IDENTIFICAÇÃO DAS POTENCIALIDADES PARA PRODUZIR MATÉRIAS PRIMAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS ENVOLVENTE DO REGADIO DE ALQUEVA



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Transcrição:

IDENTIFICAÇÃO DAS POTENCIALIDADES PARA PRODUZIR MATÉRIAS PRIMAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NA ENVOLVENTE DO REGADIO DE ALQUEVA Elaborado em 2004 Revisto em 2005

ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO... 1 2. ENQUADRAMENTO DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS EM PORTUGAL... 3 3. MATÉRIAS-PRIMAS UTILIZADAS NA PRODUÇÃO DE BIOETANOL 4 4. A ZIA COMO POTENCIAL PRODUTORA DE MATÉRIAS-PRIMAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS... 7 5. CONCLUSÕES... 12 1

1. INTRODUÇÃO A Zona de Intervenção de Alqueva tem uma área estimada em cerca de 900 mil hectares, dos quais, a prazo e faseados no tempo, aproximadamente 131 mil hectares serão de regadio resultante de investimento público. Nos 131 mil hectares de regadio prevê-se, com elevado grau de probabilidade (condicionada ao factor organização), o sucesso da componente agrícola do projecto Alqueva na produção de bens transaccionáveis (isto é, susceptíveis de exportação ou de substituição de importações), já identificados pelo Grupo de Projecto Alqueva Agrícola, e que o Plano agora apresentado pretende apoiar. Acontece que nas explorações que constituem a ZIA, haverá as que serão totalmente regadas, as que apenas parcialmente o serão e, neste caso, em percentagens variáveis, e mesmo aquelas que continuarão totalmente de sequeiro. Neste capítulo procura-se abrir pistas para as áreas das explorações que continuarão a não poder usufruir do benefício da água. Nalguns casos, seja por condições de orografia, seja por menor aptidão dos solos, a vertente agrícola deverá ser reorientada ou sedimentada em floresta, ou em pastagens de suporte a uma produção pecuária extensiva. Para além destas áreas, foram ainda identificados cerca 390 mil hectares, dos quais cerca de 240 000 ha são solos de elevado potencial para a produção de trigo e de cevada de sequeiro, e cerca de 150 000 ha apresentam apenas médio potencial produtivo para estas culturas. Tal situação confere à ZIA a possibilidade de produzir cerca de 600 000 de toneladas de cereais, considerando as rotações habituais e as produtividades estimadas. Um dos problemas estruturais da economia portuguesa é o elevado défice externo, para o qual contribuem significativamente a balança alimentar e a balança energética. No que se refere à balança energética, tem vindo a ser delineado um programa com o fim estratégico de reduzir a nossa dependência face ao petróleo, em que irá ser tomado um conjunto de medidas, designadamente o estímulo à produção de biocombustíveis. Ainda no âmbito energético e ambiental, existe uma directiva comunitária (Directiva 2003/30/CE) que impõe metas de utilização dos biocombustíveis. 2

O sector agro-industrial (agricultura, indústrias alimentares e não alimentares) pode e deve contribuir para a resolução do problema estrutural do défice externo sem o que também não se resolve a questão das finanças públicas. 2. ENQUADRAMENTO DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS EM PORTUGAL O artigo 3º da Directiva 2003/30/CE estabelece que os estados-membros deverão assegurar que seja colocada nos seus mercados uma proporção mínima de biocombustíveis e de outros combustíveis renováveis, e estabelece valores de referência das metas indicativas para esse efeito: De toda a gasolina e de todo o gasóleo utilizado para efeitos de transporte colocados no mercado, 2%, até 31 de Dezembro de 2005; de toda a gasolina e de todo o gasóleo utilizados para efeito de transporte colocados no mercado, 5,75%, até 31 de Dezembro de 2010. Como consequência criou-se um mercado para os biocombustíveis em Portugal. Os biocombustiveis produzidos a nível mundial são o biodiesel e o bioetanol. Na banda de preços actuais, todo o tipo de biocombustível é mais caro que os combustíveis obtidos a partir do petróleo. De tal forma foi considerada importante a produção de bioetanol, que vários países para tornarem rentáveis as respectivas indústrias de biocombustíveis, procederam à redução ou isenção nestes combustíveis da taxa que incide sobre os combustíveis em geral. A produção de biodiesel, segundo a opinião de cientistas da área da química, origina um grave problema já que produz, como resíduo do processo de fabrico, grandes quantidades de glicerina sem destino assegurado. Actualmente, a glicerina está a ser considerada como um factor fortemente restritivo do incremento desta opção de produção de biocombustíveis. Considerou-se por este motivo a alternativa do bioetanol como a que apresenta mais vantagens até porque se encontra associada a um conjunto relativamente vasto de matérias-primas passíveis de serem produzidas na ZIA. 3

