Female sexual dysfunctions ATUALIZAÇÃO Resumo A disfunção sexual feminina tem se tornado uma queixa cada vez mais freqüente nos consultórios de ginecologia. É definida como um transtorno no ciclo da resposta sexual ou dor associada à relação sexual, que resulta em sofrimento pessoal e pode interferir tanto na qualidade de vida quanto nas relações interpessoais da mulher. A disfunção sexual feminina pode ser subdividida baseando-se no modelo de quatro fases da resposta sexual em: disfunção do desejo, disfunção da excitação, disfunção do orgasmo, assim como dispareunia e vaginismo. Trata-se de uma condição multifatorial que possui componentes anatômicos, fisiológicos, psicológicos e socioculturais. Essa atualização descreve o sistema atual de classificação das disfunções sexuais femininas, cada uma dessas disfunções e suas recentes definições e etiologia. Ana Laura Carneiro Gomes Ferreira 1 Ariani Impieri de Souza 1 Celestino Luis Ardisson 2 Leila Katz 1 Palavras-chave Disfunção Sexual Fisiológica Feminino Desejo Orgasmo Dispareunia Keywords Sexual Dysfunction, Physiological Female Desire Orgasm Dyspareunia Abstract Female sexual dysfunction is a very frequent complaint in gynecologic outpatient clinics. It is defined as a disturbance of the process that characterizes the sexual response cycle or as pain associated with sexual intercourse that causes marked distress and may impact on women s quality of life as well as interpersonal relationship. Female sexual dysfunction can be subdivided based upon the sexual response model of four phases: sexual desire dysfunction, sexual arousal dysfunction, orgasmic dysfunction, dyspareunia and vaginismus. It is a multifactorial condition that has anatomical, physiological, psychological and sociocultural components. This overview presents the currently used classification system of female sexual dysfunction, each sexual dysfunction as well as recently updated definitions and etiology. 1 Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira 2 Faculdade Salesiana de Vitória - Instituto Capixaba de Pesquisas, Ensino e Serviços 689
Introdução A partir do início deste século, a sexualidade humana foi resgatada pelo conhecimento científico, técnico e social. O seu conceito se legitimou quando a saúde sexual foi considerada parte integrante na definição de consenso de saúde reprodutiva, ratificada pela Conferência Internacional para População e Desenvolvimento realizada no Cairo, em 1994 (Faundes, 1996). Mais do que uma mera função biológica reprodutiva, a sexualidade é uma fundamental experiência humana que engloba o prazer, identidade sexual, afetividade, intimidade e experiências físicas, socioculturais, emocionais e cognitivas (Phillips, 2000). As sensações sexuais femininas podem ser despertadas por vários tipos de estímulos: fantasias, pensamentos eróticos, carícias, masturbação e coito. Uma vez desencadeada, a resposta sexual feminina se expressa através de uma sucessão de fases que se manifestam fisiologicamente de forma seqüenciada e interligadas entre si, completando-se assim o ciclo da resposta sexual humana (Lopes et al., 1992). Ciclo da resposta sexual feminina O modelo de quatro fases do ciclo da resposta sexual feminina: desejo, excitação, orgasmo e resolução é a base para a classificação das disfunções sexuais descritas na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DSM IV, que classifica e define as disfunções sexuais femininas como transtornos do desejo sexual e alterações psicofisiológicas do ciclo da resposta sexual, que são capazes de causar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal (American Psychiatric Association, 1994). Essas disfunções sexuais incluem: desejo sexual hipoativo (DSM-302.71), disfunção sexual por aversão sexual ou fobia sexual (DSM-302.79), disfunção da excitação (DSM-302.72), disfunção do orgasmo (DSM-302.73), dispareunia (DSM-302.76) e vaginismo (DSM-306.51). A base biológica da seqüência das fases que compõem o ciclo da resposta sexual feminina é resultado também da integridade dos sistemas nervoso, endócrino e vascular, os quais são responsáveis por reações fisiológicas e anatômicas