Amélia Pinto Pais. Para compreender. Fernando Pessoa. Uma aproximação a Fernando Pessoa e seus heterônimos
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- Marina das Neves Câmara
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1 Amélia Pinto Pais Para compreender Fernando Pessoa Uma aproximação a Fernando Pessoa e seus heterônimos 3
2 Copyright 1996 by Areal Editores S.A. Edição apoiada pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas/Ministério da Cultura de Portugal. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em Título original Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e heterónimos Capa e projeto gráfico Silvia Massaro Foto de capa Kleber Sales/cb/d.a. Press Preparação Ana Maria Alvares Revisão Luciana Baraldi Ana Luiza Couto Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Pais, Amélia Pinto Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e seus heterônimos / Amélia Pinto Pais. 1ª ed. São Paulo : Claro Enigma, Título original : Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e heterónimos isbn Escritores portugueses - Biografia 2. Pessoa, Fernando, i. Título cdd Índice para catálogo sistemático: 1. Escritores portugueses : Biografia [2012] Todos os direitos desta edição reservados à editora claro enigma Rua São Lázaro, São Paulo sp Telefone: (11)
3 Sumário Apresentação 7 Introdução: a abrir uma história 8 1. Quem me dirá quem sou?, ou a biografia de um desconhecido de si mesmo A época Os mestres O período de formação O ano triunfal A poesia do Cancioneiro Mensagem A poesia de Alberto Caeiro: o argonauta das sensações verdadeiras As Odes de Ricardo Reis A poesia de Álvaro de Campos Bernardo Soares e o Livro do desassossego 225 Conclusões 237 A obra (in)completa 243 Sobre a autora 247 5
4 Introdução: a abrir uma história 1987, agosto. Palermo, Sicília. Entro numa livraria Feltrinelli. Na vitrine, e com a indicação de best- -seller, o Libro dell Inquietudine de Bernardo Soares, em quarta ou quinta edição (lembro que a primeira edição portuguesa é datada de 1982). Folheio atentamente e tento adivinhar o sabor, em italiano, daquela belíssima prosa poética portuguesa. O livreiro, de não mais de trinta anos, vem ter comigo. E diz em italiano: Signora, prego.... Ouço, atenta. Se quer conhecer este autor, é melhor começar por este outro livro, e mostra-me o primeiro volume de Una sola multitudine, a poesia de Pessoa em tradução italiana. E retoma: Trata-se de um autor português deste século que tem a particularidade de não ser um, ser vários Alberto Caeiro [e enumera as características desse poeta], Álvaro de Campos, Ricardo Reis, e ele próprio, Fernando Pessoa, e continuou, sucintamente, a caracterizar a poesia dos diversos Pessoa, uma só multidão, como consta do título italiano. Portanto, signora, se não conhece o autor, leve antes este livro. Eu ouvia, encantada, as explicações, e depois disse: Grazie, mas eu leio Fernando Pessoa na língua original, porque sou portuguesa (e disse isso no meu italiano mal-amanhado ). O homem ficou com ar de quem ensina o padre-nosso ao vigário, mas 8
5 atalhei: Não se preocupe, você é um bom livreiro, conhece Pessoa, e eu gostei de o ouvir falar. Respondeu: Sim, ele é o vosso Dante. Bom, disse eu, entendo o que quer dizer, que ele é o nosso maior poeta, mas talvez o nosso Dante, no sentido de clássico, seja antes Luís de Camões, o autor de Os Lusíadas. Ao que ele respondeu: Também já ouvi dizer, mas nunca o li. Mas Fernando Pessoa não é só o vosso maior poeta, mas o maior poeta do século.... Deixei-o com a sua opinião e fiquei feliz por, longe de Portugal, haver quem conhecesse, e bem, aquele que ele considerava O nosso maior poeta. E perguntei a mim mesma se e quantos dos nossos livreiros, dos nossos estudantes, teriam um conhecimento tão sólido de Pessoa. E isso