Panorama nacional dos aspectos socioeconômicos da produção de biocombustíveis



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Transcrição:

Panorama nacional dos aspectos socioeconômicos da produção de biocombustíveis Amílcar Baiardi 1. Introdução Os combustíveis renováveis, biocombustíveis ou agro-combustíveis, passaram a ser recentemente uma preocupação internacional. De um lado, como alternativa aos combustíveis fósseis, a face enaltecida, e, de outro, como um substituto apressado do petróleo que irá competir, em termos de área plantada e de insumos, com a produção de alimentos, a face ameaçadora, o que parece ser, no caso do Brasil, desprovida de componentes racionais. Em nome de uma possível ameaça à segurança alimentar, não se pode deixar de estimular a produção de agro-combustíveis, certamente porque não existe atualmente atividade de maior poder entrópico positivo que a de extração, refino e consumo carburante de petróleo. Enquanto não houver viabilidade técnico-econômica para as alternativas elétrica e de uso de outros combustíveis, como o hidrogênio, e enquanto não se mudar o padrão de consumo no qual o automóvel aparece com grande destaque; a produção de agro-combustíveis ainda é a mais efi ciente medida para se reduzirem os efeitos do aquecimento global. Ademais, sistemas de produção sustentável de agro-combustíveis poderão ter um papel altamente positivo na mitigação das mudanças climáticas, na melhoria da qualidade do ambiente e no fortalecimento da economia mundial. Entretanto, para que isso ocorra, serão necessárias ainda muitas pesquisas e políticas com sólida base científica. Voltando ao argumento de ameaça à segurança alimentar e outros efeitos indesejáveis gerados pelos agro-combustíveis, não há qualquer fundamentação científi ca nem menos evidência empírica na afi rmação de que a produção dos mesmos irá acarretar problemas sociais e econômicos, como a fome e a concentração fundiária, pelo menos no Brasil. Nenhum cenário aponta para a redução da área plantada na produção de alimentos, a não ser aquela que decorre do aumento da produtividade. Quanto à

concentração fundiária, salvo o caso da produção de cana, que apresenta inequívocas vantagens de ganho de escala argumento tanto vale para a produção de álcool como de açúcar não há indícios de que a produção efi ciente das demais matérias primas dos agro-combustíveis venha a ser dependente, em termos alocação ótima de fatores e de efi ciência gerencial, da grande escala. Isto se aplica à soja, ao amendoim, ao girassol e ao dendê. Portanto, a grande escala na produção de cana, sobretudo nos sistemas produtivos que utilizam irrigação com vinhoto dissolvido, pode ser organizada não tendo como agentes apenas os grandes usineiros, mas também as cooperativas de pequenos proprietários, que venderiam a matéria-prima para usinas privadas ou públicas. Os atuais menos de 5% (6 milhões em aproximadamente 200 milhões de hectares agricultáveis) de toda a terra agricultável no Brasil que são ocupado por canaviais podem, por outro lado, ter um crescimento aritmético, enquanto a produção de açúcar e álcool ter um crescimento geométrico. Finalmente, é possível afirmar que, com todas as lavouras alimentares no Brasil apresentando, sem exceção, tendências de expansão, o problema da fome não estaria do lado da oferta, mas sim da distribuição de alimentos e nas perdas derivadas de uma logística prejudicada pela infra-estrutura de transporte e armazenamento. O ano passado foi marcado pelo debate sobre as mudanças climáticas, e os pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) confirmaram as evidências sobre a existência do efeito estufa e alertaram para a necessidade imediata de enfrentar o problema. Nesse contexto, foi enfatizada a reestruturação da matriz energética, ainda primordialmente dependente de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão mineral, cuja queima é considerada a principal fonte emissora de gás carbono, causador do efeito estufa. Conseqüentemente, intensificou-se a busca por alternativas energéticas, sobretudo em torno dos biocombustíveis, denominados pelos seus críticos de agrocombustíveis, mas que parece ser uma denominação mais adequada, uma vez que a utilização de gordura animal é marginal. As mudanças climáticas, contudo, não são a única motivação para estimular a produção e a comercialização de combustíveis alternativos. Também em 2007, o Fórum Econômico Mundial em Davos abordou questões relacionadas à segurança energética, embora com enfoque na instabilidade política dos países produtores de petróleo, sobretudo o Iraque. Observou-se também uma recente intensificação de encontros diplomáticos entre os países produtores de agro-combustíveis e grandes consumidores de energia. Tudo indica que, muito além da preocupação com o aquecimento da Terra, está em jogo a reestruturação dos mercados energéticos, processo que terá também implicações na distribuição dos poderes na geopolítica internacional.

