AO VENCEDOR, O RUBIÃO - UMA VISÃO SOBRE A SOCIEDADE CAPITALISTA EM QUINCAS BORBA



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Transcrição:

AO VENCEDOR, O RUBIÃO - UMA VISÃO SOBRE A SOCIEDADE CAPITALISTA EM QUINCAS BORBA Franciele Maria Martiny 1 Roberta Cantarela 2 Considerações iniciais Pedro Rubião de Alvarenga, mineiro de Barbacena, professor, e, como descreve Machado de Assis no livro Quincas Borba, um caipora desconhecedor dos valores materiais e sociais das coisas. Este é o protagonista da história, tido como o ingênuo caipira que ganha, ironicamente, através do cachorro do seu melhor amigo e quase cunhado - Quincas Borba -, uma grande herança. No entanto, além de herdar grande quantia em dinheiro e diversos bens materiais, entre casas na Corte e em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e de outras instituições, jóias, dinheiro amoedado (ASSIS, 1988, p. 25), Rubião recebe algo muito maior: o desafio de se tornar um capitalista e enfrentar as consequências que a nova vida iria lhe trazer, tanto de bom quanto de ruim. O amigo Quincas Borba, que aparece pela primeira vez em Memórias Póstumas de Brás Cubas, igualmente no náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia (ASSIS, 1988, p.15) é quem postula a teoria do Humanitas, que rege todo o enredo da história, explicado por ele como o princípio da vida e que reside em toda a parte (ASSIS, 1988, p. 16). Em Memórias Póstumas (marco do início do Realismo no Brasil), Quincas Borba aparece contando a Brás Cubas, nuances sobre sua teoria filosófica humanicista, que serviu para explicar a existência fútil de Brás Cubas. Neste livro também já aparece a herança que Quincas Borba havia recebido de um tio, mas pela qual não demonstrou interesse, por isto, 1 Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste, bolsista Capes. 2 Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste, bolsista Capes.

posteriormente, foi doada a Rubião. O objetivo de vida de Quincas Borba não era ser rico, ele queria apenas desenvolver sua teoria e torná-la conhecida mundialmente. No próximo livro machadiano Quincas Borba, foco deste artigo, aparece o cachorro do filósofo/mendigo, que tinha o mesmo nome do dono e era considerado seu único amigo, mais até do que o próprio Rubião. Para Quincas Borba isso representava a perpetuação de suas ideias para além da vida. Isto, porque, conforme Quincas Borba, não há morte. O encontro de duas expansões ou a expansão de duas formas pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio universal e comum, (ASSIS, 1988, p.18). Conforme Chaves (1974) toda a trama da história, narrada em terceira pessoa, se baseia nas relações dos personagens com a questão do valor material das coisas e do lucro, desencadeando o processo de coisificação das pessoas, que valem o quanto possuem. Desta forma, tanto o que é dado quanto o que é recebido tem um valor de troca, que pode ser mensurável. Além disso, as pessoas se tornam objetos para a ascensão econômica de outras. No cerne da obra machadiana o comportamento das personagens é homólogo ao comportamento burguês da sociedade produtora para o mercado. (CHAVES, 1974, p. 44). Neste sentido, este artigo objetiva mostrar a influência direta do capitalismo na vida do protagonista Rubião no romance de Quincas Borba, escrito no final do século XIX por Machado de Assis. A história, nos seus diversos aspectos, apresenta a questão do capital como sendo o carro-chefe, o qual move os interesses da sociedade da época. Isto porque, como destaca Candido (2000), na perspectiva da sociologia da literatura, os elementos externos (no caso social) influem na estrutura da obra. O externo desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno. (CANDIDO, 2000, p. 04). Goldmann (1990) destaca a relação entre a realidade social e o discurso romanesco que reflete a visão de um grupo social, colaborando para formulação da Sociologia do Romance, como na sua afirmação os verdadeiros objetos da criação cultural são, efetivamente, os grupos sociais, e não os indivíduos isolados (GOLDMANN, 1990, p. 04). Portanto, entende-se que a organização social da época implica a composição da obra, internalizando-se no romance nuances do período histórico e social vivido.

