NOTA TÉCNICA Nº 23-CNA Brasília, 23 de junho de 2006. Autor: Anaximandro Doudement Almeida Assessor Técnico Promotor: Comissão Nacional de Assuntos Fundiários Assunto: Projeto de Lei nº 6623, de 2006. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro (Registros Públicos). Transferência de imóvel rural. Sumário : Esta nota analisa os principais pontos e impactos do Projeto de Lei nº 6623, de 2006, de Erro! autoria do Deputado Federal Fernando de Fabinho (PFL-BA) para os proprietários de imóveis rurais. O Sistema de Público Registro de Terras é materializado, atualmente, por meio de três grandes componentes: identificação da forma, dimensão e exata localização dos imóveis rurais, de maneira precisa, através das coordenadas dos seus vértices georreferenciados; adoção de um código de identificação único cada imóvel rural; e averbação obrigatória nas respectivas matrículas. A descrição georreferenciada na matrícula é clara, concisa e inequívoca. A exigência de apresentação de planta do imóvel e da certidão da Prefeitura local atestando a existência da terra para a efetivação de registro, na forma prevista pelo citado Projeto, é incongruente com a legislação em vigor e desnecessária. Em que pese o mérito da proposição, a mesma não acrescenta nenhuma inovação ao texto legal em vigor, podendo, ainda, causar prejuízos aos atuais e aos futuros proprietários rurais. Palavras chave: Registros públicos de terras, Transferência de imóveis rurais. Identificação Georreferenciada CONSIDERAÇÕES O projeto de lei nº 6623, de 2006, acrescenta o 5º ao art. 176 da lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). A proposta condiciona a efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, a apresentação de planta do imóvel e da certidão da Prefeitura local atestando a existência da terra e suas determinadas cotas. O nobre deputado justifica a referida proposta alegando situação de insegurança jurídica que envolve as transações de imóveis rurais no Brasil, que exige providências urgentes e drásticas por parte do Poder Público. Afirma que as fraudes rurais são o câncer das relações negociais rurais, gerando insegurança e conflitos possessórios. Destaca, ainda, que o sistema registral brasileiro, apesar de ser um dos mais avançados do mundo, requer constantes atualizações, objetivando a segurança dominial, paz e a prosperidade no campo. A intenção do pleito é dar maior garantia a segurança às transações imobiliárias rurais. 1
Apesar de louvável sua intenção, a exigência de apresentação de planta do imóvel rural e de certidão municipal poderá causar dificuldades e impactos negativos aos proprietários de terras e ao atual Sistema Público de Registro de Terras, se não vejamos. A lei n.º 10.267, de 28 de agosto de 2001, regulamentada pelos Decretos nº 4.449, de 2002 e nº 5570, de 2005, tornou obrigatória nos casos de transferência, desmembramento, remembramento e parcelamento dos imóveis rurais, além das hipóteses dos casos judiciais a identificação da propriedade rural a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro (SGB) e com precisão posicional fixada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de até 0,5 metro. A medição de um imóvel rural foi modernizada e simplificada a partir do advento dos rastreadores de sinais GPS. Georreferenciar significa fornecer coordenadas geográficas. Os sistemas de posicionamento fornecem a localização do ponto em termos de coordenadas geográficas e o momento que o dado foi levantado. Atualmente, o sistema mais utilizado é o chamado GPS Global Positioning System ou Sistema de Posicionamento Global, o qual fornece de forma rápida e precisa as coordenadas geográficas do ponto. Os receptores terrestres (antenas receptoras) de sinais emitidos pelos satélites de geoposicionamento do sistema NAVSTAR/GPS são popularmente conhecidos como GPS. GPS é um equipamento eletrônico com um dispositivo receptor de rádio-freqüência e um microprocessador capaz de calcular a distância entre a sua posição (centro da antena) e cada um dos satélites rastreados. Conforme 1o do art. 9º do Decreto 4.449, de 2002, caberá ao Incra certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio (Norma Técnica para o Georreferenciamento de Imóveis Rurais). E para que o profissional habilitado (pelo Conselho de Engenharia e Arquitetura CREA) a realizar serviços de georreferenciamento de imóveis rurais possa requerer a certificação de seu trabalho é necessário o seu prévio credenciamento junto ao Incra. Desta forma, para registrar em cartório uma transação de imóvel rural deve-se obter a citada identificação das coordenadas elaborada por profissional competente, e devidamente certificada pelo INCRA. Além do que, a referida lei determina e já está possibilitando a troca mensal de informações entre o Incra e os serviços registrais. Os serviços de registro de imóveis ficam obrigados a encaminhar ao INCRA, mensalmente, as modificações ocorridas nas matrículas imobiliárias decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os imóveis rurais. E por sua vez, o Incra encaminhará, mensalmente, aos serviços de registro de imóveis, os códigos dos imóveis rurais, para serem averbados de ofício, nas respectivas matrículas. 2
