Eleições 2016 no Rio de Janeiro.! E depois da festa? A cidade da população ou a cidade das grandes empresas? Bem-Estar ou Lucro Privado?!

Transcrição

1 Eleições 2016 no Rio de Janeiro. E depois da festa? A cidade da população ou a cidade das grandes empresas? Bem-Estar ou Lucro Privado? Luiz Cesar de Quiroz Ribeiro Orlando Alves dos Santos Junior A análise dos planos de governo das coalizões partidárias para a Prefeitura do Rio de Janeiro indica claramente uma disputa em torno de dois paradigmas de cidade: a cidade como fundamento do bem-estar dos seus cidadãos versus a cidade como negócios do capitalismo urbano que se expande pelo mundo. O primeiro decorre do papel atribuído ao Município no Sistema Brasileiro de Proteção Social constituído a partir da Constituição de 1988 e dos direitos sociais nela assegurados Educação, Saúde, Habitação, Assistência Social, etc., consolidado posteriormente pela municipalização das políticas sociais e do Estatuto das Cidades. O segundo paradigma resulta da difusão no Brasil da ideologia da competitividade interurbana experimentada nos Estados Unidos e em outros países pela qual a cidade é pensada como promotora de negócios privados dos quais, supostamente, decorreriam empregos, renda e bem-estar. Desde de 1991, O Rio de Janeiro está submetido a este paradigma traduzido em políticas urbanas e modelos de gestão que privatiza a cidade e promove renovações pontuais como instrumentos de ativação dos circuitos da acumulação urbana controlada pelas grandes empreiteiras, construtoras e concessionários de serviços coletivos e suas conexões político-eleitorais nos planos municipal, estadual e federal. No clima de festa dos ciclos dos megaeventos esportivos de 2013, 2014 e 2016, enquanto a cidade vive uma espécie de belle-époque de transformações que encantam a grande mídia e as empresas da indústria global do divertimento, e frações da alta classe média têm seus patrimônios imobiliários sobrevalorizados, o direito à cidade e o bem-estar da população se degradam em várias dimensões. Terminado o ciclo de crescimento de emprego e da renda e encerrada a festa, a eleições municipais colocam a possibilidade de escolher que futuro queremos, que cidade maravilhosa queremos assegurar e para quem. É em torno da polaridade de projetos de cidade anteriormente mencionada que as escolhas de partidos, coligações, candidatos a vereador e a prefeito deve ser considerada. As diferentes narrativas e propostas se aproximam e se distanciam da dualidade: a cidade para o bem-estar da população ou a cidade para os negócios privados. Tendo como foco a política urbana e o enfoque do direito ao bem-estar dos seus cidadãos, expresso no ideário da direito à cidade, buscamos avaliar as propostas de programas de governo disponibilizadas pelas diversas coalizões partidárias que disputam as eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro. 1

2 Antes de tudo, cabe registrar um comentário geral acerca das propostas de programas apresentadas. De fato, sem entrar no mérito das propostas propriamente ditas, há grandes diferenças qualitativas, no que diz respeito ao grau de aprofundamento que os programas apresentam, o que se reflete no tamanho dos documentos elaborados. Neste contexto, optou-se por não incluir na avaliação três das propostas apresentadas: o programa do Partido Novo - que tem como candidata Carmen Migueles por apresentar apenas duas páginas e um alto grau de superficialidade que impede sua análise crítica; e os programas do PSTU 1 que tem como candidato Cyro Garcia - e do PCO 2 que tem como candidata Thelma Bastos ambos por se configurarem mais como manifestos políticos de caráter nacional do que propriamente programas de governo para a cidade do Rio de Janeiro, apesar de conterem aqui e acolá algumas propostas de âmbito local. No que se refere às demais propostas de programa de governo, pode-se agrupá-las em torno dos dois paradigmas acima indicados. Os programas das coligações Mudar é Possível, do PSOL e do PCB 3, que tem como candidato Marcelo Freixo e Rio em Comum, do PC do B e do PT 4 - que tem como candidata Jandira Feghali podem ser considerados expressões do enfoque da cidade voltada para o bem-estar dos cidadãos e do ideário do direito à cidade. Já os programas das coligações Juntos pelo Rio, que reúne PMDB, PDT, PP, PTB, PSL, SD, DEM, PROS, PHS, PMN, PEN, PSDC, PTC, PT do B e PRTB 5 e tem como candidato Pedro Paulo; Rio de Oportunidades e Direitos, do PSDB e PPS 6, organizada em torno da candidatura de Osório; Por um Rio Mais Humano, que agrega PRB, PTN e PR 7, e tem como candidato Crivella; Juntos pelo Carioca, que reúne PSD, PSB e PMB 8, e tem como candidato Índio da Costa; e Rio Precisa de Força para Mudar - PSC / PRP 9, que tem como candidato Flávio Bolsonaro, expressam o paradigma da cidade promotora de negócios privados e o ideário da cidade mercadoria. O programa de Bolsonaro, para além de estar em sintonia com o ideário da cidade mercadoria, ainda tem como característica um viés reacionário em torno da segurança pública e dos direitos humanos, expressa na ideia de força que dá nome ao título do programa e nas propostas de militarização da ordem pública. Por fim, temos o programa da coligação Todos pelo Rio, que reúne REDE, PV e PPL 10, que apresenta um PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados PCO - Partido da Causa Operária PSOL - Partido do Socialismo e Liberdade e PCB Partido Comunista Brasileiro PC do B - Partido Comunista do Brasil e PT Partido dos Trabalhadores PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro; PDT Partido Democrático Trabalhista; PP Partido Progressista; PTB Partido Trabalhista Brasileiro; PSL Partido Social Liberal; SD Solidariedade; DEM Democratas; PROS Partido Republicano da Ordem Social; PHS Partido Humanista da Solidariedade; PMN Partido da Mobilização Nacional; PEN Partido Ecológico Nacional; PSDC Partido Social Democrata Cristão; PTC Partido Trabalhista Cristão; PT do B - Partido Trabalhista do Brasil; e PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro. PSDB Partido da Social Democracia Brasileira e PPS Partido Popular Socialista PRB Partido Republicano Brasileiro; PTN Partido Trabalhista Nacional; e PR Partido da República PSD Partido Social Democrático; PSB Partido Socialista Brasileiro; e PMB Partido da Mulher Brasileira PSC Partido Social Cristão e PRP Partido Republicano Progressista REDE Rede Sustentabilidade; PV Partido Verde; e PPL Partido Pátria Livre 2

