M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS AV. ANDRÉ ARAÚJO, 358, ALEIXO CEP 69.060-000 - TELEFONE: (92) 3611-3180 RAMAL: 230 www.pram.mpf.gov.br oficiocivel1@pram.mpf.gov.br Portaria n. 127/2010 do 1º Ofício Cível -PR/AM. RECOMENDAÇÃO N. 18/2010 1º OFÍCIO CÍVEL - PR/AM Considerando a competência do Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atuando na defesa dos direitos difusos e coletivos, na defesa judicial e extrajudicial das populações indígenas, bem como a competência da Justiça Federal para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas, nos termos do art. 5º, III, alínea e, art. 6º, VII, c, XI da Lei Complementar n. 75/93 e dos arts. 127, 129, V, e 109, XI, da CF/88; Considerando as atribuições do 1º Ofício Cível relativas aos procedimentos da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), que inclui, 1
dentre outras matérias, a educação, bem como os procedimentos relativos aos direitos das populações indígenas e das minorias, com espeque no art. 10, I, h e II da Resolução nº 01/2006 da Procuradoria da República no Estado do Amazonas; Considerando que o art. 210, parágrafo 2º da Constituição da República e o art. 32, parágrafo 3º da Lei 9394/96 determinam que O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Considerando que o Plano Nacional de Educação Estabelecido pela Lei n. 10.172/2001 prevê as seguintes diretrizes para a educação indígena e para a formação de professores indígenas, dentre as quais a de que a formação inicial e continuada dos próprios índios deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização: 9.2 Diretrizes A Constituição Federal assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. A coordenação das ações escolares de educação indígena está, hoje, sob responsabilidade do Ministério de Educação, cabendo aos Estados e Municípios, a sua execução. A proposta de uma escola indígena diferenciada, de qualidade, representa uma grande novidade no sistema educacional do País e exige das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para que estas escolas sejam de fato incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto para que sejam respeitadas em suas particularidades. A educação bilíngüe, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngüe, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngües ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades. 9.3 Objetivos e Metas 15. Instituir e regulamentar, nos sistemas estaduais de ensino, a profissionalização e reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira específica do magistério, com concurso de provas e títulos adequados às particularidades lingüísticas e culturais das sociedades indígenas, garantindo a esses professores os mesmos direitos atribuídos aos demais do mesmo sistema de ensino, com níveis de remuneração correspondentes ao seu nível de qualificação profissional. Considerando que o art. 6º da Resolução CNE n.º 03/99 prevê 2
em seu parágrafo único que Será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização. e que o que se chama de formação em serviço significa que o professor/cursista realiza o seu processo de formação concomitante com o exercício da docência, não lhe sendo exigido a conclusão da formação para atuar como docente, e que o art. 8º desta mesma Resolução estabelece que A atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia ; Considerando que ao Professor de escola indígena que não satisfaça as exigências desta Resolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo de três anos, exceção feita ao professor indígena, até que possua a formação requerida. (art. 12 da Resolução CNE n.º 03/99); Considerando o teor da ata de audiência realizada neste órgão ministerial no dia 19 de abril de 2010, presentes lideranças indígenas, representantes do CONDISI e da OPPITAMP, no qual, em relação à educação indígena no Município de Manicoré/AM, relataram o seguinte: segundo os indígenas, o Prefeito de Manicoré somente aceita contratar professores indígenas através de processo seletivo simplificado; ocorre que apenas uma parcela dos indígenas tem magistério, sendo que acaso realizado processo seletivo, serão muito provavelmente contratados brancos para dar aulas aos indígenas; Considerando a necessária observância aos princípios da igualdade e da impessoalidade na Administração Pública, bem como ao princípio da imprescindibilidade de concurso público para acesso a cargos públicos, dentre eles os relativos à educação, conforme normas in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 3
