A PARADA DO VELHO NOVO: ANALISANDO A NOVIDADE, O PARTIDO DOS TRABALHADORES.



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Transcrição:

A PARADA DO VELHO NOVO: ANALISANDO A NOVIDADE, O PARTIDO DOS TRABALHADORES. Fernando Silva dos Santos 1 Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo. (Bertoldo Brechet 2 ) O surgimento do novo e a negação do velho Constituído a partir das lutas concretas de um dos setores mais avançados e organizados do movimento operário no Brasil, entre meados da década de 1970 e início da década de 1980, o Partido dos Trabalhadores (PT) se transformou nos anos seguintes em uma das maiores expressões político partidárias da América Latina. Mas qual seria a novidade na experiência da organização de um partido dos trabalhadores no Brasil. Analisaremos neste breve artigo a chamada novidade do PT no cenário político brasileiro (e por que não num cenário mundial), tendo como ponto de partida o artigo do sociólogo Francisco de Oliveira no qual ele aponta a existência de um conjunto de afirmações e constatações genéricas acerca do surgimento do partido. Nossa reflexão inicial parte de alguns exemplos de partidos e movimentos operários na Europa do século XIX a efervescência do proletariado e a organização dos partidos socialdemocratas e socialistas passa pelas experiências na América Latina do século XX, com a Revolução Mexicana, as Insurreições Cubana e da Nicarágua Sandinista, o Chile da Unidade Popular de Allende, além do próprio Brasil, é claro. 1 Professor da Universidade Federal de Goiás, Campus de Jataí, Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Faculdade de História, Direito e Serviço Social (Franca-SP) e Mestrando em História Social pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2 Trecho de A parada do Velho Novo. Bertold Brecht in: Poemas 1913-1956.

A importante experiência do PT é sem dúvida nenhuma, uma grande oportunidade de análise do movimento da classe operária na sua organização, mas, no entanto, não é a única. Muitos foram os movimentos que, através da organização do proletariado, nos dão dimensão dos avanços e retrocessos vividos pela classe no seu doloroso processo de constituição, organização e opção pela institucionalização. Temos como exemplo a socialdemocracia alemã (Santos, 2007, p.2), que devido ao seu grau de organização, assumiu o posto de liderança da Segunda Internacional (1889-1914) e com isso, a responsabilidade de responder às questões do movimento operário diante de uma nova forma de capitalismo, ou seja, interpretar as mudanças sociais, científicas e tecnológicas, as quais refletiam em todo o conjunto da sociedade no final do século XIX e inicio do Século XX. Entre os anos de 1878 e 1890, a socialdemocracia alemã, enfrentou um período de exceção no governo do Chanceler Bismarck e de leis anti-socialistas, que levou à clandestinidade a grande maioria de seus membros, exilados em outros países da Europa. No entanto, isso não afetou a organização do partido, tampouco seu desempenho nas eleições para o Reichstag. A socialdemocracia alemã foi responsável pelo contato entre a prática militante e teoria marxiana, pois, até o ultimo quartel do século XIX, a teoria elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels ainda não havia alcançado grande difusão no meio militante, seja dos anarcossindicalistas de orientação proudhoniana, seja nos socialistas utópicos ou mesmo no movimento operário. Para Geoff Eley (2005), a ascensão do modelo social democrata foi decisivamente promovido pela crescente prevalência na Europa das constituições parlamentaristas associadas ao princípio do Estado Nacional, o que elevou sobremaneira o nível de politização dos movimentos populares, que lutavam contra

as autoridades por questões como educação, recreação, religião e outros aspectos da vida cotidiana. A crescente importância e participação política e parlamentar da classe operária tornaram-se fundamentais para a sua organização como classe e reconhecimento como tal. Entre as experiências na América Latina, podemos citar o complexo processo da Revolução Mexicana, que após o período entre os anos de 1910 e 1919, consolidou o Partido Revolucionário Institucional (PRI) no poder. O partido, apesar de estruturado tecnicamente sobre três pilares: o campesinato, o operariado urbano e os movimentos populares (Berardo, 1981 p.343), sofreu com o constante domínio de grupos financeiros, passando por crises que culminaram com a sua derrota na década de 1990. Podemos citar também os processos da revolução cubana de 1959 e a guerrilha Sandinista da Nicarágua, que tem seus primeiros movimentos ainda na década de 1920. A primeira tem suas raízes nas seis décadas anteriores, quando a intervenção estadunidense de 1898, pusera fim à guerra de libertação nacional contra o domínio espanhol, mas em contra partida, transformaria o único trunfo econômico da ilha, a produção de cana-de-açúcar, em monopólio de empresas estadunidenses. Essa intervenção também foi responsável pela implantação de um frágil sistema democrático, resultando em um golpe militar do ex-sargento Fulgencio Batista em 1952 e as muitas denúncias de corrupção. Esses foram os elementos alimentaram a resistência da guerrilha de Castro, que desde 1953 já investia contra a ditadura de Batista e que se tornara vitoriosa em 1959. A segunda também é resultante da intervenção estadunidense. Augusto César Sandino, em 1932, líder da resistência armada contra a intervenção

