VEICULAÇÃO DE LACTOBACILLUS RHAMINOSUS POR MICROCÁPSULAS GELIFICADAS DE CASEINATO DE SÓDIO E CARRAGENA G.J. Maximo 1, M. Michelon 1, F.A.Perrechil 2, A.C.K. Sato 1, R.L. Cunha 1 1 - Departamento de Engenharia de Alimentos Universidade Estadual de Campinas CEP: 13083-862 Campinas SP Brasil e-mail: acksato@unicamp.br 2 - Instituto De Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêutica Universidade Federal de São Paulo Diadema SP Brasil. RESUMO A microencapsulação tem sido frequentemente utilizada pelas indústrias de alimentos e farmacêutica para viabilizar a utilização de biocompostos com veiculação prejudicada devido a diversos fatores como estabilidade química, térmica ou baixa solubilidade. Neste contexto, organismos próbioticos são particularmente sensíveis aos meios onde são adicionados, e às condições do processo de digestão. Este trabalho teve como objetivo avaliar a produção de microgéis via atomização de sistemas não-emulsionados de caseinato de sódio e -carragena para encapsulação de Lactobacillus rhamnosus liofilizados e submetidos a processo de ativação. Ambos sistemas apresentaram tamanhos e microsestruturas mais estáveis e mais homogêneas quando comparados com sistemas emulsionados similares da literatura. Microgéis com microorganismos ativados apresentaram maior viabilidade, porém considerando que os valores foram superiores a 80% em ambos os casos, a encapsulação de próbiótico liofilizado é a alternativa mais viável. ABSTRACT Microencapsulation has often been used by the food and pharmaceutical industries to enable the use of biocompounds with impaired utilization due to several factors such as chemical and thermal stability, or low solubility. In this context, probiotics are particularly sensitive to the media in which they are added, and the conditions of the digestion process. Thus, this work is aimed at evaluate the production of microgels via atomization of non-emulsified sodium caseinate + carrageenan systems for encapsulation of Lactobacillus rhamnosus activated or freeze-dried. Both systems showed high stability in aqueous media and more homogeneous microstructure when compared to similar emulsified systems found in literature. Microgels with activated microorganisms showed higher viability but, considering that values were above 80% in both cases, the freeze-dried probiotic encapsulation is the best alternative. PALAVRAS-CHAVE: microgéis; liberação gastro-intestinal; próbiótico. KEYWORDS: microgels; gastrointestinal release; probiotic. 1. INTRODUÇÃO Afrc (1989) define próbióticos como suplementos alimentares a base de microorganismos vivos que afetam beneficamente o hospedeiro, melhorando o equilíbrio microbiano intestinal. Dentre os benefícios da ingestão de próbióticos estão a diminuição de constipação intestinal, inibição da ação de patógenos, síntese de vitaminas, diminuição de absorção de colesterol, redução do risco de cânceres intestinais, entre outros. Por esse motivo são frequentemente incorporados em produtos alimentícios, como iogurtes, bebidas lácteas, queijos e sorvetes (Anal & Singh, 2007; Capela et al., 2006). As bactérias lácteas são os microorganismos mais comumente adicionados em produtos alimentícios.
Neste contexto, a bactéria Lactobacillus rhamnosus mostra-se interessante por apresentar resultados positivos na resolução de problemas como inflamação intestinal, dermatites e alergias alimentares (Mandal et al., 2006; Pessi et al., 2000). Contudo, a sua eficiência está associada a sua viabilidade após o processamento e no ambiente gastro-intestinal. Diversas técnicas têm sido utilizadas para ampliar a viabilidade de organismos próbióticos durante o seu carreamento até os sítios de atuação: dentre elas, a microencapsulação. A microencapsulação propõe a formação de microestruturas sólidas, semi-sólidas ou líquidas que atuam na retenção de algum conteúdo para sua posterior liberação, em taxas controladas, a depender da estrutura do material encapsulante. Por esse motivo, a composição, formato e propriedades físicoquímicas da estrutura são parâmetros essenciais no projeto destes sistemas (Champagne & Fustier, 2007). Polissacarídeos e proteínas têm sido utilizados como sistemas encapsulantes utilizando para isso suas propriedades de gelificação, o que resultam em microestruturas gelificadas estáveis e com propriedades reológicas interessantes no contexto da formulação de alimentos (Perrechil & Cunha, 2012; Perrechil et al., 2011; Ribeiro et al., 2004). A produção desses microgéis pode ser dada por atomização da mistura do material de cobertura com o recheio, e posterior gelificação. A -carregena, por exemplo, é um polissacarídeo muito utilizado como agente estruturante em sistemas alimentícios e facilmente submetida à gelificação ionotrópica, ou seja, quando adicionada em meio salino (Perrechil et al., 2012). Por esse motivo pode ser facilmente empregado como material de cobertura em microgéis para veiculação de compostos. Neste contexto, a adição de material protéico, como o caseinato de sódio, pode contribuir para a estabilização da estrutura a partir da formação de uma rede macromolecular estável e com propriedades mecânicas interessantes. