Este documento faz parte do Repositório Institucional do Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org
Notas do jornalista José Arbex sobre o trabalho da delegação de entidades ligadas o Conselho Internacional do FSM na Palestina e algumas propostas de ação internacional 1) Ariel Sharon está aplicando o método da punição coletiva na Palestina. Se os seus soldados suspeitam, por exemplo, de que há terroristas em determinado acampamento de refugiados, eles arrasam todo o acampamento, para depois verificar se as suas suspeitas tinham ou não real fundamento. Os métodos de ataque, relatados por diversas fontes palestinos sobreviventes de Ramallah e Jenin, mas também organizações israelenses como o movimento Paz Agora e o Comitê contra a Demolição de Casas -, são terríveis. Primeiro, vêm os helicópteros Apache, para promover um bombardeio aéreo; em seguida, vêm os tanques, com artilharia pesada; depois, vêm os bulldozers; finalmente, vem a infantaria e os soldados que promovem a caça homem a homem. Detalhe: os soldados utilizam palestinos capturados como escudo humano ; sob a mira de fuzis e metralhadoras, os escudos são obrigados a seguir na frente dos batalhões de soldados, são os primeiros a percorrer as vielas estreitas e a entrar nas casas que ainda estiverem de pé. O governo impede a livre ação de organizações médicas e humanitárias. Vimos, em Ramallah, que até mesmo as ambulâncias portam marcas de tiros. Também vimos, quando estávamos em um hospital de Ramallah, cercados por tanques israelenses, que eles pararam uma ambulância que chegava, revistaram todos os seus ocupantes (médicos e enfermeiros), incluindo um homem ferido que estava deitado na maca. Também no dia-a-dia os palestinos são submetidos a humilhações atrozes. Vimos, por exemplo, que soldados impediram que uma velha senhora passasse a fronteira, de Ramallah para Jerusalém, aparentemente porque os papéis não estavam em ordem. Mas Memória FSM memoriafsm.org 1
a velha senhora teve que suportar várias horas na fila, sob um sol insuportável. As cidades ocupadas estão sob toque de recolher. Em treze dias de ocupação, os habitantes de Ramallah só puderam sair de suas casas três vezes, mesmo assim por períodos de apenas três horas. Nesse tempo reduzido, tinham que enterrar seus mortos, abastecer as casas de alimentos, conversar com os amigos e parentes. 2) Há um consenso cada vez maior, entre palestinos e israelenses progressistas, de que não haverá saída possível, enquanto Israel não reconhecer plenamente aos palestinos o direito de terem sua própria terra e Estado. Depois de tudo o que conversamos e discutirmos com as mais diversas organizações, concluímos que três pontos sintetizam as condições para uma paz justa e duradoura: a) Israel deve respeitar as fronteiras prévias à Guerra dos Seis Dias (1967) significa que os soldados israelenses devem se retirar completa e totalmente da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, assim como desmantelar os assentamentos judeus ilegais construídos naqueles regiões b) Jerusalém deve ser reconhecida como a capital binacional de israelenses e palestinos, a sua parte nova (ocidental) reservada aos israelenses, e a velha (oriental) aos árabes palestinos. Os palestinos aceitam esse arranjo, mas os israelenses rejeitam, completamente. c) Israel deve aceitar a discussão de um plano realista que contemple o direito de retorno aos palestinos que hoje estão espalhados pelo mundo, como conseqüência de sua expulsão, após 1948 (fundação do Estado de Israel). 3. Parece-nos bastante óbvio que nada disso será realizado nos marcos do governo Sharon. Tampouco existe uma vontade política efetiva, por parte do governo Bush, de impor os três pontos (de resto, baseados em resoluções já aprovadas pela ONU). Aliás, apresentar Washington como mediador entre Israel e Palestina soa como uma piada de mau gosto, já que os Estados Unidos são o principal aliado de Israel no mundo. Memória FSM memoriafsm.org 2
As conclusões a que chegamos são as seguintes: a) É necessário o envolvimento cada vez maior da comunidade das nações para mediar o conflito e impor um quadro civilizado e aceitável de conversações. Não há outra maneira de evitar a continuidade das matanças e do horrível sofrimento imposto ao povo palestino. b) O envolvimento internacional, no plano institucional (governamental e diplomático), deve se dar no quadro da ONU, mas também no quadro de iniciativas regionais (por exemplo, mediante pressões da EU, dos governos árabes e latino-americanos etc.) c) Mas qualquer ação institucional só será garantida mediante a mobilização da sociedade civil mundial. Os governos nacionais só se animarão a desafiar a política externa de Bush / Sharon se forem pressionados, em seus próprios países, por movimentos sociais, sindicatos, mídia, Ongs etc. 4. Fora disso, o Fórum Social Mundial tem um papel imediato e importante a cumprir: a) garantir o envio constante e permanente de delegações para a Palestina (é importante que Sharon saiba que o mundo não ignora o que está acontecendo, assim como é importante para os palestinos que eles sintam que existe solidariedade, apesar de tudo); b) garantir a existência de um fluxo independente de informações, já que a mídia internacional, em grande parte, é controlada por corporações comprometidas com a política externa americana e com o capital financeiro; encaminhar cartas, artigos, fotos, provas documentais e todo o material disponível aos jornalistas e chefes de redação, de tal forma que eles não possam alegar desconhecimento de causa ; c) promover campanhas mundiais de solidariedade (comida, remédios e roupas) para o povo palestino Memória FSM memoriafsm.org 3
d) instalar, onde possíveis, tribunais simbólicos para julgar Sharon e Bush por crimes de guerra, contra a humanidade; promover debates e atividades de esclarecimento nas universidades, sindicatos, associações de bairro e profissionais; e) pressionar pela realização de um fórum mundial na Palestina, o mais rápido possível. Pode até ser um fórum cujo tema seja a própria questão palestina, de amplitude mais reduzida do que o tradicional fórum anual (com a participação, digamos, de até 2 mil delegados). É também pouco provável que, no quadro atual, consigamos de fato realizar tal atividade. Mas a pressão internacional pela sua realização já será, por si só, um importante eixo de denúncia, propaganda e agitação daquilo que se passa atualmente na Palestina. José Arbex Jr. Memória FSM memoriafsm.org 4