Lukács ressalta que: Na sociedade atual, um escritor não precisa abordar tematicamente as questões imediatas da luta proletária de classes para esbarrar no problema central de nossa época, a luta entre o capitalismo e o socialismo. Mas para dar conta do conjunto das questões relacionadas com isso: o escritor deve romper o círculo mágico da ideologia burguesa decadente. (LUKÁCS, 1999, p. 113). Fica claro que a questão dos elementos externos influencia a obra literária, e Quincas Borba não é uma exceção, quando apresenta protagonistas que evidenciam na sua fala os discursos de uma sociedade capitalista. Outro ponto a ser evidenciado é a luta do mineiro, agora milionário, em se adequar ao sistema e ser, afinal, o vencedor das tão sonhadas batatas. Porém, o despreparo nítido do personagem em relação à guerra entre as tribos, faz dele um mero objeto nas mãos dos verdadeiros conhecedores de como as regras do jogo de poderes funcionam. O despreparo para a luta Antevendo que a enfermidade o tiraria da convivência com os humanos e que sua herança material cairia nas mãos de Rubião, seu herdeiro universal, Quincas Borba lembrava ao amigo, o princípio do Humanitas, para que o mais novo rico pudesse, algum dia, talvez, entendê-lo, bem como precavê-lo sobre como seria o seu futuro. O filósofo sabia que, naquele momento, o professor ainda estava totalmente despreparado para enfrentar o capitalismo, que acaba com os organismos mais fracos, incapazes de resistências. Apesar de ter dado diversos exemplos de como a sociedade movida pelo lucro e pelo status funcionava, após as várias tentativas de Quincas Borba em explicar isto através de exemplos, Rubião, na sua ignorância (com relação ao capitalismo) não conseguia entender como o sistema funciona. Achava tudo muito confuso e sem nexo. Isto porque, só a vivência podia explicar a teoria e era preciso conhecê-la profundamente para entendê-la, como mesmo frisou Quincas Borba: Irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! Nesse dia

terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade (ASSIS, 1988, p.18). No entanto, com a ascensão econômica, Rubião ingressa num mundo totalmente voltado ao lucro. Passa de sujeito anônimo a ter valor na sociedade fluminense e, desta forma, torna-se alvo fácil de especuladores interessados apenas no seu dinheiro, fato que move a sede pelo poder e pelo sistema capitalista, expressa na afirmação ao vencedor, as batatas. Afirmação criada e defendida por Quincas Borba, retratada numa de suas histórias sobre a ânsia humana pelo poder e pela conquista do que julgava ser mais vantajoso. Era o entendimento de que a paz só provém da guerra, exterminando os demais ao redor. Trata-se de breve visão de como era o quadro das relações sociais da época, as quais são descritas por Faoro, como, uma sociedade de classe em plena expansão, cifrada, nas mais gloriosas, nos banqueiros, nos prósperos comerciantes, nos capitalistas donos de rendas, nos senhores donos de terras e de escravos. O dinheiro é a chave e o deus desse mundo, dinheiro que mede todas as coisas e avalia todos os homens. (FAORO, 1976, P. 14). Assim, apesar da riqueza monetária e de súbita alegria ter invadido sua fé, mesmo que às vezes com certa culpa em seu interior, Rubião continuava com a cabeça de um simples professor, sem conhecimento de como a lei do mais forte funcionava, movido apenas pela visão limitada. Antes mesmo que pudesse perceber, já estava tomado pela força que as batatas tinham sobre ele e sobre sua vida ignorante, que ora queria esquecer. Assim, percebe-se que o ingênuo, gostava da fórmula, achava-a engenhosa, compendiosa e eloqüente, além de verdadeira e profunda. Ideou as batatas em suas várias formas, classificou-as pelo sabor, pelo aspecto, pelo poder nutritivo, fartou-se antemão do banquete da visa. Era tempo de acabar com as raízes pobres e secas, que apenas enganava, o estomago, triste comida de longos anos; agora o farto, o sólido o perpétuo, comer até morrer e morrer em colchas de seda, que é melhor que trapos. (ASSIS, 1988, p.29).

Nota-se que havia um desejo de mudança juntamente com a nova vida, mas que não se concretizou, pelo seu despreparo na luta real pelo capital. A vida do caipora na capital Sem dominar a ciência de como era a vida fora do alcance de seu nariz - entre os dominantes da sociedade fluminense - Rubião quis vivenciar os ares da capital do Brasil (Rio de Janeiro, na época) e aproveitar as qualidades que ela poderia lhe proporcionar. Com o ledo engano de achar que finalmente havia entendido a teoria do amigo, que antes julgara absurda, quis, como sendo o vencedor, devorar as batatas em lugar diferenciado, que estivesse agora a sua altura e, nada mais apropriado, do que o fascínio da Corte. Assim, De repente, surgiu-lhe este grave problema se iria viver no Rio de Janeiro, ou se ficaria em Barbacena. Sentia cócegas de ficar, de brilhar onde escurecia, de quebrar a castanha na boca aos que antes faziam pouco caso dele, e principalmente aos que se riram da amizade do Quincas Borba. Mas logo depois, vinha a imagem do Rio de Janeiro, que ele conhecia, com os seus feitiços, movimento, teatros em toda a parte, moças bonitas, "vestidas à francesa". Resolveu que era melhor, podia subir muitas e muitas vezes à cidade natal. (ASSIS, 1991, p. 26). Porém, o protagonista com a clara inexperiência, acabou virando presa fácil de golpistas, interessados apenas nos seus recursos financeiros, caso, por exemplo, das figuras representadas pelo casal Sofia e Cristiano Palha, que se encontra no trem que parte de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Após perceberem que estavam à frente de um mero iniciante em matéria da constante guerra capitalista, o casal se armou para travar a batalha contra o inimigo, já de antemão considerado mais fraco, uma vez que se abrira para desconhecidos. Outros interesseiros apareceram ao longo da história, também instigados pela mesma sede, mas que não serão abordados neste estudo.

