A Língua Destrutiva Por Sha ul Bentsion. I - Introdução

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1 A Língua Destrutiva 1 A Língua Destrutiva Por Sha ul Bentsion I - Introdução A Torah dedica dois capítulos inteiros do Sefer Wayiqra (Livro de Levítico), a saber, o 13 e 14, para lidar com a questão da sara at, geralmente traduzida como lepra. Nenhuma outra enfermidade, mesmo contagiosa, recebe tal tratamento no texto da Torah. Curiosamente, mesmo sendo essa uma enfermidade tão alarmante ao ponto de merecer tanto destaque, não há qualquer prescrição de tratamento para ela. No entanto, encontramos mais adiante: "Guarda-te da praga da sara'at, e tenhas grande cuidado de fazer conforme a tudo o que te ensinarem os sacerdotes levitas; como lhes tenho ordenado, terás cuidado de o fazer. Lembra-te do que YHWH teu Elohim fez a Miryam no caminho, quando saíste do Egito. (Devarim/Deuteronômio 24:8-9) Pecados e transgressões referentes à língua são tão importantes na Torah, que é o único caso em que o Eterno fez espalhar pelo povo uma enfermidade - a sara at - para instruir acerca da destrutividade de tais situações. Em sendo um assunto de tanta importância, convém observar o que a Torah, o restante do Tanakh, e a halakha têm a dizer acerca do tema. A principal passagem da Torah é: II - Análise da Torah "Não andarás como mexeriqueiro [rakhil - [ רכ יל entre o teu povo; não te porás contra o sangue do teu próximo. Eu sou YHWH. (Wayiqra/Levítico 19:16) Para um assunto de tamanha importância, a Torah é surpreendentemente pouco detalhada a respeito da questão. O que nos leva a supor que provavelmente a palavra rakhil fosse relativamente bem compreendida. Essa palavra também aparece no restante do Tanakh, nos seguintes contextos: "O mexeriqueiro [rakhil - [ רכ יל revela o segredo, mas o fiel de espírito o mantém em oculto. (Mishlê/Provérbios 11:13) "O que anda mexericando [rakhil - [ רכ יל revela segredos; pelo que não te metas com quem muito abre os seus lábios. (Mishlê/Provérbios 20:19) Em ambos os trechos, o rakhil é descrito como uma pessoa que revela coisas que não deveria.

2 A Língua Destrutiva 2 "Todos eles são os mais rebeldes, andam mexericando [rakhil - ;[ רכ יל são duros como bronze e ferro; todos eles são corruptores. (Yirmiyahu/Jeremias 6:28) Aqui, o rakhil é equiparado a uma pessoa rebelde e que causa corrupção. "Guardai-vos cada um do seu próximo, e em irmão nenhum confieis; porque todo irmão não faz mais do que enganar, e todo próximo anda mexericando [rakhil - 9:4) (Yirmiyahu/Jeremias.[ רכ יל O rakhil é traiçoeiro (aqui aparece o termo hebraico aqov), e alguém que trai a confiança do próximo. Resumindo, o rakhil (mexeriqueiro) é aquela pessoa que trai a confiança dos demais, ao espalhar histórias em meio ao povo. Ele é considerado rebelde, e causador de corrupção. III - Conceitos Adicionais do Tanakh As palavras do Tanakh não são nada leves para quem se presta a tal prática, embora ela infelizmente seja comum até mesmo em meio aos que dizem observar a Torah. Há quem suponha que o pecado ocorre apenas quando se espalha a falsidade. Observe, todavia, que a definição do rakhil (mexeriqueiro) não é a de um mentiroso, e sim a de alguém que espalha informações. Evidentemente, o Tanakh condena a mentira de forma inequívoca em diversas ocasiões. Exemplos: "Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo; (Wayiqra/Levítico 19:11) "Os lábios mentirosos são abomináveis a YHWH, mas os que agem fielmente são o seu deleite. (Mishlê/Provérbios 12:22) Contudo, claramente a proibição quanto a rekhilut (fofoca/mexerico) é algo à parte da questão da mentira. É importante avaliar o que diz o Tanakh a respeito da prática da língua destrutiva (lashon hara ). Algumas passagens-chave nos ajudam a compreender como tal prática é vista, e quais são suas consequências: Quem, YHWH, habitará na tua tenda? Quem morará no teu santo monte? Aquele que anda irrepreensivelmente e pratica a justiça, e do coração fala a verdade; que não difama com a sua língua [lo-ragal al leshono - ע ל-ל ש נ ו,[ לא- רג ל, nem faz o mal ao seu próximo, nem contra ele aceita nenhuma afronta; (Tehilim/Salmos 15:1-3) Um dos critérios para que alguém seja declarado justo é não difamar terceiros com a sua língua.