específicas de cada fase da resposta sexual feminina (Lopes et al., 1994). Fase do desejo É a primeira fase do ciclo da resposta sexual feminina. Fatores cognitivos emocionais, comportamentais e fisiológicos podem influenciar a fase do desejo. A fisiologia do desejo sexual feminino ainda é pouco compreendida, entretanto, sua mediação hormonal está razoavelmente esclarecida (Kaplan, 1977). A base hormonal do impulso sexual feminino está vinculada ao androgênio. A testosterona é capaz de estimular a atividade sexual e baixos níveis da mesma podem prejudicar o desejo, sem necessariamente comprometer toda a resposta sexual feminina. Os baixos níveis de androgênio encontrados na mulher na perimenopausa e naquelas submetidas a intervenções cirúrgicas podem alterar drasticamente seu impulso sexual. Elevados níveis de prolactina interferem na atividade dopaminérgica central, levando à diminuição da libido (Davis, 2000). O papel do estrogênio e do progesterona na modulação da atividade sexual feminina está menos elucidado. Talvez, as oscilações do desejo sexual feminino registradas ao longo do ciclo menstrual estejam relacionadas com o papel antilibidinoso do progesterona. Níveis aumentados de estrogênio podem levar ao aumento da globulina carreadora dos hormônios sexuais (SHBG - sex hormone binding globulin), com subseqüente aumento da testosterona livre (Persky et al., 1978). Algumas teorias mais recentes acerca da resposta sexual feminina afirmam que nos relacionamentos mais estáveis e duradouros, o desejo sexual feminino é estimulado pelo comprometimento e cumplicidade entre os parceiros, tolerância, afetividade, aproximação emocional do casal, que também reforçariam a fase de excitação da resposta sexual feminina, permitindo, dessa forma, que o desejo se mantenha aceso. A intimidade é uma forte reforçadora do desejo sexual na mulher e o estímulo é essencial (Basson, 2000). Fase da excitação É a segunda fase do ciclo da resposta sexual feminina, fase de preparação para o ato sexual, que é desencadeada pelo desejo. A fase de excitação caracteriza-se por uma reação orgânica generalizada de miotonia, vasocongestão tanto dos vasos genitais locais como da pele e lubrificação vaginal (Kaplan, 1977). O sistema nervoso autônomo, através de sua ação parassimpática, conduz ao relaxamento da musculatura lisa vaginal, permitindo, assim, aumento de aporte sangüíneo, tumescência e lubrificação vaginais (Weber et al., 1995). Após o estímulo sexual, verifica-se a liberação neurogênica e endotelial do óxido nítrico que, por sua vez, provoca maior fluxo sanguíneo para a artéria clitoridiana, aumento da pressão intracavernosa no clitóris, permitindo a sua turgescência, extravasamento de suas glândulas e aumento na sua sensibilidade (Munarriz et al., 2003). À semelhança do que ocorre com o clitóris, há incremento no transudato vaginal, responsável pelo aumento da lubrificação da vagina, que é essencial ao coito prazeroso. O relaxamento na 690
musculatura lisa da vagina possibilita sua dilatação e distensão, especialmente nos seus dois terços inferiores, permitindo a acomodação plena do pênis (Park et al., 1997). A lubrificação vaginal também é um fenômeno fisiológico estrogênio-dependente, isto é, o estrogênio é capaz de modular o fluxo sanguíneo vaginal, assim como de manter a integridade desse tecido (Min et al., 2001). Com referência às reações extragenitais diante da excitação sexual feminina, pode-se realçar o rubor facial, ereção e tumescência dos mamilos, aumento das pulsações e pressão arterial, assim como a respiração da mulher, que se torna mais ofegante (Kaplan, 1977). Fase do orgasmo A resposta sexual feminina alcança seu clímax com o orgasmo, que consiste em contrações reflexas ritmadas e involuntárias dos músculos perivaginais e perineais, a intervalos de 0,8 segundos. Essas contrações são particularmente visíveis no terço inferior da vagina, formando a plataforma orgásmica, que consiste nos músculos e tecidos engrossados que circundam a entrada da vagina e também alguns dos músculos pélvicos (Lopes et al., 1994). Segundo Masters e Johnson (1966), o orgasmo é um reflexo e, como tal, tem um componente