Nº COMARCA DE LAJEADO A C Ó R D Ã O. Vistos, relatados e discutidos os autos.

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1 FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. NULIDADE PROCESSUAL REPELIDA. PAI BIOLÓGICO FALECIDO. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE RESPALDA O VÍNCULO DE SOCIOAFETIVIDADE ENTRE A INVESTIGANTE E OS PAIS REGISTRAIS. ADOÇÃO À BRASILEIRA. REGISTRO ESPONTÂNEO, AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IRREVOGABILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL OITAVA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE LAJEADO C.R.F... R.C.O.. APELANTE APELADOS A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ. Porto Alegre, 17 de junho de DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, Presidente e Relator. 1

2 R E L A T Ó R I O DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (PRESIDENTE E RELATOR) Trata-se de recurso de apelação interposto por CARINA, de sentença que julgou improcedente a ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, anulação de partilha e pensão alimentícia, movida em face de ROSALINA e OUTROS. Em suas razões recursais, preliminarmente, alega nulidade da sentença, decorrente da não apreciação da revelia operada e presunção de paternidade. No mérito, refere que a negativa dos réus de submeterem-se ao exame de DNA implica na presunção de paternidade, conforme Súmula 301 do STJ. Afirma que o assento de nascimento deve ser anulado, porquanto eivado de vício de consentimento, uma vez que só foi registrada em nome de LUIS DOMINGOS e ALAÍDE a fim de ser internada em hospital para tratar doença grave. Assevera não ter vínculo socioafetivo com o pai registral, com o qual não tem contato desde Pugna, ao final, pelo total provimento do recurso, com o reconhecimento da paternidade, reversão da herança e anulação do registro de nascimento. Apresentadas as contra-razões, sobem os autos a este Tribunal, com a manifestação do Ministério Público de 1º grau. Nesta instância, a Dra. Procuradora de Justiça lança parecer pelo afastamento da preliminar e, no mérito, pelo provimento da apelação. Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. 2

3 V O T O DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (PRESIDENTE E RELATOR) Eminentes colegas. Em primeiro lugar, impõe-se afastar a preliminar de nulidade da sentença levantada no apelo, porquanto o motivo alegado se trata de critério de valoração da prova e isso não conduz à nulidade alguma. Ao juiz é conferida a livre apreciação da prova, conforme disposto no art. 131 do CPC, e a sua equivocada valoração pode levar à reforma da sentença, não à sua nulidade. A questão, a rigor, confunde-se com o próprio mérito devolvido à instância recursal, com ele devendo ser apreciada. A apelante, aproximando-se dos trinta anos de idade, resolve investigar a sua origem, estando registrada como filha do casal que a criou, mas que, desde a adolescência, sabe que não se tratam de seus pais biológicos. A questão, como regra em casos tais, apresenta-se inegavelmente complexa. De um lado, o direito de buscar a verdadeira origem, assim como as relações familiares e os próprios direitos patrimoniais daí decorrentes; de outro, o confronto com a realidade fática, com referência aos pais registrais e a possibilidade, ou não, de retificar o registro, em certa etapa da vida, para substituir os pais biológicos. Aliás, chamando a atenção o fato de que a autora, filha de Ildemar e Neodilma, mas registrada em nome do casal Luis Domingos e Alaíde, apenas a paternidade biológica, atribuída ao pai falecido, é pretendida ver reconhecida ( com petição de herança e alimentos ), e não a maternidade biológica. 3

4 Não há como negar, portanto, o caráter nitidamente patrimonial, inspirado pela morte do genitor, a pretexto da busca da verdade biológica, a ponto de relegar a paternidade socioafetiva. Na minha avaliação, nesse quadro, melhor sorte não assiste à apelante, impondo-se confirmada a bem lançada sentença. O núcleo da inconformidade diz respeito à nulidade do registro, porque constituído com vício de consentimento, à presunção de paternidade, face à negativa dos sucessores ROSALINA, ITACIR e ERNILDO a se submeterem a exame de DNA, além do negado de vínculo socioafetivo com os pais registrais. Quanto ao assento de nascimento, restou comprovado, através de depoimentos, que havia urgência em registrar a criança, para que pudesse ser internada em hospital. O que não permite dizer, de forma alguma, que tenha havido coação, simulação ou qualquer vício passível de anulação. O registro foi espontâneo. Em todos os depoimentos ficou claro o animus do casal de criar a menina. Desentendimentos, separações e entraves posteriores entre os envolvidos não modificam a realidade, na relação entre pai, mãe e filha, pelo menos até os 14 anos de Carina. Nesta senda, considerando que o reconhecimento da paternidade é um ato irrevogável e irretratável 1, como regra, impossível se torna a procedência da ação, sem a demonstração inequívoca do vício de consentimento (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). De outro lado, a situação sugere seja relativizada a presunção de paternidade, diante da negativa dos sucessores de se submeterem ao exame de DNA. Isso porque, consoante a doutrina moderna, a paternidade não pode ser vista apenas sob o enfoque biológico, dando expressiva 1 (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo 9, pág. 101) 4

