Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

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1 Acórdãos STA Processo: 0133/09 Data do Acordão: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Tribunal: Relator: Descritores: Sumário: 2 SECÇÃO ISABEL MARQUES DA SILVA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA NULIDADE DE SENTENÇA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO I - O artigo 17.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário estabelece, para os processos de impugnação e de execução fiscal, um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal (cfr. o n.º 1 do artigo 17.º), sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de impugnação, pelo representante da Fazenda Pública, antes do início da produção da prova (cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º). II - É nula, por falta de fundamentação (artigos 125.º, n.º 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário e 668.º do Código de Processo Civil), a sentença cuja fundamentação jurídica não é suficiente para descortinar a razão pela qual foi decidido rejeitar a impugnação. Nº Convencional: JSTA000P10711 Nº do Documento: SA Recorrente: A... Recorrido 1: DIRGER DA ALFÂNDEGA DO FUNCHAL Votação: UNANIMIDADE Aditamento: Texto Integral Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 A..., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo

2 e Fiscal do Funchal, de 3 de Novembro de 2008, que rejeitou a impugnação por si deduzida contra o(s) Despacho(s) do Director da Alfândega do Funchal, apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso é interposto para o STA, porquanto as questões que se levantam com a sentença a quo são apenas de direito (Art.º in fine CPPT); B. O Impugnante reside em VNG e nos termos do CPPT, parece que a competência para conhecer da presente impugnação, será do TAF de Braga (área da residência do Impugnante) e não do TAF do Funchal. A competência territorial é de conhecimento oficioso do Tribunal. Conhecida esta excepção, deverá o processo ser remetido ao TAF de Braga, para decisão, anulando-se a decisão a quo. C. A sentença a quo não cumprir os requisitos do art. 123.º CPPT. Nos termos do art. 125.º do mesmo diploma, deverá ser sentenciada nula. D. O que se quis impugnar ao longo de todo o processo, foi o acto de liquidação a que procedeu a Alfândega do Funchal in casu, sentenciando-se consequentemente nulo, ou anulando-se como se queira, esse mesmo acto de liquidação tributária da Administração Alfandegária. E. Estes conceitos estão subjacentes a toda a p.i. quando na alínea a) da p.i. se requer o arquivamento do processo. Está bom de ver, que o que se pretende é e sempre foi a nulidade ou anulação daquele acto administrativo. F. O direito da Administração Alfandegária em liquidar o Imposto em causa, fundamenta-se no art e 4 da LGT. Caducou há muito. G. Acontece que o art.º 45.º da LGT revogou tacitamente o DL de a redacção dada pelo art.º 99.º do DL 472/99 de H. In casu o prazo de contagem da caducidade tem assim início em 1997 (art.º 45.º-4 da LGT o prazo de caducidade conta-se nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorrer. I. É o caso sub judice, que tendo início em 97, com a modificação que o Impugnante operou no veículo em causa, o direito a liquidar o tributo caducou em 2001 (no máximo); J. O Recorrente nunca foi proprietário de direito da viatura O Recorrente foi apenas e tão só possuidor da mesma, para competições, entre 1997/98 e

3 Março de 2003, mas em nome de outrem; O Recorrente é parte ilegítima como sujeito passivo do acto tributário que lhe foi imputado com o despacho em causa. Excepção que é do conhecimento do Tribunal, que a deve apreciar. K. A viatura em causa, antes de ser modificada, já tinha cm 3 de cilindrada, e como tal já havia sido tributada originariamente a título de IVA; Estando em causa, apenas e tão só, a diferença de cilindrada de 1300 para 1993 cm 3, ou seja 693 cm 3 segundo o seguinte raciocínio 693 cm 3 x ,69= 181,91-80%= 36,38; Aliás, o proprietário B... em declaração junta ao processo, reconheceu-se devedor passivo pelo facto tributário em causa, e prontificou-se até a pagar o I.A. devido de 36,38 segundo este cálculo. Revogando a sentença em causa e anulando-se ou declarando-se nulo o tributo liquidado pela DAF, conforme acima alegado e arquivando-se o processo, será feita melhor. Justiça. 2 Não foram apresentadas contra-alegações. 3 O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pronunciou-se nos termos seguintes: Objecto: Decisão que considerando-se estar-se perante um processo de impugnação judicial tributária, considera legalmente inadmissíveis os pedidos formulados, rejeitando a impugnação. MOTIVAÇÃO O recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso vem dizer, em síntese, o seguinte: - Que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal é incompetente em razão do território; - Que o processo é de impugnação judicial e que o pedido de arquivamento efectuado é equivalente ao pedido de nulidade ou anulação do acto administrativo; - Caducidade da liquidação do tributo; - Ilegitimidade, por não ser proprietário do veículo objecto do tributo, mas apenas possuidor em nome de outrem. No que respeita à questão da nulidade da sentença, por não pronúncia do Tribunal recorrido relativamente à competência em razão do território, o processo baixou à primeira instância, que se pronunciou no sentido de não ser cometida qualquer omissão ou nulidade, dado a competência territorial daquele Tribunal resultar claramente do disposto no artigo 12, n.º 1 e 103, n.º 1 do CPPT.

