Enteroparasitos de cães: prevalência e conhecimento dos proprietários sobre fatores epidemiológicos

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1 Enteroparasitos de cães: prevalência e conhecimento dos proprietários sobre fatores epidemiológicos Luciane Dubina Pinto Sandra Márcia Tietz Marques Lorena Eva Bigatti Flávio Antônio Pacheco de Araujo RESUMO Este trabalho determinou a prevalência de parasitos gastrintestinais de cães e o conhecimento dos proprietários sobre tópicos relacionados à verminose. Foram aplicados 72 questionários para a enquête epidemiológica e 53 proprietários enviaram fezes de seus cães para exame parasitológico. A análise das fezes mostrou uma prevalência de 52,8% (28/53) de parasitos gastrintestinais com 74,2% (23/31) em filhotes e 22,7% (5/22) em adultos e predomínio de Isospora spp. e Giardia sp., além de Dipylidium sp. e Ancylostoma sp. A análise do questionário mostrou que 75,9% (54/72) dos proprietários de cães transitam com eles em locais públicos; 87,9% (63/72) tem informações sobre transmissão de endoparasitoses; 97,6% (70/72) executam tratamento anti-helmíntico prescrito por médico veterinário e 77,1% (55/72) recolhem as fezes dos cães; 83,1% (58/72) sabem da transmissão de ovos ou larvas parasitárias pela água, alimentos e solo e 50,6% (36/72) por outros animais, 31,3% (22/72) por pessoas e animais, 20,5% (14/72) por insetos e 2,4% (2/72) desconhecem como ocorre a transmissão de verminose. Do total, 2,4% (2/72) oferecem carnes cruas, além de ração e comida caseira para os cães. Campanhas informativas e a realização periódica de exames parasitológicos, com determinação de espécies e cargas parasitárias mais prevalentes, são necessárias para o controle destas enfermidades. Palavras-chave: Helmintos. Protozoários. Cães. Proprietários. Epidemiologia. Enteroparasites in dogs: Prevalence and owners knowledge about epidemiological factors ABSTRACT This study determined the prevalence of gastrointestinal parasites in dogs and the owners knowledge about worm infections. A total of 72 questionnaires were applied for the Luciane Dubina Pinto é Médica Veterinária, Mestranda Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sandra Márcia Tietz Marques é Doutora, Médica Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Lorena Eva Bigatti é Médica Veterinária Autônoma, MSc., Porto Alegre, RS. Flávio Antônio Pacheco de Araujo é Professor Doutor Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Dra. Sandra Márcia T. Marques Rua Aneron Correa de Oliveira, 74/201, Bairro Jardim do Salso, Porto Alegre/RS. CEP: sandra.marques@ufrgs.br 10Veterinária em Foco Veterinária Canoasem Foco, v.5 v.5, n.1, jul./dez. p jul./dez. 2007

2 epidemiological survey and 53 owners collected stool samples from their dogs and sent them for parasitological examination. Stool examination showed a prevalence of 52.8% (28/53) of gastrointestinal parasites with 74.2% (23/31) in puppies and 22.7% (5/22) in adults and predominance of Isospora spp. and Giardia sp., in addition to Dipylidium sp. and Ancylostoma sp. The survey revealed that 75.9% (54/72) of owners walk their dogs in public places; 87.9% (63/72) have information about the transmission of endoparasitic infections; 97.6% (70/72) treat their dogs with anthelmintics prescribed by a veterinarian doctor and 77.1% (55/72) pick up the stools of their dogs; 83.1% (58/72) are aware of the transmission of eggs or larvae by the water, foods and soil and 50.6% (36/72) by other animals, 31.3% (22/72) by people and animals, 20.5% (14/72) by insects, whereas 2.4% (2/72) do not know how transmission occurs. Among all owners, 2.4% (2/72) feed their dogs raw meat, in addition to dog food and homemade food. Informational campaigns and regular parasitological tests, with the