apesar de se ter dito, em tempos, que tanto Pessoa já enjoa (houve mesmo quem lhes chamasse os enjoados de Pessoa...). E de também os portugueses gostarem de se fazer fotografar na mesa de Fernando Pessoa, ali, em Lisboa, perto da estátua do poeta, em frente à Brasileira do Chiado, no centro histórico da cidade que ele tanto amou ( Oh, Lisboa meu lar! ). Se conto essa história, que se passou comigo, é porque ela fala por si da enorme repercussão que Pessoa tem por esse mundo fora. Repercussão que é manifesta no fato de desde há muito esse poeta português vir sendo traduzido em todas as principais línguas. Que se manifesta também no fato de se realizarem periodicamente Congressos Internacionais de Estudos Pessoanos, nas maiores universidades do mundo; e ainda nas exposições e colóquios a ele consagrados por toda a parte. E na imensa bibliografia de estudos sobre a sua obra, reunindo os mais reputados estudiosos de todos os países. E na influência marcante que exerce sobre esse grande pessoano, já meio português pelos afetos e paixões, e notável divulgador da obra do nosso maior poeta do século xx na Itália e no mundo, que se chama Antonio Tabucchi. Por tudo isso, vamos, então, conhecê-lo também nós um pouco mais no que de essencial a sua poesia nos trouxe e ao mundo. 9
6 1. Quem me dirá quem sou?, ou a biografia de um desconhecido de si mesmo Os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia. Pessoa, que duvidou sempre da realidade deste mundo, aprovaria sem vacilar que se fosse diretamente aos seus poemas, esquecendo os incidentes e acidentes da sua existência. Nada na sua vida é surpreendente nada, exceto os seus poemas. Octavio Paz, em Fernando Pessoa, o desconhecido de si mesmo Tomando como mote as palavras de Octavio Paz, os leitores não devem estranhar que se trate, aqui, neste capítulo, mais de uma biobibliografia que de uma biografia propriamente dita. Contudo, independentemente dessas oportunas con si derações, a verdade é que o cidadão Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa (como consta da sua certidão de batismo), mais precisamente no largo de São Carlos, n o 4, bem próximo do Teatro de São Carlos e da Igreja dos Mártires, cujo sino ressoará mais tarde, segundo disse, no poema Ó sino da minha aldeia. Nasceu em dia de santo Antônio, 13 de junho de Por ser dia do santo que antes de ser frade de nome Antônio se chamou Fernando, os pais lhe deram, como nome de registro, o de Fernando António antes de, mais tarde, ele inventar para si próprio algo cerca de 72 nomes conhecidos, ou até mais, pois continuam a surgir inéditos 11
7 de uma célebre arca, onde Pessoa guardava tudo incluindo contas de alfaiate ou recados para a mulher da limpeza, arca essa que parece não ter fundo à vista. Ainda recentemente foram publicados argumentos para cinema... O pai do poeta, Joaquim de Seabra Pessoa, era crítico musical e morreu novo, aos 43 anos tinha o pequeno Fernando cinco anos. Pouco depois morreu seu irmão Jorge. Ficou sendo desde então e apenas o menino da sua mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira Pessoa, de ascendência açoriana. A perda do pai e do irmão magoou-o muito e tornou-o para sempre um ser que, como se pode observar nas fotos, raramente se vê sorrir, ainda que, por vezes, se revelasse bem disposto, nomeadamente fazendo brincadeiras para os sobrinhos ou para a sua única namorada, Ofélia Queirós. Em 1896, então com oito anos, viajou com a mãe que nesse ínterim se casara com o comandante João Miguel Rosa, cônsul honorário de Portugal em Durban para a África do Sul. Aí fez, com raro brilhantismo, os seus estudos primários e secundários e tomou contato com autores ingleses e franceses. Começou também a tornar-se um escritor bilíngue, escrevendo em inglês e português. Mais tarde, num escrito sobre a