sensório e outro motor. A excitação clitoridiana dispara a descarga orgásmica feminina, que é expressa por contrações rítmicas dos músculos vaginais e circunvaginais. A fase de resolução da resposta sexual feminina é caracterizada por um período de completo relaxamento e enorme sensação de bem-estar. Além de ser modulada por componentes fisiológicos, anatômicos e endócrinos, a resposta sexual feminina também sofre influências de alguns aspectos psicológicos, uso de medicações, álcool ou drogas, assim como influências socioculturais. Por tratar-se de um complexo fenômeno composto pela sucessão de fases bem definidas e que sofre influências múltiplas, a resposta sexual feminina é passível de várias alterações e qualquer bloqueio em uma de suas fases pode levar ao aparecimento das disfunções sexuais femininas (Clayton, 2003). Disfunções sexuais femininas As disfunções sexuais femininas são classificadas e definidas segundo critérios psicológicos e baseando-se no modelo de quatro fases da resposta sexual, acrescendo-se a isso a dor sexual (DSM VI, 1994). Dessa forma, as disfunções sexuais femininas são definidas como os distúrbios que ocorrem no desejo, na excitação, orgasmo e/ou vaginismo e dispareunia, que resultam em angústias pessoais e podem influenciar tanto nas relações interpessoais quanto na qualidade de vida da mulher (Munarriz et al., 2003). Embora cada disfunção possa ser considerada separadamente, verifica-se que do ponto de vista clínico pode haver superposição de disfunções, isto é, uma mulher que se queixa de diminuição ou ausência de desejo pode ter primariamente a incapacidade de alcançar o orgasmo (Clayton, 2003). Um estudo americano realizado em 1992, no qual 1.749 mulheres foram entrevistadas, verificou que 43% das mulheres sexualmente ativas eram portadoras de queixas sexuais. Os problemas sexuais mais freqüentes foram: diminuição do desejo (33%), dificuldade em atingir o orgasmo (24%) e problemas com a lubrificação vaginal (19%) - (Laumann et al., 1999). No Brasil Abdo et al. (2004), avaliando 1.219 mulheres em São Paulo, identificou 49% delas com pelo menos uma disfunção sexual. Os autores observaram, ainda, que 26,7% apresentaram disfunção do desejo, 23% dispareunia e 21% referiram disfunção do orgasmo. Uma vez diagnosticada a disfunção sexual, sua etiologia deve ser esclarecida, considerando-se as causas psicossociais, fisiopatológicas, condições ginecológicas e as medicações (Phillips, 2000). Etiologia das disfunções sexuais femininas Vascular Alterações vasculares que provocam diminuição no fluxo sanguíneo da vagina e do clitóris resultam na perda da musculatura lisa, com conseqüente substituição da mesma por tecido conjuntivo fibroso, estabelecendo-se assim o enrijecimento e esclerose das artérias cavernosas do clitóris e interferindo na resposta de relaxamento e dilatação que ocorre frente a um estímulo sexual (Berman & Goldstein, 2001). Tais fenômenos produzem sintomas de secura vaginal e dispareunia. Qualquer traumatismo nas artérias pudendas ou íleo-hipogástricas provenientes de fraturas pélvicas e injúrias cirúrgicas podem resultar em diminuição do fluxo sanguíneo vaginal e clitoridiano, ocasionando o surgimento da disfunção sexual feminina (Berman & Goldstein, 2001) Convém mencionar que entre as alterações fisiológicas do estado de hipoestrogenismo estão: a diminuição da perfusão para a vagina e o clitóris, adelgaçamento de sua musculatura lisa e problemas sexuais (Park et al., 1997). 691
Neurogênica As disfunções sexuais femininas de causas neurológicas incluem as lesões medulares e as doenças do sistema nervoso central ou periférico. Em uma lesão medular incompleta, a capacidade psicológica de excitação e a lubrificação vaginal são preservadas (Berman & Goldstein, 2001). Hormonal / endócrina Disfunção no eixo hipotálamo-hipófise, castrações cirúrgicas ou medicamentosas, falência ovariana precoce e estados hipoestrogênicos são algumas condições hormonais que podem desencadear as disfunções sexuais femininas (Clayton, 2003). As queixas sexuais mais comuns associadas à deficiência de estrogênio ou testosterona são: ressecamento vaginal, diminuição do desejo e disfunção da excitação (Min et al., 2001). O estrogênio é o responsável pela integridade da mucosa vaginal, vasocongestão adequada, assim como a produção de secreções vaginais que resulta na adequada lubrificação vaginal e na agradável sensação de bem-estar vaginal (Davis, 2000; Min et al., 2001). Muscular Alguns músculos que formam o assoalho pélvico, em particular o músculo elevador do ânus e os músculos perineais, participam da função e resposta sexual feminina. Os músculos bulbocavernoso e isquiocavernoso que compõem a musculatura perineal, quando voluntariamente contraídos, contribuem, assim como incrementam, a excitação e o orgasmo. Esses mesmos músculos são responsáveis pelas contrações rítmicas e involuntárias que ocorrem durante a fase do orgasmo (Cavalcanti & Cavalcanti, 1992). Os músculos elevadores do ânus também modulam a resposta motora do orgasmo, assim como a receptividade vaginal à penetração. Quando esses músculos se tornam hipertônicos, possibilitam o aparecimento do vaginismo ou mesmo da dispareunia (Lopes et al., 1994). Quando esse feixe muscular apresenta sinais de hipotonia, observa-se a anorgasmia coital e até mesmo a incontinência urinária durante o coito (Geiss et al., 2003). Psicossocial Os fatores emocionais e relacionais podem alterar a resposta sexual feminina, mesmo num organismo sadio. As dificuldades podem ser de ordem pessoal ou relacional, ou seja, dificuldade de comunicação entre os parceiros (Phillips, 2000). A falta de conhecimento sobre a própria sexualidade, desinformação sobre a fisiologia da resposta sexual, lutas pelo poder e, sobretudo, os conflitos conjugais são capazes de desencadear sérios problemas emocionais nas mulheres e, conseqüentemente, alterar a sua resposta sexual. Por outro lado, a vigência de mitos e tabus em relação à sexualidade e algumas crenças religiosas que punem irracionalmente a mulher podem afetar de maneira significativa a sua sexualidade (Anastasiadis et al., 2002). Conflitos de identidade sexual, história de abuso sexual e as restrições sociais também podem interferir na resposta sexual feminina (Cavalcanti & Cavalcanti, 1992). De acordo com o novo modelo de resposta sexual feminina proposto por Basson (2000), o contexto relacional, os aspectos emocionais, o subjetivismo vinculado à excitação sexual feminina e a intimidade como reforçadora do desejo são características que enfatizam a grande participação do componente psicológico na resposta sexual feminina. Uso de medicações A maior parte dos agentes farmacológicos atua negativamente sobre a resposta sexual. Mulheres usuárias dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina freqüentemente relatam diminuição do desejo sexual, excitação e dificuldade em atingir o orgasmo. Agentes anti-hipertensivos, drogas quimioterápicas, drogas que agem no sistema nervoso central e medicações que interferem no equilíbrio hormonal feminino são capazes de interferir na função sexual feminina (Berman & Goldstein, 2001). Condições uroginecológicas e cirurgia Algumas condições uroginecológicas, como a incontinência urinária, cistites, infecções urinárias e vulvovaginites, causam desconforto levando, conseqüentemente, à disfunção ou diminuição da atividade sexual. O câncer ginecológico, câncer da mama e as cirurgias ginecológicas são capazes de comprometer física e psicologicamente os símbolos de feminilidade, podendo resultar em disfunção sexual (Phillips, 2000). Disfunção do desejo sexual Segundo critérios de diagnóstico do DSM IV, o desejo sexual hipoativo ocorre quando se observa deficiência ou ausência persistente ou recorrente de fantasias ou desejo de ter atividade sexual (American Psychiatric Association, 1994). O julgamento da deficiência ou ausência é feito pelo clínico, levando em consideração fatores que afetam a resposta sexual, tais como: contexto de vida do paciente, idade, uso de medicação e situação social. Para ser considerada uma disfunção, a perturbação deve causar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. A disfunção 692