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Considerando que a previsão de concurso público é uma tradução do não favorecimento do Estado a determinadas pessoas, numa clara decorrência do Estado Democrático de Direito, devendo o Estado tratar todas as pessoas de forma igualitária, sem discriminações ou benefícios, proibindo-se questões pessoais interferirem na atuação da Administração Pública. Considerando que não há macula às normas constitucionais supracitadas a interpretação que conjuga as especificidades incluídas na própria Constituição, pelo art. 231, caput: questão: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Considerando as lições de Luiz Fernando Villares sobre a Qualquer princípio do direito não deve ser encarado enclausurado em seu conceito teórico sem atentar para as desigualdades dos fatos e das pessoas. A própria Constituição, em seu art. 37, I, prevê que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. Não garante a Constituição uma igualdade absoluta, mas permite à lei estabelecer requisitos que delimitem os profissionais a serem contratados pela administração. [ ] Os parâmetros constitucionais para a educação indígena e o respeito a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, exige que o servidor faça parte primordialmente da cultura a ser retransmitida, o que se leva a elencar ao cargo de professor indígena exigência que a um professor não-indígena não se precisa fazer. São valores de mundo de que mesmo um professor não indígena que saiba a língua materna a ser ensinada não compartilha. O relacionamento entre professor e aluno não seria idêntico, o que justifica a disparidade no tratamento. 1 Considerando que não se pode deixar a população indígena 1 Villares, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. 4
sem o serviço público de educação, devendo a Prefeitura Municipal de Manicoré/AM adotar as providências pertinentes à realização do concurso público e, em paralelo, a fim de se evitar a solução de continuidade na educação indígena, realizar a contratação dos profissionais INDÍGENAS por meio de processo seletivo simplificado; Considerando que, num juízo de razoabilidade, tem-se que a desassistência da população é mal muito mais grave (apto a gerar a responsabilidade do gestor municipal) que a realização do processo seletivo simplificado; Considerando, por fim, a prerrogativa conferida ao Ministério Público para expedir RECOMENDAÇÕES aos órgãos públicos, no exercício da defesa dos interesses e direitos da coletividade, visando à melhoria dos serviços públicos de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (art. 6º, inc. XX da LC nº 75/93); O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio da Procuradora da República signatária, no exercício das atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 127, caput, e artigo 129, incisos II, III e V, da Constituição da República; artigo 5º, inciso III, e, inciso V, a, artigo 6º, VII, c, e incisos X e XX, todos da Lei Complementar nº 75/93; artigo 4º, inciso IV e artigo 23, ambos da Resolução 87/2006, do CSMPF, e demais dispositivos pertinentes à espécie, resolve RECOMENDAR: I- ao Município de Manicoré/AM: a) que se abstenha de exigir a formação completa em magistério para contratação de professores indígenas e realize processo seletivo simplificado para contratação temporária de professores INDÍGENAS para lecionar nas Escolas situadas dentro das Terras Indígenas situadas no Município de Manicoré/AM, observada a anuência das comunidades atendidas e a compatibilidade com o nível de ensino atendido, no prazo máximo de 30 dias; b) que adote as providências necessárias a compensar o atraso do ano letivo acarretado pela posição adotada por aquele município; c) que encaminhe projeto de Lei para criação de carreira do 5
magistério indígena no Município de Manicoré/AM, de modo a garantir o ensino diferenciado previsto no art. 210, 2º da Constituição da República, no art. 32, 3º da Lei n. 9.394/96, nas diretrizes estabelecidas na Lei n. 10.172/01, e na Resolução CNE 03/99, no prazo máximo de 180 dias; II- à Secretaria de Educação do Estado do Amazonas que: a) adote as providências necessárias para que o regime de colaboração com o Município de Manicoré/AM, nos termos previstos no art. 9º, II, a da Resolução CNE 03/99, observe as normas previstas no art. 210, 2º da Constituição da República, no art. 32, 3º da Lei n. 9.394/96, nas diretrizes estabelecidas na Lei n. 10.172/01, e na Resolução CNE 03/99, no prazo máximo de 180 dias; b) caso não haja a adequação à norma contida no art. 9º, 1º da Resolução CNE n.º 03/99, assuma a responsabilidade por tais escolas diretamente, nos termos previstos no art. 9º, II da Resolução CNE n.º 03/99, no prazo máximo de 270 dias. Para tanto, determina-se a expedição de ofício à Prefeitura Municipal de Manicoré/AM e à SEDUC/AM para que informem, no prazo de 10 (dez) dias úteis, quanto ao acatamento da presente recomendação, com descrição detalhada do planejamento das ações necessárias para cumprimento da mesma e respectivo cronograma. Comunique-se à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão e à PFDC, por meio de e-mail, 6ccr-admin@pgr.gov.br, bem como à ASCOM desta PR/AM, inclusive com encaminhamento desta Recomendação em arquivo digital, a fim de disponibilização no sítio da PR/AM. Encaminhe-se à Prefeitura Municipal de Manicoré/AM e à SEDUC/AM cópia de projeto de lei do Estado de Rondônia, que visa à criação da carreira de magistério indígena naquele Estado, o qual foi antecedido de ampla debate com as lideranças indígenas, com a participação também do MPF, no qual se estabeleceu que o professor indígena deve ser indígena, com carteira de identificação expedida pela FUNAI, com ingresso mediante a realização de concurso público. 6
Cumpra-se. Manaus, 09 de setembro de 2010. Luciana F. Portal Lima Gadelha Procuradora da República 7