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo avaliar a produção de microgéis a partir das técnicas de atomização seguida de gelificação, utilizando uma mistura aquosa de -carragena e caseinato de sódio como materiais de revestimento, para veiculação de Lactobacillus rhamnosus. Adicionalmente, propõe avaliar a viabilidade da encapsulação de próbiótico liofilizado quando comparada a encapsulação de microorganismo ativo. 2. MATERIAL E MÉTODOS Materiais: Caseína, -carragena (Sigma Chemical Co., USA); Lactobacillus rhamnosus liofilizado (Danisco Co, Dinamarca). Preparo das cápsulas: Uma solução estoque de caseinato de sódio (Na-CN) foi preparada pela dispersão de 5.0 % (w/w) de caseína em água deionizada por 3 h a uma temperatura máxima de 50 C utilizando agitação magnética. O ph da solução foi constantemente ajustado para 7.0 utilizando uma solução aquosa 10 M de NaOH. Uma solução estoque de -carragena foi preparada pela dissolução parcial de 3.0 % (w/v) de carragena em água deionizada a temperatura ambiente, seguida de uma etapa de aquecimento a 90 C utilizando um béquer encamisado acoplado de banho de água termostatizado e agitação magnética por 60 minutos até a dissolução completa do polissacarídeo. Parte da cultura de Lactobacillus rhamnosus foi ativada pela incubação em caldo MRS a 37 C por 18 h, seguido de centrifugação e lavagem, antes da adição nos microgéis. A partir das soluções aquosas, foram produzidos, sob agitação magnética, dois sistemas: um composto por Na-CN, -carragena, L. rhamnosus liofilizado e água, e outro composto por Na-CN, -carragena, L. rhamnosus ativado e água. As concentrações finais da solução aquosa antes do processo de atomização foram fixadas em 0.25 % (w/v) de proteína, 1.5 % (w/v) de polissacarídeo e 0.02 % de L. rhamnosus (w/v). O sistema foi submetido a processo de atomização para a formação dos microgéis, de acordo com o aparato esquematizado na Figura 1. A mistura foi extrusada em um bico atomizador de 1.0 mm de diâmetro em uma solução aquosa 0.4 % (w/v) de KCl a temperatura ambiente para gelificação da estrutura. A altura do bico atomizador até a superfície da solução aquosa de KCl foi fixada em h = 50
cm, que é maior que a distância necessária para a completa atomização das gotas (~5 cm) (Aliseda et al., 2008). O fluxo de alimentação foi fixado em 0.7 L/h e a pressão do ar comprimido no bico em 0.1 MPa. As partículas gelificadas foram mantidas na solução salina por 30 min, sob agitação magnética, para estabilização das cápsulas produzidas (Chan et al., 2009), e então filtradas em peneira com abertura de 0.053 mm. Os microgéis foram armazenados a 10 C para avaliação. Morfologia e viabilidade: A morfologia dos microgéis foi analisada por microscopia ótica utilizando um microscópio Carl Zeiss modelo mf-aks 24 36 EXPOMET (Zeiss, Alemanha). O tamanho das partículas foi determinado por técnica de difração de laser (Mastersizer S, Malvern Instruments Ltd., UK) e os valores representados pelo diâmetro médio volumétrico D[4,3] (Perrechil & Cunha, 2012). Cada amostra foi medida em triplicata. A viabilidade do processo de microencapsulação foi obtida pela quantificação do microrganismo antes e depois do processo por plaqueamento pela técnica de gota em ágar MRS (1.5% de ágar). Figura 1 Fluxograma de produção dos microgéis A Bico atomizador B Compressor C Bomba peristáltica D Mistura E Solução aquosa salina F - Tubulação de ar comprimido G - Tubulação da mistura H Peneira G A B F C H E D Tabela 1 Parâmetros de processo utilizados para a preparação das cápsulas Material da cápsula caseinato de sódio (% w/v) 0.25 -carragena (% w/v) 1.50 Recheio L. rhamnosus (% w/v) 0.02 Homogenização (1 / 2 estágio, em MPa) 30 / 5 Atomização h (cm) 50 bico (mm) 1.2 peneira ( m) 54 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 2 mostra micrografias dos microgéis formados a partir da mistura simples de Na-CN e -carragena com Lactobacillus rhamnosus liofilizado, representativa para ambos os microgéis avaliados. A Figura 3 mostra os resultados da análise do tamanho das partículas após a atomização e gelificação. As microscopias mostraram claramente que o material de recheio, isto é Lactobacillus rhamnosus, caracterizado pelas partículas com aparência de bastonetes, foi homogeneamente