sexual não é explicada por outro transtorno do Eixo I, que são os transtornos mentais propriamente ditos, como psicoses e neuroses. A disfunção não se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (drogas de abuso, medicamentos) ou uma condição médica geral. Sua etiologia precisa ser bem especificada, ou seja, é necessário esclarecer se essa disfunção é adquirida ou surgiu ao longo da vida, é situacional ou generalizada e, ainda, identificar se ela se deve a fatores psicológicos ou fatores combinados. A diminuição primária do desejo sexual é bastante rara e pode estar associada a níveis baixos de testosterona livre (Persky et al., 1978). Mulheres menopausadas também referem diminuição da libido, que pode ser atribuída ao decréscimo de androgênio verificado nessa época de vida da mulher (Davis, 2000). Depressão e ansiedade também concorrem para a diminuição do desejo sexual, assim como outras doenças cardiovasculares e pulmonares podem levar à dificuldade e limitação na relação sexual que, por sua vez, diminui o desejo sexual (Seagraves & Seagraves, 1991). Diminuição ou perda da libido é uma disfunção sexual freqüentemente encontrada em mulheres usuárias de progesterona, antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina, digoxina e anti-hipertensivos (Berman & Goldstein, 2001). A progesterona causa alteração do humor feminino e diminui a disponibilidade androgênica (Sherwin, 1991). Outra causa comum da diminuição do desejo sexual é a presença de outra disfunção sexual, isto é, uma mulher anorgásmica pode se sentir suficientemente frustrada com sua disfunção primária e desenvolver secundariamente uma perturbação do desejo sexual (Clayton, 2003). Dentre as mais importantes causas de diminuição do desejo sexual feminino, estão os conflitos conjugais, em especial: falta de confiança ou intimidade, lutas pelo poder, pelo controle e perda da atração física (Anastasiadis et al., 2002). Disfunção sexual por aversão ou fobia sexual Aversão ou fobia sexual se refere à extrema recusa ou esquiva persistente ou recorrente de todo contato sexual genital com um ou com todos os parceiros sexuais. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal e não é explicada por outro transtorno do Eixo I (transtornos mentais propriamente ditos, como neuroses e psicoses). O indivíduo fóbico pode ter fantasias, sonhos eróticos e outro erotismo, porém é avesso a qualquer atividade erótica. Essa disfunção pode ser adquirida ou surgir ao longo da vida, ser generalizada ou situacional, assim como pode ser devida a fatores psicológicos ou fatores combinados (American Psychiatric Association, 1994). Disfunção da excitação Os critérios diagnósticos para os transtornos da excitação sexual feminina denotam a incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter resposta de excitação sexual de lubrificaçãoturgescência até a conclusão da atividade sexual. A perturbação deve causar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. A disfunção sexual não é explicada por outro transtorno do Eixo I nem se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (drogas de abuso, medicamentos) ou de uma condição médica geral. Pode ser adquirida ou surgir ao longo da vida, assim como ocorrer devido a fatores psicológicos, combinados ou ambos (American Psychiatric Association, 1994). A revisão realizada pelo Consenso Internacional de Disfunção Sexual Feminina passa a considerar a excitação um fenômeno subjetivo, mental e incorpora essa definição ao critério diagnóstico de disfunção da excitação. A excitação potencializa o desejo e esse aumento produz incremento na percepção do estímulo sexual (Basson et al., 2000). A disfunção da excitação pode ser secundária a um estímulo inadequado, especialmente nas mulheres mais velhas, que em geral requerem mais estímulos para chegar à excitação, quando comparadas às mais jovens (Davis, 2000). Esse distúrbio pode ocorrer em mulheres bastante ansiosas, com baixa auto-estima, assim como naquelas com medos ou outras inibições. As portadoras de doenças crônicas, como o diabetes ou outras enfermidades cardiovasculares, assim como as usuárias de medicações (antidepressivos, anti-hipertensivos), são mais comumente atingidas por transtornos da excitação sexual (Park et al., 1997). Mulheres com problemas de excitação sexual em geral referem dor na penetração devido à lubrificação inadequada e, conseqüentemente, irritação vaginal. Disfunção do orgasmo Abdo et al. (2004) e Shokrollahi et al. (1999), estudando a prevalência da disfunção do orgasmo feminino, constataram, respectivamente, que 21 a 26% das mulheres estudadas referiam 693