identification of the most prevalent species and parasitic loads are necessary for the control of these diseases. Key words: Helminths. Protozoa. Dogs. Owners. Epidemiology. INTRODUÇÃO O número crescente de cães de companhia, principalmente nas grandes cidades, tem estreitado o contato entre homem e animais, aumentando a exposição a agentes de zoonoses como bactérias, fungos e parasitos, com muitas delas de caráter emergente (McCARTHY; MOORE, 2000; SANTOS et al., 2002). Cães são importantes reservatórios de parasitos contaminando locais públicos, entre estes aqueles freqüentados por crianças, como parques e caixas de areias, expondo outros animais e o homem a um maior risco de infecção (MUNDIM et al. 2003). Os parasitos gastrintestinais de cães domésticos são importantes como espoliadores de nutrientes, constituindo uns dos principais fatores de atraso no seu desenvolvimento. Os parasitos adultos vivem fixados na mucosa do intestino delgado e grosso, provocando sinais clínicos como diarréia sanguinolenta, anemia, anorexia, vômitos, convulsões, desidratação e se não tratados levam os animais ao óbito. São de importância em Saúde Pública como agentes causadores de zoonoses: Toxocara canis, responsável pela larva migrans viceral; Ancylostoma braziliense, causador da larva migrans cutânea e Giardia sp. responsável pela diarréia dos viajantes (MUNDIM et al., 2003; ARRUDA et al., 2005). Bartmann et al. (2004) relataram uma frequência de 38% de cães positivos para giardíase, 22% deles menores de 12 meses, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Capuano et al. (2006), em Ribeirão Preto, São Paulo, avaliaram a ocorrência de parasitos em fezes de cães, constatando uma positividade para Isospora spp. de 3,3%. Arruda et al. (2005) relataram prevalência de 26% de Giardia sp. em crianças de uma escola de educação básica municipal, determinando também que 19% de seus cães apresentaram giardíase nas amostras de fezes processadas. Em canís do Japão, Itoh et al. (2005) obtiveram de 361 amostras de fezes de cães, uma positividade de 37,4% para Giardia intestinalis, com prevalência em filhotes de 54,5% e de 30,9% em adultos, sem diferença entre machos e fêmeas e entre filhotes de mães positivas e negativas. 11

3 Lopez et al. (2006) relataram que de 972 amostras fecais de cães, 22% foram positivas para Giardia intestinalis; 11% para Toxocara canis; 9% para Isospora spp.; 2% para Dipylidium caninum e 2% para ancilostomídeos, constatando que 48% destes parasitos tem um alto potencial zoonótico. Fontanarrosa et al. (2006) detectaram em amostras de fezes caninas, prevalência de 52,4%, com 13% de positivos para Ancylostoma caninum, 12% para Isospora ohioensis; 11% para Toxocara canis; 9% para Giardia duodenalis; 3% para Isospora canis; 0,8% para Dipylidium caninum, sem diferença entre machos, fêmeas e as várias raças examinadas. Entre cães filhotes (<1 ano) e adultos (>1 ano) a diferença foi significativa com 62,7% e 40,8%, respectivamente para filhotes e adultos. Este trabalho avalia a prevalência de parasitos gastrintestinais de cães atendidos em clínicas veterinárias na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e o conhecimento dos proprietários sobre tópicos relacionados à epidemiologia das parasitoses. MATERIAL E MÉTODOS No período de 3 meses, compreendido entre os meses de abril a junho de 2006, 72 proprietários de cães que levaram seus animais para consulta de rotina, concordaram em responder um questionário sobre parasitoses. As questões eram do tipo abertas e fechadas, permitindo respostas dicotômicas e respostas múltiplas. O questionário avaliou informações sobre os seguintes critérios: conhecimento sobre parasitoses dos animais, vias de transmissão, tratamento anti-helmíntico, tipo de alimentação e ambientes