Com a vigência da Lei n.º 10.267, de 2001, uma nova sistemática foi estabelecida, tendo base cartográfica, com suporte georreferenciado. A partir da citada lei, a localização, a área, as características, os limites e confrontações dos imóveis serão obtidos por meio de memorial descritivo contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis georreferenciadas ao SGB, com precisão posicional de 0,50 cm (ou melhor), qualificando o direito de propriedade pela coincidência das informações cadastrais e registrais. Por este procedimento, impede-se a sobreposição de áreas e identifica as propriedades de forma inequívoca. Neste sentido, a lei nº 10.267, de 2001, que criou o Sistema Público de Registro de Terras, pretende coibir a apropriação irregular e a transferência fraudulenta de terras, exigindo que no registro de todos os imóveis rurais, constem seus limites definidos através de coordenadas precisas e referenciadas ao SBG. Por esta lei, a responsabilidade civil e criminal das informações é compartilhada entre o registro de imóveis rurais (cartório), o proprietário que identifica os limites de sua propriedade, o profissional que assina a planta e o memorial descritivo, e o Incra que certifica o referido material. Com o novo Sistema Público de Registro de Terras surgiu o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), que terá uma base comum de informações gerenciadas pelo Incra e pela Receita Federal sendo produzido e compartilhado por diversas por diversas instituições públicas federais e estaduais, produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro, ou seja, será um cadastro único de imóveis rurais, que tem como objetivo fornecer um controle da legitimidade dos títulos das propriedades privadas e terras públicas. As instituições gerenciadoras do CNIR poderão firmar convênios específicos para o estabelecimento de interatividade dele com as bases de dados das Administrações Públicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Sistema de Público Registro de Terras, assim, é materializado, por meio de três grandes componentes: obtenção da forma, dimensão e exata localização dos imóveis rurais, de maneira precisa, através das coordenadas dos seus vértices georreferenciados; adoção de um código de identificação único cada imóvel rural; e averbação obrigatória nas respectivas matrículas. De acordo com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), ao alterar a forma como os imóveis rurais serão descritos na matrícula, a nova legislação aliou-se a um dos mais importantes princípios informadores do direito registral imobiliário, que é o da especialidade objetiva. Esta última é definida como a arte de individualizar um imóvel por meio de uma descrição técnica. A descrição técnica, no sistema registral imobiliário, é claramente expressa, pela legislação, em duas faces. A primeira face está prevista no artigo 176 ( 1º, inciso II, nº 3) da Lei dos Registros Públicos (lei nº 6.015, de 1973), com redação dada pela Lei n.º 10.267, de 2001: a identificação do imóvel será feita com a indicação do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e suas características, confrontações, localização e área. Trata-se de uma regra dirigida ao profissional de 3
agrimensura, que deverá utilizar as normas técnicas de sua profissão para que a descrição do imóvel seja suficiente para distingui-lo dos demais e permitir a todos conhecer sua localização, formato e área. A segunda face, bastante conhecida pelos tabeliães que, não raras vezes, têm que elaborar escritura de re-ratificação para cumprir tal mandamento, está prevista no artigo 225 da mesma Lei dos Registros Públicos. Por essa regra, todos os títulos que se refiram a um bem imóvel devem trazer em seu bojo a descrição precisa do imóvel, nos exatos termos da descrição existente da matrícula, sob pena de não encontrar acesso no fólio real. Existe, entretanto, uma terceira face do princípio da especialidade objetiva que, por não haver qualquer dispositivo legal que a expresse, é por muitos desconhecida e, não raras vezes, até violada. Trata-se do dever do oficial de registro de zelar pela qualidade da matrícula, ou seja, compete ao registrador a difícil e importante tarefa de fazer com que as matrículas representem com clareza e exatidão os bens imóveis e os direitos a eles relativos. Por esse prisma, compete ao registrador fazer com que a matrícula seja clara, precisa e concisa, escriturada de forma que o usuário comum possa entendê-la. Feitas as considerações acima, entendemos que a exigência de apresentação de planta do imóvel e da certidão da Prefeitura local atestando a existência da terra e suas determinadas cotas para a efetivação de registro, na forma prevista do aludido Projeto de Lei, como incongruente com o atual Sistema de Público Registro de Terras e desnecessária, dada a inequívoca identificação dos imóveis rurais já demonstrada acima. Além do que é uma temeridade o registro condicionado a uma certidão da Prefeitura municipal. Tal exigência é inadmissível, pois se constituiu em obrigação sujeita a vontade política do poder local. Ademais, dificilmente as prefeituras terão infra-estrutura e critérios claros e bem delineados, para assumir de forma isenta tamanha responsabilidade. Existe também a preocupação de que essas plantas podem ser utilizadas como fraude, pois não há como o cartório atestar se elas conferem ou não com o imóvel sem a prévia retificação da matrícula. Como tal exigência será colocada na Lei dos Registros Públicos, certamente a planta deve ser idêntica à descrição existente na matrícula, ou seja, deve o registrador conferir com a planta arquivada no cartório quando da retificação ou do desmembramento. Em resumo, tais exigências poderão causar prejuízos aos atuais e aos futuros proprietários rurais, pois onera bastante o vendedor/comprador (para providenciar os trabalhos de agrimensura) ou os força a negociar o imóvel com contrato de gaveta (proliferação da informalidade - perda do acesso ao crédito rural, etc.). O projeto de lei se caracteriza como uma espécie de Lei do Antes da Lei Georreferenciamento (Lei 10.267/2001), sendo um retrocesso. Cabe reforçar que hoje já se tem uma nova descrição georreferenciada na matrícula como instrumento 4
principal da atividade registral imobiliária, de forma clara, precisa e concisa. A interação do setor público com os cartórios, prevista em lei, permite acompanhar com segurança a evolução da malha fundiária materializando-se com o apoio do GPS, enquanto as informações provenientes da interpretação de imagens de satélite permitirão a correta identificação de um imóvel. Em que pese o mérito da proposição, o projeto de Lei 6623, de 2006, não acrescenta, S.M.J., nenhuma inovação ao texto legal em vigor e não resulta em avanços em termos registral e cadastral. ADA /ada/210.139 5