língua, ele diria que no futuro o inglês seria a língua universal para os negócios e a comunicação entre os povos, e o português o seria para a expressão de emoções. Opinião dele, claro, talvez em parte premonitória. Em 1901 visitou Portugal, em viagem de férias, e passou uma pequena temporada com seus primos nos Açores, onde elaborou números de um jornal que ficou, é claro, sob forma manuscrita... Para fazer crer que havia mais colaboradores, escolheu escrever ele próprio sob vários pseudônimos, coisa diferente, como iremos ver mais adiante, dos heterônimos. Regressou a Durban para prosseguir estudos comerciais, e ali obteve o prêmio literário mais importante da época na Comunidade Britânica, o da rainha Vitória, que lhe daria acesso a estudos na Inglaterra. Por motivos não inteiramente esclarecidos, no entanto, em 1905 retornou, desta vez só e para sempre, a Lisboa. Inscreveu-se no curso superior de letras, que logo abandonou para 12
8 fundar uma tipografia, a Íbis (herdada de uma tia-avó), que fecharia pouco tempo depois. Não tinha grande jeito para negócios, de fato. No entanto ainda publicou na tipografia dois importantes poemas em inglês, o Antinous e o Epithalamium. Passou a viver com a avó Dionísia e duas tias, mais tardes evocadas com uma enorme ternura na Ode marítima, do seu heterônimo Álvaro de Campos. E também em Aniversário, outro belo poema de Campos. Descobriu, maravilhado, em 1908, a prosa de Antônio Vieira e de outros clássicos portugueses. Leu então Baudelaire, os simbolistas franceses e os portugueses Cesário Verde e Antero de Quental, que, mais tarde, iria considerar, com Camilo Pessanha, os mestres. São dessa época seus primeiros contatos com a poesia do americano Walt Whitman, que viria a influenciá-lo. Foi sempre presente nele a admiração por Whitman e, ainda maior, por Shakespeare. Também em 1908 surgiram as primeiras tentativas poéticas em português e os primeiros fragmentos da obra nunca acabada O Fausto. (Na verdade, porém, aos cinco anos já havia escrito uma pequena quadra dedicada à sua mãe.) Em 1912, Pessoa fez a sua estreia literária, publicando nas páginas da revista A Águia, ligada ao movimento A Renascença Portuguesa e à figura de Teixeira de Pascoaes. Tal estreia foi constituída de uma série de artigos sobre a nova poesia portuguesa, em que marcava a sua admiração pelos saudosistas (de que foi expoente máximo o referido Teixeira de Pascoaes). Nesses artigos já anunciava o advento de um supra-camões, isto é, um poeta que fosse maior que Camões, considerado o maior poeta português. Estaria pensando em si mesmo? (Tudo, posteriormente, leva a crer que sim.) Sua ligação à revista Águia ficou por esses artigos, além de uma primeira versão de Na floresta do alheamento e Impressões do crepúsculo mais tarde republicados numa das muitas revistas em que ia colaborando, pois já em 1913 se distanciou em definitivo da Águia. Posteriormente, e a propósito de Impressões do crepúsculo, sobre o paulismo, como veremos mais para adiante; criticou em revista uma exposição (que mais tarde confessou não ter visto) de Almada Negreiros. Nas- 13
9 ceu daí o seu contato e amizade com Almada. Tornou-se igualmente amigo de Mário de Sá-Carneiro. Os dois, diria, tinham criado o sensacionismo O sensacionismo nasceu da amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Projetou e escreveu o primeiro poema, Gládio, destinado a um livro, de nome Portugal, que viria a publicar mais tarde, em 1934, como Mensagem; tendo então alterado o título para Dom Fernando, Infante de Portugal. O ano de 1913 foi de grande criação, dado que nele surgiram também os primeiros textos do que viria a ser o seu Livro do desassossego (publicado em fragmentos, postumamente, em 1982). Assinou-o, primeiro, como Vicente Guedes e, mais tarde, mudou para Bernardo