Procedimento Administrativo nº 1.00.000.003755/2009-57



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Transcrição:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA DD. ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS Procedimento Administrativo nº 1.00.000.003755/2009-57 CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público OSCIP, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de Itapetininga, 93 5º andar, São Paulo/SP, por seu Diretor Jurídico e bastante representante legal, Dr. Oscar Vilhena Vieira (doc. 1 e 2); por seus advogados (doc. 3), vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência, com base no artigo 9º, III da Lei 9.784/99 e nos artigos 5º, XXXIV, a, e 129, IV da Constituição Federal, expor e requerer o que segue. Está em trâmite nesta Procuradoria Geral da República o procedimento administrativo em epígrafe, no qual é solicitado que Vossa Excelência requeira ao Supremo Tribunal Federal a INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO com base no artigo 34, VII, b, da Constituição Federal. Referido processo teve início mediante ofício apresentado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP após visita realizada nos 16 e 17 de abril de 2009 à Casa de Custódia de Viana e ao presídio de celas metálicas de Serra, denunciando as graves e sistemáticas violações de direitos humanos a qual estavam submetidas as pessoas ali detidas.

Especialmente em relação à situação da Casa de Custódia de Viana - CASCUVI, para além das condições absolutamente degradantes e desumanas a que os detentos estão submetidos, o relatório do CNPCP (doc. 4) destacou vários casos de tortura e morte dentro da unidade, muitas por esquartejamento. Revelou, ainda, uma situação de total descontrole da administração estadual sobre a unidade, situação confirmada, inclusive, pelo próprio secretário de justiça capixaba, Ângelo Roncali (doc. 5). Para ilustrar a situação, destacamos alguns casos de mortes ocorridas na CASCUVI: Adriano Reis da Conceição, morto na CASCUVI. 2

Carlos Henrique Chagas, morto em 11.10.2007 na CASCUVI. Waldemir Chagas Telle, morto em 11.10.07 na CASCUVI. 3

Wesley Antonio de Serqueira, morto em 23.04.08 na CASCUVI. José Bernardinho de Andrade Filho, morto 2008 na CASCUVI 4

Marcio Luiz Vieira Telles, morto na CASCUVI. 5

Detento de nome não identificado, morto em 28.12.06 na CASCUVI. 6

O relatório da visita realizada pelo CNPCP ressalta a total inércia não apenas do Executivo Estadual, mas também do Judiciário e do Ministério Público Estadual, que alegam ter uma política cooperativa com o Executivo. Além disso, menciona denúncia recebida da Ordem dos Advogados do Brasil do Espírito Santo, que continha relatos de desrespeito dos direitos humanos, tortura e desmandos no sistema carcerário capixaba, tal denúncia estava fartamente documentada. Diante da completa falta de interesse das autoridades capixabas para a apuração e resolução dos problemas identificados, o CNPCP oficiou esta Procuradoria Geral, dando início ao presente processo que visa ao requerimento de intervenção federal no Estado do Espírito Santo. Diante das reiteradas denúncias de violações de direitos humanos contra as pessoas privadas de liberdade no Estado do Espírito Santo, diversas outras autoridades também realizaram relatórios sobre a situação do sistema carcerário capixaba. Todos puderam verificar in loco as condições absolutamente degradantes e desumanas a que estão submetidas estas pessoas, além da total falta de vontade política das autoridades locais para buscar uma solução efetiva aos problemas apontados. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) esteve no Estado do Espírito Santo entre os dias 12 a 14 de maio de 2009 (doc. 6). Realizaram visitas às principais unidades e programas do sistema socioeducativo, principalmente em decorrência da morte de dois internos na Unidade de Internação Sócio-Educativa UNIS em menos de 30 dias, bem como de denúncias de espancamento de adolescentes. A maioria dos adolescentes apontava a existência de lesões corporais decorrentes da ação policial no ato de apreensão, bem como dos procedimentos de revista semanal realizados nas unidades de internação pelo grupo de agentes socioeducativos, denominados pelos internos de choquinho, com práticas de desnudamento e agressões físicas com cassetetes e projéteis de borracha. 7

O Conselho Nacional de Justiça CNJ realizou inspeções em diversos estabelecimentos penais e sócio-educativos do Estado do Espírito Santo em maio de 2009 (doc. 7). Destacou que as condições de encarceramento na grande Vitória são péssimas, com problemas de superlotação, insalubridade, carência assistencial e saúde, entre outras. Sobre as condições de detenção nas unidades de prisionais, mereceram destaque as seguintes: Novo Horizonte: presos com marca de mordidas de roedores e presença permanente chorume no piso do estabelecimento devido à enorme quantidade de lixo acumulado; as visitas íntimas eram feitas em cima do chorume e do esgoto. Argolas: as embalagens em que são servidas as refeições servem também para depósito de fezes, pois não há vaso sanitário na cela. Departamento de Polícia Judiciária - DPJ de Jardim América: os presos são, literalmente, socados dentro das celas devido à enorme quantidade de detidos; houve infestação de furunculose, vários presos purgavam pus por meses. Departamento de Polícia Judiciária - DPJ de Vila Velha: havia um preso seriamente ferido que sangrava muito. O sangue escorria no chão por baixo dos demais presos. Sobre a CASCUVI, relatou que a quantidade de pessoas agrupadas em espaço tão reduzido e de indivíduos com graus de periculosidade tão díspares dividindo o mesmo espaço é um fator que pode promover sérias violações de direitos como, por exemplo, abuso sexual, lesões corporais e falta de acesso adequado à assistência material como alimentação. Na unidade de internação de adolescentes UNIS foi relatada a presença de adolescentes em dois contêineres, que ficavam expostos ao sol, submetidos a temperatura de até 50ºC, sem banheiro e sem água encanada. Os adolescentes eram obrigados a defecar e urinar dentro do próprio contêiner e, em um dos contêineres, os excrementos dos adolescentes ficavam acumulados como um córrego no canto sulcado do caixote. O cheiro era repulsivo. Alguns adolescentes vomitavam constantemente. 8

Por fim, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados realizou diligências no Estado no dia 17 de junho de 2009 (doc. 8). Foram visitas as seguintes unidades de detenção: Presídio de Novo Horizonte (Cadeião), Complexo Modular de Novo Horizonte (celas metálicas) e Casa de Internação de Menores. Em todas foram verificadas a mesma situação de caos: superlotação, alimentação apodrecida, falta de água e energia elétrica, iluminação e ventilação precárias, esgoto estourado, ratos e baratas no interior das celas, doenças variadas, denúncias de torturas físicas e psicológicas. Isso sem falar na total ausência de juízes, promotores e defensores públicos e de qualquer possibilidade de estudo e trabalho. O relatório menciona ainda que a medida de interdição do Presídio de Novo Horizonte se revela absolutamente insuficiente para a superação do caos existente, sendo necessária a adoção de medidas urgentes para que as pessoas ali detidas possam viver com o mínimo de dignidade. Ainda, o relatório destaca a ocorrência de 328 óbitos no sistema carcerário capixaba em 2008. Todos estes dados revelam a total falência do sistema penitenciário. Assim, ao final, a Comissão reforça o pedido de intervenção federal formulado à esta Procuradoria-Geral da República nos termos artigo da 34, VII, b, da Constituição Federal em face da violação constantes, continua e permanentes dos direitos humanos dos encarcerados e seus familiares. Algumas fotos ilustram a situação caótica do sistema carcerário no Estado do Espírito Santo: 9

Casa de Custódia de Viana CASCUVI em abril de 2009 Presídio de Novo Horizonte Celas Metálicas abril de 2009 10

Rio de lixo e esgoto no presídio de Novo Horizonte Celas Metálicas abril de 2009 Interior das celas metálicas Espaço entre os módulos 11

Espaço entre os módulos metálicos onde se deposita o lixo produzido pelos detentos. Preso acometido por sarna na Casa de Custódia de Viana abril de 2009 12

No entanto, apesar das inúmeras inspeções realizadas em todo o sistema de privação de liberdade no Estado do Espírito Santo, dos diversos relatórios produzidos todos relatando a grave violação de direitos humanos de todas as pessoas privadas de liberdade no Estado e das inúmeras recomendações e medidas já adotadas, nada disso tem sido suficiente para minimizar a condição subumana a que estão submetidas essas pessoas. Nos próximos dias o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverá realizar uma nova inspeção naquele estado, para verificar o cumprimento das obrigações assumidas pelo Espírito Santo para corrigir as graves violações de direitos humanos lá verificadas. Ao que tudo indica, no entanto, a situação continua a mesma, se não pior. Foi o que constatou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) em inspeção no Espírito Santo nos dias 15 e 16 de outubro de 2009. Ainda há pessoas encarceradas em contêineres, totalmente desprovidas de quaisquer condições de salubridade e higiene, com a presença de larvas e ratazanas, comida e dejetos apodrecidos (doc. 10 e 11). OCDDPH também encontrou mulheres encarceradas em contêineres metálicos, em situação de total desrespeito aos seus direitos. (doc. 12) Acrescente-se que em 29 de setembro ocorreu mais um episódio desta tragédia anunciada: dois corpos foram encontrados na Casa de Custódia de Viana CASCUVI. Os presos Messias de Nazaré Chaves, de 25 anos, e Waldequir da Silva Pinto, de 21 anos, ao que tudo indica, foram espancados até a morte (vide doc. 9). Apesar da interdição judicial da unidade decretada em maio deste ano, que determinava, além da proibição de recebimento de mais detentos, a desocupação do presídio, nada foi feito pelas autoridades locais. O Governo do Estado alega não ter para onde levar os presos. No mesmo sentido, a interdição da Casa de Custódia de Viana determinada pela Vara de Execuções Penais no município, após inspeções feitas na unidade, e vários ofícios encaminhados às autoridades pelos magistrados, parece não ter sido de alterar substancialmente a situação (vide doc. 9). 13

