respectivas autoridades municipais de gerência de pessoal para adoção das providências cabíveis, sob pena de crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal), ficando os investigados acima indicados suspensos de suas atividades públicas, com prejuízo de seus vencimentos, bem como proibidos de ingressarem nos prédios públicos onde laboravam, especificamente nos setores de acesso restrito a funcionários. 14. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento do mérito do habeas corpus lá impetrado, ainda ressaltou haver notícia nos autos do Mandado de Segurança (processo nº ), que servidores teriam sido vistos retirando computadores e documentos do prédio de algumas Prefeituras investigadas (dentre elas, a Prefeitura Municipal de Monguaguá/SP), o que teria o condão de caracterizar, em tese, condutas de ocultação de provas e de obstrução da justiça. 15. Constata-se que há motivação suficiente para a decretação da medida cautelar diversa da prisão ora impugnada.

6 6 16. Com efeito, conforme bem apontou o Tribunal de origem, o elemento que justifica o afastamento do cargo público encontra seu fundamento de validade na necessidade legítima de se acautelar a boa administração pública, supostamente conspurcada pela atuação ilícita de uma administração descomprometida com o interesse público (Prefeito, Vice-prefeito e Diretor do Departamento de Compras de Mongaguá/SP investigados), de modo que se mostra imperioso o aguardo do resultado das diligências encetadas pela Polícia Federal (em especial, e pelo menos, das Buscas e Apreensões) para se evitar que, com a recolocação do impetrante no cargo, haja o perecimento daquilo que se buscou proteger. 17. Esse o quadro, opino pelo não conhecimento do habeas corpus. Augusto Telles Brasília, 29 de agosto de 2018 EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA