A NOVA NATUREZA JURÍDICA DA ÁGUA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ANTE O PLANEJAMENTO E A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS



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Transcrição:

Salvador/BA 25 a 28/11/2013 A NOVA NATUREZA JURÍDICA DA ÁGUA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ANTE O PLANEJAMENTO E A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS Johnson Queiróz Villas Boas*, Tony Carlo Souza, Kamila Gomes Barboza, Andreia Mota * Pós graduando em Gestão Ambiental - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro. E-mail: johnsonq@bol.com.br RESUMO O presente artigo busca elencar os novos aspectos legais referentes aos Recursos Hídricos definindo a água como bem de uso comum do povo, sendo essencial para a existência dos seres vivos. Traz o entendimento do que seja um bem difuso e a noção de transindividualidade do Recurso Hídrico, conforme preceitua a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Aborda o recurso natural água que além de ser um bem difuso não integra o patrimônio do Poder Público, haja vista que ele é apenas seu gestor. Cabe à sociedade o dever de preservar e defender os recursos hídricos para que estejam sempre disponíveis para as presentes e futuras gerações, devendo ser incentivados os usos sustentáveis de forma justa e igualitária. A partir da nova natureza jurídica da água foi possível elaborar-se a Política Nacional dos Recursos Hídricos por meio da Lei 9.433/97 que lançou normas para gestão e planejamento dos recursos hídricos definindo a água como um bem de todos, recurso natural esgotável, dotado de valor econômico. Objetiva o uso múltiplo do recurso hídrico exceto em situações de escassez, nas quais prioriza o consumo humano e a dessedentação de animais, define ainda a bacia hidrográfica como unidade territorial para a implementação da PNRH para que a gestão se torne descentralizada com a participação do Poder Público, comunidades e usuários. PALAVRAS-CHAVE: Legislação ambiental, Direito difuso, Recurso Hídrico, Direito Ambiental. INTRODUÇÃO A água é um recurso natural integrante do meio ambiente natural. Trata-se de um bem imprescindível e insubstituível, essencial às funções vitais do ser humano, ao desenvolvimento econômico, à preservação dos seres vivos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) inovou conceitos jurídicos referentes aos recursos naturais e contemplou novos direitos, dentre eles, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial a uma saudável qualidade de vida. Este último é um direito fundamental (difuso) da 3º dimensão que consagra o postulado da solidariedade ou fraternidade do pós-segunda guerra mundial. Diante desta nova natureza jurídica dada à água, podemos afirmar que este recurso natural tem natureza jurídica de bem difuso, de uso comum do povo. Trata-se de um bem que se apresenta como um direito transindividual, de natureza indivisível, cuja titularidade é indeterminada e interligada por circunstâncias de fato. A água, portanto, pertence a todos, mas, ao mesmo tempo, não é de ninguém em específico, dada sua transindividualidade. A partir daí, verifica-se que a água não integra o patrimônio do Poder Público, este é apenas o seu gestor no interesse de todos. Em decorrência disso, a água foi revestida de característica de recurso econômico, conforme expressa em seu art. 170. Antunes (2011) afirma que os rios foram inseridos no conceito de bacia hidrográfica, o qual ilide a ideia de que o rio é um elemento geográfico isolado. Desta forma, permite-nos aplicar o planejamento e a gestão integrada dos recursos hídricos, principalmente nos aspectos qualitativos e quantitativos, visando assegurar a sua proteção e gestão racional, tendo em vista que cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar os recursos naturais. Abers e Dino Jorge (2005) relatam que a gestão das águas no Brasil era desenvolvida de maneira centralizada em decorrência de os governos federais e estaduais definirem suas políticas sem a participação dos usuários, da sociedade civil e até dos governos municipais. Também era desmembrada em função de cada setor (energia, irrigação, saneamento, navegação, etc) definir seu próprio planejamento. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 1

Salvador/BA - 25 a 28/11/2013 Segundo Braga et al., (2008) muito se sabe da essencialidade da água para a manutenção da vida no planeta. Esse fato, associado ao caráter econômico dos seus usos múltiplos e frequentes conflitos entre os setores usuários, requerem que seja dado tratamento adequado à gestão hídrica, levando-se em consideração a disponibilidade e a demanda das diversas regiões hidrográficas brasileiras. O Brasil possui um dos mais modernos sistemas de gestão de recursos hídricos, mecanismo imposto pela CRFB/88 e criado pela Política Nacional de Recurso Hídricos (PNRH) - Lei 9.433/97. A coordenação da gestão de tal sistema deve ser descentralizada e participativa, conforme fundamento legislativo, isso traz à tona a concepção de água, como bem difuso, vez que bem ambiental pertence a todos simultaneamente, sua gestão deve envolver a participação dos diversos atores e proporcionar o uso múltiplo das águas. Os recursos hídricos possuem proteção específica por meio da PNRH que se baseia nos seguintes fundamentos, a saber: a água é um bem de domínio público, limitado e dotado de valor econômico; a gestão deve ser descentralizada e participativa (Poder Público, setores usuários, sociedade civil) que garanta o uso múltiplo dos recursos hídricos; prioridade de uso, em caso de escassez, para o consumo humano e a dessedentação de animais; a bacia hidrográfica como unidade territorial de planejamento e gestão das águas. Para Silva Augusto et al., (2012) a gestão das bacias por meio da criação de comitês, descentralizando e incorporando a sociedade civil nos processos decisórios foi um importante avanço para a intenção da democratização nos processos decisórios para os diversos usos das águas. Segundo Lanna (2008) a falta do recurso hídrico, em razão dos seus múltiplos usos e da dependência cada vez maior da sociedade, tem-no tornado um bem de valor econômico. Essa limitação do recurso afeta as relações econômicas e dessas pode-se calcular seu valor econômico. Ademais, a própria legislação reconhece o valor econômico dos recursos hídricos ao instituir a cobrança pelo uso da água. Tal instrumento teria a função de induzir ao uso racional da água, como também seria uma forma de gerar recursos para investimento na gestão das bacias hidrográficas. Pode-se afirmar, ainda, que esse entendimento moderno que a Lei Maior trouxe às águas, fez com que ela fosse revestida de característica de recurso econômico, conforme expressa em seu art. 170. Antunes (2011) afirma que os rios foram inseridos no conceito de bacia hidrográfica, o qual ilide a ideia de que o rio é um elemento geográfico isolado. Desta forma, permite-nos aplicar o planejamento e a gestão integrada dos recursos hídricos, principalmente nos aspectos qualitativos e quantitativos, visando assegurar a sua proteção e gestão racional, tendo em vista que cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar os recursos naturais. OBJETIVOS O presente trabalho tem por objetivo elencar os novos aspectos legais referentes aos recursos hídricos definindo a água como bem de uso comum do povo, mormente no que diz respeito à análise dos impactos e consequências práticas da nova dimensão jurídica ante o planejamento e a gestão dos recursos hídricos. METODOLOGIA A metodologia empregada neste artigo é uma pesquisa qualitativa, a partir de revisão bibliográfica com consultas em diversos materiais literários, tais como: artigos científicos, periódicos, livros e afins. Além disso, utilizou-se o banco de dados do SCIELO. RESULTADOS A água é um bem corpóreo integrante do meio ambiente. Trata-se de elemento (natural) finito e essencial às funções vitais do ser humano, à própria preservação e existência dos seres vivos, ao desenvolvimento econômico de um país. Devemos, portanto, atentar-nos por sua preservação já que a escassez hídrica tem potencial de interferir direta e indiretamente no equilíbrio dinâmico dos ecossistemas, prejudicando, assim, a biota a funcionar à base da complementaridade e na interdependência. 2 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Salvador/BA 25 a 28/11/2013 Partindo de tais premissas, e somado à preocupação crescente quanto ao modelo tecnológico de desenvolvimento adotado pela sociedade atual que gerou grandes impactos negativos ao meio ambiente, bem como à ideia de que os aspectos qualitativos e quantitativos da água produzem interferências nas ordens econômicas, sociais, culturais, e, logicamente, ambientais de um país, surge a necessidade de editar normas eficazes para tutelar e regular o uso dos recursos naturais. Diante desta problemática, a CRFB/88 dedicou um capítulo inteiro à proteção ao meio ambiente. Além do mais, há aproximadamente quarenta artigos constitucionais relacionados com a tutela do meio ambiente. Note-se que a Lei Maior, ao inaugurar o Capítulo VI, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. É