dificuldades em atingir o orgasmo. A complexidade em estabelecer a incidência da disfunção do orgasmo se deve a duas principais razões: a primeira é que nem toda mulher procura ajuda e a segunda é que muitas que se consideram anorgásmicas na verdade não o são. Mitos, tabus e crendices ainda estão bastante atrelados ao conceito de orgasmo feminino (Cavalcanti & Cavalcanti, 1992). Segundo o DSM IV (1994), o transtorno orgásmico feminino é o atraso ou ausência persistente de orgasmo após uma fase normal de excitação sexual, o que causa sofrimento ou dificuldade interpessoal (American Psychiatric Association, 1994). A disfunção orgásmica não é explicada por outro transtorno do Eixo I nem se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (drogas de abuso, medicamentos) ou de uma condição médica geral. De acordo com o Consenso Internacional sobre Disfunção Sexual Feminina, se a mulher que não apresenta descarga orgásmica não refere sofrimento ou dificuldade interpessoal, ela não é considerada anórgásmica (Basson et al., 2000). É importante lembrar que essa ausência de orgasmo deve ser precedida por uma fase de excitação adequada. A disfunção do orgasmo também pode ser primária - quando a mulher nunca atingiu o orgasmo - secundária ou situacional. Fatores psicológicos podem estar intimamente relacionados aos transtornos do orgasmo. Mulheres que experienciam problemas conjugais, conflitos interpessoais e alterações psiquiátricas são comumente anorgásmicas (Anastasiadis et al., 2002). Em relação aos medicamentos, pacientes usuárias de antihipertensivos, especialmente os bloqueadores de recaptação de serotonina, comumente manifestam retardo ou ausência de orgasmo (Phillips, 2000). Dispareunia De acordo com os critérios diagnósticos do DSM IV (1994), dispareunia é a dor genital recorrente ou persistente associada ao intercurso sexual. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal (American Psychiatric Association, 1994). A dispareunia não é causada exclusivamente por vaginismo ou por falta de lubrificação e não é explicada por outro transtorno do Eixo I nem se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (drogas de abuso, medicamentos) ou de uma condição médica geral. A dispareunia é uma disfunção sexual difícil de ser avaliada e sua etiologia permanece ainda bastante relacionada aos fatores orgânicos. O diagnóstico diferencial da dispareunia é feito com o vaginismo, lubrificação vaginal inadequada, atrofia vaginal e vulvodínea. Outras etiologias menos comuns são a endometriose, congestão pélvica, infecções e aderências pélvicas. Cistites e cistites intersticiais também podem levar à dor durante a relação sexual (Phillips, 2000). Vaginismo Vaginismo é o espasmo involuntário recorrente ou persistente da musculatura do terço inferior da vagina, que interfere no intercurso sexual causando acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal (American Psychiatric Association, 1994). A perturbação não é explicada por outro transtorno do Eixo I nem se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (drogas de abuso, medicamentos) ou de uma condição médica geral. O diagnóstico diferencial entre dispareunia e vaginismo é um pouco difícil, visto que a dor, por si própria, pode impedir a penetração vaginal e causar contrações musculares vaginais involuntárias (Anastasiadis et al., 2002). A etiologia do vaginismo ainda não está bem estabelecida, porém várias condições médicas, assim como fatores psicológicos e interpessoais, concorrem para o aparecimento dessa disfunção sexual. Phillips (2000) acredita haver maior correlação entre vaginismo e fatores etiólogicos psicológicos quando se observa maior prevalência de vaginismo nas mulheres com distúrbios psiquiátricos, alterações do humor e usuárias de antidepressivos. Considerações finais