ESTRANHAR OS ALGORITMOS: STRANGER THINGS E OS PÚBLICOS DA NETFLIX 1. Emmanuelle Dias 2 e Tiago Salgado 3

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1 ESTRANHAR OS ALGORITMOS: STRANGER THINGS E OS PÚBLICOS DA NETFLIX 1 Emmanuelle Dias 2 e Tiago Salgado 3 Em julho de 2016, o serviço de streaming de vídeos Netflix lançou a série Stranger Things. Categorizada como fantasia, ficção científica e suspense, conforme descrição oficial, a história da série se inicia com o desaparecimento de Mike (Finn Wolfhard), o que leva a uma investigação policial, à mobilização de familiares e amigos, como também à descoberta de uma conspiração corporativa envolvendo experimentos com humanos. Criada pelos irmãos Matt Duffer e Ross Duffer, co-dirigida por ambos e pelo diretor Shawn Levy, Stranger Things se passa na década de A série é composta não apenas por elementos como o figurino e a decoração daquela época, mas também por referências intertextuais a diversas produções cinematográficas de renome durante o período supracitado em seu próprio roteiro. Todos esses elementos associados a enigmas e ao conhecimento do público sobre as referências cinematográficas utilizadas explicam parte do sucesso da produção. Em vista dos aspectos apresentados em Stranger Things, que retomam conteúdos veiculados em momentos anteriores, a crítica especializada tem questionado se ela seria baseada consideravelmente em dados digitais utilizados pelos da Netflix. 4 Embora a série seja 1 Artigo apresentado ao Eixo Temático 14 Privacidade / Vigilância / Controle do IX Simpósio Nacional da ABCiber. 2 Mestranda em Comunicação (UFMG) e participa do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas (NucCon), filiado ao Centro de Convergência de Novas Mídias (CCNM/UFMG). Bolsista pela CAPES (BR). E- mail: emmanuelle.c.dias@gmail.com 3 Doutorando em Comunicação (UFMG) e participa do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas (NucCon), filiado ao Centro de Convergência de Novas Mídias (CCNM/UFMG). Doutorado sanduíche pelo GSPR/EHESS (Paris, FR). Bolsista pela CAPES (BR). tigubarcelos@gmail.com 4 Disponível em: < e em < Acesso em: 03 out

2 uma produção feita a partir do processo de criação humana, títulos originais da Netflix comumente se ancoram em dados digitais de públicos diversos para fundamentar suas estratégias de marketing, como a divulgação de conteúdos audiovisuais produzidos pela própria empresa. O tema desta proposta é o uso de algoritmos na produção de séries audiovisuais, delimitado a partir da série Stranger Things, tendo como cerne da discussão a influência de algoritmos baseados em padrões comportamentais de usuários arquivados em bancos de dados segundo ações e rastros digitais (BRUNO, 2012) deixados na plataforma de mídia Netflix. O objetivo central deste artigo é discutir em que medida os dados digitais referentes a comportamentos de usuários nessa plataforma e os algoritmos por ela desenvolvidos são utilizados na criação de séries que conquistam e fidelizam amplos públicos, mas não são claramente explicitados aos assinantes. A discussão proposta procura dialogar com o tema geral do congresso ao problematizar questões éticas e democráticas implicadas na formação algorítmica de púbicos em plataformas de mídia como a Netflix, bem como a invisibilização ou semi-transparência e semi-opacidade em relação a utilização de dados digitais de usuários assinantes deste serviço. Neste sentido, atentaremos para os seguintes pontos: a) Privacidade: os termos de uso e as políticas de privacidade da Netflix, que não podem ser negociados entre ambas as partes, empresa e usuários; b) Diversidade: filtragem de conteúdos por algoritmos e sistemas de recomendação que sugerem com constância o que já foi indicado pelos usuários na referida plataforma; c) Igualdade: o enviesamento dos dados e o treinamento dos algoritmos para recomendar conteúdos; e d) Liberdade de expressão e informação: homogeneização de preferências e sugestões e mimetização de comportamentos e tendências (GILLESPIE, 2014b; MAGALHÃES, 2016). Este trabalho se justifica pelo número expressivo de pessoas que passam a utilizar a internet anualmente. De acordo com Chaffey (2016), bilhões de pessoas (46% da população mundial em 2016) se conectam à internet para realizar alguma atividade, seja ela publicar ou acessar algum conteúdo público ou pessoal. Em relação à Netflix, em 2016, a companhia se tornou o serviço de streaming de vídeos licenciados de maior alcance mundial, presente em 190 países e com 81,5 milhões de assinantes. 5 Este serviço não é disponibilizado apenas na China, Coreia do Norte, Síria e na região da Crimeia, na Ucrânia. A Netflix alcançou 2,2 milhões de assinantes em setembro de 2015 no Brasil, o segundo mercado com 5 Disponível em: e Acesso em 05 de out. de 2016.

