EXPOSIÇÃO DE APOCALIPSE

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1 EXPOSIÇÃO DE APOCALIPSE 1. INTRODUÇÃO I. Contexto Histórico-geográfico Durante os primórdios da Igreja cristã, as perseguições eram perpetradas pelos judeus. Os cristãos somente foram perseguidos pelo Estado romano, pela primeira vez, com Nero (54-68). A segunda investida estatal contra a igreja só viria a ocorrer sob o reinado do Imperador Domiciano. Tito Flávio Domiciano era, segundo Suetônio 1, de estatura alta, possuía um rosto modesto, sua tez era vermelha, tinha olhos grandes, porém, vista curta. Seu conjunto era belo e bem proporcionado, especialmente na juventude, com exceção de seus pés, cujos dedos eram muito pequenos. Quanto à sua personalidade, sabe-se que era excessivamente imoral e, com o correr dos anos, tornou-se crescentemente frio e violento 2. John Foxe 3, em seu clássico O Livro dos Mártires, nos informa que Agindo no início de forma branda e moderada, ele em seguida cometeu um ultraje tão grande em seu insuportável orgulho que ordenou a adoração de si mesmo como deus 4 e mandou que em sua honra imagens de ouro e prata fossem erigidas no capitólio. 1 SUETÔNIO. A Vida dos Doze Césares. São Paulo: Martin Claret, p Ainda de Suetônio: (...) foi bem mais desumano depois da sua vitória na guerra civil, aplicando uma nova modalidade de tormentos para a maioria dos cúmplices do seu adversário que se achavam, durante muito tempo, escondidos. Torturou-os, fazendo-lhes queimar os órgãos genitais. A outros, cortou-lhes as mãos (...) Possuía uma ferocidade que além de considerável, era também requintada e imprevista. No dia anterior em que havia mandado crucificar seu tesoureiro, chamou-o ao seu quarto e fez com que comesse algumas iguarias da sua mesa (...) e, abusando ainda mais da paciência dos homens, nunca pronunciou uma decisão fatal sem antes falar de clemência, de modo que não havia sinal mais certo de uma conclusão atroz do que a doçura do preâmbulo. Op. Cit. p. 421, FOXE, John, O Livro dos Mártires. São Paulo: Mundo Cristão: p Suetônio escreve: Com uma análoga arrogância, ditou, em nome dos procuradores, uma carta circular que começava com o seguinte período: Nosso senhor e deus ordena que assim se faça. A partir disso então, (ficou) o uso estabelecido, de forma que ninguém, escrevendo ou falando, lhe chamasse de outra maneira. Op. Cit. p

2 Apesar de não saber ao certo as razões que motivaram a perseguição de Domiciano, Ganzález 5 suspeita que seu amor pelas tradições romanas fê-lo voltar-se contra aquela religião que não aderia à forma de culto romano. Para não mencionar o explosivo crescimento do movimento cristão, a despeito da perseguição que padecia. Ademais, já não existindo o Templo em Jerusalém, Domiciano exigiu que os judeus enviassem o tributo que antes ofertavam em Jerusalém ao sustento de Capitolinus Júpiter, no que, obviamente, se recusaram. Destarte, os cristãos foram inclusos dentre aqueles que praticavam costumes judaicos e levados na correnteza do ódio. Desencadeou-se, nesse compasso, nova e cruenta perseguição. É Gozález 6 mais uma vez que nos faz cientes que Domiciano executou seu parente Flávio Clemente e a sua esposa Flávia Domicila, acusados de ateísmo e de costumes judaicos. Nessa perseguição, na Ásia Menor, João, apóstolo e autor do quarto Evangelho, foi enviado ao exílio, por Domiciano, na Ilha de Patmos, em cerca do ano 95 AD, onde teve as visões que registrou em nosso livro. O discípulo amado, com efeito, afirma: Achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus 7. Patmos era uma das ilhotas situadas no Mar Egeu, com cerca de dezesseis por dez quilômetros. George Ladd 8 a descreve como nua, vulcânica e com elevações de até trezentos metros. Netta Kemp de Money 9, por sua vez, diz ser ela rochosa, estéril e desolada. 5 GONZÁLEZ, Justo L. E até aos Confins da Terra; Uma história ilustrada do Cristianismo A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova, p Op. Cit. p Ap 1:9 8 LADD, George. Apocalipse: Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, p MONEY, Netta Kemp de. Geografia Histórica do Mundo Bíblico. Belo Horizonte: Editora Viva, p