Outro elemento a reforçar a pertinência da produção de agro-combustíveis é a finitude do petróleo, que, como commodity, tem preços cada vez mais voláteis e, como fonte não renovável, está geograficamente concentrada, com o agravante de ser produzido com mais freqüência em áreas de grande instabilidade política. A opção clara e inequívoca por agro-combustíveis baseia-se, portanto, não só na necessidade de modificar a matriz energética, reduzindo a dependência de petróleo, mas também nos chamados ganhos ambientais, como o seqüestro de carbono, o menor nível de emissões na utilização, a renovabilidade, o ciclo curto de produção e o fato de ser integralmente um processo controlado pelo homem. Nesta opção, aspectos socioeconômicos podem também ser lembrados como novo componente de demanda, terem impactos positivos na balança comercial, gerarem postos de trabalho e, em certos casos, promoverem a desconcentração da renda e o fomento à agricultura familiar. Considerando que o etanol tem como fonte indiscutível a cana de açúcar, já foram abandonadas as tentativas de se obter álcool de mandioca e de cereais e até o metanol de madeira, o mesmo não se pode dizer que esteja absolutamente claro no que se refere às matérias-primas para o biodiesel. No caso das oleaginosas, devem-se buscar atributos de matéria-prima na fase primária de produção, tais como teor de óleo e qualidade do farelo e torta, produção por unidade de área ou rendimento físico, flexibilidade de sistemas produtivos, conveniências de ciclo biológico (sazonalidade), adaptação edafoclimática; e na fase secundária ou de transformação, tais como o teor de ácidos graxos polinsaturados, o tipo e teor de ácidos graxos saturados, a complexidade do processo de extração, a presença de outros componentes no óleo e o valor agregado de co-produtos. 2. Potencial e possibilidades energéticas dos agro-combustíveis no Brasil O potencial de produção de energia a partir de biomassa é bastante significativo; e a viabilidade técnica de seu uso, que é conhecida de longa data, já foi preconizada por Rudolf Diesel, referindo-se ao óleo de amendoim como combustível. Entretanto, estes produtos, até recentemente, não eram considerados competitivos com os derivados de petróleo e nem sucedâneos do mesmo. Em grande medida, isto se devia à indústria automobilística, que se desenvolveu centrada na indústria do petróleo. Estas duas indústrias, que têm efeito sinérgico, são as responsáveis primárias pelo desenvolvimento tecnológico, pela acumulação econômica e pela determinação de estilos de vida na nossa civilização. Elas foram relevantes e condicionadoras de dinâmicas econômicas e de padrões de vida que começam a ser questionados, dada à

impossibilidade de poderem se manterem face aos problemas criados, sobretudo os que dizem respeito ao ambiente e ao aquecimento global (WALSH, 1990 e SAWYER, 2001). Neste contexto, novas fontes energéticas começaram a ser cogitadas, em particular as renováveis e menos agressoras do meio ambiente, passando a ser consideradas como de maior importância para evitar as conseqüências decorrentes do consumo irresponsável de combustíveis fósseis. Esta mudança de expectativas em relação ao futuro e a determinação de começar a reverter o aquecimento global colocaram os agro-combustíveis como uma possibilidade. Em alguns casos, eles já são competitivos para o sistema de preços relativos e são a alternativa mais adequada visando à manutenção da vida humana no planeta Terra, a qual ainda necessita de mega quantidades de energia. Neste sentido, é valido assumir que o uso dos agro-combustíveis tem que, no mínimo, ser considerado como um objetivo estratégico importante da indústria energética e, em particular, da agroindústria. Os seus custos e preços precisam ser competitivos, e a valorização dos produtos energéticos precisa considerar o conceito de ciclo de vida. Para que isso seja alcançado, é necessário defi nir quais são as culturas agrícolas que permitem a geração de agrocombustíveis de modo mais competitivo, para satisfazer as necessidades da matriz energética a curto, médio e longo prazo. Da mesma forma, convém defi nir quais são as combinações de opções de biomassa e tecnologias de conversão em agro-combustíveis que são e serão as mais eficientes no horizonte temporal definido, considerando o conceito de ciclo de vida. Complementarmente, avaliar a real importância econômica dessas combinações de culturas agrícolas e tecnologias de conversão de agro-combustíveis no mesmo horizonte de tempo curto, médio e longo prazo. Em termos de planejamento energético, deve-se estimar o potencial de produção de agrocombustíveis de cada região e do país, considerando a matriz energética de curto, médio e longo prazo, bem como avaliar qual a sinergia possível entre as diversas fontes de energia e a gerada pelos agro-combustíveis. Do mesmo modo, identificar quais serão os setores que consumirão os mesmos em grandes quantidades, considerando as suas propriedades naturais, o mercado demandador e quais são as possibilidades de comércio internacional para a biomassa e para os agro-combustíveis. Tudo isto deve ser feito sem se esquecer de mensurar quais serão os preços e a disponibilidade dos combustíveis fósseis nos horizontes de tempo analisados, considerando os custos presentes e futuros que as próximas gerações pagarão. Colocadas estas demandas e necessidades, uma agenda oportuna seria definir a produção agrícola dedicada à energia e quais as culturas agrícolas que maximizam a