3 maior crescimento na América Latina. Em relação à série Stranger Things, ela é a terceira série original de maior audiência da Netflix. Aproximadamente um mês após seu lançamento, a produção tinha sido assistida por 14,07 milhões de adultos entre 18 e 49 anos. Com a finalidade de investigar o que até então foi exposto, nossa abordagem metodológica emprega a revisão de literatura específica sobre os conceitos de algoritmo, plataforma midiática, sistemas de recomendação e públicos. Recorremos ainda à análise crítica e interpretativa de matérias jornalísticas sobre o tema e sua delimitação selecionados de acordo com os dados oficiais que apresentam, bem como a entrevistas oficiais com os criadores da série e seus diretores. Incluímos também alguns comentários de usuários em relação à série selecionada disponíveis na própria plataforma em português do Brasil. No que diz respeito aos algoritmos, eles funcionam como uma composição fluida que, com base nos bancos de dados que armazenam os rastros digitais, exibe os posts selecionados no momento em que o usuário acessa o seu perfil pessoal (JURNO, 2016, p. 37). Eles são fórmulas matemáticas, códigos ou softwares que reconhecem informações e produzem outras. (GILLESPIE, 2014a, 2014b). Por plataforma midiática entenderemos os serviços online que se caracterizam como intermediários de conteúdos diversos a usuários, imprensa e comentadores e que moldam os discursos que os enredam. As plataformas midiáticas apresentam, segundo propõe Gillespie (2010), ao menos três dimensões principais: a) Computacional: infraestrutura que suporta o design e o uso específico de aplicativos, sejam eles hardwares, sistemas operacionais, dispositivos para jogos ou dispositivos móveis ou formatos em discos digitais; b) Arquitetural: uma estrutura de base para ações ou operações específicas; e c) Figurativa: plataformas são plataformas não apenas porque possibilitam a inscrição de códigos e protocolos, mas porque suas affordances permitem a comunicação, a interação e comercialização. Os sistemas de recomendação serão tomados a partir das contribuições de Adomavicius e Tuzhilin (2005) citados por Cortez e Alzamora (2015). Os mecanismos de recomendação podem operar, segundo os autores, de três maneiras distintas: a) Recomendação por conteúdo: recomendações ao usuário a partir de itens semelhantes ao que ele preferiu no passado; b) Filtragem colaborativa: são recomendados ao usuário itens que outros usuários com perfis semelhantes ao dele consumiram anteriormente; e c) Recomendação híbrida: que se baseia na combinação dos dois métodos abordados anteriormente, a fim de otimizar as recomendações. Os públicos serão considerados como conjuntos de pessoas (internautas, usuários, leitores, ouvintes, telespectadores etc.) que se envolvem de alguma maneira

4 (compartilhamento, comentário, visualização, leitura, curtida, dislike) com algum tipo de conteúdo midiático (audiovisual, sonoro, textual, multimídia etc.) de interesse comum. Neste envolvimento mútuo entre públicos e conteúdos, as mídias e suas affordances moldam e conformam diferentes públicos. Em plataformas de mídias digitais online como a Netflix, os algoritmos agem no sentido de estabelecer temas, assuntos, perfis e notícias e notificações de interesse segundo padrões de conduta e ações realizadas nestes ambientes midiáticos (WARNER, 2002; ITO, 2008; BOYD, 2010; GILLESPIE, 2014b, NOORTJE, 2015). É em conformidade com este argumento que defenderemos a noção de públicos algorítmicos, moldados e moldadores de relações entre mídias e perfis online, calculados segundo dados digitais estocados em bancos de dados de plataformas de mídia que antecipam comportamentos e sugerem tendências e padrões de conduta online (qual conteúdo visualizar, como visualizá-lo e quando visualizá-lo e clicar ou comentar em uma publicação). Trata-se, como se pretende demonstrar, de uma lógica midiática atual que precisa ser discutida em vista de suas implicações éticas e democráticas. Palavras-chave: algoritmo; ética; Netflix; públicos; Stranger Things. Referências BOYD, D. Social network sites as networked publics: Affordances, dynamics, and implications. In: PAPACHARISSI, Z. (Ed.). Networked self: identity, community, and culture on social network sites. New York, 2010.p BRUNO, F. Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Famecos, Porto Alegre, v. 19, n. 3, p , CHAFFEY, D. Global social media research summary Smart Insights online CORTEZ, N.; ALZAMORA, G. Agenciamento semiósico e intersubjetividade: perfil do gosto e gênero musical nos ambientes de streaming de músicas online. Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p , GILLESPIE, T. Facebook s algorithm why our assumptions are wrong, and our concerns are right. Culture Digitally GILLESPIE, T. The Relevance of Algorithms. In: GILLESPIE, T.; BOCZKOWSKI, P. J.; FOOT, K. A. (Eds.). Media technologies: essays on Communication, Materiality, and Society. Cambridge; London, 2014b. Cap. 9, p GILLESPIE, T. The politics of platforms. Nem Media & Society, v. 12, n. 3, p , mai ITO, M. Introduction. In: VARNELIS, Kazys (Ed.). Networked publics. Cambridge, MA: MIT Press, p

5 JURNO, A. C. Agenciamentos coletivos e textualidades em rede no Facebook: uma exploração cartográfica. 22 fev f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MAGALHÃES, J. C. Democracia e internet: precisamos falar sobre algoritmos. Nexo online. 25 de setembro de NOORTJE, M. Material participation: technology, the environment and everyday publics. London: Palgrave Macmillan, WARNER, M. Publics and Counterpublics. Quartely Journal of Speech, v. 88, n. 4, p , nov