3 programa muito superficial, de apenas seis páginas, cujo o conteúdo simplista o situaria entre os dois paradigmas. De uma forma esquemática, pode-se dizer que o ideário da cidade mercado transforma a política urbana em empresariamento, subordinada às relações de mercado, no qual ganha quem tem maior poder para impor os lucros e os custos da ação do poder público. No plano do planejamento, este paradigma busca sua legitimação através de estratégias discursivas fundadas na atração de investimentos, inovação e busca de oportunidades, e nos modelos de planejamento estratégico e smart city, difundidas pela ação de atores hegemônicos que articulam agências multilaterais, capitais financeiros, governos nacionais e locais. O ideário do direito à cidade, por outro lado, afirma o direito de todos e de todas aos serviços e bens necessários a uma vida digna na cidade, incluindo à habitação, saneamento ambiental, mobilidade, educação, saúde, cultura, trabalho, entre outros, mas também o direito à gestão democrática, o direito de participar nos destinos da cidade e de poder recriá-la. Do ponto de vista do planejamento urbano, este paradigma afirma o papel central do poder público na garantia dos bens comuns, na promoção dos direitos sociais e no enfrentamento dos mecanismos de produção de desigualdades e exclusão decorrentes da dinâmica do uso e ocupação do solo urbano subordinada ao mercado e do controle do poder político pelos históricos interesses patrimonialistas. De início, percebe-se que apenas os programas dos candidatos Marcelo Freixo e Jandira Feghali criticam o atual modelo de desenvolvimento urbano e assumem a promoção do direito à cidade como uma meta e um compromisso de governo. O programa do candidato do Marcelo Freixo (PSOL), reconhece que o Rio de Janeiro é emblemático por ter se transformado em um laboratório da cidade-negócio, em que o serviço público vira mercadoria e o planejamento municipal é submetido aos interesses de um pequeno grupo de corporações: o objetivo é converter o espaço urbano em uma arena de oportunidades de negócios, onde o lucro está acima do bem-estar da maioria da população. Neste contexto, o diagnóstico aponta que o direito à cidade é negado para a maior parte dos cariocas. Frente a este quadro, a promoção do direito à cidade é explicitado como um objetivo do planejamento e gestão do município. Da mesma forma, o programa da candidata Jandira Feghali (PC do B) também inicia com uma dura critica às dinâmica urbana da cidade: a metrópole da beleza e do caos ganhou uma nova característica nos últimos anos. A da cidade que fragmenta e exclui. Neste contexto, o programa também reconhece o direito à cidade como um direito fundamental, assumindo o compromisso de promovê-lo. Em sintonia com esta perspectiva, os programas de ambos os candidatos, Freixo e Jandira, assumem o compromisso com a implementação dos instrumentos do Estatuto da Cidade que promovem a função social da propriedade e da cidade. Os programas dos candidatos Osório (PSDB), Crivella (PRB), Índio da Costa (PSD), Bolsonaro (PSC) e Molon (Rede) não citam o direito à cidade uma única vez, e tampouco se referem ao Estatuto da Cidade, não assumindo o compromisso com a implementação dos seus instrumentos, nem com a promoção da função social da propriedade. O programa do candidato Pedro Paulo também aciona o conceito de direito à cidade, mas alterando e limitando o seu significado a uma ação específica voltada para a população 3