freqüentados pelos animais. Dos 72 proprietários, 53 enviaram amostras de fezes dos cães para investigação parasitológica, no mesmo período das entrevistas. As amostras fecais foram encaminhadas a laboratórios de análises clínicas conveniados e processadas pelas técnicas de Willis- Mollay; Dennis, Stones e Swanson; técnicas de Sheather e de Faust e cols. RESULTADOS E DISCUSSÃO De 72 questionários respondidos, a prevalência foi de: 75,9% (54/72) dos proprietários de cães transitam em locais públicos com seus animais; 87,9% (63/72) tem informações sobre transmissão de endoparasitoses; 97,6% (70/72) executaram tratamento anti-helmíntico receitado pelo médico veterinário e 77,1% (55/72) recolhem as fezes dos animais. Quanto às formas de transmissão, 83,1% (58/72) de donos de cães relataram ter informações da veiculação de formas parasitárias (ovos ou larvas) pela água, alimentos e solo, principalmente em praças públicas; 50,6% (36/72) relataram conhecimento da transmissão de parasitos por outros animais; 31,3% (22/72) por pessoas e animais; 20,5% (14/72) por insetos e 2,4% (2/72) relataram desconhecer qualquer forma de transmissão de verminoses. Do total, 2,4% (2/72) oferecem carnes cruas, além de ração e comida caseira. 12

4 As análises das fezes mostraram uma prevalência geral de parasitos gastrintestinais de 52,8% (28/53). Para os filhotes a prevalência foi de 74,2% (23/31) e para os adultos 22,7% (5/22). Os gêneros parasitários encontrados foram: Isospora spp.; Giardia sp.; Toxocara sp.; Dipylidium sp.; Ancylostoma sp. Na Tabela 1 observase os percentuais de parasitos encontrados, por faixa etária, nos caninos domiciliados. TABELA 1 Prevalência de parasitos gastrintestinais em cães, clientes de clínicas veterinárias, da cidade de Porto Alegre, RS, no período de abril a junho de Parasitos Cães < 1 ano (n=31) Cães > 1 ano (n=22) Nº absolutos % Nº absolutos % Isospora spp. 6 19, Giardia sp , ,64 Toxocara sp. 2 6,45 1 4,54 Ancylostoma sp. 1 3, Dipylidium caninum 1 3, Poliparasitados Isospora spp. + Toxocara sp. 1 3, Isospora spp. + Giardia sp. 2 6, Giardia sp. + Toxocara sp. 1 4,54 Negativo 8 25, ,28 A freqüência encontrada neste estudo é equivalente a de outras regiões do Brasil. O resultado encontrado para Giardia sp. em cães filhotes (< 1 ano) é semelhante ao determinado por Mundim et al. (2003), porém superior ao trabalho de Lopes et al. (2001) que relataram prevalência de 6,6% para Giardia sp.. Rosez et al. (2002) observaram prevalências de Giardia sp. em animais jovens, variando de 26 a 50%. Lopez et al. (2006) e Fontanarrosa et al. (2006) relataram prevalência entre 9% a 12% para Isospora spp., valor inferior ao detectado nesta investigação. Do mesmo modo, Capuano et al. (2006) constataram prevalência de 3,3% para Isospora spp. Vários autores demonstraram no Brasil altos índices de infecção por helmintos, que alcançaram valores de até 70%. Castro et al. (2005) relataram, na região de Praia Grande, São Paulo, índices de 46% para Ancylostoma sp. e 1% para Toxocara sp.. Blazius et al. (2005) mostraram uma prevalência de 70,9% para Ancylostoma spp., 14,5% para Toxocara canis, 6,3% para Isospora spp. e 1,9% para Dipylidium caninum. Vasconcellos et al. (2006), demonstraram uma positividade de 34,8% para Ancylostoma caninum, 8,8% para Toxocara canis, 3,4% para Dipylidium caninum e 1,5% para Giardia sp. 13

