As razões do golpe Militar. Tortura e exílio na ditadura militar: Por que operários eram perseguidos, inclusive nos próprios locais de trabalho?

Transcrição

1 Tortura e exílio na ditadura militar: Por que operários eram perseguidos, inclusive nos próprios locais de trabalho? Waldemar Rossi 1 As razões do golpe Militar Não se pode esquecer que o objetivo do golpe foi claramente interromper o desenvolvimento econômico brasileiro de cunho nacionalista, substituindo-o pelo modelo econômico da produção industrial das multinacionais (linguagem da época do golpe), sob a batuta dos Estados Unidos. Assim, o combate ao caos, à corrupção e ao comunismo nada mais foi que o slogan golpista para confundir as cabeças ingênuas e desavisadas. A intervenção nos sindicatos Não foi por menos que a primeira intervenção se deu nos sindicatos combativos da época, muitos sob a direção de militantes do Partido Comunista Brasileiro, ao lado de outros sindicalistas nacionalistas. Era necessário impedir a reação da classe operária ao golpe. Ao mesmo tempo que as cassações aconteceram, deram-se as nomeações dos respetivos interventores, historicamente ligados aos setores sindicais e de inteligência dos Estados Unidos, cujo nome mais conhecido foi o do Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade). Joaquinzão e seus companheiros transformaram os respectivos sindicatos combativos (em 1963, haviam conquistado os 13.º salários para todas as categorias profissionais, uma nova dimensão do Abono de Natal que já favorecia algumas categorias profissionais) em sindicatos assistencialistas (ambulatório médico e medicamentos gratuitos vindos dos sindicatos estadunidenses, colônias de férias, cooperativas de consumo) e em sindicatos de mera barganha de salários arroxados pelo governo militar através de Decretos Lei. 1 Militante fundador da Pastoral Operária no Brasil e um dos iniciadores do Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Membro da Comissão de Justiça e Paz. A luta contra o arroxo O arroxo foi de tal monta que provocou a reação de sindicatos (muitos haviam sido retomados por trabalhadores),

2 e estes passaram a chamar um amplo movimento antiarrocho denominado MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho). Esse movimento juntou os sindicatos combativos com as direções pelegas. Seus momentos mais fortes foram o 1º de Maio de 1968, na Praça da Sé (SP), e as greves de Osasco (SP) e Contagem (MG), nos meses de junho/julho do mesmo ano. Waldemar Rossi O ato na Sé e as greves em Osasco e Contagem Na comemoração do 1º de Maio, na Praça da Sé, houve conflito por contra da presença do então governador biônico Roberto de Abreu Sodré, que foi impedido pelos operários de falar e saiu do palanque para não ser agredido. O palanque foi derrubado e queimado pela multidão enfurecida. A greve de Osasco, que teve a gerência da COBRASMA e se reteve na empresa, recebeu repressão de forte esquema militar, incluindo cavalaria. Depois de vários dias de enfrentamento, a fábrica foi desocupada; o sindicato, ocupado pela repressão; os dirigentes e militantes, presos; a direção, cassada novamente; e a intervenção, mais uma vez, nomeada. A Comissão de Fábrica da Cobrasma (a primeira conquistada pelos trabalhadores no sindicalismo brasileiro em 1964) foi extinta definitivamente. Centenas de trabalhadores perderam seus empregos, entraram para as famigeradas listas negras e tiveram que procurar trabalho em outras cidades bem distantes. O então presidente do sindicato, José Ibrahim, e o Luizão tiveram que ir para o exilio e lá permanecerem até a Anistia, em Assim como eles, outros sindicalistas partiram para o exilio. O AI-5 e os assassinatos de operários A decretação do AI-5 veio calar a voz do povo brasileiro e intensificar a repressão. E os trabalhadores, produtores das riquezas do capital, não ficaram isentos. Era preciso impedir a rebeldia dos explorados para que o novo modelo de capitalismo fosse, definitivamente, implantado no país. Nesse contexto, no ano de 1970, os dirigentes sindicais consentidos lograram marcar a celebração do 1º de Maio em local restrito, e isto se deu no campo de futebol da Vila Maria Zélia, próximo à ponte da Vila Maria. Nesse dia, vários operários foram presos pelas forças de segurança, entre eles Olavo Hansen, militante posadista. Foi morto dias depois, após passar por duro e prolongado processo de tortura, comandado pelo facínora Delegado Sérgio Paranhos Fleury, de triste memória. Segundo relato do então Senador Franco Montoro ao Senado, com base no laudo do IML, Olavo foi vítima de injeção de inseticida, que destruiu seus rins. 107 No final de novembro de 1971, Luiz Hirata, militante da AP (Ação Popular) e militante da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, também foi preso e levado para o DOPS. No mês de dezembro, foi encaminhado para o Hospital das Clínicas com pedido de transplante renal, vindo a falecer expelindo, pela boca, partes do seu pulmão.