3 A Língua Destrutiva 3 pé. A palavra hebraica ragal tem origem em outra palavra: raguel,( רג ל) que significa Ou seja, a expressão idiomática ragal al-leshono seria, literalmente, algo como pisotear através da língua. Ou seja, trata-se de uma ação através da qual a pessoa é ferida, maculada pela língua. Pessoas que praticam tal coisa não terão parte com o Eterno em Seu santo monte. Quem é o homem que deseja a vida, que quer largos dias para ver o bem? Guarda a tua língua do mal [leshonekha mera - מ רע,[ל ש ונ e os teus lábios de falarem o engano. Aparta-te do mal, e faze o bem; procura a paz, e segue-a. (Tehilim/Salmos 34:13-15) Neste trecho apresenta-se o conceito de lashon hara (língua destrutiva). Embora seja frequentemente traduzido por mal, o termo hebraico ra (רע) na realidade é melhor compreendido como mal no sentido de algo destrutivo, danoso, ou doloroso do que como mal moral. Observe, no mesmo salmo: "Muitas são as aflições [ra ot - [ רע ות do justo, mas de todas elas YHWH o livra. (Tehilim/ Salmos 34:20) Em sendo assim, lashon hara (língua destrutiva) não é aquela que diz inverdades, mas sim aquela que causa destruição. Isto é, não é o conteúdo que importa, mas sim o que ele causa na vida daquele de quem se fala. Ao mestre de canto. Hino de Dawid. Quando Doeg, o idumeu, veio dizer a Sha'ul: Dawid entrou na casa de Ahimelekh: Por que te glorias na malícia, ó homem poderoso? pois a bondade de Elohim subsiste em todo o tempo. A tua língua maquina planos de destruição, como uma navalha afiada, ó tu que usas de dolo. (Tehilim/Salmos 52:3-5) Nesta passagem, a destruição causada pela língua é vista ainda de forma mais explícita. A fala de Doeg poderia ter custado a Dawid (Davi) sua própria vida. O que encobre o ódio tem lábios falsos; e o que espalha a calúnia é um insensato. Na multidão de palavras não falta transgressão; mas o que refreia os seus lábios é prudente. A língua do justo é prata escolhida; o coração dos ímpios é de pouco valor. (Mishlê/ Provérbios 10:18-20) Mishlê (Provérbios) traz um conselho extremamente simples, e ao mesmo tempo muito poderoso, para poder conter a língua destrutiva: fique de boca fechada. Quem fala demais acaba certamente cometendo a transgressão da língua destrutiva. O hipócrita com a boca arruina o seu próximo; mas os justos são libertados pelo conhecimento. (Mishlê/Provérbios 11:9)

4 A Língua Destrutiva 4 Mais uma vez, se observa o efeito destruidor do discurso, desta vez utilizando a metonímia da boca ao invés da língua, mas com o mesmo sentido. A língua benigna é árvore de vida, mas a perversidade nela deprime o espírito. (Mishlê/ Provérbios 15:4) Há milênios, o Tanakh já advertia que a língua perversa, isto é, aquela que é dada a transgressões, pode ser fonte de depressão. Muitas pessoas se afundam em depressão, porque foram feridas ao extremo por causa de difamação. O fato das feridas não serem visíveis não significa que elas não existam, e não sejam graves e profundas. A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto. (Mishlê/Provérbios 18:21) A questão da língua é tão séria que o Tanakh afirma que a língua tem poder de vida e morte. O que guarda a sua boca e a sua língua guarda a sua alma das angústias. (Mishlê/ Provérbios 21:23) A língua não traz angústia apenas para quem é vítima da fala, mas também acaba trazendo angústia profunda para aquele que comete o ato. O vento norte traz chuva, e a língua secreta [leshon sater- ס ת ר,[ל ש ון o rosto irado. (Mishlê/Provérbios 25:23) O trecho acima é interessantíssimo. Uma pessoa que é culpada de língua secreta, isto é, que fala coisas em oculto, não pode se queixar depois de atrair sobre si a ira. Quem espalha histórias, casos, segredos, informações, etc., além de transgredir a Torah, certamente atrairá sobre si toda sorte de contenda e confusão. Faltando lenha, apaga-se o fogo; e não havendo sussurador [nirgan -,[נ ר ג ן cessa a contenda. (Mishlê/Provérbios 26:20) O termo nirgan - literalmente sussurador, é usado para se referir tanto aos que praticam murmuração, quanto àqueles que contam histórias e segredos dos demais, em forma de sussurros. Aqui parece se referir a esse segundo entendimento. Muitas brigas começam porque há pessoas levando e contando histórias, de parte a parte.

