OCORRÊNCIA DE PUMA CONCOLOR (LINNAEUS) (FELIDAE, CARNIVORA) EM ÁREAS DE VEGETAÇÃO REMANESCENTE DE SANTA CATARINA, BRASIL
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- Herman Galindo Bentes
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1 581 MAZZOLLI OCORRÊNCIA DE PUMA CONCOLOR (LINNAEUS) (FELIDAE, CARNIVORA) EM ÁREAS DE VEGETAÇÃO REMANESCENTE DE SANTA CATARINA, BRASIL Marcelo Mazzolli 1 ABSTRACT. PRESENCE OF PUMA CONCOLOR (LINNAEUS) (FELIDAE, CARNIVORA) ON REMNANT HABITATS IN SANTA CATARINA, BRAZIL. Several reports on puma (Puma concolor) have been done in the State of Santa Catarina, Southern Brazil, most of them in remnant original habitats above 800 meters. These records show a thight relationship between the puma with the altitude and mostly with the habitat quality. In the Eastmost side of Santa Catarina, these habitats are found alongside the mountain chains of Serra do Mar e Serra Geral, and limit the distribution of puma in the east side of the State. The definite implementation of National Parks and Reserves, studies of movements, and polimorfism analyses are suggested, in order to provide protected habitats and assure the genetic flow amongst puma populations. KEY WORDS : Puma concolor, records, Southern Brazil, conservation O tamanho do animal e o tipo de dieta do puma Puma concolor (LINNAEUS, 1771) exigem que este felino ocupe uma grande área para assegurar sua sobrevivência. Com distribuição original extensa e contínua nas Américas, e adaptabilidade para sobreviver em vários tipos de ambiente, suas exigências de área e alimentação só recentemente mostram-se um fator de restrição para sobrevivência da espécie. O puma ocorria originalmente desde o norte da Colúmbia Britânica, no Canadá, até o sul da Argentina. Foi registrada a existência de pumas desde o nível do mar até metros de altitude, e de áreas desertas até florestas tropicais da América do Sul. Atualmente a pressão de caça e o desmatamento tem restringido seu território às áreas montanhosas e menos populosas dos Estados Unidos e Canadá (CURRIER, 1983). IHERING (1892) observou um retrocesso semelhante na distribuição do puma para áreas montanhosas no Rio Grande do Sul, sul do Brasil. O puma é considerado raro ao longo de toda a sua distribuição, ameaçado pela caça, desmatamento e caça intensiva de suas presas (EMMONS, 1990), e ameaçado de extinção no Brasil (BERNARDES et.al., 1990). 1. Biólogo, Projeto Puma, marcelo_puma@yahoo.com
2 582 MAZZOLLI Poucos estudos do puma foram realizados na América do Sul. YOUNG & GOLDMAN (1946) e CABRERA (1957) estudaram a sistemática a nível de subespécie, WILSON (1984), YáNEZ et.al. (1986) e EMMONS (1987) estudaram hábitos alimentares, COURTIN et.al. (1980) estudaram, além de hábitos alimentares, preferências de habitat. GREER (1968) e CARVALHO (1968) publicaram notas acerca de taxas de crescimento e XIMENEZ (1972) sobre ampliação de distribuição da espécie. No Brasil os únicos estudos de ecologia do puma foram feitos por SCHALLER (1983) e CRAWSHAW & QUIGLEY (1984). Os relatos mais precisos da antiga distribuição de "onças e tigres" no litoral catarinense, são aqueles feitos por navegantes estrangeiros. Estes citam a ocorrência de "onças e tigres"* na Ilha de Santa Catarina (FRéZIER, 1979; SHELVOCK, 1979; DON PERNETTY, 1979). Segundo DON PERNETTY (1979), que desembarcou na Ilha em novembro de 1763, "...nós apreendíamos sobretudo as onças, das quais nos tinham mostrado algumas garras incrustadas em prata, e que os nativos diziam ser muito mais comuns e cruéis que os tigres". KRUSENSTERN (1979) observou, em 1803, que já haviam sido feitos extensos desmatamentos na Ilha de Santa Catarina, e que as "onças" haviam desaparecido. Neste trabalho não foi possível cobrir todo o Estado de Santa Catarina, entretanto, são apresentados aqui um número significativo de registros de puma em diversas localidades do Estado, os quais evidenciam uma estreita relação entre a ocorrência deste felino com a altitude e principalmente com a qualidade do habitat. ÁREA DE ESTUDO O estudo foi realizado entre as Latitudes 26 S e 30 S, e Longitudes 52 W e 48 W, no Estado de Santa Catarina. O território catarinense está situado na Região Sul do Brasil, entre os Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, e faz divisa a Oeste com a Argentina. Apresenta um clima subtropical, com temperaturas médias anuais que variam de 21,8 C no litoral a 13,0 C no planalto (GAPLAN, 1986). Santa Catarina caracteriza-se por apresentar um altiplano