produção de agrocombustíveis e mais satisfazem as necessidades da matriz energética a curto, médio e longo prazo, envolvendo as palmáceas (palma, coco, etc.), as oleaginosas (soja, algodão, girassol, colza, pinhão manso, etc.), as produtoras de açúcares e amido (cana de açúcar, sorgo etc.), as algas e, até mesmo, as que contêm alto teor de lignina/celulose (eucalipto, etc.). Um critério para esta seleção é, sem dúvida, o balanço energético, que consiste em classificar as lavouras ou cultivares a partir de sua contribuição líquida de energia. A tabela abaixo estabelece esta comparação para as principais lavouras/cultivares utilizadas para a produção de agro-combustíveis. A julgar pelos dados da tabela, a lavoura com balanço energético mais favorável seria a mamona; e a mais desfavorável, o girassol. Em eficiência, estariam sendo também destaques o dendê e a cana de açúcar. A mamona, em que pese o maior desempenho, há que se considerar que, no bioma no qual é cultivada mais freqüentemente, no semi-árido nordestino, seu rendimento físico é muito baixo. Este argumento desqualificaria também o babaçu. Não foram encontradas avaliações do pinhão manso; para alguns, uma alternativa relevante. Quanto ao milho, do qual o Brasil é um grande produtor, a restrição ao mesmo decorre do fato de sua energia, em grande medida, ser exógena ao processo produtivo, ao contrário do que ocorre com a cana-de-açúcar. O uso do milho se resume a transformar petróleo em etanol, o que compromete o balanço energético.

Em se tratando de combustíveis à base de celulose, produzidos a partir de partes não comestíveis ou tradicionalmente não-consumíveis de plantas; no Brasil, os mesmos têm grande potencial de se tornarem uma alternativa importante para os combustíveis fósseis e mesmo para o etanol à base de grãos, como sorgo ou milho. Entretanto, os benefícios potenciais podem ser anulados por escolhas infelizes, como plantio em locais errados ou práticas de gerenciamento ineficientes que causam danos ambientais. A indústria de biocombustíveis de celulose pode ter muitos atributos sociais e ambientais positivos, mas pode também sofrer vários problemas de sustentabilidade que envolvem os combustíveis à base de grãos ou de cana, caso não seja implementada da maneira racional e com atenção redobrada em relação aos impactos ambientais. Em meio a essa tendência, assiste-se também a um debate sobre os riscos ambientais e sociais do crescimento das áreas necessárias à produção dos agro-combustíveis, cuja expansão descontrolada constitui-se em preocupação expressa por campanhas internacionais de organizações não-governamentais. Estas opiniões não são precedidas de pesquisas rigorosas; que avaliem, com base em cenários e em tendências, as conseqüências sociais e ambientais da expansão de culturas como cana-de-açúcar, soja, mamona, óleo de palmas, entre outras, que servem como matéria-prima para a produção do etanol ou do biodiesel. Destarte, o receio de que as plantações destas matérias-primas afetem a segurança alimentar e contribuam para a elevação dos preços de alimentos básicos é um temor desprovido de avaliações isentas que tenham fundamentação científica. Quando da recente visita da chanceler alemã, Angela Merkel, ao Brasil, foi assinado o acordo brasileiro-alemão sobre energias renováveis. Na ocasião, os representantes do governo brasileiro voltaram a associar a suposta preocupação ambiental da União Européia a uma postura protecionista para defender os produtores de agrocombustíveis, contra produtores mais competitivos de outras regiões. Essas opiniões constituem uma simplificação. A preocupação ambiental no hemisfério norte jamais pode ser entendida como pressões baseadas unicamente em interesses econômicos ou como uma forma de imperialismo ecológico. Além das negociações internacionais no âmbito dos Estados, observa-se uma forte articulação entre ONGs preocupadas com as conseqüências negativas da expansão agrícola e o setor privado interessado nesse novo negócio. Um desdobramento disso é a Mesa Redonda para Biocombústiveis Sustentáveis, criada com o objetivo de elaborar princípios e critérios ambientais e sociais como base para uma futura certificação dos agro-combustíveis. Participam da iniciativa ONGs ambientalistas como WWF e Oxfam; corporações transnacionais como Shell, Petrobras, Toyota, DuPont, Genencor e Bunge;

e organizações internacionais como o próprio Fórum Econômico Mundial e a Agência Internacional para Energia (International Energy Agency). Estas articulações do terceiro setor com grandes corporações são muito bem vindas e ajudam a sinalizar a rota para a condução racional da política de produção de agro-combustíveis ao nível nacional e ao nível das parcerias internacionais. No caso do Brasil e antecipando o que seriam as regras pétreas, uma das diretrizes essenciais é que a expansão da produção de agrocombustíveis não se dê nas terras de melhor qualidade, ou de classes A, B e C, cores verde claro, ocre e amarelo, mas sim nas classes regular e restrita, C e H, que são aquelas predominantes no bioma do cerrado, cuja cultivação em bases racionais tem promovido a melhoria de fertilidade e de condições físicas dos solos. Vide Figura 1, Mapa de Potencialidade de Solos do Brasil. Da mesma forma, esta expansão deve evitar as áreas de vegetação natural densa, distribuindo-se pelas classes de vegetação savana e savana estépica, cores ocre e amarela respectivamente, de acordo com a Figura 2, Mapa da Distribuição Regional da Vegetação Natural do Brasil.