o que dita o caput do art. 225 da CF/88, in verbis: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A partir, portanto, do advento desta Constituição, o conceito e tratamento jurídico dos recursos naturais sofreu modificações impactantes e significativas. Além do mais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado passou a integrar o rol dos direitos fundamentais da 3º geração que consagra o postulado da solidariedade ou fraternidade do pós-segunda guerra mundial. Em razão de tal raciocínio, é possível assegurar que o enunciado do artigo constitucional supramencionado afasta a dicotomia entre o bem público e privado no que tange à natureza jurídica do meio ambiente. Isto é, o meio ambiente é um direito difuso, uma vez que se encontra difundido pela coletividade. Em virtude disso, dessume-se que o meio ambiente pertence a todos, mas, ao mesmo tempo, ninguém especificamente possui sua titularidade. Assim, cumpre-nos salientar, em suma, que o Poder Público não é dono do meio ambiente, este é apenas seu Gestor. O Poder Público, juntamente com a coletividade, tem o dever de defender e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Ademais, importante frisar que a efetivação de grande parcela dos direitos fundamentais assegurados pela CRFB/88 (direito à saúde, à vida, à integridade física, ao respeito à dignidade da pessoa humana, dentre outros) exige necessariamente que o indivíduo esteja inserido em um meio ecologicamente sadio e equilibrado. Este último direito fundamental gravita em torno de vários outros direitos, razão pela qual sua preservação é de grande relevância para o bem estar de todos. Nesse passo, infere-se que o não acesso à água fere não só o direito fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como também vários outros descritos no texto constitucional. Em virtude de o elemento água ser considerada um bem corpóreo do meio ambiente, pode-se afirmar que se aplica, por derradeiro, o enunciado do art. 225 da CRFB/88. Com isso, a água, bem imprescindível e insubstituível, não pode ser enquadrada como um bem de natureza pública ou privada, mas sim de natureza difusa, de uso comum do povo. Trata-se de um bem que é revestido de transindividualidade, de natureza indivisível, cuja titularidade é indeterminada e interligada por circunstâncias de fato. A esse propósito, a água é um bem dotado de inalienabilidade, considerada bem de uso comum do povo. Logo, a água é de todos, mas ao mesmo tempo não é de ninguém em específico. Trata-se de bem de domínio público, e não de bem dominical. Esta última modalidade de bem se refere àquele que integra o patrimônio privado do Poder Público, o que não ocorre com a água. Machado (2009) assegura que a dominialidade pública, na verdade, não transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, apenas tornao gestor desse bem, no interesse da coletividade. Diante deste quadro, podemos realçar algumas consequências em razão da nova roupagem jurídica que a CRFB/88 trouxe ao meio ambiente no que tange especificamente ao elemento água, quais sejam: cabe ao Poder Público, como também a coletividade, o dever de defendê-la e preservá-la para as presentes e futuras gerações, haja vista que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito intergeracional; a água não pode ser apossada por uma só pessoa (física ou jurídica) que resulte na privação de forma absoluta aos demais usuários de usufruir do direito de acesso à água; impossibilidade de privatização de mercantilização da água; a água não integra o patrimônio privado do poder público, haja vista que a água não é bem dominical, o Poder IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 3

Salvador/BA - 25 a 28/11/2013 Público é, na verdade, o gestor dos recursos hídricos; repúdio a todas as formas de poluição e/ou agressão deste elemento natural; uso racional dos recursos hídricos pautado na promoção do seu reuso; todas as formas possíveis de outorga do uso da água deve ser necessariamente motivada e fundamentada pelo gestor público, dentre outros. É nesse sentido que se posicionam Souza Silva e Vilas Boas (2013). Partindo das premissas fundamentais extraídas na CRFB/88 no tocante à natureza jurídica da água, editou-se a Lei 9.433/97 que tem como ementa: Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inc. XIX do art. 21 da Constituição Federal e altera o art. 1º da Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989. A PNRH contempla, por meio de vários dispositivos previstos de modo transversal em seu texto, fundamentos que norteiam o planejamento e a gestão