Volume / % distribuído dentro do volume determinado pela estrutura do microgel. Este resultado mostra uma afinidade entre o material de recheio e o material de revestimento e/ou formação de uma rede microestrutural pelo material de cápsula (proteína + polisscarídeo) capaz de reter o material encapsulado (microorganismo). Além disso, como o sistema não é uma emulsão, o microgel formado foi particularmente diferente dos sistemas encontrados por outros autores na literatura, formados pela mistura de proteína e polissacarídeo a partir de emulsões O/A (Perrechil et al., 2012; Perrechil et al., 2011). Ou seja, para sistemas emulsionados, os microgéis em geral formam aglomerado de gotas (emulsões) com tamanhos de partícula reduzidos. Contudo, no presente trabalho, as micropartículas são materiais esféricos e homogêneos, com tamanho de partícula maior quando comparado aos microgéis formados por aglomeração das emulsões (Figura 3). A quantificação dos microorganismos antes e depois do processo de atomização mostrou que a eficiência de microencapsulação dos microorganismos ativados (98,18 %), foi ligeiramente maior que a eficiência da microencapulação dos microoganismos liofilizados (80,92 %), isto é, microorganismos sem processo prévio de ativação. Contudo, em valores absolutos, os resultados mostram que ambos os processos são viáveis. De fato, os resultados estão provavelmente relacionados à fase de crescimento em que se encontra o microrganismo. Microorganismos ativados encontram-se na fase de crescimento exponencial, ao passo que os microorganismos liofilizados encontram-se na fase lag. Portanto, utilizar microorganismos liofilizados representa a produção de microgéis com maior tempo de vida útil no produto e uma ampliação de suas aplicações como ingrediente probiótico. Figura 2 Microscopia ótica dos microgéis contendo Lactobacillus rhamnosus, em duas ampliações distintas. 20 m 100 m Figura 3 Distribuição do tamanho de partícula dos microgéis com Lactobacillus rhamnosus como material de recheio. Em detalhe o valor do diâmetro volumétrico médio da partícula. 12.0 10.0 D[4,3] = 433.46 35.84 m 3 8.0 6.0 4.0 2.0 0.0 1 10 100 1000 10000 tamanho de partícula / m
4. CONCLUSÃO Microgéis formulados por sistemas não-emulsionados utilizando caseinato de sódio e - carragena como material de revestimento são viáveis para encapulação de Lactobacillus rhamnosus. O material de recheio adotou uma distribuição homogênea ao longo de todo o volume da estrutura. O microorganismo pode ser utilizado sem a necessidade de ativação sabendo que, em ambos os estados, liofilizado e ativado, os valores de retenção foram maiores que 80.0 %. Neste caso, é possível obter um produto com maior vida útil e com maiores possibilidades de aplicação. 5. REFERÊNCIAS Afrc, R. F. (1989). Probiotics in man and animals. Journal of Applied Bacteriology, 66(5), 365-378. Aliseda, A., Hopfinger, E. J., Lasheras, J. C., Kremer, D. M., Berchielli, A., & Connolly, E. K. (2008). Atomization of viscous and non-newtonian liquids by a coaxial, high-speed gas jet. Experiments and droplet size modeling. International Journal of Multiphase Flow, 34(2), 161-175. Anal, A. K., & Singh, H. (2007). Recent advances in microencapsulation of probiotics for industrial applications and targeted delivery. Trends in Food Science & Technology, 18(5), 240-251. Capela, P., Hay, T. K. C., & Shah, N. P. (2006). Effect of cryoprotectants, prebiotics and microencapsulation on survival of probiotic organisms in yoghurt and freeze-dried yoghurt. Food Research International, 39(2), 203-211. Champagne, C. P., & Fustier, P. (2007). Microencapsulation for the improved delivery of bioactive compounds into foods. Current Opinion in Biotechnology, 18(2), 184-190. Chan, E.-S., Lee, B.-B., Ravindra, P., & Poncelet, D. (2009). Prediction models for shape and size of ca-alginate macrobeads produced through extrusion dripping method. Journal of Colloid and Interface Science, 338(1), 63-72. Mandal, S., Puniya, A. K., & Singh, K. (2006). Effect of alginate concentrations on survival of microencapsulated Lactobacillus casei NCDC-298. International Dairy Journal, 16(10), 1190-1195. Perrechil, F., Vilela, J. P., Guerreiro, L. R., & Cunha, R. (2012). Development of Na-CN κcarrageenan Microbeads for the Encapsulation of Lipophilic Compounds. Food Biophysics, 7(3), 264-275. Perrechil, F. A., & Cunha, R. L. (2012). Development of multiple emulsions based on the repulsive interaction between sodium caseinate and LBG. Food Hydrocolloids, 26(1), 126-134. Perrechil, F. A., Sato, A. C. K., & Cunha, R. L. (2011). κ-carrageenan sodium caseinate microgel production by atomization: Critical analysis of the experimental procedure. Journal of Food Engineering, 104(1), 123-133. Pessi, T., Sütas, Y., Hurme, M., & Isolauri, E. (2000). Interleukin-10 generation in atopic children following oral Lactobacillus rhamnosus GG. Clinical & Experimental Allergy, 30(12), 1804-1808. Ribeiro, K. O., Rodrigues, M. I., Sabadini, E., & Cunha, R. L. (2004). Mechanical properties of acid sodium caseinate-κ-carrageenan gels: effect of co-solute addition. Food Hydrocolloids, 18(1), 71-79.