3 Nessa ambiência, portanto, nosso autor tem a honra a de fechar o cânon das Escrituras Sagradas com esta pérola que já tem inspirado com fé e esperança a Igreja de Jesus Cristo por dois milênios. O que, certamente, continuará a fazê-lo até que Ele volte! II. Autor i. Apocalipse 1:1,4; 21:2; 22:8. As igrejas da Ásia o conheciam muito bem; ii. Do estilo do livro inferimos que era judeu. Conhecia o AT de ponta a ponta; iii. A igreja primitiva o aceitou como sendo o Apóstolo, autor do quarto evangelho, apesar das grandes diferenças entre nosso livro e aquele evangelho. Apocalipse Ênfase na justiça Trata do curso externo dos eventos Grego rude e impolido 4 o Evangelho Ênfase no amor Condição interior do coração Grego fluente e direto A favor da autoria joanina, argumenta-se o fato do autor chamar-se simplesmente João, sem qualquer designação adicional, indicando que todos sabiam de quem se tratava (1:9). A diferença de estilo é explicada pelo uso de amanuenses o que era comum no mundo antigo. Talvez João tenha ditado seu evangelho a um discípulo, enquanto Apocalipse está em seu próprio grego rude de hebreu. Não há qualquer diferença doutrinária entre João e Apocalipse. Antes, podemos enumerar algumas semelhanças: i) Jesus é chamado Cordeiro (amnos) em João (1:29,36) e em Apocalipse (arnion) 29 vezes; ii) Jesus é chamado Verbo no evangelho e nas epístolas de João (Jo 1:1ss; I Jo 1:1), como em Apocalipse (19:13); 3

4 iii) Cristo é pré-temporal e eterno tanto no evangelho como em Apocalipse (Jo 1:1ss; Ap 22:13; cf. 5:12,13); iv) A salvação é obra da graça soberana em João (3:3,7,8; 6:38-40; 10:14,15) como em apocalipse (5:9,10; 12:10; 21:6). Por fim, a igreja primitiva é quase unânime em atribuir Apocalipse ao Apóstolo João. Afirmou isso Justino Mártir (c. 140 AD), Irineu (c. 180 AD, que foi discípulo de um discípulo de João), o Cânon Muratoriano (c. 200 AD), Clemente de Alexandria (c. 200 AD), Tertuliano de Cartago (c. 220 AD), Orígenes de Alexandria (c. 223 AD) e Hipólito (c. 240 AD). III. Data A data 96 AD tem muito apoio: i) Irineu, do 2 o século, afirma: Ele (o Apocalipse) surgiu faz não ii) IV. Propósito do livro muito tempo, perto do fim do reinado de Domiciano, quase na nossa geração. Diz ainda: (...) a igreja em Éfeso, fundada por Paulo, e residência de João até o tempo de Trajano ( AD), é verdadeiro testemunho da tradição dos apóstolos. Vitorino, do 3 o século, diz: Quando João escreveu estas coisas ele estava na ilha de Patmos, condenado por César Domiciano a trabalhar nas minas. João está exilado em Patmos pela pregação da Palavra (1:9). Em Pérgamo, Antipas tinha sido morto (2:13). Em Esmirna haveriam em breve algumas prisões (2:10). Para não falar dos mártires que João viu sob o altar, clamando por vingança (6:9). Já foi sabiamente dito que profecia não se presta a contar previamente a história futura, mas a edificar e consolar aqueles que a ouvem. Assim, o propósito geral do livro é confortar a Igreja em sua luta contra o mal. Aos cristãos sofredores é dito: i) Que Deus vê suas lágrimas (7:17; 21:4; cf. sl 56:8); 4

5 ii) Que suas orações são influentes nos negócios do mundo (8:3-5); iii) Que a vitória final é certa (15:2,3); iv) Que seu sangue será vingado (6:9-11; 19:2); v) Que seu Cristo vive e reina para sempre (5:7,8; 21:22). Que um vi) dia Ele voltará, mas que, enquanto isso, Ele está conosco em Espírito e anda no meio dos sete castiçais de ouro (2:1); Que, embora pareçam vencidos, na verdade reinam sobre a terra (5:10), no céu, com cristo (20:4) e reinarão no novo céu e na nova terra para todo o sempre (22:5). Enfim, Cristo (e Seu povo) é vencedor (17:14)! V. Prólogo Apocalipse 1:1-3: 1 Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e, enviando-as pelo seu anjo, as notificou a seu servo João; 2 o qual testificou da palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo, de tudo quanto viu. 3 Bem-aventurado aquele que lê e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo. Revelação [apocalipse] de Jesus Cristo é o título do livro. É um desvendamento do plano de Deus para a história do mundo. Apokalupsis é o substantivo correlato do verbo apokalipto, uma palavra composta formada por kalipto (esconder, ocultar) e apo (de) denotando a idéia de desvendar alguma coisa anteriormente oculta. A cadeia de comunicação é: Deus Jesus Cristo seus servos. Deus deu a revelação a Jesus Cristo (cf. Mc 13:32), para que a fizesse conhecida aos seus servos. Deus-Pai é a fonte de toda a revelação; Deus-Filho é o agente através 5