Soares. Este viria a ser o mais celebrado de todos os seus livros, estando traduzido em quase todas ou na maior parte das línguas. Com base nele, viria a ser feito um filme intitulado O filme do desassossego (em 2010). E chegamos assim ao ano de todos os anos: 1914, o ano que designou de triunfal da (sua) vida no qual surgiram nele vários poetas, que chamou de heterônimos ( outros nomes, isto é, poetas que escreviam uma poesia diferente daquela assinada com o seu verdadeiro nome). Segundo contou mais tarde, em 8 de março, e subitamente, numa espécie de êxtase, surgiram nele os poetas Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Rompera definitivamente, como já foi dito, com o saudosismo de Teixeira de Pascoaes, e tentou uma nova estética, marcada pelo movimento pictórico do cubismo, a que chamou de interseccionismo, com o poema Chuva oblíqua. Os críticos viriam a denominar esse período época dos -ismos. Pessoa vivia, como sempre viveria, de serviços ligados a escritórios comerciais, onde se encarregava da correspondência em inglês. E sempre percorrendo a cidade natal, mudando com frequência de quarto alugado. Nesse ínterim, ia se ocupando de astrologia, contabilidade, cruzadismo, elaborando horóscopos para os seus outros eus e para si mesmo, etc. Muitas vezes teve de recorrer a empréstimos dos amigos, com os quais viria a fundar, em 1915, Orpheu, revista literária de vanguarda do modernismo. Nos seus dois números publicou ou republicou alguns dos seus mais importantes poemas: o drama estático O marinheiro, Chuva oblíqua, 14
10 Opiário, Ode marítima, Requiem por um rei virgem (estes três últimos de Álvaro de Campos). No ano seguinte colaborou nas revistas Exílio e Centauro, e, em 1917, no número único do Portugal Futurista, com um manifesto assinado por Álvaro de Campos. O futurismo reclamava-se dos ensinamentos do italiano Marinetti. Como se disse antes, tendo como ofício o de correspondente inglês de firmas comerciais, conheceu numa delas Ofélia Queirós, a sua Ophelinha, por quem se apaixonou e a quem escreveu cartas, publicadas, muitos anos depois da sua morte, com o título de Cartas de amor de Fernando Pessoa. Delas Álvaro de Campos haveria de dizer serem cartas de amor ridículas... O namoro durou pouco tempo, e seria retomado em 1930, mas ainda mais brevemente. Em 1925, ocorreu a maior das perdas do poeta: a de sua mãe. Com ela vivera em um quarto alugado o último em que morou na rua Coelho da Rocha, na zona de Campo de Ourique, em Lisboa, casa que foi adquirida pela Câmara Municipal da cidade, e é agora chamada Casa Fernando Pessoa Casa da Poesia. Nesse ano também publicou alguns poemas de Alberto Caeiro, uma espécie de retomada de O pastor amoroso, os quais só poderiam ser póstumos, uma vez que fizera o heterônimo morrer de tuberculose, em Dirigiu com um cunhado a Revista de Comércio e Contabilidade. E continuou sempre a publicar em várias revistas, como a Athena, que também dirigiu, e a Contemporânea. O reconhecimento oficial da sua importância fez-se em 1927 pela voz dos jovens poetas e críticos da revista Presença, que o declararam seu mestre. Nela viria a colaborar, também, naturalmente. Aliás, a um dos jovens da Presença se deve a primeira grande, ainda que um pouco contestada, biografia de Fernando Pessoa João Gaspar Simões. Em 1928 escreveu Tabacaria, de Álvaro de Campos, um dos mais conhecidos e belos poemas deste heterônimo... e, afinal de contas, para muitos, do mundo. No ano seguinte publicou um excerto do Livro do desassossego, atribuído a Bernardo Soares, livro que nunca terminaria e, como já foi dito, só seria publicado muito mais tarde, em 1982, ainda sob a 15