levemente inclinado para oeste e uma área que se desenvolve na borda do planalto até o mar, conhecidos, respectivamente, por Região do Planalto e Região do Litoral e Encostas, e separadas pelas Serras do Mar e Geral (PELUSO JúNIOR, 1986)(Fig.1). A Serra do Mar localiza-se próxima ao litoral e ocupa um pequena faixa do litoral catarinense, e a Serra Geral encontra-se mais afastada para o interior, fazendo com que o limite com o altiplano, na maior parte do território catarinense, seja a Serra Geral (PELUSO JúNIOR, 1986). O Estado de Santa Catarina é dividido em 4 regiões fitoecológicas, além das formações pioneiras (Mangues e Restingas). A região da Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica) está situada na parte leste do Estado, entre o planalto e o oceano, constituída na sua maior parte por árvores perenifoliadas de 20 a 30 metros de altura. Cobre as planícies litorâneas e encostas íngremes da Serra do Mar e Serra Geral. Em áreas intactas, a canela-preta (Ocotea catharinensis) predomina no estrato arbóreo superior, podendo representar 50% da biomassa deste estrato. O estrato médio é dominado pelo
3 583 MAZZOLLI Fig.1. Puma concolor. Ocorrência do puma no Estado de Santa Catarina, de acordo com o tipo de ambiente. Em cinza os locais com vegetação primária remanescente acima de 800 metros de altitude. Os números indicam localizações do puma nos municípios: 1-Praia Grande, 2-Meleiro, 3- São Joaquim, 4-Urupema, 5-Urubici, 6-Bom Retiro, 7-Alfredo Wagner, 8-Anitápolis, 9-São Bonifácio, 10-Antônio Carlos, 11-Blumenau, 12-Brusque, 13-Rio dos Cedros, 14-Rio Negrinho, 15-Joinville, 16-Campo Alegre, 17-Garuva, 18-Itapoá, 19-Rio do Campo, 20-Curitibanos, 21-Agua Doce, 22-Ponte Serrada. palmiteiro (Eutherpes edulis), uma Palmácea. A Região da Floresta Ombrófila Mista (Floresta com Pinheiros) ocupa grande parte do Planalto catarinense, situada acima de 500 metros, onde ocorre até seis meses frios (Tm 15 ) e seis meses quentes (Tm 20 ) durante o ano. O pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) domina no estrato emergente. No estrato das arvoretas predomina em grandes áreas a erva-mate (Ilex paraguariensis), e densas touceiras de taquara-lisa (Merostachys multiramea). A região da Floresta Estacional Decidual do Alto Uruguai é formada, no estrato emergente, por espécies de gêneros pantropicais, que apresentam perdas das folhas provocada pelo frio do inverno. A Região da Savana (Campos) é formada por um estrato de gramíneas, entremeado por elementos arbustivos ou arbóreos, xeromorfos ou não, constituíndo, às vezes, florestas de galerias ou capões (GAPLAN, 1986).
4 584 MAZZOLLI MATERIAL E MÉTODOS Os registros de puma foram obtidos a partir de deslocamentos, efetuados inicialmente devido às reclamações de fazendeiros ao IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), de ataques de puma a rebanhos domésticos. Comprovada a existência do puma no Estado, uma primeira etapa de deslocamentos foi direcionada à região da Planície Litorânea e início de encosta, a leste das serras litorâneas. Uma segunda etapa deslocamentos foi direcionada à região serrana. Inicialmente foram efetuados registros com base em evidências da presença do puma em locais onde rebanhos haviam sido atacados. Fezes, pegadas e pêlos do felino, e a disposição dos animais domésticos abatido nos locais de ataque, foram os meios utilizados para confirmar um registro. Crânios e outras peças do esqueleto, ou peles de puma, mortos nas fazendas, também foram utilizados como evidência de sua presença na região. Posteriormente as entrevistas foram consideradas como método de registro, principalmente em áreas vizinhas de mata contínua onde registros in loco haviam sido efetuados. Procurou-se entrevistar pessoas de alguma maneira em contato com as atividades do felino, tais como fazendeiros, caçadores, e técnicos rurais. Dois registros foram feitos com base em animais atropelados. Os registros foram analisados com o auxílio de mapas. Cartas topográficas locais do IBGE, de escala 1:50.000, foram utilizadas para verificação da altitude e da posição relativa dos pontos de registro, em relação aos município. A posição relativa foi usada para posicionamento dos registros em escala de 1: em mapa político. O Mapa de vegetação x altitude foi elaborado a partir de mapas com escala de 1: (GAPLAN, 1991). Mapas de vegetação e altitude foram copiados em papel vegetal com auxílio de caneta nanquim 0.4 mm, e sobrepostos para obtenção do mapa final. Os registros