6 do qual esta revelação é comunicada aos homens 10. E isto o faz através do seu anjo ao apóstolo João, que envia ao leitor. O objeto da Revelação de Jesus Cristo está na oração as coisas que em breve devem acontecer. Segundo Ladd 11, estas palavras não devem causar estranheza, é que os profetas estavam pouco interessados em cronologia, vendo o futuro sempre como iminente (...) A profecia bíblica primeiramente não é tridimensional, mas bidimensional, mas pouco preocupada (...) com a cronologia dos acontecimentos. A primeira das sete bem-aventuranças é indicada no verso três, e guarda identidade com as palavras de Jesus (Lc 11:28). Sobre as demais bemaventuranças, ver: Ap 14:13; 16:15; 19:9; 20:6; 22:7; 22:14. Vale destacar que os verbos ler e ouvir têm que ver com o contexto de culto público. Hendriksen 12 aduz que os livros tinham de ser copiados à mão, sendo, portanto, poucos em número e bastante caros (...) Assim, um leitor era indicado para proceder a leitura diante do povo reunido para o culto. Sobre a leitura audível nos cultos públicos judaicos e cristãos, ver: Lc 4:16, At 13:15; II Co 3:15; Cl 4:16; I Ts 5:27. VI. Saudação e Doxologia Apocalipse 1:4-6 4 João, às sete igrejas que estão na Ásia: Graça a vós e paz da parte daquele que é, e que era, e que há de vir, e da dos sete espíritos que estão diante do seu trono; 5 e da parte de Jesus Cristo, que é a fiel testemunha, o primogênito dos mortos e o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, 6 e nos fez reino, sacerdotes para Deus, seu Pai, a ele seja glória e domínio pelos séculos dos séculos. Amém. 10 Op. Cit. p Op. Cit. p HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores. São Paulo: Cultura Cristã, p. 78 6

7 O livro é endereçado às sete igrejas na província romana da Ásia (ver verso 11), que representam a totalidade da igreja através desta dispensação. As três Pessoas da Trindade são mencionadas na saudação, Hendriksen 13 infere que graça e paz são providas pelo Pai, dispensadas pelo Espírito Santo e a nós atribuídas pelos méritos do Filho. A descrição do Pai ( aquele que era, que é e que há de vir ) lembra-nos Ex 3:14ss. Nesta ocasião Disse Deus a Moisés: Eu SOU O QUE SOU ou Eu Serei o que Serei frase que guarda relação com o nome YHWH (Yahweh), provavelmente uma abreviação dela. Os sete espíritos refere-se à plenitude do Espírito em suas operações e influências no mundo e na igreja. Nosso Senhor é descrito como a fiel testemunha (lembra-nos o ministério terreno), o primogênito dentre os mortos (lembra-nos sua morte e ressurreição) e o príncipe dos reis da terra (sua presente exaltação). VII. A Segunda Vinda Apocalipse 1:7 7 Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém. No verso sete temos o anúncio da segunda vinda. Sobre ela, afirmamos que: i) É certa. Eis que vem.... É certo que Ele vem, ainda que os escarnecedores o contradigam. Com efeito, não tem faltado quem o faça. Ver II Pe 3; ii) É visível. E todo o olho o verá. Ver Mt 24:27,30; Lc 21:27; Mc 13:26; At 1:11; 13 Op. Cit. p. 79 7

8 iii) iv) É gloriosa. Eis que vem com as nuvens. Dn 7:13,14; Mc 13:26; Mt 24:30; É terrível para os ímpios. Até os mesmos que o traspassaram, e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Ver Sf 1:15; Sl 97:2; Zc 12:10ss (cf. Jo 19:34,37; 20:25,27); Mt 24:30; v) É esperança aos crentes. Ver I Ts 4:13ss; vi) É imprevisível. Ver I Ts 5:1-3; Mt 24:36-51; At 1:7. VIII. A Auto-designação do Senhor Jesus Apocalipse 1:8 8 Eu sou o Alfa e o Omega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso. O verso oito contém a auto-designação de Cristo: i) Alfa e o Omega. Estas são a primeira e a última letras do alfabeto grego, numa óbvia indicação de que Jesus é a completa revelação de Deus. Ele é, por assim dizer, a revelação divina de a a z. Ver Jo 1:18, 14:9; ii) O Senhor, que é, e que era, e que há de vir. Segundo o que está no verso quatro, infere-se que é plenamente igual ao Pai, eterno e imutável em Seu ser essencial. Ver Jo 10:30; iii) O Todo-Poderoso. O vocábulo Pantokrator é o equivalente grego do hebraico Shaddai, nome que revela Jesus como o possuidor de todo o poder no céu e na terra, e que a tudo controla para cumprir Seu propósito. 8