Inequivocamente, vários fatores colaboram para a relevância dos transtornos da sexualidade feminina: as mudanças nas expectativas sexuais das mulheres, mais liberação sexual feminina atestada nos dias atuais e informações constantemente veiculadas pela mídia sobre o tema. Progressivos avanços na indústria farmacêutica, a crescente sensibilidade de alguns profissionais de saúde quanto à sexualidade feminina e, sobretudo, a alta prevalência das disfunções sexuais femininas no mundo são também importantes fatores que concorrem para a importância do tema. Apesar da alta prevalência das disfunções sexuais femininas, a sua compreensão ainda não está suficientemente estabelecida. Novos estudos precisam ser realizados para refinar o entendimento sobre as taxas de incidência das disfunções sexuais femininas, usando amostras populacionais estratificadas e representativas e critérios diagnósticos claros, acurados e de consenso. 694
Leituras suplementares 1. Abdo CH, Oliveira WM, Moreira ED et al. Prevalence of sexual dysfunction and correlated conditions in a sample of brazilian women: results of the brazilian study on sexual behavior (BSSB). Int J Impot Res 2004; 16:160-6. 2. Anastasiadis AG, Davis AR, Ghafarm MA et al. The epidemiology and definition of female sexual disorders. World J Urol 2002; 20:74-8. 3. American Psychiatric Association. DSM VI Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4ª ed. Rio de Janeiro: ArtMed; 1994. 4. Basson R, Berman JR, Burnett A et al. Report on the International Consensus Development Conference on Female Sexual Dysfunction: Definitions and Classifications. J Urol 2000; 163:888-893. 5. Basson R. The female sexual response: a different model. J Sex Marital Ther 2000; 26: 51-65. 6. Berman RJ, Goldstein I. Female sexual dysfunction. Urol Clin of North Am 2001; 28:405-416. 7. Cavalcanti R, Cavalcanti M. Tratamento clínico das inadequações sexuais. São Paulo: Roca; 1992. 8. Clayton A. Sexual function and dysfunction in women. Psych Clin of North Am 2003; 26:202-19. 9. Davis SR. Androgens and female sexuality. Journal of Gender Specific Medicine 2000; 3:36-40. 10. Faundes A. Gênero, Poder e Direitos Sexuais e Reprodutivos. Femina 1996; 24:661-70. 11. Geiss IM, Umek WH, Dungl A. Prevalence of female sexual dysfunction in gynecologic and urogynecologic patients according to the international consensus classification. Urology 2003; 62:514-8. 12. Kaplan, HS. A Nova Terapia do Sexo. 5ª ed.. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1977. 13. Lauman EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA 1999; 281:537-44. 14. Lopes GP, Cavalcanti R, Andrade RP. Sexologia integral. Curitiba: Relisul; 1992. 15. Lopes GP, Torres LO, Montgomery M et al. Patologia e terapia sexual. Rio de Janeiro: Medsi; 1994. 16. Masters W, Johnson V. Human Sexual Response. Boston: Little Brown; 1966. 17. Min K, Munarriz R, Berman J et al. Hemodynamic evaluation of the female sexual arousal response in an animal model. J Sex Marital Ther 2001; 27:557-65. 18. Munarriz R, Noel K, Goldstein I et al. Biology of female sexual function. Urol Clin North Am 2003; 29:685-93. 19. Park K, Goldstein I, Andry C et al. Vasculogenic female sexual dysfunction: the hemodynamic basis for vaginal engorgement insufficiency. Int J Impot Res 1997; 9:27-37. 20. Persky H, Lief HI, Strauss D et al. Plasma tetosterone level and sexual behavior in couples. Arch Sex Behav 1978; 7:157-77. 21. Phillips NA. Female Sexual Dysfunction: Evaluation and Treatment. Am Fam Physician. 2000 Jul 1;62(1):127-36, 141-2.. 22. Seagraves K, Seagraves R. Hypoactive sexual desire disorder: prevalence and comorbidity in 906 subjects. J Sex Marital Ther 1991; 17:55-8. 23. Sherwin, BB. The impact of different doses of estrogen and progestin on mood and sexual behavior in postmenopausal women. J Clin Endocrinol Metab 1991; 72: 336-43. 24. Shokrollahi P, Mirmohamadi M, Mehrabi F et al. Prevalence of sexual dysfunction in women seeking services at family planning centers in Theran. J Sex Marital Ther 1999; 25:211-5. Weber M, Walters M, Shover L 25. et al. Vaginal anatomy and sexual function. Obstet Gynecol 1995; 86: 46-9. 695