5 A Língua Destrutiva 5 IV - Conclusões sobre o Tanakh Como se pode perceber, o Tanakh se refere a três práticas, de forma distinta: falsidade, mexerico (fofoca) e destruição a partir da língua. É possível que haja uma interseção entre essas três coisas. Pode-se dizer ainda que a língua destrutiva seja algo genérico, ao passo que falsidade e mexerico sejam coisas mais específicas. O que importa é observar que (pelo menos) essas três coisas são identificadas claramente. Enquanto a falsidade se enquadraria na situação da difamação a partir de eventos mentirosos, ou de meias verdades, engana-se quem acha que a língua destrutiva se limita a isso. Rekhilut ou, no português, o mexerico, é o ato de levar adiante informações sobre terceiros. E é extremamente danosa. É compreensível porque a Torah não prescreve uma punição específica para esse ato: Trata-se de algo muito difícil de avaliar por um Bet Din (Corte) humano. Porém, não deve o rakhil (mexeriqueiro) supor que ficará impune. Embora a Torah não prescreva punição a ser realizada pelo Bet Din, observa-se uma consequência terrível para aquele que assim procede: Um afastamento do Eterno, pois pratica abominação! Ou seja, as consequências espirituais, por assim dizer, são terríveis. O que é compreensível, visto que terrível também é igualmente o dano causado por tais coisas. V - A Halakha da Língua A halakha traz esses mesmos conceitos do Tanakh, e apenas os elucida de forma mais prática e objetiva, como é de costume da Corte Mosaica (Sanhedrin) fazer. A maior parte da informação se encontra na Mishneh Torah- Sefer hamada - Hilkhot De ot - Capítulo 6, e é apresentada abaixo: Halakha 1 Uma pessoa que coleta fofoca acerca de um colega viola uma proibição, conforme é dito: Não andarás como mexeriqueiro entre o teu povo. [Lv. 19:16] Apesar dessa transgressão não ser punida com açoites, é uma grande impiedade que pode causar a morte de israelitas. Por isso não te porás contra o sangue do teu próximo é posto logo em seguida a ela na Torah. Veja o que aconteceu por causa de Doeg, o idumeu. A história de Doeg se encontra em 1 Sm. 22. Porque ele resolveu contar a Sha ul (Saul) que tinha visto a Dawid (Davi), a cidade inteira de Nov, uma cidade de kohanim (sacerdotes), foi exterminada.

6 A Língua Destrutiva 6 Na maioria das vezes, aquele que comete rekhilut (mexerico) não pode medir o efeito de tal prática até que seja tarde demais. Halakha 2 Quem é um mexeriqueiro? É alguém que coleta informações e vai de pessoa em pessoa, dizendo: Isto é o que tal e tal pessoa disse ; Isto é o que eu ouvi acerca de tal e tal pessoa. Mesmo se as afirmações forem verdadeiras, elas trazem a destruição do mundo. Há uma impiedade ainda maior, que também está inclusa nessa proibição: a língua destrutiva [lashon hara ], isto é, relatar fatos depreciativos acerca de um colega, mesmo se forem verdadeiros. Porém, dizer mentiras é chamado de difamação do nome [mossi shem ra ]. Diferentemente disso, a língua destrutiva [lashon hara ] é quando alguém se senta e relata: Isso é o que eu ouvi acerca dele, falando de coisas negativas. Acerca disso, é dito: Que Adonay extirpe os lábios hipócritas e a língua insolente. [Sl. 12:4] A halakha diferencia claramente entre a difamação por meio de informações mentirosas, que é chamada de mossi shem ra שם רע] [מוציא - literalmente, publicar um nome ruim, e a prática da rekhilut, ou mexerico. Um rakhil (mexeriqueiro) é aquele que busca informações sobre pessoas, com propósito de transmití-las adiante. Mesmo que sejam fatos verdadeiros. Halakha 3 Nossos sábios diziam: Há três transgressões para os quais a retribuição a alguém ocorrem neste mundo, [e ainda assim a ele] é negado uma porção no mundo vindouro: idolatria, relações sexuais ilícitas, e assassinato. A língua destrutiva [lashon hara ] é equivalente a todas elas. Nossos sábios também diziam: Aquele que profere língua destrutiva [lashon hara ] é como alguém que nega o Eterno, conforme é dito: Dominaremos pela nossa língua, nossos lábios trabalham para nós, quem nos será senhor? [Sl. 12:5] Além disso, dizem: A língua destrutiva [lashon hara ] mata três: aquele que a profere, aquele que a ouve, e aquele sobre quem se fala. Aquele que a ouve mais do que aquele que a fala. Haz al (os sábios da antiguidade) também perceberam o quanto a descrição dos pecados da língua no Tanakh é tratado sempre de forma muito grave, e indica um distanciamento do Eterno. Por isso concluem: uma pessoa que uma pessoa que tem língua destrutiva não tem parte no mundo vindouro. Certamente que essa conclusão, bem pautada no Tanakh, deve servir de alerta o suficiente para aqueles que a praticam indiscriminadamente.