11 forma de fragmentos. Este foi o livro que o consagrou, em definitivo, como um dos maiores poetas do século xx. Em 1932 fez os primeiros planos de publicação da sua obra. Em 1933, o crítico francês Pierre Hourcade descobriu a poesia de Pessoa e escreveu sobre ela um artigo nos Cahiers du Sud, revista de Marselha. Viria a ser, posteriormente, o seu primeiro tradutor. Em 1934, o único livro de poemas em português publicado por Pessoa em vida, Mensagem, recebeu um prêmio do órgão de propaganda do governo salazarista. Outro ano importante foi o de Em janeiro, Pessoa escreveu a célebre carta a Casais Monteiro, sobre a origem dos heterônimos. Publicou nesse ano também, em fevereiro, um artigo em defesa da maçonaria e ainda alguns poemas antissalazaristas. Publicou, na revista Sudoeste, o poema Conselho (último que terá publicado em vida). Em 30 de novembro daquele ano, e após dois dias de internamento, faleceu no Hospital de São Luís dos Franceses. O diagnóstico foi de cólica (cirrose?) hepática. Suas últimas palavras, para além de pedir os óculos, foram escritas em inglês: I know not what tomorrow will bring ( Não sei o que o amanhã irá trazer ). Foi sepultado no Cemitério dos Prazeres (nome um tanto irônico para tal local...). Ficou em jazigo de família até Luís de Montalvor, que viria a ser o encarregado da publicação das obras de Fernando Pessoa, fez o seu elogio público no funeral, noticiado nos principais jornais. Assistiram a ele muitos dos seus admiradores. Já não estava, porém, Mário de Sá-Carneiro, o seu maior amigo que se suicidara em Paris, aos 26 anos, em Nunca foram encontradas as cartas de Pessoa para o amigo existe apenas a última, que não chegou a ser enviada e de que guardara cópia. E uma memória comovida, ainda presente em 1934, ao escrever sobre o amigo falecido tanto tempo antes: Sei que, falho de ti, estou um a sós. Como referido anteriormente, o primeiro estrangeiro a reconhecer os versos de Fernando Pessoa e a traduzi-los para o francês foi Pierre Hourcade, em A ele se seguiriam muitos outros, nas diferentes línguas. 16
12 (Vi numa rua bem central de Sófia, na Bulgária, uma placa em acrílico, na qual, além da efígie do poeta, estavam escritos os quatro primeiros versos de Tabacaria em caracteres cirílicos e portugueses.) Ficou célebre também a vontade da poetisa brasileira Cecília Meireles de conhecer o poeta. Marcou, numa viagem a Lisboa, um encontro, no ainda existente Hotel Borges, ao lado da Brasileira do Chiado. Porém, esperou em vão... Pessoa não apareceu... e vá lá saber-se por quê... Em 1985 promoveram-se comemorações nacionais e internacionais dos cinquenta anos da morte do poeta, seguidas, em 1988, em Portugal e no mundo da cultura, das comemorações do centenário do seu nascimento. Nesse mesmo ano, em novembro, seus restos mortais foram trasladados para um túmulo situado no claustro do Mosteiro dos Jerônimos mosteiro onde repousam também Luís de Camões, Vasco da Gama e Alexandre Herculano. Para encerrar o capítulo, citemos mais uma vez Octavio Paz, que termina assim a sua quase não biografia de Pessoa: Anglômano, míope, cortês, fugidio, vestido de escuro, reticente e familiar, cosmopolita que predica o nacionalismo, investigador solene de coisas fúteis, humorista que nunca sorri e nos gela o sangue, inventor de outros poetas e destruidor de si mesmo, autor de paradoxos claros como a água, vertiginosos: fingir é conhecer-se, misterioso que não cultiva o mistério, misterioso como a Lua do meio-dia, taciturno fantasma do meio-dia português, quem é Pessoa? Pierre Hourcade, que o conheceu no final da sua vida, escreve: Nunca, ao despedir-me, me atrevi a voltar-me para trás; tinha medo de vê-lo desvanecer-se, dissolvido no ar. Esqueço-me de algo? Morreu em 1935, em Lisboa, de uma cólica hepática. Deixou duas plaquettes de poemas em inglês e um baú cheio de manuscritos. Todavia continua por publicar a sua obra completa. 17
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