4 de rua. O documento define o programa direito à cidade como um conjunto de políticas públicas voltadas para a população em situação de rua, que se propõe a atuar no processo de acolhimento, desenvolvimento pessoal e profissional, atendimento em saúde, aceleração escolar, geração de renda, emprego e moradia. No que diz respeito ao Estatuto da Cidade, este só é citado nas ações visando aumentar receitas da Prefeitura, na qual é detalhada a meta de ampliar as receitas de urbanismo com a utilização de alternativas previstas no Estatuto das Cidades e outras inovações (outorgas onerosas, contrapartidas, mais valia, CEPACs etc.). De forma geral, todos os programas tratam com certo destaque das questões urbanas, envolvendo a habitação, o saneamento ambiental e a mobilidade urbana. Chama atenção o fato dessas políticas ainda receberem um tratamento fragmentado, sendo tratados em capítulos separados. Neste sentido, cabe destacar que o programa da Jandira Feghali é o único programa que tem um capítulo dedicado à política urbana, articulando o urbanismo, a habitação, o meio ambiente e o saneamento ambiental, deixando de integrar, no entanto, à política de mobilidade urbana. No que diz respeito às políticas urbanas, verifica-se que, de uma forma geral, todos os programas afirmam o compromisso de promover o acesso à moradia e aos serviços de saneamento ambiental e mobilidade urbana. Mas as semelhanças terminam aqui porque o grau de detalhamento e a diferença no tratamento das questões urbanas são significativas. O programa do candidato Marcelo Freixo se diferencia por ser o único que explicitamente se compromete a romper com a atual política de remoções forçada nas favelas; propor a criação de um Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano; criar um banco de terras e imóveis para facilitar o acesso à moradia popular; implantar um programa de locação social; e a implantar progressivamente linhas e/ou zonas de "Tarifa Zero nos serviços de transporte urbano. Outra proposta que cabe destacar, esta presente nos programas dos candidatos Marcelo Freixo e de Jandira Feghali, é o compromisso de delimitar novas zonas de especial interesse social para assentamentos habitacionais de população de baixa renda em áreas da cidade com infraestrutura urbana consolidada. O programa do candidato Pedro Paulo também se diferencia, mas pela sua subordinação ao mercado. Nele, a meta é tornar a cidade competitiva, inovadora e de oportunidades, no qual se assegura que o Rio será mais fácil e atraente para os negócios.... O compromisso é ampliar as parcerias firmadas pela Prefeitura por meio de investimentos viabilizados pelo estabelecimento de PPPs. Nesta perspectiva, o programa prevê a realização de uma nova concessão privada para o serviço de esgotamento sanitário na AP 4 (Barra e Jacarepaguá). Mas as parceria público-privadas na política urbana também estão previstas nos programas dos candidatos Crivella (que também se compromete com a concessão privada do saneamento na AP4), Osório e Flávio Bolsonaro. O programa do candidato Crivella não trata da habitação nem da política urbana. A participação social também recebe tratamento muito diferenciado nos programas, mais uma vez opondo os ideários do direito à cidade a da cidade mercado. Os programas dos candidatos Marcelo Freixo e Jandira Feghali se comprometem em ampliar a participação 4

5 popular na gestão e com a criação dos conselhos municipais no âmbito da política urbana. Apenas estes programas, e do Molon, se comprometem com a criação do orçamento participativo na cidade. Neste plano, há pequenas diferenças pelo fato do programa da Jandira Feghali se comprometer com a criação do Conselho da Cidade e com a criação do Sistema Municipal de Participação, enquanto que o programa de Marcelo Freixo propõe a criação da Conferência Carioca e de um sistema de interação entre os conselhos municipais de políticas públicas, vinculados ao Sistema Municipal de Planejamento. A participação social é tratada de forma superficial nos planos dos candidatos Pedro Paulo, Osório, Molon e Índio da Costa, que sequer mencionam os conselhos municipais de política urbana; e a participação não é um tema abordado nos programas dos candidatos Crivella e Bolsonaro. Por fim, no que se refere à dimensão metropolitana, cabe registrar que quase todos os programas tratam desta temática no âmbito das políticas urbanas, não sendo abordado apenas nos planos dos candidatos Crivella e Bolsonaro. Os planos dos candidatos Marcelo Freixo e Jandira Feghali, Pedro Paulo e Molon explicitam o tratamento da dimensão metropolitana na política de saneamento, especificamente no que se refere à despoluição das Baías de Guanabara e de Sepetiba. Já o programa do candidato Osório tem como foco da política metropolitana a política de mobilidade. Mas cabe destacar que os programas de Marcelo Freixo, Jandira Feghali e Índio da Costa abordam a questão metropolitana de um forma mais ampla, envolvendo outras temáticas como saúde (no caso do programa do Marcelo Freixo), integração das informações sociais, econômicas, ambientais e institucionais (no caso do programa da Jandira Feghali) e infraestrutura, criminalidade e deficit de serviços sociais (no caso do programa de Índio da Costa). Os demais programas, de Crivela e Bolsonaro, ignoram esta questão. A leitura e análise dos programas dos candidatos permite antever o futuro da cidade do Rio de Janeiro entre o aprofundamento do experimento da cidade mercado, iniciado na gestão Cesar Maia, e a ruptura com este ideário e o início de um novo projeto voltado para a promoção do direito à cidade. As urnas, mesmo que não decidam o futuro na sua plenitude, são uma etapa decisiva neste processo. 5