3 Em 1976, o operário metalúrgico, Manoel Fiel filho, foi arrancado da empresa onde trabalhava, levado para o DOI-CODI e assassinado em pouco menos de quatro horas de torturas. Em 1974, dezenas de metalúrgicos de São Paulo e do Rio de Janeiro foram presos, interrogados sob tortura e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. A retomada do movimento grevista e a repressão Durante a greve dos metalúrgicos de São Paulo, na noite e na madrugada dos dias 28 e 29 de outubro de 1979 greve esta massiva, democraticamente preparada, decidida por mais de 5 mil trabalhadores e pacífica, a polícia do Estado de São Paulo invadiu o salão Arco-íris, subsede do sindicato em Santo Amaro, e prendeu dezenas de sindicalistas que ali estavam alojados para as tarefas do início da manhã. Não satisfeita, na tarde do mesmo dia, assassinou estupidamente o operário Santo Dias da Silva, membro da Oposição Sindical e da Pastoral Operária de São Paulo. Apesar dessa violência toda, mais de 80% dos metalúrgicos pararam São Paulo, e o assassinato fez o movimento recrudescer, continuando por dez dias. Meses antes, o presidente do sindicato dos Têxteis, Paulo Tchê, fora preso e torturado durante vários dias. A Oposição Metalúrgica de São Paulo e a direção do sindicato Para os militares, a Oposição Metalúrgica de São Paulo jamais poderia chegar à direção do maior e mais importante sindicato da América Latina (naqueles anos). Sabiam eles que não estaríamos lá para paparicar milicos e patrões. Se não fôssemos impedidos de chegar à sua direção, pela manipulação do resultado das votações e pela ação da polícia militar, sabiam os militares que o sindicalismo brasileiro caminharia por rumos muito diferentes da prática sindical atual. A 2ª intervenção no sindicato No ano de 1978, a Oposição participou novamente das eleições sindicais. O clima era tenso e a insatisfação entre os trabalhadores com as ações da diretoria era grande demais. Em vista da provável vitória oposicionista, foi montado um forte esquema de corrupção e violência, muito bem retratado pelo filme documentário Braços cruzados, máquinas paradas. Depois de sério enfrentamento da máquina com a massa de trabalhadores, o escrutinador se viu forçado a declarar publicamente: Lamento pelos meus amigos, mas sou obrigado a declarar nulas as eleições.. Deveria, então, ser formada uma Junta governativa para, dentro de 60 dias, realizar novas eleições. Porém, o então Ministro do Trabalho, Arnaldo Pietro, passando por cima da Justiça do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores, deu nova posse ao Joaquinzão, Tortura e exílio na ditadura militar 108

4 ou seja, o governo militar interveio pela segunda vez no mesmo sindicato. O filme documentário citado conseguiu registrar para a história como a repressão impediu a tomada do sindicato pela via eleitoral, assim como flagrou a brutal repressão sobre o povo presente à massiva assembleia do Movimento Contra o Custo de Vida. Nos anos , várias direções sindicais foram cassadas e seus sindicatos sofreram intervenção. Entre eles, destacam-se o dos Metalúrgicos de São Bernardo, o dos Bancários de São Paulo e Porto Alegre, além de alguns sindicatos de Petroleiros. O objetivo das intervenções era amedrontar os trabalhadores e enfraquecer a ação sindical. Mas os tempos eram outros e as lutas continuaram. Waldemar Rossi As prisões de trabalhadores no recinto das fábricas Casos de polícia buscando trabalhadores nas fábricas foram e estão sendo constatados pelo projeto Memória da Oposição Metalúrgica de São Paulo e pelo IIEP. Um dos casos emblemáticos já registrados ocorreu no dia 20 de junho de 1979, quando dois agentes da polícia federal, acompanhados do diretor do sindicato, Orlando Malvezzi, foram às Máquinas Piratininga buscar o companheiro Vito Giannotti e levá-lo a uma delegacia de polícia da região, uma vez que havia vasado informações de uma greve que ocorreria naquela empresa, greve esta que de fato ocorreu enquanto o Vito permanecia detido. Mais emblemática foi a prisão de Manoel Fiel Filho acima citado. Arleide Alves, operária da Colmeia eleita para a CIPA, convocou seus companheiros para irem à assembleia do sindicato, já que um ônibus aguardava em frente à empresa. Por causa dessa convocação, Arleide foi despedida no ato e intimada a sair da fábrica, intimação esta que ela não acatou alegando ter estabilidade garantida por lei, posto que tinha sido eleita democraticamente pelos companheiros para a CIPA. O que segue foi extraído do depoimento da Arleide, durante o encontro da Zona Sul: Umas 17 horas, mais ou menos, ele chegou e falou: Olha, a polícia está aí para pegar você.. Eu falei: Vai me prender trabalhando?. Ele falou: Você está convidada a sair.. Eu falei: Eu não vou sair, eu sou da comissão e não vou.. O patrão te mandou embora e você tem que sair agora da fábrica.. Eu falei: Eu não vou sair.. Aí vieram os seguranças da empresa, vieram com uma escolta da polícia militar. Aí eu falei: Eu não vou sair, vou resistir.. Eu estava com meu instrumento de trabalho na mão, eu resisti, eu falei: Eu não vou sair daqui.. Aí eles me pegaram, cada um pegou de um lado e esse chefe, oportunista, pegou por trás meu cabelo e eu caí. Fui sendo arrastada com o martelo na mão. Outro caso que merece destaque foi a prisão do metalúrgico Cloves de Castro, levado para o DOPS e de lá transferido para o DOI-CODI, em viatura da Folha de S. Paulo, o jornal da ditabranda. 109

5 As listas dos excluídos Muitos de nossos companheiros e companheiras foram sendo incluídos nas listas que circulavam pelo setor de Recursos Humanos das empresas metalúrgicas da cidade. De forma progressiva, operários identificados pela própria direção sindical como oposicionistas e delatados pelos órgãos de inteligência da repressão foram sendo obrigados a procurar trabalho fora de São Paulo, ou ainda a mudar de profissão. Temos casos de companheiros que, apesar de serem profissionais competentes, perderam seus empregos inúmeras vezes, como no meu próprio caso: em 25 anos como metalúrgico, fui demitido 17 vezes, e em nenhuma delas por deficiência profissional. Dizem que a ditadura acabou e a democracia foi restaurada. Porém, essa democracia contempla apenas os interesses da burguesia, dos exploradores do trabalho alheio, e penaliza os trabalhadores. Para os verdadeiros produtores das riquezas, a democracia ainda está para ser edificada. Tortura e exílio na ditadura militar 110