estadunidense, somente concordou em depor armas após a saída por completa dos invasores. No entanto, o governo de Anastácio Somoza Garcia, primeiro de uma dinastia que durou 45 anos, assassinou brutalmente Sandino. O exemplo do guerrilheiro morto serviu para despertar o entusiasmo popular, retomando o movimento guerrilheiro a partir de 1962 e que leva a criação da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) em meados da década de 1970, movimento que foi responsável pela derrubada do regime dos Somozas. Outra das experiências latino americanas foi a chamada via pacífica protagonizada por Salvador Allende no Chile em 1970, que chega a presidência daquele país apoiado por uma coalizão de esquerda, a Unidade Popular, que tinha como pontos principais o antimperialismo, a nacionalização das riquezas básicas do país, a reforma agrária e o ponto principal: tornar o Chile um país socialista pela via institucional, ou seja, pela via não armada (Borges, 2005). Nestes exemplos citados, percebemos as diferentes circunstâncias na qual a classe se movimenta, buscando sua organização a fim de superar as condições materiais estabelecidas. Assim também se deu com o PT, que surge em meio a um cenário de transição democrática que refletia a política de distensão do Governo do general Geisel (Meneguello, 1989). Segundo Meneguello (1989, p.21): O surgimento de um novo sujeito político de representação, organizado em torno da articulação de setores do moderno operariado industrial e dos movimentos populares urbanos, e que, através de uma pauta de reivindicações específicas, procurava, sobretudo boa parte das classes trabalhadoras no Brasil. Para Francisco de Oliveira (1986, p.10), o surgimento do PT e a afirmação de que seu movimento é uma novidade no cenário político, sendo único na história

brasileira e que emerge da classe operária, conta com verdades, meias-verdades e equívocos. Um dos equívocos pode ser justificado pelo aparente desconhecimento entre os setores que compunham a articulação inicial do partido, sindicalistas, militantes de esquerda e até intelectuais da anterior história do movimento operário no Brasil e sua influência entre os partidos políticos. O Bloco Operário-Camponês (BOC) é um exemplo anterior de organização da classe trabalhadora, que ainda em meados da década de 1920, já ocupava um importante espaço no debate político e exigia o reconhecimento institucional da classe operária. Desta forma, o BOC que não se configurou como partido político, mas ainda assim, fornecera parte de seus quadros ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Segundo Edgar de Decca (1994, p. 186) a questão da democracia, numa dimensão histórica dentro do processo que leva a revolução de 1930, colocará no cenário político essa nova componente que consequentemente encontra também seus limites no período. Sobre a posição estratégica do BOC identificamos dois objetivos: Primeiro, por homogeneizar uma dada concepção de prática política no interior da classe operária, combatendo as várias tendências anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas, etc., por procurar fazer com que a classe operária fosse representada no âmbito apenas de um único partido. Em segundo, porque a presença do BOC naquele momento garantia para as várias propostas políticas para a participação da classe operária nos limites da esfera institucional. O PCB, embora tenha vivido curtos períodos de legalidade, contou com uma expressiva militância operária e de trabalhadores em geral, e sempre manteve forte influências no movimento sindical, e nunca deixou de se reclamar a

exclusividade da representação da classe operária brasileira (OLIVEIRA, 1986, p10). Utilizamos esse exemplo sobre a origem e formação do PC brasileiro, embora também haja controvérsias sobre o tema, para demonstrar como lideranças operárias estiveram presentes na constituição do partido e na formação de sua direção. Essa participação operária, também é verificada no caso do PT, juntamente com lideranças intelectuais e das classes médias. Essa aproximação entre as origens e objetivos verificados entre o PCB, ainda na década de 1920 e o PT no final da década de 1970, embora negado quase pelo conjunto deste último, pode fornecer importantes indicações para o entendimento da formação do PT e das questões que ele é obrigado a responder. Uma das questões colocada por Oliveira é: Por que a base operária do PT rejeita o legado histórico da representação política da classe operária brasileira? Segundo Oliveira (1986, p. 11-12), a resposta é simples: Porque existe não apenas uma nova classe operária, conforme se argumenta, mas, sobretudo porque essa nova classe operária não tem nenhuma cultura política socialista ou comunista, ou mesmo cultura política. Aqui, a questão sobre cultura política, busca não apenas a associação da classe operária com a teoria marxiana, ou neste caso marxista que ele mesmo classifica não mais que sofrível entre os quadros do PC brasileiro, mas também o entendimento da mudança na correlação interna de forças entre burocratas e operários, criando uma cultura da conspiração ; outro ponto é o esfacelamento do PC brasileiro através da multiplicação de grupos armados ou não saídos do interior do partido, no qual a centralidade da participação desloca-se para membros das classes médias com uma reduzida ou até mesmo nula participação operária.

Essa mudança é uma das características que leva a um outro equivoco aponta Oliveira. Esta residiria na opção pela via clandestina, pois, o operariado é a classe social que mais do que qualquer outra se faz e refaz cotidianamente. Com isso a opção pelas guerrilhas afastou definitivamente a possibilidade de participação operária (OLIVEIRA, 1986, p.12). Uma terceira componente foi falta de diálogos entre os partidos e sindicatos durante o regime de exceção, justificado pelo bipartidarismo e pela impossibilidade de organizações classistas, mesmo as não operárias com outras experiências socialistas, como a de Cuba. Dentro disso, o estimulo à criação de uma mass média 3, de que a Globo é realmente o padrão exemplar, cuja meta principal é a produção de não-identificação de qualquer grupo ou classe social (OLIVEIRA, 1986, p.13). Com o socialismo fora do horizonte de qualquer discussão, essa nova classe operária em formação sem cultura socialista, comunista e mesmo sem cultura. Contudo é essa classe operária que aparecerá dentro do PT como um dos pilares do processo. O exemplo dessa negação ou desconhecimento, parece reforçada por Luís Inácio da Silva (Lula), ainda em no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, mostrasse influenciado por um modelo de sindicato, o Solidariedade na Polônia, liderado por Lech Walesa. A princípio, Lula não se interessava pela criação de um partido dos trabalhadores, para ele a situação das classes trabalhadoras poderia ser resolvida independente da criação de um partido político. Para o operário não interessa política, ao operário interessa salário. Outro pilar importante no processo é composto por intelectuais, aderente ao PT neste momento, e que trazia anterior experiência política e uma cultura socialista. Essa vertente intelectual é apontada por Oliveira, como setor que rejeita 3 Grifo do autor

a história política anterior, por classificar o PCB não merecedor do status de partido da classe operária brasileira, pois, nunca teria sido operário e revolucionário de fato. A terceira base constituinte do PT é para Oliveira são os setores formados pelos movimentos sociais saídos da base cristã da Igreja Católica ou protegidos por ela. Movimentos que também sofrem com a falta de identidade com movimentos que expressem as reivindicações de setores da sociedade que estão às margens da participação política, econômica e social em pleno regime ditatorial no Brasil. Assim, a nova classe operária que ressurgia no novo cenário político brasileiro, a adesão de intelectuais com ou sem histórico militante além da possibilidade de aglutinação dos vários setores sociais sob a proteção da Igreja ou não tem no Movimento pelo Partido dos Trabalhadores, a possibilidade de dar visibilidade as suas reivindicações. Tanto os intelectuais e suas questões envolvendo o legado da organização da classe trabalhadora, quanto os movimentos de base da Igreja Católica em busca de referenciais de luta e resistência, são importantes para se compreender o processo que dá origem ao PT. No entanto, cada um deles deve ser objeto de uma pesquisa mais detalhada e que não poderia ser expressa neste breve artigo. À guisa de uma conclusão Mesmo distante de uma conclusão definitiva, aliás, não temos essa pretensão, nosso breve artigo buscou analisar o que foi caracterizado como novidade no cenário político brasileiro no final da década de 1970 e inicio da década de 1980, o Partido dos Trabalhadores. Através da análise da composição dos setores que formaram o PT classe operária, intelectuais e movimentos sociais o ressurgimento no cenário político de

um movimento que tem na nova classe operária a necessidade de busca de uma nova identidade, diferenciando-se ou mesmo negando o legado de seus antecessores, tanto internamente como externamente. Essa negação mostra alteração de elementos da luta política como via para a intervenção das classes dominadas no Estado. Tanto exemplos dos partidos e movimentos que antecedem o surgimento do PT no Brasil como no resto do mundo, estão ligados a uma condição de negação da base material, organização e enfrentamento, e através disso, intervenção na realidade. Para Francisco de Oliveira, a ausência de uma cultura política a essa nova classe operária, que ressurge no contexto das lutas sociais, e que desconhece a história do movimento socialista em geral, e particularmente no Brasil a do próprio PCB, tende a dissociação da existência de uma relação dialética entre tática e estratégia, transformando assim a tática numa antiestratégia. A construção de uma cultura política no devir do movimento, a própria nebulosa com relação entre tática e estratégica, numa dimensão de curto prazo e longo prazo, além elementos como o desconhecimento das mutações fundamentais do capitalismo, criam as condições que levam a atenuação das diferenças de classes, ou melhor, a ausência do antagonismo entre elas. E valendo-se do poema de Bertold Brecht, a parada do velho novo, vemos o velho marchando, travestido de novo, e o exibindo o novo como velho notamos a necessidade da criação da novidade em um período histórico. Novidade que colocou necessariamente como velha, as ricas experiências da organização de um partido da classe operária e de massas no Brasil em um plano de esquecimento, que não busca a superação pelo debate das idéias, mas sim apenas pela cronologia.

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