Neste sentido, as amizades por interesse marcam a obra e disfarçam as verdadeiras intenções dos personagens, as batatas, seu objeto de desejo, que vai além de qualquer outra vontade. Sofia é quem seduz Rubião, enquanto que o seu marido o explora economicamente. Vara (1976) reitera que o casal tinha Rubião como um objeto, uma escada para recuperar o sucesso. Nesse caso, a seqüência principal, se desenvolve em duas etapas: primeiro revelando-se indiretamente através do processo de sedução de Sofia, em que a mulher é utilizada como meio de atrair o capitalista, garantido as transações veladas de Palha com Rubião; na segunda etapa, manifestandose indiretamente através de Maria Benedita, igualmente utilizada por Palha como meio de consolidar as relações com Rubião, através do casamento com sua prima. No caso de exploração de Camacho, o mesmo esquema se repete, definindo-se objetivamente no processo de sedução do capitalista para a política. (VARA, 1976, p. 45). Conforme Faoro (1976), os personagens Sofia e Palha são os grandes exemplares do faro astuto, da especulação afortunada, eles são os verdadeiros vencedores das batatas do Segundo Reinado. Neste jogo, de acordo com o autor, valia de tudo e, sempre, vencia o mais astuto em matéria de capitalismo. O caminho da ascensão é o golpe da fortuna, honesto ou ilícito aí não há valores. O caminho não está aberto a todos os que dispõem de habilidade, ambição e esperteza, (FAORO, 1976, p. 32). Quem não estava apto para visualizar o que a fortuna gerava, não conseguia sobreviver, porque era devorado pelos mais preparados e armados. Trata-se, novamente, da guerra entre as tribos pelas batatas e, por conseqüência, pela ascensão social. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí, a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas (FAORO, 1976, p. 7). A seleção natural: o mais forte sobrevive Mesmo tendo sido alertado sobre a batalha, que selecionava os mais aptos a viverem na selva, como postula a teoria de Darwin, Rubião deixa se levar pelo beneficio relâmpago que o status social, agora, lhe proporcionava.

Na verdade, sustenta-se a hipótese que o protagonista nunca compreendeu efetivamente a teoria de Quincas Borba e, por isso, não conseguiu manter as batatas em seu domínio por muito tempo. Desta forma, o caipora Rubião embriagado pela vontade de beber mais desta fonte e tomado pelo desejo de comer mais batatas, se perde na ansiedade de acumular maior número de bens e lucros, fazendo negócios dúbios com Palha, os quais apenas lhe desfavoreciam. Pouco a pouco foi entregando toda a sua fortuna, antes considerada por ele como sem fim. O que acontece, segundo Faoro, é que o protagonista, Entrega-se à ociosidade, não mais à elegante ociosidade, mas à reles, vítima da exploração dos amigos do homem rico, e não modera os seus gastos. (...) Rodeado de um outro mundo voraz e impiedoso da especulação, aventura-se em empresas com bases falsas. Seus bens se vão, gota a gota, gastando o próprio capital, em lugar de moderar a despesa pelas rendas líquidas (FAORO, 1976, p. 233). Neste sentido, sem entender os cálculos, tabelas, tarifas, enfim, todo e qualquer giro de capital que o especulador Palha fazia e inventava para ludibriá-lo, Rubião foi facilmente influenciado e enganado. No começo, até tentou resistir, mas sua natureza frágil e amadora para lidar com o poder foi além de seu autocontrole, entregando a riqueza ao mais apto a lidar com ela. Palha, por sua vez, aproveita para se alimentar do mais fraco como um cupim que se agarra à madeira, sugando-a até estar inteiramente satisfeito e não precisar mais dela para nada. Conforme enfatiza Chaves, a situação de impotência diante da realidade cifrada em signos amorfos e inacessíveis forma-se no acúmulo de detalhes aparentemente desimportantes, tão ao gosto naturalista, mas através dos quais Machado imprime a marca inconfundível de um mundo degradado. (CHAVES, 1974, p. 45). Além disso, o protagonista/amador é levado a adquirir quadros, estátuas, utensílios raros e outros bens materiais refinados para decorar a casa na Corte, objetos dos quais nem ao menos entendia o valor ou, de cujos, nem sabia se gostava. Autorizava a aquisição