4 O recorrente reafirma na sua alegação que este processo é de impugnação e que o que pretendeu impugnar ao longo de todo o processo, foi o acto de liquidação. Só que, no caso concreto, a liquidação do imposto só teve lugar em Janeiro de 2006, ou seja, muito depois da apresentação da impugnação. O recorrente acabou por atacar na sua impugnação actos interlocutórios, não susceptíveis de recurso, visto não serem imediatamente lesivos dos seus direitos, nem existir disposição expressa que admita tal impugnação. De facto no contencioso tributário vigora um princípio de impugnação unitária contenciosa do acto final do procedimento, por ser ele que afecta directamente a esfera patrimonial do contribuinte (artigo 66.º da LGT e 54.º do CPPT). O que o recorrente impugnou foi o despacho final de concordância do Director da Alfândega do Funchal com o relatório de acção de controlo de natureza fiscalizadora, despacho este insusceptível de produzir efeitos negativos na sua esfera jurídica, logo judicialmente inatacável. Não se verificam por isso os pressupostos de impugnação judicial. CONCLUSÃO Nestes termos é nosso parecer não merecer provimento o recurso interposto, devendo ser confirmada a decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Fundamentação Questões a decidir Porque a decisão recorrida se limitou a rejeitar a impugnação, por entender, ao que se julga, que o pedidos formulados pelo impugnante eram incompatíveis com a forma processual utilizada, haverá que decidir, podendo fazê-lo, das questões prévias colocadas pelo ora recorrente, a saber, a da incompetência territorial do tribunal a quo e a da alegada nulidade da sentença recorrida. 4 É o seguinte o teor da sentença recorrida: Concl. em segunda-feira, 3 de Novembro de 2008 ** Este é um proc. de impugnação judicial tributária (arts. 97.º ss CPPT). Aqui ataca-se expressamente um Despacho de id. na p.i, referente ao início de um processo contra-ordenacional e a processo de cobrança a posteriori onde se liquidará o imposto devido e juros.

5 O pedido formulado é o de arquivamento do processo (?) e de cálculo do IA devido por outrem. Ora, está claro que o pedido neste tipo de processo (impugnação judicial tributária) é o de anulação de acto tributário. No recurso contencioso tributário (hoje AAE de impugnação), o pedido é também o de anulação, ou declaração de nulidade ou de inexistência jurídica. Como se vê, os pedidos apresentados nada têm a ver com este tipo de processo, mais parecendo o 1º referente a uma execução tributária, que não descortinamos. Assim, não havendo a execução tributária referente ao 1.º pedido, e sendo legalmente inadmissível o 2.º pedido, rejeito esta impugnação. Custas a cargo do impugnante. Reg. e Not (Assinatura do juiz) 5 Apreciando 5.1 Da competência do Tribunal recorrido Alega o recorrente que, porque reside em Vila Nova de Famalicão e nos termos do CPPT, parece que a competência para conhecer da presente impugnação, será do TAF de Braga (área de residência do Impugnante) e não do TAF do Funchal, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal seria territorialmente incompetente para dela conhecer, verificando-se, pois, excepção de incompetência, de conhecimento oficioso (cfr. alegação 2 das suas alegações de recurso, a fls. 166 dos autos, e respectiva conclusão B. supra transcrita). Baixando os autos ao tribunal a quo para que fosse proferido despacho de sustentação ou reparação do agravo, veio o Meritíssimo juiz a quo, quanto à questão da alegada incompetência territorial, dizer o seguinte: Vem o impugnante invocar que este Tribunal tributário deveria conhecer de uma alegada incompetência jurisdicional territorial causada pelo próprio impugnante, questão não colocada expressamente por ninguém no processo. Isto após várias vicissitudes processuais imputáveis ao impugnante. ( ) Os processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1.ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local (aqui Alfândega do Funchal) onde se praticou o acto objecto da impugnação art. 12.º CPPT ( ) (cfr. despacho de sustentação do agravo, a fls. 180 dos autos). Vejamos.

6 Estabelece o Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) para os processos de impugnação e de execução fiscal um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), diploma este em cujo artigo 13.º se prescreve que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria [cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5.ª ed., Volume I, 2006, p. 240 (nota 4 ao art.17.º do CPPT)]. O regime estabelecido no CPTA é, contudo, inaplicável aos processos de impugnação judicial e de execução fiscal, onde, mercê da existência de norma especial sobre a matéria o artigo 17.º do CPPT - a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal (cfr. o n.º 1 do artigo 17.º do CPPT), sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de impugnação, pelo representante da Fazenda Pública, antes do início da produção da prova (cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º do CPPT). Ora, não tendo o representante da Fazenda Pública arguido a incompetência territorial do Tribunal (cfr. a sua contestação a fls. 62 a 71 dos autos), sendo a questão suscitada apenas agora e por quem lhe deu causa, não pode este Tribunal conhecer da alegada incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal para conhecer da impugnação. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento da questão suscitada na conclusão B das alegações de recurso. 5.2 Da nulidade da decisão jurisdicional recorrida Alega também o recorrente que é nula a decisão recorrida, porque não cumpriu os requisitos do art. 123.º do CPPT pelo que, nos termos do art. 125.º do mesmo diploma, deverá ser sentenciada nula (cfr. alegação 3 das suas alegações de recurso, a fls. 166 dos autos, e respectiva conclusão C. supra transcrita). Porque o presente recurso foi admitido pelo Meritíssimo juiz a quo sem que fosse proferido despacho de sustentação ou reparação do agravo e nele é suscitada a questão da nulidade da sentença, na sequência de promoção pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto

7 junto deste Tribunal (a fls. 177, verso, dos autos) foi determinado pela Relatora a baixa dos autos à primeira instância a fim de ser lavrado despacho de sustentação ou reparação (fls. 178 dos autos), na sequência do qual veio proferido o despacho de sustentação a fls. 180 dos autos, onde se lê, no que à alegada nulidade da sentença respeita, o seguinte: ( ) A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar. O juiz descriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. ( ) Como se vê, é manifesto que o tribunal não cometeu a omissão ou nulidade invocadas. O Excelentíssimo Procurador-Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, no qual sustenta não ocorrer nulidade da sentença (cfr. o terceiro parágrafo), pronuncia-se nesse sentido, se bem o interpretamos, partindo do pressuposto de que a questão da nulidade da sentença fora suscitada pelo recorrente apenas em virtude não pronúncia do tribunal recorrido relativamente à competência em razão do território. Não parece, contudo, que assim se deva entender, pois que, por um lado, não faria sentido imputar ao tribunal recorrido omissão de pronúncia sobre uma questão que apenas foi suscitada em sede de recurso, por outro, porque nas suas alegações, o recorrente suscita não uma questão prévia mas Questões Prévias, em concreto duas a da competência do Tribunal e a do incumprimento dos requisitos do art.º 123 CPP, determinantes da sua nulidade nos termos do art. 125.º do CPPT questões que autonomiza nas suas alegações atribuindo-lhes números diferentes, embora sequenciais (respectivamente, números 2 e 3 das alegações, a fls. 166 dos autos), o mesmo fazendo aquando na enunciação das respectivas conclusões (cfr. conclusões B. e C. supra transcritas). Há, desta forma, um pedido dirigido a este Tribunal de declaração da nulidade da sentença (artigo 125.º do

8 CPPT), por incumprimentos dos requisitos a que esta deve obedecer ex vi do art. 123.º do CPPT, pedido este que, embora muito sinteticamente fundamentado, é claramente formulado de forma autónoma ao pedido de declaração de incompetência em razão do território, pelo que há que dele conhecer. Vejamos então se ocorre a alegada nulidade da sentença recorrida. Compulsada esta, que vai integralmente transcrita supra, forçoso se torna concluir que quase nada do que o artigo 123.º postula foi por esta cumprido. A sentença apenas alude genericamente a dois pedidos constantes da petição inicial (sem identificar a qual se refere, sendo que no processo se encontram três petições a fls. 1 a 2; 15 a 16 e 17 a 19 dos autos) -, que, em face do respectivo teor literal, interpretado sem qualquer condescendência e desconsiderando as múltiplas vicissitudes do processo - em especial a petição de fls. 17 a 19, dita complementar da anterior (pois que também o segundo Despacho do Director da Alfândega do Funchal que lhe foi notificado se diz complementar do primeiro), e bem assim as declarações do impugnante a fls. 131 a 133 e 141 e 142 dos autos no sentido de que sempre havia pretendido impugnar a liquidação de Imposto Automóvel e tentativa de cobrança deste -, o Meritíssimo juiz a quo considerou que os pedidos nada têm a ver com este tipo de processo de impugnação, sendo isso suficiente para, na sua perspectiva, decidir rejeitar a impugnação, aliás sem fundamentar se por ineptidão da petição inicial (a ser assim, contra o parecer do Ministério Público em primeira instância, a fls. 117 dos autos), se por outro motivo, pois as únicas normas jurídicas citadas na decisão são os arts. 97.º ss CPPT. Ora, nos termos do artigo 125.º do CPPT constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a não especificação dos fundamentos e de facto e de direito da decisão, o que, pelo exposto e atento ao teor da decisão, manifestamente se verifica in casu, pois que a remissão para os artigos 97.º do CPPT não constitui fundamentação jurídica suficiente da decisão de rejeição da impugnação. É, pois, nula, por falta de fundamentação a sentença recorrida (artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, em conjugação com o n.º 2 do artigo 123.º do mesmo diploma) e assim sendo, por força do n.º 2 do artigo 731.º do Código de processo Civil (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT),

9 determina-se a baixa do processo à primeira instância, a fim de se proceder à reforma da decisão anulada. O recurso merece provimento. - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenar a baixa do processo à primeira instância para reforma da decisão anulada. Custas a final. Lisboa, 8 de Julho de Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - Miranda de Pacheco.