No dia 14 de outubro de 2009, mais uma pessoa perdeu sua vida sob a custódia do Estado do Espírito Santo. Junior de Oliveira Monteiro foi encontrado morto no Instituto de Readaptação Social (IRS) em Vila Velha, vítima de enforcamento. Segundo notícias publicadas pela mídia local, ele estaria em uma cela conhecida como caixa forte, destinada ao castigo de presos e que, evidentemente contraria toda e qualquer normativa brasileira ou internacional sobre a privação de liberdade (doc. 13). As recentes mortes aqui narradas são provas cabais de que a situação carcerária no Estado do Espírito Santo continua caótica e de que as autoridades locais, tanto administrativas como judiciais, têm se demonstrado absolutamente incapazes de assegurar minimamente os direitos humanos de milhares de pessoas mantidas sob custódia estatal no Estado. Sendo que a situação em Viana se demonstra a mais dramática. Assim, diante do quadro caótico de grave e sistemática violação dos direitos humanos a que estão submetidas mais de dez mil pessoas privadas de liberdade no Estado do Espírito Santo, a Conectas Direitos Humanos requer que o presente procedimento seja analisado com a URGÊNCIA que a situação impõe, reiterando o pedido do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP, para que esta Procuradoria represente ao Supremo Tribunal Federal requerendo a intervenção federal no Estado do Espírito Santo, com base no artigo 34, VII, b, da Constituição Federal. Caso Vossa Excelência entenda não ser conveniente e oportuna a intervenção federal no presente caso, requer, alternativamente, que seja suscitado por esta Procuradoria-Geral da República, perante o Superior Tribunal de Justiça, Incidente de Deslocamento de Competência para a Justiça Federal dos processos de execução em trâmite na Vara de Execução Penal de Viana, responsável pelas celas metálicas e pela CASCUVI, nos termos do artigo 109, 5º, da Constituição Federal. A absoluta falta de efetividade das medidas judiciais tomadas até o presente momento impõe que os processos em tramitação naquela vara sejam deslocados para o âmbito 14

federal, até porque o Estado brasileiro assumiu responsabilidades no plano internacional, das quais não pode se escusar sob o argumento de que a violação é praticada no âmbito dos Estados federados. A responsabilidade última é do Estado brasileiro, representado pela União. A partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 foram criados os mecanismos jurisdicionais voltados a impedir que a inércia ou insuficiência da ação das justiças estaduais, favoreçam a impunidade e a continuidade de situações de graves e sistemáticas violações de direitos humanos, como as apresentadas nesta petição. É imperativo, face ao quadro dantesco que hoje se apresenta no Estado do Espírito Santo, e em especial em Viana, que as diversas instâncias federais, inclusive esta Procuradoria- Geral da República, tomem todas as medidas jurídicas cabíveis para sanar imediatamente este verdadeiro estado de inconstitucionalidade de fato vigente no sistema carcerário do Espírito Santo. Outrossim, requer, com base no artigo 9º, III da Lei 9.784/99, sua admissão no presente processo na qualidade de interessada para que possa acompanhar seu andamento, inclusive mediante extração de cópias reprográficas. Nesses termos, pede deferimento. De São Paulo para Brasília aos 21 de outubro de 2009. Oscar Vilhena Vieira Marcela Fogaça Vieira Diretor Jurídico OAB/SP 252.930 OAB/SP 112.967 Samuel Friedman OAB/SP 285.816 Com cópia para os Excelentíssimos senhores Procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão no Espírito Santo e em São Paulo, Dr. André Carlos de Amorim Pimentel Filho e Dr. Jefferson Aparecido Dias. 15