5 CONCLUSÕES O resultado do presente trabalho demonstrou que, apesar de sua amostra ser pequena, a prevalência foi elevada para Giardia sp. e Isospora spp. O índice de infecção em filhotes foi alto, observando que os cães aqui analisados vivem em ambientes fechados, propiciando uma fonte de auto-infecção permanente. A orientação dada pelo clínico aos proprietários de cães é de que filhotes de até quatro meses de idade não possuem o sistema imune ainda bem desenvolvido, devendo, portanto, evitar passeios e contatos com outros animais, por isso pouco saem à rua para defecar. Neste caso, eles são obrigados ao convívio maior com suas fezes e, conseqüentemente à autocontaminação. Diferentemente, os cães com mais idade, que saem com seus proprietários à rua, não tem um contato prolongado com suas fezes, como foi demonstrado neste trabalho, onde 77,1% dos donos recolhem os dejetos de seus animais. A prática higiênica da coleta de fezes em áreas públicas concorre positivamente na redução da contaminação ambiental. Entretanto, 22,9% (16) não recolhem as fezes de seus cães, o que acarreta risco à saúde pública, além da ocorrência de grande número de cães vadios encontrados nas cidades brasileiras. Estes cães tornam-se fonte constante de parasitos e outras doenças infecciosas. A maioria dos proprietários de cães tem informações sobre verminoses. Campanhas informativas e a realização periódica de exames parasitológicos, com determinação de espécies e cargas parasitárias mais prevalentes, são necessárias para o controle destas enfermidades. REFERÊNCIAS ARRUDA, A. A. R.; QUADROS, R. M. de; MARQUES, S. M. T. Giardíase em crianças e seus cães, moradores do bairro Habitação, em Lages, Santa Catarina. Revista de Patologia Tropical, v.34, suplemento especial, 2005 (RESUMOS). BARTMANN, A.; ARAUJO, F. A. P. de. Freqüência de Giardia lamblia em cães atendidos em clínicas veterinárias de Porto Alegre, RS, Brasil. Ciência Rural, v. 34, n. 4, Santa Maria, jul./ago., BLAZIUS, R. D. et al. Ocorrência de protozoários e helmintos em amostras de fezes de cães errantes da cidade de Itapema, Santa Catarina. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 38, n. 1, Uberaba, jan./fev., CAPUANO, D. M.; ROCHA, G. de M. Ocorrência de parasitas com potencial zoonótico em fezes de cães coletadas em áreas públicas do município de Ribeirão Preto, SP, Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia, v.9, n.1, São Paulo, mar CASTRO, J. M. de; SANTOS, S. V. dos; MONTEIRO, N. A. Contaminação de canteiros da orla marítima do município de Praia Grande, São Paulo, por ovos de Ancylostoma e Toxocara em fezes de cães. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.38, n.2, Uberaba, mar./abr FONTANARROSA, M. F. et al. An epidemiological study of gastrointestinal parasites of dogs from Southern Greater Buenos Aires (Argentina): age, gender, breed, mixed 14

6 infections, and seasonal and spatial patterns. Vet. Parasitol., 31; 136 (3-4): , ITOH, N. et al. Prevalence of Giardia intestinalis infection in dogs of breeding kennels in Japan. J. Vet. Med. Sci., 67 (7): 717-8, LOPES, R. S. et al. Ocorrência de giardíase em cães e gatos no município de Botucatu/ SP. Jornal Brasileiro de Patologia, v.37, p.224, 2001 (resumos). LOPEZ, D. J. et al. Intestinal parasites in dogs and cats with gastrointestinal symptoms in Santiago, Chile. Rev. Med. Chil.,134(2): , McCARTHY, J.; MOORE, T. A. Emerging helminthes zoonoses. International Journal of Parasitology, v.30, n.12-13, p , MUNDIM, M. J. S. et al. Freqüência de Giardia spp por duas técnicas de diagnóstico em fezes de cães. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.55, n.6, p , ROSEZ, K. V. et al. Giardia: uma infecção global. Revista Nosso Clínico, n.26, p.30-34, SANTOS, H. A. et al. Freqüência de parasitos intestinais em cães filhotes do município de Belo Horizonte/MG. Anais do XII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária, Colégio Brasileiro de Parasitologia Veterinária, Rio de Janeiro, VASCONCELLOS, M.C. de; BARROS, J. S. L. de; OLIVEIRA, C. S. Parasitas gastrointestinais em cães institucionalizados no Rio de Janeiro/RJ. Revista de Saúde Pública, v.40, n.2, São Paulo, abril, Recebido em: abr Aceito em: jul