foram demarcados neste, sobrepondo-o ao mapa político referido anteriormente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram efetuados 22 registros em pontos diferentes, dos quais 20 em locais acima de 800 metros de vegetação primária remanescente (Fig.1). Entre as exceções, o registro 18 constitui-se de vegetação nativa (Floresta Atlântica) e de formações pioneiras (Mangues e Restinga) remanescente da planície litorânea. Desta região para o norte (e.g. Paraná e São Paulo) o puma ainda encontra condições para habitar o litoral. No Estado de Santa Catarina, entretanto, as proximidades da região 18 são os únicos locais onde o puma tem condições para habitar na Planície Litorânea. No restante do Estado, seu limite de distribuição ao leste são as serras litorâneas, que acompanham o meridiano de 49 º até o paralelo 28º ao sul, onde a Serra Geral segue em direção ao ponto 29º S e 50º W, para o interior. As fazendas com criações grandes de ovelhas ou cabritos mostraram-se eficazes pontos iniciais de obtenção de informações sobre pumas. De uma maneira geral, os relatos de caçadores e fazendeiros nas encostas ao leste das serras litorâneas sugerem pouca familiaridade com a presença do puma, e poucos entrevistados podiam assegurar que o animal pudesse existir. Em várias localidades da
5 585 MAZZOLLI região serrana, por outro lado, há uma grande familiaridade com a presença do puma, até porque é comum abaterem esses animais, geralmente guardando peças do esqueleto e pele como troféus. A importância das encostas para o puma não podem, apesar disso, ser subestimadas. As encostas abrigam uma extensa cobertura vegetal, suficiente para permitir o deslocamento e abrigo do puma, e de outros animais do qual depende. O registro 12, acima de 800 metros de altitude, não contém vegetação remanescente. Neste local a vegetação secundária é bastante alterada (capoeiras). O registro foi feito com base no ataque de um puma sobre um rebanho de ovelhas. Entrevistado, o dono do terreno nunca haver ocorrido ataques de puma naquela região, nem tinha ouvido falar em puma (ou leão, como se costuma chamar no Estado de Santa Catarina) durante os mais de 20 anos que morou ali. A região é pobre em vegetação e em animais silvestres, e dificilmente teria condições de abrigar um puma por muito tempo. Provavelmente tratava-se de um animal transeunte, em fase de dispersão. A região número 9 está localizada acima de 800 metros de altitude, e, apesar de não aparecer no mapa consultado como sendo uma região de vegetação primária remanescente, possui uma cobertura vegetal com alto grau de regeneração. Fica localizada a leste do único "corredor" (para o puma) entre a região do Tabuleiro e a Serra Geral (Fig.1). Neste local foram encontradas fezes de puma e 23 animais abatidos, entre cabras e ovelhas. A maior concentração de puma em locais mais elevados e com vegetação primária remanescente, não decorrem de uma preferência de habitat. Quando o habitat é adequado, ocupam também zonas baixas do litoral, como no nordeste do Estado de Santa Catarina e como indicam os relatos dos antigos navegantes. A ocupação e fragmentação de terras, mais intensa nas áreas litorâneas do Estado, força o felino a ocupar zonas mais protegidas. Reservas e Parques deveriam funcionar como centros de dispersão para repovoar outros locais menos protegidos, e o planejamento das reservas deveriam levar em conta a necessidade de haver contato entre diferentes populações de uma mesma espécie. Enquanto estes requisitos não são preenchidos, populações de animais silvestres como o puma vem sofrendo redução de habitat. O quanto a diminuição de sua distribuição no Estado de Santa Catarina afeta a estabilidade e sobrevivência de suas populações só é possível prever com uma avaliação mais acurada, sobretudo com estudos de utilização de habitat, dispersão, e análise de polimorfismo. AGRADECIMENTOS. Grande parte deste trabalho foi efetuado durante meu estágio de graduação, no Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LAMAq) da Universidade Federal de Santa Catarina, e constituiu uma parte da minha dissertação. Agradeço ao meu orientador Juan Afredo Ximenez e a toda a banca de graduação, Marlise Becker, Peter Crawshaw e Marcelo Kammers, também por aceitarem participar da banca, mas principalmente por sempre apoiarem este trabalho. Agradeço a Marcos Da-Ré pela participação em grande parte da coleta de dados que estão contidos neste trabalho.
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