5 importância à relação genética, devendo também ser sopesada a relação socioafetiva. Por isso, tem-se que o reconhecimento voluntário da filiação, pelo pai ou pela mãe, edificado sobre o chamado estado afetivo, torna-se mesmo irretratável, uma vez aperfeiçoado. precedentes: Neste sentido, laboriosa jurisprudência oferece reiterados APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VERDADE REGISTRAL QUE DEVE PREVALECER SOBRE A VERDADE BIOLÓGICA. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO. O reconhecimento da paternidade é ato irrevogável, a teor do art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art do Código Civil. A retificação do registro civil de nascimento, com supressão do nome do genitor, somente é possível quando há nos autos prova cabal de ocorrência de vício de consentimento no ato registral ou, em situação excepcional, demonstração de cabal ausência de qualquer relação socioafetiva entre pai e filho. Ainda que exista a filiação biológica, descoberta anos após o registro da criança, e estando demonstrada nos autos a filiação socioafetiva que se estabeleceu entre o autor com a ré, até sua adolescência, o princípio da paternidade socioafetiva impera sobre a verdade biológica. Sentença de procedência reformada. Sucumbência invertida. APELAÇÃO PROVIDA (AC nº , 7ª CC, TJRS, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. em 16/12/2009). APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral, mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade, se configurada nos autos a paternidade socioafetiva. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação desprovida (AC nº , 8ªCC, TJRS, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 08/09/2009). A doutrina também é tentadora, como preleciona Maria 5

6 Berenice Dias 2 : Há uma prática disseminada no Brasil daí o nome eleito pela jurisprudência (adoção à brasileira) de o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiação (CP 242), não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve sua prática. Em muitos casos, rompido o vínculo afetivo dos genitores e findo o convívio com o filho, o pai busca a desconstituição do registro por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade, em face da obrigatoriedade de arcar com alimentos. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato levado a efeito de modo espontâneo, por meio da expressão adoção à brasileira, passou a não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando irreversível. Não tendo vício de vontade, não cabe a anulação. A lei não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (1.604). Ainda que dito dispositivo legal excepcione a possibilidade de anulação por erro ou falsidade, não se pode aceitar a alegação de falsidade do registro levada a efeito pelo autor do delito. Assim, o registro de filho alheio como próprio, em havendo o reconhecimento da verdadeira filiação, impede posterior anulação. Quanto à alegação de que não restou caracterizada a relação socioafetiva, a d. sentença destaca passagem marcante: CARINA, LUIS DOMINGOS e ALAÍDE conviveram quinze anos com tranças de um mesmo tento. Laços foram formados. Houve troca. Câmbio de sentimentos. Neste vincado interregno, Carina foi apresentada como filha de Luis Domingo e de Alaíde e eles como pais dela. (fl. 503) Aliás, isso mesmo se recolhe da manifestação pai de Carina, em frase final de seu depoimento: 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2005, pp

7 Pela vontade do requerido, continuaria sendo o pai de Carina. (fl. 420/vº) Portanto, diante da ausência de prova que comprometa a espontaneidade do ato registral, jamais demonstrado qualquer vício de consentimento, tenho como inviável desfazer o vínculo afetivo formado entre Carina e os pais registrais, depois de longos anos, preponderando sobre a realidade biológica, de sorte a caracterizar a paternidade socioafetiva. Ante o exposto, nego provimento à apelação. DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ - De acordo com o(a) Relator(a). DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - Presidente - Apelação Cível nº , Comarca de Lajeado: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: ANDRE LUIS DE MORAES PINTO 7