apenas para fingir que tinha se integrado à sociedade fluminense, que seguia os mesmos moldes da sociedade européia do século XIX. Schwartz (1981) retrata a comédia logo nos primeiros capítulos através da criação totalmente artificial de ambientes urbanos e europeus nas casas do Rio de Janeiro, quando, na verdade, o sistema econômico brasileiro estava totalmente centrado na produção agrícola e na escravidão. Nas palavras do referido autor, Rubião, herdeiro recente, é constrangido a trocar o seu escravo crioulo por um cozinheiro francês e um criado espanhol, perto dos quais não fica à vontade. Além de ouro e prata, seus metais do coração, aprecia, agora as estatuetas de bronze um Fausto e um Mefistófeles que são também de preço. (SCHWARZ, 1981, P. 23). Diante de todos estes atropelos, finalmente, o mais preparado ganha a batalha com destreza e facilidade. Derrota Rubião, que perde todos os bens e o seu relativo prestígio. Isto porque, para Palha, o amigo não era visto como uma pessoa, mas um objeto que valia pelo capital que possuía. Após tornar-se um próspero comerciante novamente, o capitalista astuto trata Rubião, como cita Chaves, 1974, um peso morto e, tão logo, dissolve a sociedade. Desta maneira, mais uma vez é a medida abstrata do dinheiro que determina o início ou o fim de um estreito relacionamento pessoal. (CHAVES, 1974, p. 47). Ele se vê obrigado a regressar à cidade natal, Barbacena, onde morre. Fica sem as batatas ou qualquer outro resquício de sua riqueza. Antes da morte, porém, trava uma batalha, ainda, consigo. Considerações finais À medida que a cidade mineira vai se desentranhando aos olhos de Rubião, conforme Vara (1976), desencadeia-se o processo da busca de si e, ao mesmo tempo, de se reencontrar. É a dualidade, no sentido poético do Humanitas. Assim, (...) refletindo-se sob as fulgurações de luz e sombra, brilho e movimento, a visão de Barbacena, (...) desnuda a outra face do código, reconstruindo a mesma estrutura

reiterativa e estática, reelaborada poeticamente pelo ângulo do louco, do exterminado (VARA, 1976, p. 95). No meio do delírio, completamente fora de si, Rubião se engana pensando ainda em ser rico e pertencer à Corte. Para o mais novo pobre (ironicamente) é difícil acreditar que não foi o vitorioso da história, uma vez que tinha tudo em suas mãos e perdera. Como descreve Faoro, nesta altura, o capitalista Rubião, ferido de grandeza e de delírio, já se sentia o marquês de Barbacena. Transportava-se para a sociedade refinada do Segundo Reinado em imaginação (FAORO, 1976, p. 22). Quincas Borba, o cão, após procurar desesperadamente pelo dono durante três dias, que falecera, também morre de fome, solitário nas ruas de Barbacena. Rubião - que sempre repetiu a filosofia de seu finado amigo, ao longo da história nem ao final da vida compreende o verdadeiro sentido da teoria, tal como o filósofo/mendigo Quincas Borba havia previsto instantes antes de sua morte. Rubião, na verdade, foi um claro exemplo dela, sendo devorado pela tribo mais forte e, assim, o melhor adaptada ao meio. Ao não vencer a batalha, se entrega à loucura, sendo rifado pelos poderosos: ao vencedor, o Rubião. Referências ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: FDT, 1991.. Quincas Borba. 7.ed. São Paulo: Ártica, 1988. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8.ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000. CHAVES, Flávio Loureiro. O mundo social do Quincas Borba. Porto Alegre RS: Editora Movimento, 1974. FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1976. GOLDMANN, Lucien. A sociologia do romance. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

LUKÁCS, Georg. O romance como epopéia burguesa. In. Revista de Filosofia/Política/Ciências da História. Tomo II Música e Literatura. n. 1. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999. SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor, as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. 2.ed. São Paulo: Duas Cidades, 1981. VARA, Teresa Pires. A Mascarada Sublime: Estudo de Quincas Borba. São Paulo: Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.