3. MATÉRIAS-PRIMAS UTILIZADAS NA PRODUÇÃO DE BIOETANOL As matérias-primas utilizadas na produção de bioetanol são de vária natureza e apresentam índices de transformação em álcool variados. Na Fig. 3.1 apresentam-se algumas das matérias-primas, já utilizadas em diversos países e os respectivos índices de conversão. Ao analisarem-se estas matérias-primas constata-se que: - a cana de açúcar e a mandioca são culturas mais produtivas nas regiões tropicais e subtropicais; a beterraba sacarina dá mais rendimento aplicada na produção de açúcar; - os cereais, com excepção do arroz, apresentam índices aproximados. A escolha entre estas opções vai portanto ser decidida ao nível dos custos; - o sorgo doce e o topinambo, hipóteses que sugerem alguma viabilidade, além de alguma falta de experiência nessas culturas entre nós, há lacunas de conhecimento científico; dever-se-á pois, antes de tomar qualquer decisão, começar por realizar investigação em temas tais como produtividade, variedades mais adequadas à produção de açúcar/amido e custos de produção. Actualmente estão a merecer grande atenção pelas empresas mundiais de produção de biocombustíveis, e por isso, a ser estudadas do ponto de vista industrial, outras matérias-primas, nomeadamente as biomassas ricas em lenhinas e/ou celuloses. Este conjunto de resíduos agrícolas inclui desde a palha de cereais até aos bagaços e aos resíduos da amêndoa e das podas, sendo bastante significativo o potencial estimado para o nosso país. No Quadro 3.1 apresenta-se a estimativa, para Portugal, do potencial de algumas dessas fontes de biomassa para a produção de bioetanol. A escolha das matérias-primas depende do custo de produção de cada uma e do índice de conversão das mesmas em bioetanol. 4

Fig. 3.1. Índice de conversão de matérias-primas em bioetanol (kg/100litros) Sorgo doce Cana de açúcar Topinambo Beterraba sacarina Batata Mandioca Madeira Melaços Milho (wet milling) Trigo Milho (dry milling) Sorgo (grão) Milho painço Arroz 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 Valor do índice 5

Quadro 3.1 Estimativa para Portugal da energia potencial contida em resíduos agrícolas Tipo Energia (em peta joules) Álcool equivalente (milhões de litros) Palha de cereal 5,4 227 270 Bagaços de azeitona 0,6 25 250 Resíduos de podas de vinha, fruteiras e oliveira 8,5 357 740 Resíduo da amêndoa e da vinificação 1,8 75 760 Total 16,3 686 020 Fonte: NUTEK, Swedish National Board for Industrial and Technical Development, 1993. Forecast for biofuel trade in Europe. The Swedish market in 2000 Stockolm. Os produtos provenientes da floresta, tais como as madeiras, as lenhas, e todo o tipo de subprodutos das indústrias que transformam materiais lenhosos constituem também fontes de biomassa com um elevado potencial de produção de álcool (como consta no Quadro 3.2). Quadro 3.2. Energia contida em matérias-primas florestais Tipo Energia (em giga joules/m3) Litros de álcool equivalentes (milhões) Crescimentos anuais de resinosas 7,56 318 180 Crescimentos anuais de folhosas 9,0 358 790 Lenha de resinosas 8,47 358 650 Lenha de folhosas 10,08 424 240 Subprodutos das serrações 7,56 318 180 Resíduos das celuloses 7,56 318 180 Subprodutos de outras indústria florestais 7,56 318 180 Fonte: NUTEK, Swedish National Board for Industrial and Technical Development, 1993. Forecast for biofuel trade in Europe. The Swedish market in 2000 Stockolm. 6

4. A ZIA COMO POTENCIAL PRODUTORA DE MATÉRIAS- -PRIMAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS No âmbito deste trabalho, analisou-se a possibilidade de produzir matérias-primas para bioetanol, na ZIA, na óptica do produtor. Na produção de bioetanol podem utilizar-se várias tecnologias. No entanto, só foram consideradas neste trabalho as que já estão a ser praticadas, ou em vias de o ser, na Europa (Quadro 4.1). Quadro 4.1 Tecnologias alternativas de produção de bioetanol, matérias-primas e respectivas eficiências de conversão em álcool INDÚSTRIA BIOETANOL (Tecnologia 1) BIOETANOL (Tecnologia 2) BIOETANOL (Tecnologia 3) Eficiência conversão Produtos em alcool (kg / 100 litros) Trigo 260 Cevada 260 Subprodutos (a) Madeira 385 Beterraba sacarina 1030 Trigo 260 Cevada 260 Sorgo doce 240 Milho 260 Duas das tecnologias, utilizam o trigo e a cevada como matérias-primas, culturas que se fazem actualmente em vastas áreas de sequeiro da ZIA e do Alentejo. Na ZIA, existem 390 mil hectares de sequeiro, onde é possível produzir cereais. Estas culturas são, aliás, elementos determinantes da paisagem alentejana e do ecossistema essencial, estepe cerealífera. Refira-se, que o trigo e a cevada não apresentam preços competitivos, ou seja os custos de produção são superiores aos preços praticados no mercado mundial e por isso foram durante anos objecto de uma ajuda directa à produção, através do Pilar I da PAC. É decisivo para quem vai produzir saber se os custos que irá ter serão cobertos por via exclusiva do preço ou do preço associado a ajudas. Actualmente as ajudas directas foram convertidas num pagamento único e os sistemas arvenses em regime extensivo, pela importância que têm para a conservação da 7

água e do solo e para a manutenção de habitats de elevado valor ambiental, auferem de uma ajuda agro-ambiental. Analisou-se por isso a viabilidade da produção em regime extensivo do trigo e da cevada (Quadro 4.2) no Alentejo. Para esta análise, consideraram-se as rotações mais usuais para os solos de elevado e médio potencial produtivo, utilizaram-se os tempos padrão e os consumos intermédios mais comuns (nomeadamente adubos e herbicidas) e utilizaram-se ainda as contas de culturas da região. Na definição das produtividades a considerar para o trigo mole e cevada dística nos solos de melhor aptidão e de aptidão média foi feita uma análise estatística, para o período 1981-2004, das séries das médias dos resultados dos campos de experimentação da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas em Elvas e da Direcção Geral de Protecção das Culturas. Como representativos dos melhores solos, foram utilizados os dados de Elvas (Estação Nacional de Melhoramento de Plantas) e de Beja (Estação Agrária); como representativos dos solos de mediana capacidade produtiva utilizaramse os dados de Évora (Monte dos Currais) e de Reguengos (Herdade da Revilheira). Com base nas médias dos valores de produtividade para Elvas e Beja e de Évora e Reguengos, foram elaborados modelos de regressão linear para os solos com boa e média aptidão, respectivamente, tendo em conta o tempo e a produtividade do ano anterior. Nas contas de cultura adoptaram-se como valores de produtividade as estimativas dos modelos para o ano de 2004. Num cenário de produção, sujeito ao regime das medidas agro-ambientais, o trigo mole e os outros cereais, tal como se referiu, têm direito às ajudas aos sistemas arvenses de sequeiro (valores modulados por escalão, conforme consta no Quadro 4.2). Acrescenta-se que os produtores de cereais se tiverem contratos de fornecimento com as indústrias de biocombustíveis, em Portugal ou no estrangeiro, poderão ter acesso a uma ajuda às culturas energéticas (Quadro 4.2), que é acumulável com a ajuda anterior. Constata-se também, que os cereais de sequeiro, trigo mole e cevada são as principais matérias-primas utilizadas, na vizinha Espanha, onde opera a maior empresa mundial do sector. Apesar de a nova unidade instalada recentemente na Galiza prever uma linha para utilização de biomassa rica em lenhina e celulose, esta continua a assentar na tecnologia dos cereais. 8

Quadro 4.2 Viabilidade de produção, em regime extensivo, do trigo e cevada de sequeiro Área Até 50 ha 50 a 100 ha 100 a 200 ha Até 50 ha 50 a 100 ha 100 a 200 ha Produto Trigo mole de sequeiro Cevada de sequeiro Produtividade (kg/ha) (1) Custos (euro/kg) (2) Preço (euro/kg) (3) agroambiental (4) culturas energéticas (5) Total ajudas (6)=(4)+(5) (euro/kg) (7)=(6)/(1) Rendimento (8)=(7)+(3)- (2) Majoração da ajuda agro-ambiental para viabilização da actividade (9)=(-(8)*(1)) 2630 0,204 150 45 195 0,074 0,000 0 2750 0,205 150 45 195 0,071-0,004 11 2630 0,204 115 45 160 0,061-0,013 34 0,130 2750 0,205 115 45 160 0,058-0,017 46 2630 0,204 70 45 115 0,044-0,030 79 2750 0,205 70 45 115 0,042-0,033 91 1818 0,247 100 45 145 0,080-0,038 68 3119 0,163 100 45 145 0,046 0,013 0 1818 0,247 75 45 120 0,066-0,051 93 3119 0,163 75 45 120 0,038 0,005 0 1818 0,247 50 45 95 0,052-0,065 118 3119 0,163 50 45 95 0,030-0,003 9 Comparando os custos de produção, com o valor somado do preço de venda e das ajudas (Quadro 4.2), verifica-se que no caso do trigo mole as diferenças não são muito significativas no que respeita à aptidão dos solos e que a modulação está directamente relacionada com a diminuição da competitividade. No caso da cevada, a diferença de competitividade é manifestamente evidente no que respeita á capacidade do solo, e agravada pela modulação. No intuito de assegurar a possibilidade de produzir cereais nos solos de bom e médio potencial (medianos), dados os custos de produção serem superiores ao do valor da produção e das ajudas ligadas à produção, calculou-se que seria necessário acrescer o valor da ajuda agro-ambiental sistemas arvenses de sequeiro. Para se ter um estimativa do orçamento necessário para viabilizar esta alternativa de produção de matérias primas de sequeiro, através das ajudas agro-ambientais, estabeleceu-se um cenário geral com base nos dados sobre as explorações com sistemas cerealíferos existentes na ZIA. Os dados sobre estas explorações foram recolhidos num trabalho realizado pela AGRO.GES/Agriciência para a EDIA, que continha um tratamento da informação existente no RGA99. Neste trabalho, as explorações encontram-se agrupadas nos sistemas Culturas Arvenses e Agrícola Misto e por escalões de área (Quadro 4.3). 9

Quadro 4.3 agro-ambiental arvenses de sequeiro - estimativa do valor adicional necessário EXPLORAÇÕES TRIGO CEVADA SISTEMAS E ESCALÕES DE ÁREA Nº Expl. (1) Rotação de cereais de sequeiro (ha) (2) Produtiv. (kg/ha) (3) Área total (ha) (4)=(2)/2x(1) Produção total (ton) (5)=(4)x(3) adicional (6) total (euro) (7)=(4)x(6) Produtiv. (kg/ha) (8) Área total (ha) (9)=(2)/2x(1) Produção total (ton) (10)=(9)x(8) adicional (11) total (euro) (12)=(11)x(9) Culturas Arvenses (Trigo-Cevada-Girassol/ /Melão/Leguminosas para grão) 0-5 ha 4 445 2 2 750 2 964 8 150 11 33 781 3 119 2 964 9 244 0 0 5-10 ha 2 103 6 2 750 4 206 11 567 11 47 945 3 119 4 206 13 119 0 0 10-50 ha 3 683 15 2 750 18 416 50 645 11 209 917 3 119 18 416 57 440 0 0 >50 ha 1 408 117 2 750 54 898 150 970 91 5 017 612 3 119 54 898 171 227 9 477 869 Sub-total 11 640 80 484 221 332 5 309 255 80 484 251 031 477 869 Agrícola Misto Trigo-Cevada-Pousio 0-10 ha 2 924 2 2 630 1 949 5 127 0 0 1 818 1 949 3 544 68 133 332 10-100 ha 4 479 18 2 630 26 872 70 672 34 907 313 1 818 26 872 48 852 93 2 509 680 100-200 ha 631 86 2 630 18 080 47 550 79 1 424 068 1 818 18 080 32 869 118 2 140 589 >200 ha 522 200 2 630 34 826 91 593 79 2 743 095 1 818 34 826 63 314 118 4 123 287 Sub-total 8 556 81 727 214 943 5 074 475 81 727 148 580 8 906 888 Total 20 195 162 212 436 275 10 383 730 162 212 399 611 9 384 757 média adicional 6,3 41,6 20 246 356 euro 1 litros de 321 494 512 (cêntimos/litro) média 2 Bio Etanol 835 886 toneladas Nota: 1 A ajuda global dada à área cerealífera entra em conta com o valor da ajuda dada à cultura do 3º ano da rotação (Girassol ou Leguminosas para grão) 2 A ajuda adicional média está divida pela área total das rotações cerealíferas que corresponde a 486 635 ha. Os sistemas Culturas Arvenses encontram-se associados aos melhores solos, pelo que se considerou que nestes pratica-se uma rotação Girassol/ Melão/Leguminosas secas para Grão-Trigo Mole-Cevada Dística e que as produções seriam em média, respectivamente, 2 750 e 3 119 kg/ha. Calculou-se que na Zona de Intervenção de Alqueva (ZIA), excluindo as áreas a irrigar, este sistema corresponde a 241 454 ha. Relativamente ao sistema Agrícola Misto, associado por sua vez a solos de média aptidão, considerou-se que nele se pratica uma rotação mais extensiva, do tipo Trigo-Cevada-Pousio, com produtividades médias, respectivamente, de 2 630 e 1 818 kg/ha. Na ZIA, com exclusão da mancha a irrigar, a área correspondente a este sistema equivale a 245 182 ha. O número de explorações por sistema e por escalão de área foi calculado a partir da percentagem que cada sistema e escalão de área tinha na amostra do RGA99, tendo em conta as áreas de cereal das explorações. Com base nestes pressupostos e no valor adicional de ajuda necessário em cada escalão de área (Quadro 4.3), estima-se que o orçamento global necessário é de cerca 20 10

milhões de euros para uma produção de 321 milhões de litros de bioetanol o que significa uma ajuda média por ha de 42 euro e por litro de 6,3 cêntimos. Perspectivada a forma de poder produzir o trigo e a cevada para biocombustíveis, importa agora referir os outros produtos utilizados nas tecnologias de produção de bioetanol. O sorgo doce e a beterraba não apresentam competitividade (Quadro 4.4). Acresce que a beterraba aufere actualmente de um regime de ajudas para produção de açúcar e apresenta, neste quadro, uma utilização preferencial. Enquanto se mantiver um regime de ajudas para o açúcar é difícil de contabilizar o grau de interesse desta cultura para outra qualquer indústria. A beterraba pode ser utilizada num mesmo processo tecnológico com o trigo e a cevada. O milho e a batata são outras culturas com interesse energético, apesar desta última não ser utilizada nos processos tecnológicos considerados. O milho, no limiar da competitividade, é uma cultura com preço competitivo se feita em regadio e com produtividade acima das 12 toneladas. Tem utilizações importantes tanto para a alimentação humana como para a alimentação animal e existem agro-indústrias que utilizam o milho como matéria-prima. Quadro 4.4 - Viabilidade de produção de outras culturas bioenergéticas Produto Produtividade (kg/ha) (1) Custos (euro/kg) (2) Preço (euro/kg) (3) agroambiental (4) culturas energéticas (5) Total ajudas (6)=(4)+(5) (euro/kg) (7)=(6)/(1) Rendimento (8)=(7)+(3)-(2) Milho 12000 0,129 0,136-45 45 0,004 0,011 Sorgo Doce (grão) 5000 0,210 0,139-45 45 0,009-0,063 Batata 45000 0,106 0,140-45 45 0,001 0,035 Beterraba 10200 0,220 0,090-45 45 0,004-0,126 A madeira e os subprodutos da agricultura e floresta são, como se referiu, uma importante fonte de biomassa, que deve ser encarada com maior interesse tanto mais que aqui se incluem os produtos provenientes da limpeza de matas, actuação essencial no combate aos incêndios. Podem ser utilizados numa tecnologia com o trigo e a cevada. 11

4. CONCLUSÃO A ZIA dispõe duma área significativa para produzir trigo e cevada (390 000 ha). Estima-se que nesta área se possam produzir 600 000 ton. destes cereais, os quais transformados equivalem a mais de 200 milhões de litros de bio-etanol. O trigo e a cevada entram em processos tecnológicos com outras matérias-primas. Actualmente a grande maioria das explorações realiza estas culturas. Nestas, cerca de 50% da área é utilizada em sistemas agro-silvo-pastoris. Dado que as alternativas culturais de sequeiro são escassas, se comparadas com as do regadio, e dado que o sequeiro constitui uma parte muito significativa da Zona de Intervenção de Alqueva, considera-se assim importante viabilizar a produção de cereais nas zonas de potencial mediano através de um acréscimo da ajuda agro-ambiental, na ordem dos 25 euro/ha. Esta ajuda será acumulada com a ajuda às culturas energéticas, com a ajuda aos sistemas arvenses de sequeiro e eventualmente com a ajuda à sementeira directa ou mobilização mínima. 12