7 A Língua Destrutiva 7 Mexericos, fofocas, e exposições públicas já levaram muitas vidas à ruína, outras ou suicídio, e já causaram coisas como assassinatos e até mesmo guerras. Não é difícil de perceber, portanto, porque esse pecado é considerado uma iniquidade terrível. Halakha 4 Certos assuntos são considerados o pó da língua destrutiva [lashon hara ]. O que é inferido? [Se alguém diz:] Quem dirá a tal e tal pessoa para continuar agindo como ele faz agora ou Não fale acerca de tal e tal pessoa; não quero dizer o que aconteceu, ou coisa semelhante. Semelhantemente, é considerado pó da língua destrutiva [lashon hara ] quando alguém fala favoravelmente de um colega na presença de seus inimigos, pois isso certamente os levará a falar negativamente acerca dele. Sobre isso, o rei Salomão disse: "Quem, desde o amanhecer, louva seu vizinho em alta voz é censurado de o ter amaldiçoado." [Pv. 27:14] Pois seu ato positivo trará [consequência] negativa. Semelhantemente, uma pessoa que profere língua destrutiva [lashon hara ] acerca de um colega astuciosamente, fingindo contar inocentemente uma história sem saber que ela é nociva. Quando é reprovado, se justifica dizendo: Eu não sabia que a história era nociva, ou que tal e tal pessoal estava envolvida. Muitas pessoas tentam se esquivar da acusação de língua destrutiva ao serem mais sutis no discurso. Não fazem afirmações diretas, apenas sugerem. Em outros casos, colocam palavras no momento certo, para provocar outros a falarem mal de alguém. Ou fingem, inocentemente, desconhecer o que estão fazendo. Essa prática é chamada de pó da língua destrutiva. Tais pessoas podem até enganar outros seres humanos. Até mesmo com muita facilidade. Mas, não se livrarão das consequências espirituais de tal prática, visto que o Eterno sabe todas as coisas. Halakha 5 Quer alguém profira língua destrutiva [lashon hara ] acerca de uma pessoa em sua presença ou pelas suas costas: [A fala] de pessoas que contam assuntos que, quando passados de uma pessoa para outra, causarão mal à pessoa ou à propriedade de alguém ou irão aborrecê-lo ou assustá-lo são consideradas lashon hara. Se tais afirmações são feitas na presença de três pessoas, já se tornou conhecimento público. Assim, se uma das três relata o assunto uma segunda vez, não é considerado língua destrutiva [lashon hara ], desde que sua intenção não tenha sido a de espalhar mais ainda o assunto ou torná-lo público.

8 A Língua Destrutiva 8 Falar pela frente também não é pretexto para comenter a prática da língua destrutiva. Basta que seja uma fala que cause dano ao terceiro. É claro que é menos covarde do que falar pelas costas, mas continua sendo uma transgressão. Semelhantemente, falar sobre casos públicos só é considerado lícito se a intenção for comentar o assunto, e não fazê-lo se espalhar ainda mais. Halakha 6 Todos os acima são pessoas que proferem língua destrutiva [lashon hara ], em cuja vizinhança é proibido habitar. Quanto mais sentar-se com eles e ouvir sua conversa. O juízo contra nossos ancestrais no deserto só foi selado por causa da língua destrutiva [lashon hara ]. Da instrução sobre remover alguém com sara at do arraial, os sábios observaram que é proibido habitar próximo a uma pessoa que foi ferido com tal enfermidade devido à prática da língua destrutiva. Se até mesmo estar próximo a tais pessoas era proibido, quem dirá sentar-se para conversar com ela. Ou seja, não devemos dar oportunidade para que a língua destrutiva surja, ao nos assentarmos com pessoas que, sabidamente, são dadas a tais práticas. As consequências não devem ser menosprezadas. Devido à língua destrutiva dos espias, que difamaram o próprio Etrno, aquela geração inteira, que deu ouvidos à difamação, não entrou na terra da promessa. VI - Conclusão Geral Como se pode perceber, transgressões relativas à língua são bastante delicadas, e suas consequências terríveis. É fundamental nos afastarmos de tais situações, para não sofrermos, visto que todas as partes envolvidas no ato acabam inevitavelmente sofrendo. Pessoas que são dadas a esse tipo de prática atraem sobre si muita negatividade, destruição e contenda. O ideal é se afastar delas, para não ser pego no meio de tais consequências.