de recursos hídricos. Vejamos nas próximas linhas os resultados provocados pela edição da lei em comento. Incipientemente, é vital citar que o recurso hídrico é dotado de valor econômico. Isto ocorre em razão da implementação do instrumento da outorga do uso da água, cujo objetivo é reconhecer a água como um bem econômico, de modo a indicar ao usuário o seu real valor (art. 19, I, da Lei n. 9.433/97). Interessante perceber que, este valor econômico dado à água, estimula o usuário a atentar pela sua economia, de modo que o utilize de modo racional, evitando eventual desperdício. Além do mais, é uma forma de obtenção de recursos financeiros necessários para custear eventuais programas e intervenções projetados nos planos de recursos hídricos (art. 19, II e III da Lei n. 9.433/97). A valoração econômica da água surte efeitos, por exemplo, nas indústrias que adotam medidas de reuso da água. Infere-se, ademais, que a percepção da ideia da água ser revestida de características de recurso econômico só foi possível em razão do art. 170, VI, da CRFB/88. Esse dispositivo constitucional dispõe de modo categórico que a defesa do meio ambiente é um dos princípios gerais da atividade econômica no tocante à ordem econômica da República Federativa do Brasil. Seria inoportuno não frisar que o regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos assegura não só a quantidade do uso da água, como também a qualidade, visando, em vista disso, a efetivação do exercício dos direitos de acesso à água. Outrossim, podemos extrair mais um ponto fundamental da PNRH, qual seja: a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas, cuja previsão encontra-se no art. 1º, IV, da Lei n. 9.433/97. Dentre os possíveis usos múltiplos da água, podemos citar alguns, como: consumo humano; lazer; turismo; transporte; esportes; dessedentação dos animais; abastecimento doméstico, público e privado; uso industrial, dentre outros. No entanto, diante de uma situação de escassez, deve-se priorizar o consumo humano a fim de atender suas necessidades mínimas, como também a dessedentação dos animais, pois estes têm uso prioritário dos recursos hídricos, conforme dispõe o art. 1º, III, da Lei n. 9.433/97. Em decorrência do que se afirmou, entende-se que cabe ao órgão do Poder Público Federal ou Estadual, responsável pela outorga dos direitos de uso da água, o dever de suspender, parcial ou totalmente, as outorgas com potencial de inviabilizar o uso prioritário dos recursos hídricos. É nesse sentido que se posiciona Sirvinskas (2009). A Lei n. 9.433/97, em seu art. 1º, VI, estabelece, ainda, a PNRH baseia-se pelo seguinte fundamento: a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Logo, em virtude deste fundamento, o Comitê de Bacia Hidrográfica é composto por representantes dos usuários das águas de sua área de atuação, das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia, e também do Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Município). A esse propósito, Sirvinskas (2009) ensina que o Comitê de Bacia Hidrográfica é órgão colegiado heterogêneo que tem grande importância na gestão, no consumo, na recuperação, como também no tratamento dos recursos hídricos de uma determina bacia hidrográfica. Por fim, cumpre-nos salientar que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Este é mais um dos fundamentos da PNRH extraído no art. 1º, V, da Lei n. 9.433/97. No entanto, a despeito das águas, no Brasil, por serem ora de domínio da União (art. 20 da CRFB/88), ora de domínio dos Estados (art. 26 da CRFB/88), a implementação da PNRH e a atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos hídricos estão restritos à localidade da bacia hidrográfica. É fundamental, ainda, realçar que a CRFB/88, junto com a PNRH, trouxe o entendimento de que os rios não são elementos geográficos isolados, mas sim estão inseridos no conceito de bacia hidrográfica. Esta percepção foi um grande passo evolutivo que beneficia a 4 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Salvador/BA 25 a 28/11/2013 aplicação do planejamento e a gestão integrada dos recursos hídricos, mormente no que tange aos aspectos qualitativos e quantitativos, pois assegura, de forma mais eficaz, a gestão racional, conservação e recuperação dos recursos naturais. Os resultados apresentados, ipso facto, demonstram que a nova dimensão jurídica contemplada pela CRFB/88, e posteriormente seguida pela Lei n. 9.433/97, provocou diversas consequências ante o planejamento e a gestão dos recursos hídricos. Pode-se afirmar, em suma, que: hoje, a água é vista como um recurso natural imprescindível à própria existência humana e é considerada como um bem de uso comum do povo. Em que pese do meio ambiente ecologicamente equilibrado ser um direito fundamental, cabe a todos (Poder Público e a coletividade) o ônus de defendê-la e preservá-la para as gerações presentes e vindouras. CONCLUSÃO Diante do exposto, pode-se dizer que: a CRFB/88 contempla três categorias distintas de bens, a saber: os privados, os públicos e os difusos. É nesse último que se encontra inserida a classificação da natureza jurídica da água. A água, portanto, é de todos e ao mesmo tempo de ninguém, visto ser um bem difuso. Em decorrência da ideia que foi abraçada pela CRFB/88 e PNRH no que tange ao novo conceito da água, admite-se a aplicação de uma gestão integrada, descentralizada e participativa, bem como o planejamento dos recursos hídricos, favorecendo, assim, os aspectos qualitativos e quantitativos, visando, desta forma, assegurar a sua proteção e gestão racional, e, sobretudo, o seu uso múltiplo. O respeito ao uso múltiplo de forma justa e democrática faz com que a outorga do direito pelo uso do recurso hídrico se torne ferramenta indispensável e de alto impacto na gestão de recursos hídricos. Por se tratar de um bem difuso, ou seja, pertencer a todos e ao mesmo tempo a ninguém, nem mesmo ao Poder Público, que é apenas seu gestor, a água não pode ser privatizada, alienada ou vendida. Por outro lado, devido ao seu alto valor para a sobrevivência e desenvolvimento de todos os seres vivos é dotada de valor econômico inestimável do ponto de vista financeiro, causando também, grande impacto sobre os usuários visto que o valor pela disponibilidade do recurso hídrico a um usuário é diretamente proporcional à disponibilidade deste recurso no ambiente, levando-se em conta, inclusive, as ações por parte dos usuários nos sentido de preservar ou não tal recurso. Enfim com o advento da CRFB/88 e posteriormente, baseada em seus preceitos, com a criação da PNRH, criaram-se diversas normas capazes de dar maior dinamismo à gestão do recurso hídrico, trazendo mais justiça e transparência às ações e gerando entraves aos impactos capazes de extinguir um bem tão precioso a sociedade como a água. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Abers, Rebecca; Dino Jorge, Karina. Descentralização da Gestão da Água: Por que os comitês de bacia estão sendo criados? Revista Ambiente & Sociedade. Volume VIII. nº. 2 jul./dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28607.pdf. Data: 05 de maio de 2013. 2. Antunes, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 13. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lamen júris, 2011. 3. Braga, Benedito. P. F. et al. Pacto federativo e gestão de águas. Instituto de Estudos Avançados. Volume 22 nº.63. São Paulo. Ano 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-40142008000200003. Data: 25 de abril de 2013. 4. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Data: 26 de abril de 2013. 5. Brasil. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 5

Salvador/BA - 25 a 28/11/2013 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm. Data: 26 de abril de 2013. 6. Fiorillo, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 13. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. 7. Lanna, Antonio Eduardo. A economia dos recursos hídricos: os desafios da alocação eficiente de um recurso (cada vez mais) escasso. Instituto de Estudos Avançados. São Paulo. Volume 22. nº 63. Ano 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s010340142008000200008&script=sci_arttext. Data: 05 de maio de 2013. 8. Machado, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. 9. Silva Augusto, L.G.; Gurgel, I.G.D.; Neto, H.F.C.; Melo, C.H.; Costa, A.M. O contexto global e nacional frente aos desafios do acesso adequado à água para consumo humano. Revista Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro. Volume 17. nº. 6. Jun. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n6/v17n6a15.pdf. Data: 09 de maio de 2013. 10. Sirvinskas, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. 11. Souza Silva, Tony Carlo; Vilas Boas, Johnson Queiroz. A nova natureza jurídica da água e suas consequências em face da outorga de direito de uso de recursos hídricos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. Volume 8, nº. 1/2013. Disponível em http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs- 2.2.2/index.php/revistadireito/article/view/8853/pdf#.UjEul8akovk. Data: 12 de setembro de 2013. 6 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais